TRF2 0500195-48.2017.4.02.5105 05001954820174025105
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E CIVIL. PENSÃO POR MORTE ESTATUTÁRIA (ART. 215 DA
LEI Nº 8.112/90). NETO DE SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE
DEFICIÊNCIA. SÍNDROME DE DOWN. NÃO ENQUADRAMENTO DO ROL DE BENEFICIÁRIOS
DO ARTIGO 217 DA LEI Nº 8.112/90. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
LEGAIS. PENSÃO POR MORTE PERCEBIDA PELA CÔNJUGE DO SERVIDOR PÚBLICO. EXCLUSÃO
DOS DEMAIS BENEFICIÁRIOS. RECURSO DESPROVIDO. 1. Trata-se de apelação
interposta por ORLANDO MARQUES DO VALE NETO, representado por sua mãe e
curadora Rosimar Raposo dos Santos Marques, tendo por objeto a sentença de
fls. 105/106, nos autos da ação ordinária por ele proposta em face da UNIÃO
FEDERAL, objetivando a declaração de dependência econômica em relação a seu
falecido avô, ex-servidor público federal, e a consequente habilitação para
percepção da pensão por morte por ele instituída. 2. Como causa de pedir,
historia o autor que é portador de Síndrome de Down, condição que ocasiona
dificuldades de aprendizado e patologias físicas que demandam cuidados
especiais, e que, por ser incapaz para a prática de atos da vida civil, foi
instituída a sua curatela, sob responsabilidade de sua mãe, Rosimar Raposo dos
Santos Marques. Afirma que sua mãe é aposentada por invalidez pelo Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, percebendo um salário mínimo de renda,
o que fez com que se tornasse dependente econômico de seus avós paternos,
o Sr. Orlando Marques do Vale, ex-servidor público da Polícia Civil do antigo
Distrito Federal, e a Sra. Vicentina Eiras Marques, atualmente beneficiária da
pensão por morte instituída por este. Assevera que a pensão por morte reverte
em seu favor por força de acordo de alimentos homologado judicialmente, mas
que, em razão da avançada de sua avó, buscou o reconhecimento administrativo
da dependência econômica, tendo o requerimento sido indeferido. Sustenta,
assim, que deve ser reconhecida pelo Poder Judiciário a dependência econômica
para com seus avós e, em consequência, possa ele se habilitar para percepção
da pensão quando do óbito de sua avó. 3. Inicialmente, o recurso desenvolve
argumento no sentido de infirmar a nulidade da sentença por infringência
do dever constitucional de fundamentação das decisões, previsto no artigo
93, inciso IX, da Constituição Federal. Não há, entretanto, vício de
fundamentação. Já há muito foi pacificado na jurisprudência dos Tribunais
Superiores o entendimento no sentido de que a fundamentação sucinta da decisão
não gera defeito acaso venha a apreciar as questões e teses relevantes
apresentadas pelas partes. Isto é, não se exige, para que a sentença seja
considerada fundamentada, que suas explanações sejam exaustivas, desde que
abordem as 1 principais questões controvertidas. No presente, vê-se que a
sentença foi breve, mas tratou de toda a matéria jurídica levada à apreciação
do Poder Judiciário, não havendo que se cogitar de violação ao dever de
fundamentação. 4. Segundo jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de
Justiça, deve-se aplicar, para as relações jurídicas envolvendo pensão por
morte, a norma vigente à época do óbito do segurado, o que vem expresso no
Enunciado nº 340 de sua súmula. No caso, embora a demanda de declaração da
condição de dependente e a habilitação para percepção da pensão tenha sido
formulada em 2016, o óbito do de cujus se deu antes de 05/10/1999, data que
consta do demonstrativo de pagamento da pensão alimentícia 5. É de se notar
que o rol da Lei nº 8.112/1990 era significativamente mais amplo do que o que
consta da redação atual do seu artigo 217, definida pela Lei nº 13.135/2015. Na
redação original, havia previsão entre os beneficiários tanto do "menor
sob guarda ou tutela" quanto da "pessoa designada", categorias que poderiam
abranger, por exemplo, o neto do servidor público federal, que, na condição de
descendente de segundo grau, não se enquadraria nos estritos termos da alínea
"a" do inciso II desse artigo de lei, em sua redação original. Apreciando
os dados concretos deste litígio, revela-se que a situação fática do autor
não se amolda perfeitamente aos estritos termos da norma legal. 6. Estreme
de dúvidas que ele não era, à época do óbito de seu avô, "menor sob guarda
ou tutela", uma vez que a constituição de tais situações jurídicas se dá,
necessariamente, por decisão judicial, em procedimentos delineados na Lei
nº 8.069/1990. Por esse mesmo motivo, não tendo seu avô a sua guarda e nem
a sua tutela, não era o autor dependente nos termos do Estatuto da Criança
e do Adolescente, afastando-se a norma especial do artigo 33, § 3º, dessa
lei. 7. O fato de ter sido instituída curatela em favor da mãe do autor não
equivale, por si só, à incompleta incapacidade laboral. O parâmetro utilizado
pela norma previdenciária do Regime Próprio dos servidores públicos federais,
à semelhança do previsto no regramento do Regime Geral de Previdência Social
- Lei nº 8.213/1990 - não é a incapacidade civil, definida pelo Código
Civil como a inaptidão para exercício pessoal de atos da vida civil, mas a
inaptidão completa para o trabalho. E tal distinção é de suma relevância,
pois, à luz do que dispõe o próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência,
que pretendeu, dentre outras medidas, estimular a inclusão de pessoas com
deficiência no mercado de trabalho, não se pode equiparar o incapaz civil
- no caso, contando o autor, atualmente, com 30 (trinta) anos, seria ele
considerado, quando muito, relativamente incapaz, com espeque no artigo 4º,
inciso III, do Código Civil - ao inválido. Em outras palavras, não existe
correlação necessária entre as figuras da incapacidade, ainda que resulte
ela de deficiência, e a invalidez, esta sim que é requisito para a percepção
do benefício previdenciário, e a qual não foi comprovada nestes autos, sendo
insuficiente, para tanto, a existência de curatela, instituto que se presta
essencialmente à gestão patrimonial do curatelado. 8. Embora o requisito da
"designação" administrativa tenha sido relativizado pela jurisprudência em
determinados casos, não se pode perder de vista a ratio da norma que autorizava
essa possibilidade, que era a de permitir que o servidor público indicasse
determinada pessoa para que, preenchidos os demais requisitos legais, fosse
considerada "prioritária" para a percepção da pensão por morte. E isso se
deve ter claro, uma vez que a lei estabelece um sistema de prioridades,
prevalecendo, por exemplo, o cônjuge e os filhos menores em relação aos
genitores e aos irmãos do servidor público, por exemplo. Sem a designação,
deve-se seguir a sistemática 2 preordenada por lei. 9. Compete observar que
o presente caso apresenta um óbice legal intransponível à pretensão do autor,
que é justamente o fato de que a viúva do ex-servidor público federal, sua avó,
já vem percebendo o benefício previdenciário. Sendo ela cônjuge supérstite,
na forma da redação original do artigo 217, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.112/1990,
a concessão do benefício em seu favor exclui os demais beneficiários elencados
nos incisos I e II do caput do mesmo artigo. Dessa forma, revela-se inviável
a extensão do mesmo benefício ao autor, uma vez que, hipoteticamente, mesmo
que ele pudesse ser considerado "pessoa designada" (e não o pode), restaria
excluído pela prioridade devida ao cônjuge, na condição de primeira classe
de beneficiário. 10. Apelação desprovida. Em atendimento do artigo 85, § 11,
do CPC, a verba honorária fixada na sentença é majorada em 1% (hum por cento),
devendo-se observar o disposto no artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal.
Ementa
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E CIVIL. PENSÃO POR MORTE ESTATUTÁRIA (ART. 215 DA
LEI Nº 8.112/90). NETO DE SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PESSOA PORTADORA DE
DEFICIÊNCIA. SÍNDROME DE DOWN. NÃO ENQUADRAMENTO DO ROL DE BENEFICIÁRIOS
DO ARTIGO 217 DA LEI Nº 8.112/90. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
LEGAIS. PENSÃO POR MORTE PERCEBIDA PELA CÔNJUGE DO SERVIDOR PÚBLICO. EXCLUSÃO
DOS DEMAIS BENEFICIÁRIOS. RECURSO DESPROVIDO. 1. Trata-se de apelação
interposta por ORLANDO MARQUES DO VALE NETO, representado por sua mãe e
curadora Rosimar Raposo dos Santos Marques, tendo por objeto a sentença de
fls. 105/106, nos autos da ação ordinária por ele proposta em face da UNIÃO
FEDERAL, objetivando a declaração de dependência econômica em relação a seu
falecido avô, ex-servidor público federal, e a consequente habilitação para
percepção da pensão por morte por ele instituída. 2. Como causa de pedir,
historia o autor que é portador de Síndrome de Down, condição que ocasiona
dificuldades de aprendizado e patologias físicas que demandam cuidados
especiais, e que, por ser incapaz para a prática de atos da vida civil, foi
instituída a sua curatela, sob responsabilidade de sua mãe, Rosimar Raposo dos
Santos Marques. Afirma que sua mãe é aposentada por invalidez pelo Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS, percebendo um salário mínimo de renda,
o que fez com que se tornasse dependente econômico de seus avós paternos,
o Sr. Orlando Marques do Vale, ex-servidor público da Polícia Civil do antigo
Distrito Federal, e a Sra. Vicentina Eiras Marques, atualmente beneficiária da
pensão por morte instituída por este. Assevera que a pensão por morte reverte
em seu favor por força de acordo de alimentos homologado judicialmente, mas
que, em razão da avançada de sua avó, buscou o reconhecimento administrativo
da dependência econômica, tendo o requerimento sido indeferido. Sustenta,
assim, que deve ser reconhecida pelo Poder Judiciário a dependência econômica
para com seus avós e, em consequência, possa ele se habilitar para percepção
da pensão quando do óbito de sua avó. 3. Inicialmente, o recurso desenvolve
argumento no sentido de infirmar a nulidade da sentença por infringência
do dever constitucional de fundamentação das decisões, previsto no artigo
93, inciso IX, da Constituição Federal. Não há, entretanto, vício de
fundamentação. Já há muito foi pacificado na jurisprudência dos Tribunais
Superiores o entendimento no sentido de que a fundamentação sucinta da decisão
não gera defeito acaso venha a apreciar as questões e teses relevantes
apresentadas pelas partes. Isto é, não se exige, para que a sentença seja
considerada fundamentada, que suas explanações sejam exaustivas, desde que
abordem as 1 principais questões controvertidas. No presente, vê-se que a
sentença foi breve, mas tratou de toda a matéria jurídica levada à apreciação
do Poder Judiciário, não havendo que se cogitar de violação ao dever de
fundamentação. 4. Segundo jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de
Justiça, deve-se aplicar, para as relações jurídicas envolvendo pensão por
morte, a norma vigente à época do óbito do segurado, o que vem expresso no
Enunciado nº 340 de sua súmula. No caso, embora a demanda de declaração da
condição de dependente e a habilitação para percepção da pensão tenha sido
formulada em 2016, o óbito do de cujus se deu antes de 05/10/1999, data que
consta do demonstrativo de pagamento da pensão alimentícia 5. É de se notar
que o rol da Lei nº 8.112/1990 era significativamente mais amplo do que o que
consta da redação atual do seu artigo 217, definida pela Lei nº 13.135/2015. Na
redação original, havia previsão entre os beneficiários tanto do "menor
sob guarda ou tutela" quanto da "pessoa designada", categorias que poderiam
abranger, por exemplo, o neto do servidor público federal, que, na condição de
descendente de segundo grau, não se enquadraria nos estritos termos da alínea
"a" do inciso II desse artigo de lei, em sua redação original. Apreciando
os dados concretos deste litígio, revela-se que a situação fática do autor
não se amolda perfeitamente aos estritos termos da norma legal. 6. Estreme
de dúvidas que ele não era, à época do óbito de seu avô, "menor sob guarda
ou tutela", uma vez que a constituição de tais situações jurídicas se dá,
necessariamente, por decisão judicial, em procedimentos delineados na Lei
nº 8.069/1990. Por esse mesmo motivo, não tendo seu avô a sua guarda e nem
a sua tutela, não era o autor dependente nos termos do Estatuto da Criança
e do Adolescente, afastando-se a norma especial do artigo 33, § 3º, dessa
lei. 7. O fato de ter sido instituída curatela em favor da mãe do autor não
equivale, por si só, à incompleta incapacidade laboral. O parâmetro utilizado
pela norma previdenciária do Regime Próprio dos servidores públicos federais,
à semelhança do previsto no regramento do Regime Geral de Previdência Social
- Lei nº 8.213/1990 - não é a incapacidade civil, definida pelo Código
Civil como a inaptidão para exercício pessoal de atos da vida civil, mas a
inaptidão completa para o trabalho. E tal distinção é de suma relevância,
pois, à luz do que dispõe o próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência,
que pretendeu, dentre outras medidas, estimular a inclusão de pessoas com
deficiência no mercado de trabalho, não se pode equiparar o incapaz civil
- no caso, contando o autor, atualmente, com 30 (trinta) anos, seria ele
considerado, quando muito, relativamente incapaz, com espeque no artigo 4º,
inciso III, do Código Civil - ao inválido. Em outras palavras, não existe
correlação necessária entre as figuras da incapacidade, ainda que resulte
ela de deficiência, e a invalidez, esta sim que é requisito para a percepção
do benefício previdenciário, e a qual não foi comprovada nestes autos, sendo
insuficiente, para tanto, a existência de curatela, instituto que se presta
essencialmente à gestão patrimonial do curatelado. 8. Embora o requisito da
"designação" administrativa tenha sido relativizado pela jurisprudência em
determinados casos, não se pode perder de vista a ratio da norma que autorizava
essa possibilidade, que era a de permitir que o servidor público indicasse
determinada pessoa para que, preenchidos os demais requisitos legais, fosse
considerada "prioritária" para a percepção da pensão por morte. E isso se
deve ter claro, uma vez que a lei estabelece um sistema de prioridades,
prevalecendo, por exemplo, o cônjuge e os filhos menores em relação aos
genitores e aos irmãos do servidor público, por exemplo. Sem a designação,
deve-se seguir a sistemática 2 preordenada por lei. 9. Compete observar que
o presente caso apresenta um óbice legal intransponível à pretensão do autor,
que é justamente o fato de que a viúva do ex-servidor público federal, sua avó,
já vem percebendo o benefício previdenciário. Sendo ela cônjuge supérstite,
na forma da redação original do artigo 217, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.112/1990,
a concessão do benefício em seu favor exclui os demais beneficiários elencados
nos incisos I e II do caput do mesmo artigo. Dessa forma, revela-se inviável
a extensão do mesmo benefício ao autor, uma vez que, hipoteticamente, mesmo
que ele pudesse ser considerado "pessoa designada" (e não o pode), restaria
excluído pela prioridade devida ao cônjuge, na condição de primeira classe
de beneficiário. 10. Apelação desprovida. Em atendimento do artigo 85, § 11,
do CPC, a verba honorária fixada na sentença é majorada em 1% (hum por cento),
devendo-se observar o disposto no artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal.
Data do Julgamento
:
25/10/2018
Data da Publicação
:
30/10/2018
Classe/Assunto
:
AC - Apelação - Recursos - Processo Cível e do Trabalho
Órgão Julgador
:
6ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
ALFREDO JARA MOURA
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
ALFREDO JARA MOURA
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