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Jurisprudência


TRF2 0162841-74.2017.4.02.5101 01628417420174025101

Ementa
APELAÇÕES CÍVEIS. REMESSA NECESSÁRIA. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. EX-FERROVIÁRIO. LEI N.º 8.186/1991. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. ARTS. 98 A 102 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 (CPC/2015). AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS AO GOZO DO BENEFÍCIO. REVOGAÇÃO. CABIMENTO. PRELIMINAR DE ILLEGITIMIDADE PASSIVA RECHAÇADA. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO REJEITADA. RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. SUCESSÃO TRABALHISTA. MANUTENÇÃO DA CONDIÇÃO DE FERROVIÁRIO. PARÂMETRO PARA A COMPLEMENTAÇÃO DA APOSENTADORIA. REMUNERAÇÃO DO CARGO CORRESPONDENTE AO DO PESSOAL EM ATIVIDADE NA RFFSA. CORREÇÃO MONETÁRIA. IPCA-e. ADIs 4357 E 4425 E RE 870.947. DANOS MORAIS. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. ART. 85, § 11, DO CPC/15. RECURSOS DO AUTOR E DO INSS CONHECIDOS E IMPROVIDOS. RECURSO DA UNIÃO E REEXAME OFICIAL CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. O cerne da controvérsia ora posta a deslinde cinge-se em saber se, ao fundamento de tratamento isonômico, o demandante tem direito a obter complemento de aposentadoria de que é titular, calculado a partir da tabela salarial aplicada à VALEC, bem como o pagamento de prestações pretéritas com juros e correção monetária e reparação por danos morais. 2. O direito à gratuidade judiciária, em concretização ao direito constitucionalmente garantido de acesso à Justiça, está encartado e disciplinado nos arts. 98 a 102 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015). Para gozar dos benefícios da gratuidade judiciária, a interessada poderá postulá-los na petição inicial, mediante declaração de hipossuficiência, que, segundo a legislação processual, no caso das pessoas naturais, tem presunção de veracidade. Todavia, essa presunção não é absoluta, de modo que, diante de elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade da Justiça, o Juízo poderá indeferí-la, não sem antes instar a parte a comprovar que preenche as condições ao gozo do benefício. 3. O C. Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou a respeito ao afirmar que "não é ilegal condicionar o juiz a concessão da gratuidade à comprovação da miserabilidade jurídica, se a atividade ou o cargo exercido pelo interessado fazem em princípio presumir não se tratar de pessoa pobre" (STJ-RT 686/185). 4. Perlustrando o caderno processual, extrai-se, especialmente da análise do comprovante de rendimentos encartado, que o demandante percebia, em junho de 2017, remuneração bruta no valor de R$ 3.073,84 (três mil e setenta e três reais e oitenta e quatro centavos), o que importa em renda mensal superior ao limite de isenção - R$ 1.903,98 (hum mil, novecentos e três reais e noventa e oito centavos) em abril de 2015 - para o imposto de renda e também superior a três salários mínimos, o que, na ausência de outros elementos de prova que demonstrem a hipossuficiência do autor, não dá ensejo à concessão do 1 benefício de gratuidade de justiça requerido, mormente diante da renda média auferida pelo trabalhador brasileiro. Demais disso, quando da impugnação da concessão do benefício pela União, em sede de contestação, o autor, por ocasião de sua réplica, deixou de adunar documentos referentes às suas despesas mensais que permitissem a conclusão do comprometimento de sua renda salarial e da sua impossibilidade de suportar as despesas do processo. Por fim, veja-se que o demandante sequer aventou a possibilidade de postular o parcelamento das despesas processuais, segundo o estatuído no § 6.º, do art. 98, do vigente Estatuto Processual Civil. 5. Tem sido orientação desta E. Corte adotar, como critério objetivo da presunção do estado de miserabilidade jurídica, o percebimento de renda mensal inferior a 03 (três) salários mínimos, valor esse também utilizado, via de regra, pela Defensoria Pública para o atendimento dos seus assistidos, e igualmente próximo ao valor do limite de isenção do imposto de renda. 6. Rechaçada a tese de ilegitimidade passiva do INSS, haja vista que, nas ações em que se postula revisão ou complementação de aposentadoria ou pensão de ex-ferroviário, devem figurar conjuntamente no polo passivo apenas o INSS e a União. O INSS é responsável diretamente pelo pagamento das aposentadorias, bem como por dar cumprimento à eventual concessão judicial, enquando a União cuida da verba referente à complementação para repasse à autarquia arevidenciária. 7. Não há se falar em prescrição da pretensão autoral, eis que, em se tratando de relação de trato sucessivo, não se cogita de decadência ou prescrição do fundo de direito, mas apenas da quinquenal anterior à propositura da ação, nos termos do Enunciado n.º 85 da Súmula do STJ, estando prescritas apenas as parcelas eventualmente devidas anteriormente a 14.08.2012, já que a presente demanda foi ajuizada em 14.08.2017, na forma do art. 1.º do Decreto n.º 20.910/32. 8. A teor do estatuído no Decreto-Lei n.º 956/1969, a complementação de aposentadoria era devida aos ferroviários servidores públicos, autárquicos ou em regime especial, aposentados até a data de vigência daquele diploma legal. Com a superveniência da Lei n.º 8.186/1991, os ferroviários admitidos, sob qualquer regime, até 1969, assim como aqueles que se aposentaram até a edição do Decreto-Lei n.º 956/1969, têm direito à complementação da aposentadoria prevista no mencionado decreto, que se estende aos pensionistas do ex-ferroviário. Sucede que o art. 1.º da Lei n.º 10.478/2002 estendeu aos ferroviários admitidos até 21/05/1991 o direito à complementação de aposentadoria, de acordo com o estabelecido na Lei n.º 8.186/91. 9. Na espécie, constata-se, a partir do exame dos documentos colacionados no caderno processual, em especial a Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS do autor, que este foi admitido na Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) em 22.03.1976, tendo sido posteriormente absorvido no quadro de pessoal da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) por sucessão trabalhista em 03.10.1987 e transferido para o quadro de pessoal da FLUMITRENS, por força da cisão parcial da CBTU, até que, em 14.04.1998, aposentou-se, pelo Regime Geral da Previdência Social - RGPS. Conforme bem comprovado na CTPS do demandante, sua mudança de quadro de pessoal se deu em razão de sucessão trabalhista guiada pela política de descentralização do sistema de transporte ferroviário. Do mais, a aludida lei somente exige o ingresso na RFFSA, ou em suas subsidiárias, sem a necessidade de que o trabalhador se aposente laborando na mesma empresa, desde que mantenha a qualidade de ferroviário. 10. São ferroviários os trabalhadores de empresas ferroviárias. Sob esta ótica, é indiscutível que o demandante laborou não só na RFFSA, como também na CBTU e na FLUMITRENS, empresas públicas sucessoras daquele órgão. Logo, deve o autor ser enquadrado na categoria de ferroviário, salientando que nunca teve seu contrato de trabalho interrompido ou mesmo alterado, continuando sempre a exercer exatamente as mesmas atividades, que podem ser incluídas, sem titubeio, na definição legal de serviço ferroviário. 2 11. O parâmetro para a complementação é a remuneração do cargo correspondente ao do pessoal em atividade na RFFSA, e apenas as parcelas permanentes diretamente relacionadas com o cargo (e não com a situação pessoal de cada ex-ferroviário quando ainda estava em atividade) compreendem a respectiva remuneração, acrescida somente da gratificação adicional por tempo de serviço (art. 2.º, caput, da Lei n.º 8.186/91. c/c o art. 41 da Lei n.º 8.112/90). 12. O fato de determinado empregado ter incorporado gratificações ou qualquer outra vantagem remuneratória - inclusive as decorrentes do exercício de cargos ou funções de confiança - de forma alguma tem o condão de influenciar no cálculo do valor da complementação a que este empregado fará jus após a aposentadoria. Afinal, tal incorporação - de caráter estritamente individual - em nada altera o paradigma remuneratório utilizado no cálculo da complementação, a ser aplicado, nos termos da lei, indistintamente a todos os beneficiários que, por ocasião da aposentadoria, encontrarem-se no mesmo nível de referência. 13. Os ditames da Lei n.º 8.186/1991 são claros ao estabelecer um paradigma remuneratório único para todos os ferroviários admitidos na Rede Ferroviária Federal S.A. até 21 de maio de 1993, independentemente de desdobramentos funcionais posteriores. Por conseguinte, o valor da complementação deve ser igual para aposentados da própria RFFSA e de suas subsidiárias (CBTU, Trensurb, etc.) que se encontrem em situação idêntica (mesmo nível funcional), sob pena de afronta à isonomia pretendida pelo legislador ordinário ao instituir o benefício previdenciário em tela. Aliás, tal isonomia é explicitamente garantida pelo § 1.º do art. 118 da Lei n.º 10.233/2001 (redação dada pela Lei n.º 11.483/2007), ao determinar que a paridade remuneratória relacionada à complementação de aposentadoria instituída pelas Leis n.ºs 8.186/1991 e 10.478/2002 terá como referência os valores previstos no plano de cargos e salários da extinta RFFSA, aplicados aos empregados cujos contratos de trabalho foram transferidos para quadro de pessoal especial da Valec, com o acréscimo da gratificação adicional por tempo de serviço. Dessarte, não assiste razão ao autor em sua pretensão de que seja aplicada outra tabela - que não a da RFFSA - no cálculo do valor de sua complementação de aposentadoria. 14. As parcelas pretéritas devidas a título de complementação de aposentadoria deverão ser corrigidas monetariamente, desde a data em que devidas, e acrescidas de juros de mora, a partir da data da citação. 15. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, em relação à correção monetária, deverá ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E mensal, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o qual persistirá até o efetivo pagamento pela Fazenda Nacional, corrigindo-se as diferenças da data de cada parcela devida (ADIs 4357 e 4425 e RE n.º 870.947). A utilização da TR, nesse contexto, revela-se inconstitucional e deve ser afastada. 16. Por ora, o IPCA-E foi fixado como índice de correção monetária por ser o que, atualmente, apresenta melhor capacidade de captar o fenômeno inflacionário. Contudo, em relação às situações futuras, deve-se observar o índice constante do Manual de Cálculos da Justiça Feeral, caso o IPCA-E deixe de representar o índice qualificado a capturar a variação de preços da economia, sendo inidôneo a promover os fins a que se destina. 17. Ressalvada a possibilidade de compensação de valores eventualmente já recebidos na via administrativa sob o mesmo título. 18. Pedido de indenização por danos morais julgado improcedente, haja vista a inexistência de qualquer ato ilícito praticado pela Administração. Isto porque o autor não comprovou nos autos a apresentação de requerimento, na seara administartiva, da complementação de aposentadoria ora postulada, a acarretar eventual responsabilização da Administração pela demora na apreciação ou pelo indeferimento do pleito. De mais a mais, ainda que houvesse sido juntado prévio requerimento administrativo, o fato de a Administração, ao interpretar a legislação em face da situação fática, reputar 3 que o autor não preenchia os requisitos para a concessão da complementação de pensão por morte de ex- ferroviário e, assim, indeferir o benefício, por si só, não constiui ato ilícito, não ensejando, por isso mesmo, o direito ao pagamento de indenização por danos morais. 19. O egrégio Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado Administrativo n.º 07, no qual restou definido que "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC.". Considerando que a sentença ora combatida foi publicada em 14 de novembro de 2017 e levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, ficam os honorários advocatícios devidos pelos demandados majorados, pro rata, no percentual de 1% (um por cento) sobre o valor da condenação obtido na fase de liquidação, e os devidos pelo demandante também majorados em 1% (um por cento) sobre o valor a que foi condenado na sentença, com espeque no art. 85, § 11, do CPC/15, gizando que, em relação ao autor, não mais está suspensa a exigibilidade de tal verba, por força da revogação do benefício da gratuidade de justiça. 20. Apelações do autor e do INSS conhecidas e improvidas. Apelação da União e remessa necessária conhecidas e parcialmente providas.

Data do Julgamento : 22/06/2018
Data da Publicação : 27/06/2018
Classe/Assunto : APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 6ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
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