TRF2 0517682-29.2006.4.02.5101 05176822920064025101
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. INVERSÃO DE ORDEM
PROCESSUAL. ART. 222, § 1º E 2º DO CPP. VIOLAÇÃO AO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA
RICA. ART. 8º, 2, C. NORMA SUPRALEGAL. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. AUSÊNCIA
DE VIOLAÇÃO DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. NULIDADE DECRETADA. ANULAÇÃO DA
SENTENÇA. APELAÇÃO CRIMINAL DA RÉ PROVIDA. 1 - O art. 222 do CPP determina
que a expedição de carta precatória não suspende a instrução criminal e
permite a prolação de sentença antes mesmo da juntada da Carta Precatória
aos autos. 2 - Tal dispositivo viola as garantias mínimas estabelecidas
no art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica), norma de status supralegal, ou seja, situada em
nosso ordenamento jurídico abaixo da Constituição e acima da legislação
interna, tornando inaplicável legislação infraconstitucional conflitante,
conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal em entendimento externado
no julgamento em conjunto do HC. 87.585-TO, do RE 466.343-SP e do RE 349703,
ao decidir pela impossibilidade da prisão civil do depositário infiel; e na
ADI 5240, ao tratar da compatibilidade da Audiência de Custódia com o sistema
processual penal brasileiro. 3 - A inversão da ordem processual de oitiva das
testemunhas de defesa e acusação; bem como a realização de interrogatório do
réu sem que tenham sido devolvidas todas as cartas precatórias ao juízo de
origem; e a prolação de julgamento de mérito sem que todas as provas estejam
disponíveis para serem refutadas ou realçadas obsta ao acusado o acesso aos
meios necessários à preparação de sua defesa técnica. 4 - Sob outro aspecto,
a aplicação do art. 222 do CPP enfraquece a própria autodefesa, eis que o
réu não poderá valer-se amplamente de seu interrogatório para rebater todas
as afirmações feitas pelas testemunhas ou elucidar eventuais declarações que
venham a lhe favorecer. 5 - Violada a garantia prevista no art. 8º, 2., c do
Pacto de São José da Costa Rica, é inaplicável a autorização dos § 1º e 2º do
art. 222 do CPP para oitiva do réu e para a prolação de sentença condenatória
sem que a devolução das cartas precatórias tenha ocorrido. Tais disposições
são ineficazes por força do conflito entre a lei ordinária e a norma supralegal
apontada. 6 - Ainda que a garantia ao contraditório e à ampla defesa encontre
abrigo na Constituição Federal, não se trata, propriamente, de hipótese de
declaração de inconstitucionalidade do art. 222, § 1º e 2º do CPP, o que
violaria a cláusula de reserva de plenário insculpida no art. 97 da CF e na
Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal, mas sim de exercício de
controle de convencionalidade. 7 - Reconhecimento da ilegalidade da norma e,
consequentemente, da nulidade do julgamento realizado sem a observância do
devido processo legal. 8 - Preliminar reconhecida. Apelação criminal provida.
Ementa
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. INVERSÃO DE ORDEM
PROCESSUAL. ART. 222, § 1º E 2º DO CPP. VIOLAÇÃO AO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA
RICA. ART. 8º, 2, C. NORMA SUPRALEGAL. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. AUSÊNCIA
DE VIOLAÇÃO DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. NULIDADE DECRETADA. ANULAÇÃO DA
SENTENÇA. APELAÇÃO CRIMINAL DA RÉ PROVIDA. 1 - O art. 222 do CPP determina
que a expedição de carta precatória não suspende a instrução criminal e
permite a prolação de sentença antes mesmo da juntada da Carta Precatória
aos autos. 2 - Tal dispositivo viola as garantias mínimas estabelecidas
no art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica), norma de status supralegal, ou seja, situada em
nosso ordenamento jurídico abaixo da Constituição e acima da legislação
interna, tornando inaplicável legislação infraconstitucional conflitante,
conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal em entendimento externado
no julgamento em conjunto do HC. 87.585-TO, do RE 466.343-SP e do RE 349703,
ao decidir pela impossibilidade da prisão civil do depositário infiel; e na
ADI 5240, ao tratar da compatibilidade da Audiência de Custódia com o sistema
processual penal brasileiro. 3 - A inversão da ordem processual de oitiva das
testemunhas de defesa e acusação; bem como a realização de interrogatório do
réu sem que tenham sido devolvidas todas as cartas precatórias ao juízo de
origem; e a prolação de julgamento de mérito sem que todas as provas estejam
disponíveis para serem refutadas ou realçadas obsta ao acusado o acesso aos
meios necessários à preparação de sua defesa técnica. 4 - Sob outro aspecto,
a aplicação do art. 222 do CPP enfraquece a própria autodefesa, eis que o
réu não poderá valer-se amplamente de seu interrogatório para rebater todas
as afirmações feitas pelas testemunhas ou elucidar eventuais declarações que
venham a lhe favorecer. 5 - Violada a garantia prevista no art. 8º, 2., c do
Pacto de São José da Costa Rica, é inaplicável a autorização dos § 1º e 2º do
art. 222 do CPP para oitiva do réu e para a prolação de sentença condenatória
sem que a devolução das cartas precatórias tenha ocorrido. Tais disposições
são ineficazes por força do conflito entre a lei ordinária e a norma supralegal
apontada. 6 - Ainda que a garantia ao contraditório e à ampla defesa encontre
abrigo na Constituição Federal, não se trata, propriamente, de hipótese de
declaração de inconstitucionalidade do art. 222, § 1º e 2º do CPP, o que
violaria a cláusula de reserva de plenário insculpida no art. 97 da CF e na
Súmula Vinculante nº 10 do Supremo Tribunal Federal, mas sim de exercício de
controle de convencionalidade. 7 - Reconhecimento da ilegalidade da norma e,
consequentemente, da nulidade do julgamento realizado sem a observância do
devido processo legal. 8 - Preliminar reconhecida. Apelação criminal provida.
Data do Julgamento
:
04/10/2016
Classe/Assunto
:
APELAÇÃO CRIMINAL
Órgão Julgador
:
2ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
ANDRÉ FONTES
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
SIMONE SCHREIBER
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