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Jurisprudência


TRF2 0183519-13.2017.4.02.5101 01835191320174025101

Ementa
APELAÇÕES CÍVEIS. REMESSA NECESSÁRIA. DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PENSÃO TEMPORÁRIA POR MORTE. FILHA MAIOR, SOLTEIRA E NÃO OCUPANTE DE CARGO PÚBLICO. CUMULAÇÃO COM PENSÃO POR MORTE DE EX-COMBATENTE. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICO-SISTEMÁTICA DO TERMO "CARGO PÚBLICO PERMANENTE". AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. FACULDADE DE OPÇÃO PELA PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. ART 25 DA LEI N.º 12.016/2009. RECURSO DO INSS CONHECIDO E PROVIDO. RECURSO DA UNIÃO E REEXAME OFICIAL CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. A controvérsia ora posta a deslinde cinge-se a perquirir acerca da possibilidade de a impetrante cumular dois benefícios de pensão por morte: um concedido com esteio nas Leis n.ºs 4.242/1963 e 3.765/1960 (pensão de ex-combatente) e outro com lastro na Lei n.º 3.373/1958 (pensão de filha maior solteira de servidor público civil). 2. O direito à pensão por morte é regido pela lei vigente à época do falecimento do instituidor do benefício (STJ - AgRg/REsp n. 652.186/RJ, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU de 08.11.2004, pág. 291). Na espécie, o ex-servidor faleceu em 10.02.1987 (fl. 32), de modo que há de se aplicar a Lei n.º 3.373/1958, e não a Lei n.º 8.112/1990, no que toca à pensão paga pelo INSS. 3. De uma exegese puramente literal da dicção dos preceptivos em referência, é possível haurir que, com efeito, a situação jurígena da autora, de titular de pensão por morte de ex-combatente, não guarda nenhuma correlação com cargo público, na medida em que os aludidos benefícios se submetem a regimes jurídicos diversos. Todavia, semelhante diretriz vetorial não se configura a melhor interpretação, porquanto a mens legislatoris ou a ratio legis do diploma legal em comento, forte na ideia de que a norma jurídica é produto social e cultural de seu tempo, reflete, sob a égide de sua vigência, as necessidades sociais de antanho, contexto em que, num país onde a família era tradicional e marcadamente patriarcal, bem como notoriamente era diminuta e assaz difícil a participação feminina no mercado de trabalho, diferentemente do que se sucede hodiernamente, momento histórico-social em que a mulher representa uma força laboral pujante, com amplas possibilidades de plena e progressiva ascensão profissional, o que não raro é-lhe hábil a alcançar a sua tencionada independência financeira. 4. O legislador, decerto, ao instituir o plano de previdência para os servidores da União e cobrir o risco social morte, estatuído na Lei n.º 3.373/58, art. 5.º, II, parágrafo único, contemplou, entre seus benefícios e beneficiários, pensão temporária por morte para filha maior de 21 (vinte e um) anos, solteira e não detentora de cargo público permanente, com o que visou assegurar proteção familiar aos dependentes do servidor, outorgando-lhes meios de subsistência digna, os quais de outro modo não poderiam prover às 1 suas necessidades econômicas, na ocorrência contingencial de eventual passamento do provisor da família, inferência que se extrai do próprio texto legal: 5. A pensão por morte de ex-combatente percebida pela autora pode ser equiparada à remuneração de cargo público permanente, pois é paga com regularidade pela União. Não se pode confundir dependência econômica com redução do padrão de qualidade de vida, em razão da supressão da pensão em discussão. A finalidade do benefício assegurada pela lei é tutelar a subsistência do familiar que se vê surpreendido com o falecimento de seu provedor. Em análise perfunctória, entendimento diverso afrontaria a própria ratio da lei, pois permitiria a continuidade do pagamento àquele que não se encontra em situação de desamparo. 6. Na hipótese em comento, a autora não satisfaz os requisitos legais estatuídos no art. 5.º, II, parágrafo único, da Lei n.º 3.373/58, haja vista que, consoante comprovado nos autos, recebe pensão por morte de ex-combatente, inegavelmente de nítido caráter permanente, apto a descaracterizar a dependência econômica exigida pela lei para a fruição do benefício de pensão vindicada, tal como constatado pela Administração Pública. 7. A circunstância de a demandante receber, indevidamente, a pensão por morte em exame, por largo período de tempo, resultante de manifesto error administrativo, não tem o condão de lhe outorgar legítimo direito à percepção de referido benefício, não só porquanto inexiste direito adquirido contra legem, como também porque a Administração Pública sujeita-se ao princípio da legalidade estrita e, ademais, é investida do poder de autotutela, de modo que deve, respeitado o devido processo-legal-administrativo, especialmente os princípios do contraditório e da ampla defesa, rever seus atos quando tisnados de ilegalidade, como se deu no caso concreto. 8. De acordo com os preceitos em vigor quando do óbito do instituidor (art. 30 da Lei n.º 4.242/63 e artigos 7.º, II, e 24, ambos da Lei n.º 3.765/60), a pensão de ex-combatente equivale à deixada por um Segundo Sargento e pode ser revertida à filha de qualquer condição após o óbito da viúva. Ocorre que o legislador ordinário, ao regular o direito ao benefício do art. 30 da Lei n.º 4.242/63, estabeleceu requisitos mais restritivos para o recebimento da pensão equivalente à deixada por um Segundo Sargento. Ainda que o interessado tenha participado efetivamente de operações de guerra durante a Segunda Guerra Mundial, sendo considerado ex-combatente, é claro que, para fazer jus à pensão de Segundo Sargento (estipulada no art. 26 da Lei n.º 3.765/60), precisa (i) encontrar-se incapacitado, sem poder prover os próprios meios de subsistência, e (ii) não estar percebendo qualquer importância dos cofres públicos, exigência esta que deve ser estendida a seus herdeiros. 9. O preenchimento no passado, vale dizer, na data do óbito do ex-combatente, dos requisitos exigidos no art. 30 da Lei n.º 4.242/63, não garante a percepção do benefício de forma vitalícia, sendo necessária a comprovação contínua do atendimento dos mesmos. Com efeito, "não perceber qualquer importância dos cofres públicos" é condição que, se não atendida, pode, a qualquer tempo, ensejar a perda do benefício pelo ex-combatente, assim também ocorrendo com aqueles herdeiros que, embora dependessem do ex-combatente quando do seu falecimento, por qualquer razão tornaram-se capazes e passaram a poder prover os próprios meios de subsistência e/ou a receber qualquer importância dos cofres públicos. 10. In casu, verifica-se que a demandante declara, na petição inicial, ser beneficiária de pensão também instituída pelo seu genitor. Sucede que as Leis n.º 3.765/60 e n.º 4.242/63, que previam a concessão da pensão especial às filhas maiores e não inválidas, vedavam a acumulação da pensão de ex- combatente equivalente à deixada por um Segundo Sargento com "qualquer importância" recebida "dos cofres públicos", o que, em razão da generalidade do texto, engloba qualquer tipo de despesa pública, nos termos do Enunciado n.º 55 da Súmula deste Tribunal (j. em 02/12/2010, in E-DJF2R 16/03/2011). 2 11. Tendo a demandante direito à pensão de ex-combatente, mas não podendo cumular tal benefício com a pensão que já percebe, na forma da legislação de regência, a ela deve ser permitido optar pelo benefício que lhe for mais vantajoso. 12. Rechaçada a tese de decadência do direito de a Administração anular o ato que ensejou a indevida (e ilegal) acumulação de proventos, uma vez que se trata de ato nulo que não se convalida com o decurso do tempo. Legitimar a continuidade da percepção de verbas públicas que nunca deveriam ter sido pagas, ante a ilegalidade da acumulação, equivaleria a se considerar como adquirido um direito que nunca existiu, posto que o fundamento para sua existência é nulo desde a origem. 13. Cuidando-se a pensão estatuída no art. 5.º, inciso II, da Lei n.º 3.373/1958, de benefício de natureza temporária, os requisitos nela previstos, a exemplo da dependência econômica com o instituidor, devem, como dito alhures, ser permanentemente verfiicados pela Administração, no exercício do seu poder-dever de autotutela, como condição para a continuidade de sua percepção. 14. Descabida a condenação ao pagamento de honorários de sucumbência recursal, uma vez que, com supedâneo no art. 85, § 11, da vigente Lei de Ritos, a sua fixação pressupõe condenação anterior a ser majorada, o que não ocorreu na hipótese em comento. 15. Apelação do INSS conhecida e provida. Apelação da União e remessa necessária conhecidas e parcialmente providas.

Data do Julgamento : 29/06/2018
Data da Publicação : 05/07/2018
Classe/Assunto : APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador : 6ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a) : GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
Comarca : TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
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