TRF2 0804972-93.2009.4.02.5101 08049729320094025101
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME DE QUADRILHA
ARMADA. ART. 288, CAPUT E § ÚNICO DO CP. CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA. ART. 317
DO CP. TIPIFICAÇÃO. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI
Nº 9.613/98. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. FIM DE PRERROGATIVA DE
FORO. CONEXÃO. PRORROGAÇÃO DE COMPETÊNCIA. CONVOCAÇÃO DE JUIZ FEDERAL
PARA TRF. LEI Nº 5.010/66. LC Nº 35/79. I N T E R R U P Ç Ã O D E C
O N V O C A Ç Ã O D E J U I Z F E D E R A L . REGULARIDADE. OPERAÇÃO
GLADIADOR. OPERAÇÃO SEGURANÇA PÚBLICA S/A. DESDOBRAMENTO. PROVA
EMPRESTADA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INQUÉRITO. ACESSO. RESPOSTA À
DENÚNCIA. REGULARIDADE. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO. A
R Q U I V A M E N T O I M P L Í C I T O . I N E X I S T Ê N C I A . R E
P E R C U S S Ã O GERAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO INCABÍVEL. INTERCEPTAÇÃO
TELEFÔNICA. REGULARIDADE. PRORROGAÇÃO. TRANSCRIÇÃO. "LOTEAMENTO" DE
DELEGACIAS DE POLÍCIA. CRIMES ANTECEDENTES À LAVAGEM. MODUS OPERANDI
DA QUADRILHA. REMUNERAÇÃO INCOMPATÍVEL COM GASTOS PESSOAIS. PROVAS DE
AUTORIA E M A T E R I A L I D A D E . D O S I M E T R I A . C U L P A B
I L I D A D E . M O T I V O S . CIRCUNSTÂNCIAS. CONSEQUÊNCIAS. PERDA DO
CARGO PÚBLICO. PERDIMENTO DE BENS. PENA DE MULTA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. I -
Documentos juntados aos autos (processo nº 0815397-19.2008.4.02.5101) pelos
próprios acusados indicam que os órgãos de Segurança Pública do Estado do
rio de Janeiro reprimiam o depósito e a exploração de máquinas de jogo de
azar caça-níquel em estabelecimentos comerciais, ou seja, condutas dos tipos
derivados do contrabando. II - A conduta imputada pelo Ministério Público
enquadra-se como corrupção, uma vez que os agentes públicos teriam deixado
de praticar ou teriam praticado ato de ofício mediante desvio de finalidade,
a partir do recebimento de vantagem econômica indevida. O apoio prestado não
teria se resumido à exploração de máquinas de caça-níquel, mas se estendeu a
outras atividades ilícitas do grupo apoiado, motivo pelo qual é tecnicamente
correta a desclassificação para corrupção passiva. III - Inconteste a
competência da Justiça Federal na hipótese, uma vez que a ação que julgou
a organização criminosa que atuava no ramo da exploração de máquinas caça-
níqueis - e, consequentemente, praticando o crime de contrabando, é conexa à
ação que 1 julga o réu, que, através do grupo ao qual pertencia, dava auxílio
e a proteção à referida organização criminosa. IV - Como consta no relatório
da sentença, a denúncia foi inicialmente proposta pela Procuradoria Regional
da República perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no exercício
de competência originária para julgar o acusado, então deputado estadual. V -
Após baixa dos autos à 1ª Instância, devido ao fim da prerrogativa de foro,
o feito foi distribuído para a 3ª Vara Federal Criminal, competente em matéria
de crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, após ter sido
dada vista ao MPF para ratificação da peça inicial, sem prejuízo para as
partes. Entretanto, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª reconheceu,
por prevenção, a competência do juízo da 4ª Vara Criminal Federal da Seção
Judiciária do Estado do Rio de Janeiro para processar o feito. VI - Após o
reconhecimento da prorrogação da competência da 4ª Vara Federal Criminal
pela conexão, deu-se vista ao Ministério Público Federal, que ratificou
a denúncia. As defesas tiveram novo prazo para a complementação de suas
peças e somente após nova manifestação judicial no sentido de que não havia
qualquer causa de absolvição sumária é que houve início da instrução. VII - A
convocação de juízes federais para substituir membros dos Tribunais Regionais
tem assento legal tanto na Lei de Organização da Justiça Federal (ar. 64 da
Lei nº 5010/66), quanto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN -
art. 118 da LC 35/79). Não há nenhuma ligação quanto à competência do juiz
convocado que atue como substituto de desembargador federal afastado por mais
de 30 dias, ao contrário do que ocorre na hipótese de convocação para auxílio
do trabalho das Turmas. VIII - A interrupção de convocação de juiz federal
que substituía desembargadora federal do TRF deu-se de forma regular. Tendo
em vista que o magistrado de primeiro grau, quando da prolação da sentença,
já havia retornado à sua jurisdição natural, em decorrência da interrupção de
férias da referida desembargadora a quem substituiu, não havia impedimento
para exarar o decreto condenatório impugnado. IX - A associação permanente
teria como fim precípuo a prática de facilitação ao contrabando, crimes de
corrupção, na forma ativa e passiva, e lavagem de dinheiro. Foi dessa imputação
que se defenderam alguns réus na ação penal, durante o processo, o que não
incluiu a quadrilha com finalidade de cometimento de crime eleitoral. X -
A investigação do réu iniciou-se no ano de 2006, nos autos da apuração
preparatória intitulada "Operação Gladiador", que correu perante a 4ª Vara
Federal Criminal, e nas medidas cautelares a ele vinculadas quando apareceram
indícios de cometimento de crime praticado pelo então delegado de Polícia
Civil afastado para concorrer a cargo público. Na época do oferecimento da
denúncia, o Ministério Público afirmou ainda não ter elementos suficientes para
formulação da peça de pretensão punitiva em face dele e indicou a continuidade
das investigações. O material colhido naquela apuração foi encaminhado à
Procuradoria Regional Eleitoral, que determinou que fossem apurados os fatos,
o que foi feito em dois procedimentos: um que se referiu mais diretamente aos
delitos eleitorais e outro aos crimes de natureza comum, dando continuidade ao
trabalho que vinha sendo feito até então, e originado o IPL nº 043/2007. XI
- O acusado começou a ser investigado antes de se tornar deputado estadual,
havendo diversas referências a ele no inquérito da Operação Gladiador e na
própria sentença da mesma. O IPL nº 043/2007 constituiu-se em procedimento
que organizou os elementos 2 probatórios e teve a fiscalização dos atos
subordinada à avaliação do TRF-2ª Região, enquanto o referido investigado
manteve a condição de parlamentar. XII - Demonstrada a conexão entre esta ação
penal e a de nº 20035.51.01.504960-6, e a regularidade na produção da prova,
é perfeitamente possível a utilização dos elementos probatórios colhidos na MC
nº 2006.5101.517557-1, principalmente diante da anterior afirmação de que o
Ministério Público agiu bem em aprofundar as investigações antes de oferecer
nova denúncia. XIII - Não houve utilização de prova emprestada de feito sem
relação com este. A presente ação, denominada Operação Segurança Pública S/A
é um desdobramento natural da denominada Operação Gladiador, sendo comum
boa parte do arcabouço probatório. XIV - O feito nº 2006.51.01.517557-1,
na versão integral, sempre esteve à disposição das defesas em Secretaria
da 4ª Vara Federal Criminal para consulta, a contar do momento em que os
autos da ação penal nº 2008.51.01.815397-2 (Operação Segurança Pública
S/A) baixaram do TRF e houve oportunidade de complementação das peças
de defesas antes da retificação do recebimento da denúncia. XV - Houve a
notificação de todos os denunciados para apresentação de resposta no prazo
de quinze dias, nos termos do art. 4º, caput e § 1º, da Lei nº 8.038/90,
antes do recebimento da denúncia. E todos eles apresentaram a resposta
preliminar ao recebimento da denúncia. Todos os acusados tiveram o prazo
de quinze dias para se manifestar sobre a denúncia oferecida, em ato que
deu oportunidade de defesa mais ampla do que a prevista no art. 514, do
CPP. XVI - O fato de o Ministério Público Federal necessitar aprofundar
as investigações de determinados fatos ligados aos crimes investigados,
antes de apresentar a denúncia, não significa que o órgão tenha promovido um
arquivamento implícito. Foram envidadas todas as cautelas necessárias para
que se apresentasse denúncia que não fosse inepta, sem deixar de observar os
princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal. XVII -
Embora acolhida a repercussão geral, enquanto não for julgado o RE 625.263/PR,
permanece vigente a orientação fixada pelo Plenário e pelas Turmas do STF no
sentido de que o decreto de interceptação telefônica pode ser sucessivamente
renovável, sempre que o juiz, com base nos fatos, entender que a medida
continua útil à investigação. XVIII - Autorizada a interceptação telefônica
por ordem judicial devidamente fundamentada e presentes os pressupostos
legais, o encontro de elementos de prova de cometimento de crime por quem
não era eventualmente alvo no início pode lastrear persecução penal em
face deste. Assim já decidiu a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça,
no julgamento do HC nº 69552/PR, rel. Min. Felix Fischer, DJ do DIA
14/05/2007. XIX - Dependendo da complexidade dos fatos apurados, pode ser
necessário haver mais de uma prorrogação do prazo legal de quinze dias, não
havendo qualquer nulidade decorrente dessa maior extensão no tempo, desde
que justificada e necessária para apuração da verdade, pressupostos a serem
avaliados pelo juiz (5ª Turma do STJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, HC nº
16374/DF, Dje 01º/02/2010). Da mesma forma, não há necessidade de transcrição
integral de todas as ligações interceptadas ou exigência legal de capacitação
técnica específica de um perito para a realização da transcrição, desde que
sejam disponibilizadas para as partes as mídias com os diálogos gravados,
o que ocorreu aqui (5ª Turma do STJ, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho,
HC 116963, Dje 03/08/2009). XX - O arquivamento de dados digitais em mídia
eletrônica tem natureza de documento. 3 A inserção de dados de gravação de
interceptação telefônica em mídia do tipo "CD" ou "DVD" não é, a rigor, cópia
de documento público original ou reprodução digitalizada de documento. Os
registros de voz são arquivados em mídia digital e pode haver formação de
back-ups, isto é, clonagem dos dados arquivados correspondentes em mídias
diferentes: disco rígido independente, pen-drive, CD, DVD etc. Assim,
não se aplica aqui o conceito de cópia de documento original (art. 365,
III, do CPC) ou de digitalização de documento (art. 365, VI, do CPC),
mas sim o de "extrato digital de banco de dados", previsto no art. 365, V,
do CPC, não se lhe aplicando a previsão do art. 365, § 1º, do CPC. XXI -
A autoridade policial, ao encaminhar CDs com arquivos digitais de registros
sonoros relativos à escuta telefônica, faz expressa referência ao período
correspondente da colheita dos dados, o que atesta, mediante a especificação,
a integridade de conteúdo em relação ao outro mecanismo de armazenamento
digital do qual foi extraída a informação. Assim, é importante esclarecer que
são os áudios gravados provas documentais. As transcrições, como o nome indica,
são reproduções escritas de um documento. A prova, assim, não é a transcrição
escrita em si, mas o próprio áudio. Como as defesas tiveram acesso ao próprio
documento - os áudios - puderam exercer na plenitude o direito constitucional
à defesa. XXII - Não há qualquer ilegalidade na utilização da conversa travada
entre o investigado alvo e seu advogado como meio de prova de cometimento
de crime, dentro do conjunto probatório fartamente composto por elementos
independentes. No caso, não houve interceptação do aparelho telefônico do
advogado, mas sim do investigado e, no curso do cumprimento da ordem judicial,
houve o monitoramento da conversa. No momento da interceptação, o alvo não
era réu e o advogado não era seu advogado criminal para defendê- lo em ação
penal, pelo fato de esta ainda não existia. Assim, não houve interceptação de
diálogo reservado entre cliente e advogado. XXIII - A quadrilha configurou-se
como organização criminosa armada, bem estruturada e ordenada com funções
hierarquicamente estabelecidas. Além disso, é gravíssimo o apoio dado através
dela à organização criminosa armada que atuava no ramo de comércio de máquinas
caça-níqueis. O réu perseguiu, através da quadrilha, o poder político a
qualquer custo e o dinheiro fácil, não apenas para o enriquecimento ilícito,
como para o pagamento de despesas de campanha eleitoral. XXIV - Verifica-se,
pela análise dos autos, em especial dos documentos, laudos periciais e das
transcrições das interceptações telefônicas realizadas em medida cautelar
apensa, substrato probatório suficiente para respaldar convencimento judicial
da existência de associação estável entre o réu, ex-chefe de Polícia
do Estado do Rio de Janeiro e o corréu, ex-governador. XXV - A quadrilha
subvertia a ordem hierárquico-formal da estrutura administrativa da polícia
e permitia, mesmo a quem não exercia cargo formal no segundo semestre de
2006, ter ingerência na administração pública, a fim de "lotear" delegacias
de polícia com pessoas indicadas. XXVI - Dando respaldo às afirmações
testemunhais, constam dos autos documentos, laudos periciais, fotos,
boletins e portarias que compõem acervo probatório suficiente para embasar
a condenação do réu. Demonstradas a materialidade da ação da quadrilha no
loteamento da DPMA em 2003 e a autoria coordenada do ex-chefe de Polícia do
Estado do Rio de Janeiro e do ex-governador, desde essa época, além do dolo
associativo para o cometimento de crimes e a estabilidade, uma vez haver
provas do interesse pela DPMA de 4 2003 a 2006. XXVII - Para a configuração
de quadrilha, delito violador da paz pública, basta a associação de mais de
três pessoas para o fim de cometer crimes, no sentido de reunir-se, aliar-se,
congregar-se de forma estável para a consecução de fim comum. Verifica-se,
pela análise dos autos, em especial dos documentos, laudos periciais e das
transcrições das interceptações telefônicas realizadas em medida cautelar
apensa, substrato probatório suficiente para respaldar convencimento
judicial da existência de associação estável entre 8 pessoas. XXVIII -
Como ex-chefe de Polícia, em constante contato como outros policiais,
que davam apoio a grupo autante na prática de contrabando de componentes
para máquinas caça-níqueis, grupo notoriamente por vezes violento, não há
dúvida razoável de que o réu conhecesse o uso de armas de fogo, ao menos por
um dos partícipes, na execução dos crimes, condição suficiente para estar
incurso na causa de aumento do parágrafo único do citado artigo do CP. XXIX
- A atuação do denunciado, ex-chefe da Polícia, era mais abrangente do que
somente oferecer proteção às ações relativas à exploração de máquinas de caça
níquel da quadrilha a qual dava suporte. Como atuava mediante paga, para que
não houvesse repressão às condutas criminais mais amplas do grupo apoiado,
o enquadramento típico do fato narrado na acusação é de receber, em razão do
exercício de cargo ou função pública, vantagem indevida - o crime de corrupção
passiva. XXX - A oitiva de testemunhas, em cotejo com outras provas, corrobora
a tese acusatória, em relação ao "loteamento de delegacias." XXXI - Para que
houvesse sucesso na empreitada criminosa (apoio a quadrilha de exploração de
máquinas de caça-níquel na zona oeste do Rio), a quadrilha a qual pertencia
o réu optou pela tática de lotear delegacias entre inspetores de polícia com
o perfil corrupto-operacional. O modus operandi dos denunciados consistia
na infração do dever funcional de apreender as máquinas caça-níqueis - que
possuem componentes, em especial os chamados "noteiros", que são de origem
estrangeira, cuja importação é proibida por se destinarem à exploração do jogo
de azar. XXXII - Além disso, a quadrilha apoiada contava com a realização de
investigações intencionalmente ineficazes, a fim de assegurar a manutenção
de poder e dos seus pontos de jogo, bem como com os "serviços" de segurança
privada prestados pelo réu e pelos outros denunciados, que mantinham uma ordem
mínima nas áreas de atuação, pois a desordem comprometeria a lucratividade dos
negócios. XXXIII - Outros casos de corrupção passiva envolveram o acusado,
que recebia quantia mensal de redes de supermercado, em troca de segurança,
havendo planilha acostada aos autos e periciada, em que se constata gastos
muito superiores à sua renda mensal como Delegado de Polícia. XXXIV - A
prisão de membro de organização criminosa rival daquela a quem o réu dava
suporte foi ato legal e fundamentado (havia mandado de prisão), mas foi
efetivada também para atender à determinação da quadrilha protegida pelo
grupo do acusado. XXXV - As condutas de ocultação de propriedade de imóveis
e automóveis de luxo adquiridos com dinheiro ilícito auferido pela prática de
corrupção passiva (art. 1º, V, da Lei no. 9.613/98) caracterizam forma habitual
de cometimento de crime, considerando o número de ocorrências. Somado a isso,
o acusado procedeu à retificação de sua declaração 5 de imposto de renda,
a fim de justificar o patrimônio construído com a lavagem de dinheiro. Para
um dos crimes de lavagem, relativo a imóvel em Copacabana, Rio de Janeiro,
a falta de provas suficientes à condenação levou à absolvição do réu. XXXVI
- Projetando-se anualmente os gastos pessoais do réu, totalizariam algo em
torno de 228 mil reais, valor incompatível com sua remuneração anual líquida
na Polícia Civil, que era de aproximadamente 90 mil reais (renda mensal
líquida de 7,5 mil reais). XXXVII - Culpabilidade extrema, diante do fato de
se tratar de ex-chefe de Polícia do Rio de Janeiro, que sofre há décadas um
nível de violência comparável a países em guerra. XXXVIII - Os motivos do
crime autorizam o aumento de pena, tendo em vista a vontade de se enraizar
nos veios do Poder Público a qualquer custo, com fito de lucro ilícito,
compondo quadrilha composta por policiais protetores de criminosos. XXXIX -
Circunstâncias indicam a existência de organização criminosa bem estruturada
e ordenada com funções hierarquicamente bem estabelecidas, que transcende a
simples e vulgar associação criminosa que, à época, denominava-se quadrilha. XL
- Consequências do crime são desastrosas. O fato de um ex-chefe de Polícia,
acompanhado do ex-governador do Estado e de integrantes da Polícia que
frequentaram sua alta cúpula darem suporte a criminosos conhecidos por
sua violência tem como consequência a desestruturação e desmoralização do
Órgão por um bom tempo. XLI - Perda de cargo público do réu com suporte no
art. 92, I, "a", do Código Penal, por ter sido condenado à pena privativa de
liberdade por tempo superior a um ano, em crime praticado com abuso de poder
e com violação de dever para com a Administração Pública; e no art. 92, I,
"b", do Código Penal, por ter sido condenado à pena privativa de liberdade
por tempo superior a quatro anos. XLII - Perdimento, em favor da União, de
imóveis adquiridos com produto do cometimento do crime de corrupção passiva e
objetos de lavagem de bens, nos termos do art. 91, II, "b", do Código Penal e
do art. 7º, I, da Lei no. 9613/98. XLIII - Pena de multa fixada considerando
às condições judiciais e legais, com valor do dia multa estabelecido de acordo
com as condições econômicas fáticas do acusado, pessoa com despesas mensais
na ordem de vinte mil reais. XLIV - Encerrada a jurisdição deste Tribunal,
considerando o disposto no art. 637 do CPP, art. 1.029, § 5º, do CPC/2015
e Enunciado nº 267 do STJ, à luz do novo entendimento firmado pelo STF
em sede de repercussão geral (ARE 964246 RG/SP), expeça-se, com urgência,
mandado de prisão e guia de recolhimento provisória da pena privativa de
liberdade ao Juízo da Execução Penal, com fulcro nos arts. 2º, parágrafo
único, 105 e ss., todos da Lei nº 7.210/1984 c/c arts. 1º, 8º e ss., todos
da Resolução nº 113, de 20/04/2010, do CNJ. XLV - Apelações da defesa e do
MPF parcialmente providas.
Ementa
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME DE QUADRILHA
ARMADA. ART. 288, CAPUT E § ÚNICO DO CP. CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA. ART. 317
DO CP. TIPIFICAÇÃO. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI
Nº 9.613/98. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. FIM DE PRERROGATIVA DE
FORO. CONEXÃO. PRORROGAÇÃO DE COMPETÊNCIA. CONVOCAÇÃO DE JUIZ FEDERAL
PARA TRF. LEI Nº 5.010/66. LC Nº 35/79. I N T E R R U P Ç Ã O D E C
O N V O C A Ç Ã O D E J U I Z F E D E R A L . REGULARIDADE. OPERAÇÃO
GLADIADOR. OPERAÇÃO SEGURANÇA PÚBLICA S/A. DESDOBRAMENTO. PROVA
EMPRESTADA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INQUÉRITO. ACESSO. RESPOSTA À
DENÚNCIA. REGULARIDADE. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO. A
R Q U I V A M E N T O I M P L Í C I T O . I N E X I S T Ê N C I A . R E
P E R C U S S Ã O GERAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO INCABÍVEL. INTERCEPTAÇÃO
TELEFÔNICA. REGULARIDADE. PRORROGAÇÃO. TRANSCRIÇÃO. "LOTEAMENTO" DE
DELEGACIAS DE POLÍCIA. CRIMES ANTECEDENTES À LAVAGEM. MODUS OPERANDI
DA QUADRILHA. REMUNERAÇÃO INCOMPATÍVEL COM GASTOS PESSOAIS. PROVAS DE
AUTORIA E M A T E R I A L I D A D E . D O S I M E T R I A . C U L P A B
I L I D A D E . M O T I V O S . CIRCUNSTÂNCIAS. CONSEQUÊNCIAS. PERDA DO
CARGO PÚBLICO. PERDIMENTO DE BENS. PENA DE MULTA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. I -
Documentos juntados aos autos (processo nº 0815397-19.2008.4.02.5101) pelos
próprios acusados indicam que os órgãos de Segurança Pública do Estado do
rio de Janeiro reprimiam o depósito e a exploração de máquinas de jogo de
azar caça-níquel em estabelecimentos comerciais, ou seja, condutas dos tipos
derivados do contrabando. II - A conduta imputada pelo Ministério Público
enquadra-se como corrupção, uma vez que os agentes públicos teriam deixado
de praticar ou teriam praticado ato de ofício mediante desvio de finalidade,
a partir do recebimento de vantagem econômica indevida. O apoio prestado não
teria se resumido à exploração de máquinas de caça-níquel, mas se estendeu a
outras atividades ilícitas do grupo apoiado, motivo pelo qual é tecnicamente
correta a desclassificação para corrupção passiva. III - Inconteste a
competência da Justiça Federal na hipótese, uma vez que a ação que julgou
a organização criminosa que atuava no ramo da exploração de máquinas caça-
níqueis - e, consequentemente, praticando o crime de contrabando, é conexa à
ação que 1 julga o réu, que, através do grupo ao qual pertencia, dava auxílio
e a proteção à referida organização criminosa. IV - Como consta no relatório
da sentença, a denúncia foi inicialmente proposta pela Procuradoria Regional
da República perante o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no exercício
de competência originária para julgar o acusado, então deputado estadual. V -
Após baixa dos autos à 1ª Instância, devido ao fim da prerrogativa de foro,
o feito foi distribuído para a 3ª Vara Federal Criminal, competente em matéria
de crime de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, após ter sido
dada vista ao MPF para ratificação da peça inicial, sem prejuízo para as
partes. Entretanto, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª reconheceu,
por prevenção, a competência do juízo da 4ª Vara Criminal Federal da Seção
Judiciária do Estado do Rio de Janeiro para processar o feito. VI - Após o
reconhecimento da prorrogação da competência da 4ª Vara Federal Criminal
pela conexão, deu-se vista ao Ministério Público Federal, que ratificou
a denúncia. As defesas tiveram novo prazo para a complementação de suas
peças e somente após nova manifestação judicial no sentido de que não havia
qualquer causa de absolvição sumária é que houve início da instrução. VII - A
convocação de juízes federais para substituir membros dos Tribunais Regionais
tem assento legal tanto na Lei de Organização da Justiça Federal (ar. 64 da
Lei nº 5010/66), quanto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN -
art. 118 da LC 35/79). Não há nenhuma ligação quanto à competência do juiz
convocado que atue como substituto de desembargador federal afastado por mais
de 30 dias, ao contrário do que ocorre na hipótese de convocação para auxílio
do trabalho das Turmas. VIII - A interrupção de convocação de juiz federal
que substituía desembargadora federal do TRF deu-se de forma regular. Tendo
em vista que o magistrado de primeiro grau, quando da prolação da sentença,
já havia retornado à sua jurisdição natural, em decorrência da interrupção de
férias da referida desembargadora a quem substituiu, não havia impedimento
para exarar o decreto condenatório impugnado. IX - A associação permanente
teria como fim precípuo a prática de facilitação ao contrabando, crimes de
corrupção, na forma ativa e passiva, e lavagem de dinheiro. Foi dessa imputação
que se defenderam alguns réus na ação penal, durante o processo, o que não
incluiu a quadrilha com finalidade de cometimento de crime eleitoral. X -
A investigação do réu iniciou-se no ano de 2006, nos autos da apuração
preparatória intitulada "Operação Gladiador", que correu perante a 4ª Vara
Federal Criminal, e nas medidas cautelares a ele vinculadas quando apareceram
indícios de cometimento de crime praticado pelo então delegado de Polícia
Civil afastado para concorrer a cargo público. Na época do oferecimento da
denúncia, o Ministério Público afirmou ainda não ter elementos suficientes para
formulação da peça de pretensão punitiva em face dele e indicou a continuidade
das investigações. O material colhido naquela apuração foi encaminhado à
Procuradoria Regional Eleitoral, que determinou que fossem apurados os fatos,
o que foi feito em dois procedimentos: um que se referiu mais diretamente aos
delitos eleitorais e outro aos crimes de natureza comum, dando continuidade ao
trabalho que vinha sendo feito até então, e originado o IPL nº 043/2007. XI
- O acusado começou a ser investigado antes de se tornar deputado estadual,
havendo diversas referências a ele no inquérito da Operação Gladiador e na
própria sentença da mesma. O IPL nº 043/2007 constituiu-se em procedimento
que organizou os elementos 2 probatórios e teve a fiscalização dos atos
subordinada à avaliação do TRF-2ª Região, enquanto o referido investigado
manteve a condição de parlamentar. XII - Demonstrada a conexão entre esta ação
penal e a de nº 20035.51.01.504960-6, e a regularidade na produção da prova,
é perfeitamente possível a utilização dos elementos probatórios colhidos na MC
nº 2006.5101.517557-1, principalmente diante da anterior afirmação de que o
Ministério Público agiu bem em aprofundar as investigações antes de oferecer
nova denúncia. XIII - Não houve utilização de prova emprestada de feito sem
relação com este. A presente ação, denominada Operação Segurança Pública S/A
é um desdobramento natural da denominada Operação Gladiador, sendo comum
boa parte do arcabouço probatório. XIV - O feito nº 2006.51.01.517557-1,
na versão integral, sempre esteve à disposição das defesas em Secretaria
da 4ª Vara Federal Criminal para consulta, a contar do momento em que os
autos da ação penal nº 2008.51.01.815397-2 (Operação Segurança Pública
S/A) baixaram do TRF e houve oportunidade de complementação das peças
de defesas antes da retificação do recebimento da denúncia. XV - Houve a
notificação de todos os denunciados para apresentação de resposta no prazo
de quinze dias, nos termos do art. 4º, caput e § 1º, da Lei nº 8.038/90,
antes do recebimento da denúncia. E todos eles apresentaram a resposta
preliminar ao recebimento da denúncia. Todos os acusados tiveram o prazo
de quinze dias para se manifestar sobre a denúncia oferecida, em ato que
deu oportunidade de defesa mais ampla do que a prevista no art. 514, do
CPP. XVI - O fato de o Ministério Público Federal necessitar aprofundar
as investigações de determinados fatos ligados aos crimes investigados,
antes de apresentar a denúncia, não significa que o órgão tenha promovido um
arquivamento implícito. Foram envidadas todas as cautelas necessárias para
que se apresentasse denúncia que não fosse inepta, sem deixar de observar os
princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal. XVII -
Embora acolhida a repercussão geral, enquanto não for julgado o RE 625.263/PR,
permanece vigente a orientação fixada pelo Plenário e pelas Turmas do STF no
sentido de que o decreto de interceptação telefônica pode ser sucessivamente
renovável, sempre que o juiz, com base nos fatos, entender que a medida
continua útil à investigação. XVIII - Autorizada a interceptação telefônica
por ordem judicial devidamente fundamentada e presentes os pressupostos
legais, o encontro de elementos de prova de cometimento de crime por quem
não era eventualmente alvo no início pode lastrear persecução penal em
face deste. Assim já decidiu a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça,
no julgamento do HC nº 69552/PR, rel. Min. Felix Fischer, DJ do DIA
14/05/2007. XIX - Dependendo da complexidade dos fatos apurados, pode ser
necessário haver mais de uma prorrogação do prazo legal de quinze dias, não
havendo qualquer nulidade decorrente dessa maior extensão no tempo, desde
que justificada e necessária para apuração da verdade, pressupostos a serem
avaliados pelo juiz (5ª Turma do STJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, HC nº
16374/DF, Dje 01º/02/2010). Da mesma forma, não há necessidade de transcrição
integral de todas as ligações interceptadas ou exigência legal de capacitação
técnica específica de um perito para a realização da transcrição, desde que
sejam disponibilizadas para as partes as mídias com os diálogos gravados,
o que ocorreu aqui (5ª Turma do STJ, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho,
HC 116963, Dje 03/08/2009). XX - O arquivamento de dados digitais em mídia
eletrônica tem natureza de documento. 3 A inserção de dados de gravação de
interceptação telefônica em mídia do tipo "CD" ou "DVD" não é, a rigor, cópia
de documento público original ou reprodução digitalizada de documento. Os
registros de voz são arquivados em mídia digital e pode haver formação de
back-ups, isto é, clonagem dos dados arquivados correspondentes em mídias
diferentes: disco rígido independente, pen-drive, CD, DVD etc. Assim,
não se aplica aqui o conceito de cópia de documento original (art. 365,
III, do CPC) ou de digitalização de documento (art. 365, VI, do CPC),
mas sim o de "extrato digital de banco de dados", previsto no art. 365, V,
do CPC, não se lhe aplicando a previsão do art. 365, § 1º, do CPC. XXI -
A autoridade policial, ao encaminhar CDs com arquivos digitais de registros
sonoros relativos à escuta telefônica, faz expressa referência ao período
correspondente da colheita dos dados, o que atesta, mediante a especificação,
a integridade de conteúdo em relação ao outro mecanismo de armazenamento
digital do qual foi extraída a informação. Assim, é importante esclarecer que
são os áudios gravados provas documentais. As transcrições, como o nome indica,
são reproduções escritas de um documento. A prova, assim, não é a transcrição
escrita em si, mas o próprio áudio. Como as defesas tiveram acesso ao próprio
documento - os áudios - puderam exercer na plenitude o direito constitucional
à defesa. XXII - Não há qualquer ilegalidade na utilização da conversa travada
entre o investigado alvo e seu advogado como meio de prova de cometimento
de crime, dentro do conjunto probatório fartamente composto por elementos
independentes. No caso, não houve interceptação do aparelho telefônico do
advogado, mas sim do investigado e, no curso do cumprimento da ordem judicial,
houve o monitoramento da conversa. No momento da interceptação, o alvo não
era réu e o advogado não era seu advogado criminal para defendê- lo em ação
penal, pelo fato de esta ainda não existia. Assim, não houve interceptação de
diálogo reservado entre cliente e advogado. XXIII - A quadrilha configurou-se
como organização criminosa armada, bem estruturada e ordenada com funções
hierarquicamente estabelecidas. Além disso, é gravíssimo o apoio dado através
dela à organização criminosa armada que atuava no ramo de comércio de máquinas
caça-níqueis. O réu perseguiu, através da quadrilha, o poder político a
qualquer custo e o dinheiro fácil, não apenas para o enriquecimento ilícito,
como para o pagamento de despesas de campanha eleitoral. XXIV - Verifica-se,
pela análise dos autos, em especial dos documentos, laudos periciais e das
transcrições das interceptações telefônicas realizadas em medida cautelar
apensa, substrato probatório suficiente para respaldar convencimento judicial
da existência de associação estável entre o réu, ex-chefe de Polícia
do Estado do Rio de Janeiro e o corréu, ex-governador. XXV - A quadrilha
subvertia a ordem hierárquico-formal da estrutura administrativa da polícia
e permitia, mesmo a quem não exercia cargo formal no segundo semestre de
2006, ter ingerência na administração pública, a fim de "lotear" delegacias
de polícia com pessoas indicadas. XXVI - Dando respaldo às afirmações
testemunhais, constam dos autos documentos, laudos periciais, fotos,
boletins e portarias que compõem acervo probatório suficiente para embasar
a condenação do réu. Demonstradas a materialidade da ação da quadrilha no
loteamento da DPMA em 2003 e a autoria coordenada do ex-chefe de Polícia do
Estado do Rio de Janeiro e do ex-governador, desde essa época, além do dolo
associativo para o cometimento de crimes e a estabilidade, uma vez haver
provas do interesse pela DPMA de 4 2003 a 2006. XXVII - Para a configuração
de quadrilha, delito violador da paz pública, basta a associação de mais de
três pessoas para o fim de cometer crimes, no sentido de reunir-se, aliar-se,
congregar-se de forma estável para a consecução de fim comum. Verifica-se,
pela análise dos autos, em especial dos documentos, laudos periciais e das
transcrições das interceptações telefônicas realizadas em medida cautelar
apensa, substrato probatório suficiente para respaldar convencimento
judicial da existência de associação estável entre 8 pessoas. XXVIII -
Como ex-chefe de Polícia, em constante contato como outros policiais,
que davam apoio a grupo autante na prática de contrabando de componentes
para máquinas caça-níqueis, grupo notoriamente por vezes violento, não há
dúvida razoável de que o réu conhecesse o uso de armas de fogo, ao menos por
um dos partícipes, na execução dos crimes, condição suficiente para estar
incurso na causa de aumento do parágrafo único do citado artigo do CP. XXIX
- A atuação do denunciado, ex-chefe da Polícia, era mais abrangente do que
somente oferecer proteção às ações relativas à exploração de máquinas de caça
níquel da quadrilha a qual dava suporte. Como atuava mediante paga, para que
não houvesse repressão às condutas criminais mais amplas do grupo apoiado,
o enquadramento típico do fato narrado na acusação é de receber, em razão do
exercício de cargo ou função pública, vantagem indevida - o crime de corrupção
passiva. XXX - A oitiva de testemunhas, em cotejo com outras provas, corrobora
a tese acusatória, em relação ao "loteamento de delegacias." XXXI - Para que
houvesse sucesso na empreitada criminosa (apoio a quadrilha de exploração de
máquinas de caça-níquel na zona oeste do Rio), a quadrilha a qual pertencia
o réu optou pela tática de lotear delegacias entre inspetores de polícia com
o perfil corrupto-operacional. O modus operandi dos denunciados consistia
na infração do dever funcional de apreender as máquinas caça-níqueis - que
possuem componentes, em especial os chamados "noteiros", que são de origem
estrangeira, cuja importação é proibida por se destinarem à exploração do jogo
de azar. XXXII - Além disso, a quadrilha apoiada contava com a realização de
investigações intencionalmente ineficazes, a fim de assegurar a manutenção
de poder e dos seus pontos de jogo, bem como com os "serviços" de segurança
privada prestados pelo réu e pelos outros denunciados, que mantinham uma ordem
mínima nas áreas de atuação, pois a desordem comprometeria a lucratividade dos
negócios. XXXIII - Outros casos de corrupção passiva envolveram o acusado,
que recebia quantia mensal de redes de supermercado, em troca de segurança,
havendo planilha acostada aos autos e periciada, em que se constata gastos
muito superiores à sua renda mensal como Delegado de Polícia. XXXIV - A
prisão de membro de organização criminosa rival daquela a quem o réu dava
suporte foi ato legal e fundamentado (havia mandado de prisão), mas foi
efetivada também para atender à determinação da quadrilha protegida pelo
grupo do acusado. XXXV - As condutas de ocultação de propriedade de imóveis
e automóveis de luxo adquiridos com dinheiro ilícito auferido pela prática de
corrupção passiva (art. 1º, V, da Lei no. 9.613/98) caracterizam forma habitual
de cometimento de crime, considerando o número de ocorrências. Somado a isso,
o acusado procedeu à retificação de sua declaração 5 de imposto de renda,
a fim de justificar o patrimônio construído com a lavagem de dinheiro. Para
um dos crimes de lavagem, relativo a imóvel em Copacabana, Rio de Janeiro,
a falta de provas suficientes à condenação levou à absolvição do réu. XXXVI
- Projetando-se anualmente os gastos pessoais do réu, totalizariam algo em
torno de 228 mil reais, valor incompatível com sua remuneração anual líquida
na Polícia Civil, que era de aproximadamente 90 mil reais (renda mensal
líquida de 7,5 mil reais). XXXVII - Culpabilidade extrema, diante do fato de
se tratar de ex-chefe de Polícia do Rio de Janeiro, que sofre há décadas um
nível de violência comparável a países em guerra. XXXVIII - Os motivos do
crime autorizam o aumento de pena, tendo em vista a vontade de se enraizar
nos veios do Poder Público a qualquer custo, com fito de lucro ilícito,
compondo quadrilha composta por policiais protetores de criminosos. XXXIX -
Circunstâncias indicam a existência de organização criminosa bem estruturada
e ordenada com funções hierarquicamente bem estabelecidas, que transcende a
simples e vulgar associação criminosa que, à época, denominava-se quadrilha. XL
- Consequências do crime são desastrosas. O fato de um ex-chefe de Polícia,
acompanhado do ex-governador do Estado e de integrantes da Polícia que
frequentaram sua alta cúpula darem suporte a criminosos conhecidos por
sua violência tem como consequência a desestruturação e desmoralização do
Órgão por um bom tempo. XLI - Perda de cargo público do réu com suporte no
art. 92, I, "a", do Código Penal, por ter sido condenado à pena privativa de
liberdade por tempo superior a um ano, em crime praticado com abuso de poder
e com violação de dever para com a Administração Pública; e no art. 92, I,
"b", do Código Penal, por ter sido condenado à pena privativa de liberdade
por tempo superior a quatro anos. XLII - Perdimento, em favor da União, de
imóveis adquiridos com produto do cometimento do crime de corrupção passiva e
objetos de lavagem de bens, nos termos do art. 91, II, "b", do Código Penal e
do art. 7º, I, da Lei no. 9613/98. XLIII - Pena de multa fixada considerando
às condições judiciais e legais, com valor do dia multa estabelecido de acordo
com as condições econômicas fáticas do acusado, pessoa com despesas mensais
na ordem de vinte mil reais. XLIV - Encerrada a jurisdição deste Tribunal,
considerando o disposto no art. 637 do CPP, art. 1.029, § 5º, do CPC/2015
e Enunciado nº 267 do STJ, à luz do novo entendimento firmado pelo STF
em sede de repercussão geral (ARE 964246 RG/SP), expeça-se, com urgência,
mandado de prisão e guia de recolhimento provisória da pena privativa de
liberdade ao Juízo da Execução Penal, com fulcro nos arts. 2º, parágrafo
único, 105 e ss., todos da Lei nº 7.210/1984 c/c arts. 1º, 8º e ss., todos
da Resolução nº 113, de 20/04/2010, do CNJ. XLV - Apelações da defesa e do
MPF parcialmente providas.
Data do Julgamento
:
05/09/2018
Data da Publicação
:
14/09/2018
Classe/Assunto
:
Ap - Apelação - Recursos - Processo Criminal
Órgão Julgador
:
2ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO
Observações
:
N.ULT.FOLHA: 9324
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