TRF2 0815397-19.2008.4.02.5101 08153971920084025101
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME DE QUADRILHA
ARMADA. ART. 288, CAPUT E § ÚNICO DO CP. CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA. ART. 317
DO CP. TIPIFICAÇÃO. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI Nº
9.613/98. AUSÊNCIA DE CONTRARRAZÕES. REGULARIDADE PROCESSUAL. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA FEDERAL. FIM DE PRERROGATIVA DE FORO. CONEXÃO. PRORROGAÇÃO DE
COMPETÊNCIA. CONVOCAÇÃO DE JUIZ FEDERAL PARA TRF. LEI Nº 5.010/66. LC Nº
35/79. INTERRUPÇÃO DE CONVOCAÇÃO DE JUIZ FEDERAL. REGULARIDADE. OPERAÇÃO
GLADIADOR. OPERAÇÃO SEGURANÇA PÚBLICA S/A. DESDOBRAMENTO. PROVA
EMPRESTADA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INQUÉRITO. ACESSO. RESPOSTA À
DENÚNCIA. REGULARIDADE. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPOSSIBILIDADE.
FUNDAMENTAÇÃO. ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO. INEXISTÊNCIA. REPERCUSSÃO
GERAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO INCABÍVEL. INTERCEPTAÇÃO
TELEFÔNICA. REGULARIDADE. PRORROGAÇÃO. TRANSCRIÇÃO. "LOTEAMENTO" DE
DELEGACIAS DE POLÍCIA. MODUS OPERANDI DA QUADRILHA. CRIMES ANTECEDENTES À
LAVAGEM. REMUNERAÇÃO INCOMPATÍVEL COM GASTOS PESSOAIS. PROVAS DE AUTORIA
E MATERIALIDADE. DOSIMETRIA. CULPABILIDADE. MOTIVOS. CIRCUNSTÂNCIAS.
CONSEQUÊNCIAS. PERDA DO CARGO PÚBLICO. PERDIMENTO DE BENS. PENA DE
MULTA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. I - O fato de não haver peça de contrarrazões de
réu regularmente intimado, que se quedou inerte, não inquinaria de vício o
processo, não sendo causa de nulidade por cerceamento de defesa. Contudo, em
homenagem à mais ampla defesa, foi recebida e apreciada a peça de defesa. II -
Documentos juntados aos autos pelos próprios acusados indicam que os órgãos
de Segurança Pública do Estado do rio de Janeiro reprimiam o depósito e
a exploração de máquinas de jogo de azar caça-níquel em estabelecimentos
comerciais, ou seja, condutas dos tipos derivados do contrabando. III - A
conduta imputada pelo Ministério Público enquadra-se como corrupção, uma vez
que os agentes públicos teriam deixado de praticar ou teriam praticado ato
de ofício mediante desvio de finalidade, a partir do recebimento de vantagem
econômica indevida. O apoio prestado não teria se resumido à exploração de
máquinas de caça-níquel, mas se estendeu a outras atividades ilícitas do
grupo apoiado, motivo pelo qual é tecnicamente 1 correta a desclassificação
para corrupção passiva. IV - Inconteste a competência da Justiça Federal na
hipótese, uma vez que a ação que julgou a organização criminosa que atuava
no ramo da exploração de máquinas caça- níqueis - e, consequentemente,
praticando o crime de contrabando, é conexa à ação que julga os réus, que,
através do grupo ao qual pertenciam, davam auxílio e a proteção à referida
organização criminosa. V - Como consta no relatório da sentença, a denúncia
foi inicialmente proposta pela Procuradoria Regional da República perante o
Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no exercício de competência originária
para julgar um dos acusados, então deputado estadual. VI - Após baixa dos autos
à 1ª Instância, devido ao fim da prerrogativa de foro, o feito foi distribuído
para a 3ª Vara Federal Criminal, competente em matéria de crime de lavagem
ou ocultação de bens, direitos e valores, após ter sido dada vista ao MPF
para ratificação da peça inicial, sem prejuízo para as partes. Entretanto,
a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª reconheceu, por prevenção,
a competência do juízo da 4ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária do
Estado do Rio de Janeiro para processar o feito. VII - A convocação de juízes
federais para substituir membros dos Tribunais Regionais tem assento legal
tanto na Lei de Organização da Justiça Federal (ar. 64 da Lei nº 5010/66),
quanto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN - art. 118 da LC
35/79). Não há nenhuma ligação quanto à competência do juiz convocado
que atue como substituto de desembargador federal afastado por mais de 30
dias, ao contrário do que ocorre na hipótese de convocação para auxílio do
trabalho das Turmas. VIII - A interrupção de convocação de juiz federal que
substituía desembargadora federal do TRF deu-se de forma regular. Tendo em
vista que o magistrado de primeiro grau, quando da prolação da sentença, já
havia retornado à sua jurisdição natural, em decorrência da interrupção de
férias da referida desembargadora a quem substituiu, não havia impedimento
para exarar o decreto condenatório impugnado. IX - Após o reconhecimento
da prorrogação da competência da 4ª Vara Federal Criminal pela conexão,
deu-se vista ao Ministério Público Federal, que ratificou a denúncia. As
defesas tiveram novo prazo para a complementação de suas peças e somente
após nova manifestação judicial no sentido de que não havia qualquer causa
de absolvição sumária é que houve início da instrução. X - A associação
permanente teria como fim precípuo a prática de facilitação ao contrabando,
crimes de corrupção, na forma ativa e passiva, e lavagem de dinheiro. Foi
dessa imputação que se defenderam alguns réus na ação penal, durante o
processo, o que não incluiu a quadrilha com finalidade de cometimento de
crime eleitoral. XI - A investigação dos réus iniciou-se no ano de 2006,
nos autos da apuração preparatória intitulada "Operação Gladiador", que
correu perante a 4ª Vara Federal Criminal, e nas medidas cautelares a ele
vinculadas quando apareceram indícios de cometimento de crime praticado pelo
então delegado de Polícia Civil afastado para concorrer a cargo público. Na
época do oferecimento da denúncia, o Ministério Público afirmou ainda não ter
elementos suficientes para formulação da peça de pretensão punitiva em face
dele e indicou a continuidade das investigações. O material colhido naquela
apuração foi encaminhado à Procuradoria Regional Eleitoral, que determinou
que fossem apurados os fatos, o que foi feito em dois procedimentos: um que se
referiu mais diretamente aos delitos eleitorais e outro aos crimes de natureza
comum, dando continuidade ao trabalho que vinha sendo feito 2 até então, e
originando o IPL nº 043/2007. XII - Um dos acusados começou a ser investigado
antes de se tornar deputado estadual, havendo diversas referências a ele
no inquérito da Operação Gladiador e na própria sentença da mesma. O IPL nº
043/2007 constituiu-se em procedimento que organizou os elementos probatórios
e teve a fiscalização dos atos subordinada à avaliação do TRF-2ª Região,
enquanto o referido investigado manteve a condição de parlamentar. XIII -
Demonstrada a conexão entre esta ação penal e a de nº 20035.51.01.504960-6,
e a regularidade na produção da prova, é perfeitamente possível a utilização
dos elementos probatórios colhidos na MC nº 2006.5101.517557-1, principalmente
diante da anterior afirmação de que o Ministério Público agiu bem em aprofundar
as investigações antes de oferecer nova denúncia. XIV - Não houve utilização de
prova emprestada de feito sem relação com este. A presente ação, denominada
Operação Segurança Pública S/A é um desdobramento natural da denominada
Operação Gladiador, sendo comum boa parte do arcabouço probatório. XV - O
feito nº 2006.51.01.517557-1, na versão integral, sempre esteve à disposição
das defesas em Secretaria da 4ª Vara Federal Criminal para consulta, a contar
do momento em que os autos da ação penal nº 2008.51.01.815397-2 (Operação
Segurança Pública S/A) baixaram do TRF e houve oportunidade de complementação
das peças de defesas antes da retificação do recebimento da denúncia. XVI -
Houve a notificação de todos os denunciados para apresentação de resposta
no prazo de quinze dias, nos termos do art. 4º, caput e § 1º, da Lei nº
8.038/90, antes do recebimento da denúncia. E todos eles apresentaram a
resposta preliminar ao recebimento da denúncia. Todos os acusados tiveram o
prazo de quinze dias para se manifestar sobre a denúncia oferecida, em ato
que deu oportunidade de defesa mais ampla do que a prevista no art. 514,
do CPP. XVII - O fato de o Ministério Público Federal necessitar aprofundar
as investigações de determinados fatos ligados aos crimes investigados,
antes de apresentar a denúncia, não significa que o órgão tenha promovido um
arquivamento implícito. Foram envidadas todas as cautelas necessárias para
que se apresentasse denúncia que não fosse inepta, sem deixar de observar os
princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal. XVIII -
Embora acolhida a repercussão geral, enquanto não for julgado o RE 625.263/PR,
permanece vigente a orientação fixada pelo Plenário e pelas Turmas do STF no
sentido de que o decreto de interceptação telefônica pode ser sucessivamente
renovável, sempre que o juiz, com base nos fatos, entender que a medida
continua útil à investigação. XIX - Autorizada a interceptação telefônica
por ordem judicial devidamente fundamentada e presentes os pressupostos
legais, o encontro de elementos de prova de cometimento de crime por quem
não era eventualmente alvo no início pode lastrear persecução penal em
face deste. Assim já decidiu a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no
julgamento do HC nº 69552/PR, rel. Min. Felix Fischer, DJ do DIA 14/05/2007. XX
- Dependendo da complexidade dos fatos apurados, pode ser necessário haver
mais de uma prorrogação do prazo legal de quinze dias, não havendo qualquer
nulidade decorrente dessa maior extensão no tempo, desde que justificada
e necessária para apuração da verdade, pressupostos a serem avaliados pelo
juiz (5ª Turma do STJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, HC nº 16374/DF, Dje
01º/02/2010). Da mesma forma, não há necessidade de transcrição integral
de todas as ligações interceptadas ou exigência legal de capacitação 3
técnica específica de um perito para a realização da transcrição, desde que
sejam disponibilizadas para as partes as mídias com os diálogos gravados,
o que ocorreu aqui (5ª Turma do STJ, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho,
HC 116963, Dje 03/08/2009). XXI - O arquivamento de dados digitais em mídia
eletrônica tem natureza de documento. A inserção de dados de gravação de
interceptação telefônica em mídia do tipo "CD" ou "DVD" não é, a rigor, cópia
de documento público original ou reprodução digitalizada de documento. Os
registros de voz são arquivados em mídia digital e pode haver formação de
back-ups, isto é, clonagem dos dados arquivados correspondentes em mídias
diferentes: disco rígido independente, pen-drive, CD, DVD etc. Assim,
não se aplica aqui o conceito de cópia de documento original (art. 365,
III, do CPC) ou de digitalização de documento (art. 365, VI, do CPC),
mas sim o de "extrato digital de banco de dados", previsto no art. 365, V,
do CPC, não se lhe aplicando a previsão do art. 365, § 1º, do CPC. XXII -
A autoridade policial, ao encaminhar CDs com arquivos digitais de registros
sonoros relativos à escuta telefônica, faz expressa referência ao período
correspondente da colheita dos dados, o que atesta, mediante a especificação,
a integridade de conteúdo em relação ao outro mecanismo de armazenamento
digital do qual foi extraída a informação. Assim, é importante esclarecer
que são os áudios gravados provas documentais. As transcrições, como o nome
indica, são reproduções escritas de um documento. A prova, assim, não é a
transcrição escrita em si, mas o próprio áudio. Como as defesas tiveram acesso
ao próprio documento - os áudios - puderam exercer na plenitude o direito
constitucional à defesa. XXIII - Não há qualquer ilegalidade na utilização
da conversa travada entre um dos investigados-alvos e seu advogado como meio
de prova de cometimento de crime, dentro do conjunto probatório fartamente
composto por elementos independentes. No caso, não houve interceptação
do aparelho telefônico do advogado, mas sim do investigado e, no curso do
cumprimento da ordem judicial, houve o monitoramento da conversa. No momento
da interceptação, o alvo não era réu e o advogado não era seu advogado criminal
para defendê-lo em ação penal, pelo fato de que esta ainda não existia. Assim,
não houve interceptação de diálogo reservado entre cliente e advogado. XXIV -
A quadrilha configurou-se como organização criminosa armada, bem estruturada e
ordenada com funções hierarquicamente estabelecidas. Além disso, é gravíssimo
o apoio dado através dela à organização criminosa armada que atuava no ramo de
comércio de máquinas caça-níqueis. Os réus perseguiram, através da quadrilha,
o poder político a qualquer custo e o dinheiro fácil, com enriquecimento
ilícito. XXV - Verifica-se, pela análise dos autos, em especial dos documentos,
laudos periciais e das transcrições das interceptações telefônicas realizadas
em medida cautelar apensa, substrato probatório suficiente para respaldar
convencimento judicial da existência de associação estável entre o ex-chefe
de Polícia do Estado do Rio de Janeiro e o ex- governador. XXVI - A quadrilha
subvertia a ordem hierárquico-formal da estrutura administrativa da polícia
e permitia, mesmo a quem não exercia cargo formal no segundo semestre de
2006, ter ingerência na administração pública, a fim de "lotear" delegacias
de polícia com pessoas indicadas. XXVII - Dando respaldo às afirmações
testemunhais, constam dos autos documentos, laudos periciais, fotos, boletins e
portarias que compõem acervo probatório suficiente para 4 embasar a condenação
dos réus. Demonstradas a materialidade da ação da quadrilha no loteamento da
DPMA em 2003 e a autoria coordenada do ex-chefe de Polícia do Estado do Rio de
Janeiro e do ex-governador, desde essa época, além do dolo associativo para
o cometimento de crimes e a estabilidade, uma vez haver provas do interesse
pela DPMA de 2003 a 2006. XXVIII - Para a configuração de quadrilha, delito
violador da paz pública, basta a associação de mais de três pessoas para o
fim de cometer crimes, no sentido de reunir-se, aliar-se, congregar-se de
forma estável para a consecução de fim comum. Verifica-se, pela análise dos
autos, em especial dos documentos, laudos periciais e das transcrições das
interceptações telefônicas realizadas em medida cautelar apensa, substrato
probatório suficiente para respaldar convencimento judicial da existência
de associação estável entre 8 pessoas. XXIX - A presença do ex-governador
e ex-secretário de Segurança, do ex-chefe de Polícia e outros policiais,
que davam apoio a grupo autante na prática de contrabando de componentes
para máquinas caça-níqueis, grupo notoriamente por vezes violento, implica
que não há dúvida razoável de que os réus conhecessem o uso de armas de
fogo, ao menos por um dos partícipes, na execução dos crimes, condição
suficiente para estar incurso na causa de aumento do parágrafo único do
citado artigo do CP. XXX - A atuação dos denunciados era mais abrangente do
que somente oferecer proteção às ações relativas à exploração de máquinas de
caça níquel da quadrilha a qual dava suporte. Como atuavam mediante paga,
para que não houvesse repressão às condutas criminais mais amplas do grupo
apoiado, o enquadramento típico do fato narrado na acusação é de receber,
em razão do exercício de cargo ou função pública, vantagem indevida -
o crime de corrupção passiva. XXXI - A oitiva de testemunhas, em cotejo
com outras provas, corrobora a tese acusatória, em relação ao "loteamento
de delegacias." XXXII - Para que houvesse sucesso na empreitada criminosa
(apoio a quadrilha de exploração de máquinas de caça-níquel na zona oeste
do Rio), a quadrilha a qual pertenciam os réus optou pela tática de lotear
delegacias entre inspetores de polícia com o perfil corrupto-operacional. O
modus operandi dos denunciados consistia na infração do dever funcional de
apreender as máquinas caça-níqueis - que possuem componentes, em especial
os chamados "noteiros", que são de origem estrangeira, cuja importação é
proibida por se destinarem à exploração do jogo de azar. XXXIII - Além
disso, a quadrilha apoiada contava com a realização de investigações
intencionalmente ineficazes, a fim de assegurar a manutenção de poder e
dos seus pontos de jogo, bem como com os "serviços" de segurança privada
prestados pelos réus, que mantinham uma ordem mínima nas áreas de atuação,
pois a desordem comprometeria a lucratividade dos negócios. XXXIV - Outros
casos de corrupção passiva envolveram os acusados, que recebiam quantia
mensal de redes de supermercado, em troca de segurança, havendo planilha
acostada aos autos e periciada, em que se constata gastos muito superiores
às suas rendas. XXXV - A prisão de membro de organização criminosa rival
daquela a quem os réus davam suporte foi ato legal e fundamentado (havia
mandado de prisão), mas foi efetivada também para atender à determinação da
quadrilha protegida pelo grupo do acusado. XXXVI - As condutas de ocultação de
propriedade de imóveis e automóveis de luxo 5 adquiridos com dinheiro ilícito
auferido pela prática de corrupção passiva (art. 1º, V, da Lei no. 9.613/98)
caracterizam forma habitual de cometimento de crime, considerando o número
de ocorrências. Somado a isso, alguns dos acusados procederam à retificação
de suas respectivas declarações de imposto de renda, a fim de justificar
o patrimônio construído com a lavagem de dinheiro. XXXVII - Projetando-se
anualmente os gastos pessoais de alguns dos réus, totalizariam valores
incompatíveis com suas remunerações anuais líquidas. XXXVIII - Culpabilidade
extrema de alguns réus, diante do fato de se tratar de quadrilha composta
por ex-governador e ex-secretário de Segurança, ex-chefe de Polícia do Rio
de Janeiro e outros policiais em posições de destaque, em estado que sofre
há décadas um nível de violência comparável a países em guerra. XXXIX -
Os motivos do crime de alguns dos réus autorizam o aumento de pena, tendo
em vista a vontade de se perpeturarem no Poder Público a qualquer custo, com
fito de lucro ilícito, compondo quadrilha composta por policiais protetores de
criminosos. XL - Circunstâncias indicam a existência de organização criminosa
bem estruturada e ordenada com funções hierarquicamente bem estabelecidas, que
transcende a simples e vulgar associação criminosa que, à época, denominava-se
quadrilha. XLI - Consequências do crime são desastrosas. O fato de um ex-chefe
de Polícia, acompanhado do ex-governador do Estado e de integrantes da Polícia
que frequentaram sua alta cúpula darem suporte a criminosos conhecidos por
sua violência tem como consequência a desestruturação e desmoralização do
Órgão por um bom tempo. XLII - Perda de cargo público de alguns dos réus com
suporte no art. 92, I, "a", do Código Penal, por terem sido condenados à pena
privativa de liberdade por tempo superior a um ano, em crimes praticados com
abuso de poder e com violação de dever para com a Administração Pública;
e no art. 92, I, "b", do Código Penal, por terem sido condenados à pena
privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos. XLIII - Perdimento,
em favor da União, de imóveis adquiridos com produto do cometimento do crime
de corrupção passiva e objetos de lavagem de bens, nos termos do art. 91,
II, "b", do Código Penal e do art. 7º, I, da Lei no. 9613/98. XLIV - Pena
de multa fixada considerando às condições judiciais e legais, com valor
do dia multa estabelecido de acordo com as condições econômicas fáticas dos
acusados. XLV - Encerrada a jurisdição deste Tribunal, considerando o disposto
no art. 637 do CPP, art. 1.029, § 5º, do CPC/2015 e Enunciado nº 267 do STJ,
à luz do novo entendimento firmado pelo STF em sede de repercussão geral
(ARE 964246 RG/SP), expeça-se, com urgência, mandado de prisão e guia de
recolhimento provisória da pena privativa de liberdade ao Juízo da Execução
Penal, com fulcro nos arts. 2º, parágrafo único, 105 e ss., todos da Lei nº
7.210/1984 c/c arts. 1º, 8º e ss., todos da Resolução nº 113, de 20/04/2010,
do CNJ. XLVI - Apelações criminais das defesas de ANTHONY WILLIAM GAROTINHO
MATHEUS DE OLIVEIRA, SISSY TOLEDO DE MACEDO BULLONS LINS e FRANCIS BULLOS
não providas. Apelações criminais do Ministério Público Federal e dos réus
FÁBIO MENEZES DE LEÃO, RICARDO HALLACK, ALCIDES CAMPOS SODRÉ FERREIRA e DANIEL
GOULART parcialmente providas. Apelação criminal de LUCIANA GOUVEIA provida. 6
Ementa
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIME DE QUADRILHA
ARMADA. ART. 288, CAPUT E § ÚNICO DO CP. CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA. ART. 317
DO CP. TIPIFICAÇÃO. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO. ART. 1º DA LEI Nº
9.613/98. AUSÊNCIA DE CONTRARRAZÕES. REGULARIDADE PROCESSUAL. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA FEDERAL. FIM DE PRERROGATIVA DE FORO. CONEXÃO. PRORROGAÇÃO DE
COMPETÊNCIA. CONVOCAÇÃO DE JUIZ FEDERAL PARA TRF. LEI Nº 5.010/66. LC Nº
35/79. INTERRUPÇÃO DE CONVOCAÇÃO DE JUIZ FEDERAL. REGULARIDADE. OPERAÇÃO
GLADIADOR. OPERAÇÃO SEGURANÇA PÚBLICA S/A. DESDOBRAMENTO. PROVA
EMPRESTADA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INQUÉRITO. ACESSO. RESPOSTA À
DENÚNCIA. REGULARIDADE. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. IMPOSSIBILIDADE.
FUNDAMENTAÇÃO. ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO. INEXISTÊNCIA. REPERCUSSÃO
GERAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO INCABÍVEL. INTERCEPTAÇÃO
TELEFÔNICA. REGULARIDADE. PRORROGAÇÃO. TRANSCRIÇÃO. "LOTEAMENTO" DE
DELEGACIAS DE POLÍCIA. MODUS OPERANDI DA QUADRILHA. CRIMES ANTECEDENTES À
LAVAGEM. REMUNERAÇÃO INCOMPATÍVEL COM GASTOS PESSOAIS. PROVAS DE AUTORIA
E MATERIALIDADE. DOSIMETRIA. CULPABILIDADE. MOTIVOS. CIRCUNSTÂNCIAS.
CONSEQUÊNCIAS. PERDA DO CARGO PÚBLICO. PERDIMENTO DE BENS. PENA DE
MULTA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. I - O fato de não haver peça de contrarrazões de
réu regularmente intimado, que se quedou inerte, não inquinaria de vício o
processo, não sendo causa de nulidade por cerceamento de defesa. Contudo, em
homenagem à mais ampla defesa, foi recebida e apreciada a peça de defesa. II -
Documentos juntados aos autos pelos próprios acusados indicam que os órgãos
de Segurança Pública do Estado do rio de Janeiro reprimiam o depósito e
a exploração de máquinas de jogo de azar caça-níquel em estabelecimentos
comerciais, ou seja, condutas dos tipos derivados do contrabando. III - A
conduta imputada pelo Ministério Público enquadra-se como corrupção, uma vez
que os agentes públicos teriam deixado de praticar ou teriam praticado ato
de ofício mediante desvio de finalidade, a partir do recebimento de vantagem
econômica indevida. O apoio prestado não teria se resumido à exploração de
máquinas de caça-níquel, mas se estendeu a outras atividades ilícitas do
grupo apoiado, motivo pelo qual é tecnicamente 1 correta a desclassificação
para corrupção passiva. IV - Inconteste a competência da Justiça Federal na
hipótese, uma vez que a ação que julgou a organização criminosa que atuava
no ramo da exploração de máquinas caça- níqueis - e, consequentemente,
praticando o crime de contrabando, é conexa à ação que julga os réus, que,
através do grupo ao qual pertenciam, davam auxílio e a proteção à referida
organização criminosa. V - Como consta no relatório da sentença, a denúncia
foi inicialmente proposta pela Procuradoria Regional da República perante o
Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no exercício de competência originária
para julgar um dos acusados, então deputado estadual. VI - Após baixa dos autos
à 1ª Instância, devido ao fim da prerrogativa de foro, o feito foi distribuído
para a 3ª Vara Federal Criminal, competente em matéria de crime de lavagem
ou ocultação de bens, direitos e valores, após ter sido dada vista ao MPF
para ratificação da peça inicial, sem prejuízo para as partes. Entretanto,
a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª reconheceu, por prevenção,
a competência do juízo da 4ª Vara Criminal Federal da Seção Judiciária do
Estado do Rio de Janeiro para processar o feito. VII - A convocação de juízes
federais para substituir membros dos Tribunais Regionais tem assento legal
tanto na Lei de Organização da Justiça Federal (ar. 64 da Lei nº 5010/66),
quanto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN - art. 118 da LC
35/79). Não há nenhuma ligação quanto à competência do juiz convocado
que atue como substituto de desembargador federal afastado por mais de 30
dias, ao contrário do que ocorre na hipótese de convocação para auxílio do
trabalho das Turmas. VIII - A interrupção de convocação de juiz federal que
substituía desembargadora federal do TRF deu-se de forma regular. Tendo em
vista que o magistrado de primeiro grau, quando da prolação da sentença, já
havia retornado à sua jurisdição natural, em decorrência da interrupção de
férias da referida desembargadora a quem substituiu, não havia impedimento
para exarar o decreto condenatório impugnado. IX - Após o reconhecimento
da prorrogação da competência da 4ª Vara Federal Criminal pela conexão,
deu-se vista ao Ministério Público Federal, que ratificou a denúncia. As
defesas tiveram novo prazo para a complementação de suas peças e somente
após nova manifestação judicial no sentido de que não havia qualquer causa
de absolvição sumária é que houve início da instrução. X - A associação
permanente teria como fim precípuo a prática de facilitação ao contrabando,
crimes de corrupção, na forma ativa e passiva, e lavagem de dinheiro. Foi
dessa imputação que se defenderam alguns réus na ação penal, durante o
processo, o que não incluiu a quadrilha com finalidade de cometimento de
crime eleitoral. XI - A investigação dos réus iniciou-se no ano de 2006,
nos autos da apuração preparatória intitulada "Operação Gladiador", que
correu perante a 4ª Vara Federal Criminal, e nas medidas cautelares a ele
vinculadas quando apareceram indícios de cometimento de crime praticado pelo
então delegado de Polícia Civil afastado para concorrer a cargo público. Na
época do oferecimento da denúncia, o Ministério Público afirmou ainda não ter
elementos suficientes para formulação da peça de pretensão punitiva em face
dele e indicou a continuidade das investigações. O material colhido naquela
apuração foi encaminhado à Procuradoria Regional Eleitoral, que determinou
que fossem apurados os fatos, o que foi feito em dois procedimentos: um que se
referiu mais diretamente aos delitos eleitorais e outro aos crimes de natureza
comum, dando continuidade ao trabalho que vinha sendo feito 2 até então, e
originando o IPL nº 043/2007. XII - Um dos acusados começou a ser investigado
antes de se tornar deputado estadual, havendo diversas referências a ele
no inquérito da Operação Gladiador e na própria sentença da mesma. O IPL nº
043/2007 constituiu-se em procedimento que organizou os elementos probatórios
e teve a fiscalização dos atos subordinada à avaliação do TRF-2ª Região,
enquanto o referido investigado manteve a condição de parlamentar. XIII -
Demonstrada a conexão entre esta ação penal e a de nº 20035.51.01.504960-6,
e a regularidade na produção da prova, é perfeitamente possível a utilização
dos elementos probatórios colhidos na MC nº 2006.5101.517557-1, principalmente
diante da anterior afirmação de que o Ministério Público agiu bem em aprofundar
as investigações antes de oferecer nova denúncia. XIV - Não houve utilização de
prova emprestada de feito sem relação com este. A presente ação, denominada
Operação Segurança Pública S/A é um desdobramento natural da denominada
Operação Gladiador, sendo comum boa parte do arcabouço probatório. XV - O
feito nº 2006.51.01.517557-1, na versão integral, sempre esteve à disposição
das defesas em Secretaria da 4ª Vara Federal Criminal para consulta, a contar
do momento em que os autos da ação penal nº 2008.51.01.815397-2 (Operação
Segurança Pública S/A) baixaram do TRF e houve oportunidade de complementação
das peças de defesas antes da retificação do recebimento da denúncia. XVI -
Houve a notificação de todos os denunciados para apresentação de resposta
no prazo de quinze dias, nos termos do art. 4º, caput e § 1º, da Lei nº
8.038/90, antes do recebimento da denúncia. E todos eles apresentaram a
resposta preliminar ao recebimento da denúncia. Todos os acusados tiveram o
prazo de quinze dias para se manifestar sobre a denúncia oferecida, em ato
que deu oportunidade de defesa mais ampla do que a prevista no art. 514,
do CPP. XVII - O fato de o Ministério Público Federal necessitar aprofundar
as investigações de determinados fatos ligados aos crimes investigados,
antes de apresentar a denúncia, não significa que o órgão tenha promovido um
arquivamento implícito. Foram envidadas todas as cautelas necessárias para
que se apresentasse denúncia que não fosse inepta, sem deixar de observar os
princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal. XVIII -
Embora acolhida a repercussão geral, enquanto não for julgado o RE 625.263/PR,
permanece vigente a orientação fixada pelo Plenário e pelas Turmas do STF no
sentido de que o decreto de interceptação telefônica pode ser sucessivamente
renovável, sempre que o juiz, com base nos fatos, entender que a medida
continua útil à investigação. XIX - Autorizada a interceptação telefônica
por ordem judicial devidamente fundamentada e presentes os pressupostos
legais, o encontro de elementos de prova de cometimento de crime por quem
não era eventualmente alvo no início pode lastrear persecução penal em
face deste. Assim já decidiu a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no
julgamento do HC nº 69552/PR, rel. Min. Felix Fischer, DJ do DIA 14/05/2007. XX
- Dependendo da complexidade dos fatos apurados, pode ser necessário haver
mais de uma prorrogação do prazo legal de quinze dias, não havendo qualquer
nulidade decorrente dessa maior extensão no tempo, desde que justificada
e necessária para apuração da verdade, pressupostos a serem avaliados pelo
juiz (5ª Turma do STJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, HC nº 16374/DF, Dje
01º/02/2010). Da mesma forma, não há necessidade de transcrição integral
de todas as ligações interceptadas ou exigência legal de capacitação 3
técnica específica de um perito para a realização da transcrição, desde que
sejam disponibilizadas para as partes as mídias com os diálogos gravados,
o que ocorreu aqui (5ª Turma do STJ, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho,
HC 116963, Dje 03/08/2009). XXI - O arquivamento de dados digitais em mídia
eletrônica tem natureza de documento. A inserção de dados de gravação de
interceptação telefônica em mídia do tipo "CD" ou "DVD" não é, a rigor, cópia
de documento público original ou reprodução digitalizada de documento. Os
registros de voz são arquivados em mídia digital e pode haver formação de
back-ups, isto é, clonagem dos dados arquivados correspondentes em mídias
diferentes: disco rígido independente, pen-drive, CD, DVD etc. Assim,
não se aplica aqui o conceito de cópia de documento original (art. 365,
III, do CPC) ou de digitalização de documento (art. 365, VI, do CPC),
mas sim o de "extrato digital de banco de dados", previsto no art. 365, V,
do CPC, não se lhe aplicando a previsão do art. 365, § 1º, do CPC. XXII -
A autoridade policial, ao encaminhar CDs com arquivos digitais de registros
sonoros relativos à escuta telefônica, faz expressa referência ao período
correspondente da colheita dos dados, o que atesta, mediante a especificação,
a integridade de conteúdo em relação ao outro mecanismo de armazenamento
digital do qual foi extraída a informação. Assim, é importante esclarecer
que são os áudios gravados provas documentais. As transcrições, como o nome
indica, são reproduções escritas de um documento. A prova, assim, não é a
transcrição escrita em si, mas o próprio áudio. Como as defesas tiveram acesso
ao próprio documento - os áudios - puderam exercer na plenitude o direito
constitucional à defesa. XXIII - Não há qualquer ilegalidade na utilização
da conversa travada entre um dos investigados-alvos e seu advogado como meio
de prova de cometimento de crime, dentro do conjunto probatório fartamente
composto por elementos independentes. No caso, não houve interceptação
do aparelho telefônico do advogado, mas sim do investigado e, no curso do
cumprimento da ordem judicial, houve o monitoramento da conversa. No momento
da interceptação, o alvo não era réu e o advogado não era seu advogado criminal
para defendê-lo em ação penal, pelo fato de que esta ainda não existia. Assim,
não houve interceptação de diálogo reservado entre cliente e advogado. XXIV -
A quadrilha configurou-se como organização criminosa armada, bem estruturada e
ordenada com funções hierarquicamente estabelecidas. Além disso, é gravíssimo
o apoio dado através dela à organização criminosa armada que atuava no ramo de
comércio de máquinas caça-níqueis. Os réus perseguiram, através da quadrilha,
o poder político a qualquer custo e o dinheiro fácil, com enriquecimento
ilícito. XXV - Verifica-se, pela análise dos autos, em especial dos documentos,
laudos periciais e das transcrições das interceptações telefônicas realizadas
em medida cautelar apensa, substrato probatório suficiente para respaldar
convencimento judicial da existência de associação estável entre o ex-chefe
de Polícia do Estado do Rio de Janeiro e o ex- governador. XXVI - A quadrilha
subvertia a ordem hierárquico-formal da estrutura administrativa da polícia
e permitia, mesmo a quem não exercia cargo formal no segundo semestre de
2006, ter ingerência na administração pública, a fim de "lotear" delegacias
de polícia com pessoas indicadas. XXVII - Dando respaldo às afirmações
testemunhais, constam dos autos documentos, laudos periciais, fotos, boletins e
portarias que compõem acervo probatório suficiente para 4 embasar a condenação
dos réus. Demonstradas a materialidade da ação da quadrilha no loteamento da
DPMA em 2003 e a autoria coordenada do ex-chefe de Polícia do Estado do Rio de
Janeiro e do ex-governador, desde essa época, além do dolo associativo para
o cometimento de crimes e a estabilidade, uma vez haver provas do interesse
pela DPMA de 2003 a 2006. XXVIII - Para a configuração de quadrilha, delito
violador da paz pública, basta a associação de mais de três pessoas para o
fim de cometer crimes, no sentido de reunir-se, aliar-se, congregar-se de
forma estável para a consecução de fim comum. Verifica-se, pela análise dos
autos, em especial dos documentos, laudos periciais e das transcrições das
interceptações telefônicas realizadas em medida cautelar apensa, substrato
probatório suficiente para respaldar convencimento judicial da existência
de associação estável entre 8 pessoas. XXIX - A presença do ex-governador
e ex-secretário de Segurança, do ex-chefe de Polícia e outros policiais,
que davam apoio a grupo autante na prática de contrabando de componentes
para máquinas caça-níqueis, grupo notoriamente por vezes violento, implica
que não há dúvida razoável de que os réus conhecessem o uso de armas de
fogo, ao menos por um dos partícipes, na execução dos crimes, condição
suficiente para estar incurso na causa de aumento do parágrafo único do
citado artigo do CP. XXX - A atuação dos denunciados era mais abrangente do
que somente oferecer proteção às ações relativas à exploração de máquinas de
caça níquel da quadrilha a qual dava suporte. Como atuavam mediante paga,
para que não houvesse repressão às condutas criminais mais amplas do grupo
apoiado, o enquadramento típico do fato narrado na acusação é de receber,
em razão do exercício de cargo ou função pública, vantagem indevida -
o crime de corrupção passiva. XXXI - A oitiva de testemunhas, em cotejo
com outras provas, corrobora a tese acusatória, em relação ao "loteamento
de delegacias." XXXII - Para que houvesse sucesso na empreitada criminosa
(apoio a quadrilha de exploração de máquinas de caça-níquel na zona oeste
do Rio), a quadrilha a qual pertenciam os réus optou pela tática de lotear
delegacias entre inspetores de polícia com o perfil corrupto-operacional. O
modus operandi dos denunciados consistia na infração do dever funcional de
apreender as máquinas caça-níqueis - que possuem componentes, em especial
os chamados "noteiros", que são de origem estrangeira, cuja importação é
proibida por se destinarem à exploração do jogo de azar. XXXIII - Além
disso, a quadrilha apoiada contava com a realização de investigações
intencionalmente ineficazes, a fim de assegurar a manutenção de poder e
dos seus pontos de jogo, bem como com os "serviços" de segurança privada
prestados pelos réus, que mantinham uma ordem mínima nas áreas de atuação,
pois a desordem comprometeria a lucratividade dos negócios. XXXIV - Outros
casos de corrupção passiva envolveram os acusados, que recebiam quantia
mensal de redes de supermercado, em troca de segurança, havendo planilha
acostada aos autos e periciada, em que se constata gastos muito superiores
às suas rendas. XXXV - A prisão de membro de organização criminosa rival
daquela a quem os réus davam suporte foi ato legal e fundamentado (havia
mandado de prisão), mas foi efetivada também para atender à determinação da
quadrilha protegida pelo grupo do acusado. XXXVI - As condutas de ocultação de
propriedade de imóveis e automóveis de luxo 5 adquiridos com dinheiro ilícito
auferido pela prática de corrupção passiva (art. 1º, V, da Lei no. 9.613/98)
caracterizam forma habitual de cometimento de crime, considerando o número
de ocorrências. Somado a isso, alguns dos acusados procederam à retificação
de suas respectivas declarações de imposto de renda, a fim de justificar
o patrimônio construído com a lavagem de dinheiro. XXXVII - Projetando-se
anualmente os gastos pessoais de alguns dos réus, totalizariam valores
incompatíveis com suas remunerações anuais líquidas. XXXVIII - Culpabilidade
extrema de alguns réus, diante do fato de se tratar de quadrilha composta
por ex-governador e ex-secretário de Segurança, ex-chefe de Polícia do Rio
de Janeiro e outros policiais em posições de destaque, em estado que sofre
há décadas um nível de violência comparável a países em guerra. XXXIX -
Os motivos do crime de alguns dos réus autorizam o aumento de pena, tendo
em vista a vontade de se perpeturarem no Poder Público a qualquer custo, com
fito de lucro ilícito, compondo quadrilha composta por policiais protetores de
criminosos. XL - Circunstâncias indicam a existência de organização criminosa
bem estruturada e ordenada com funções hierarquicamente bem estabelecidas, que
transcende a simples e vulgar associação criminosa que, à época, denominava-se
quadrilha. XLI - Consequências do crime são desastrosas. O fato de um ex-chefe
de Polícia, acompanhado do ex-governador do Estado e de integrantes da Polícia
que frequentaram sua alta cúpula darem suporte a criminosos conhecidos por
sua violência tem como consequência a desestruturação e desmoralização do
Órgão por um bom tempo. XLII - Perda de cargo público de alguns dos réus com
suporte no art. 92, I, "a", do Código Penal, por terem sido condenados à pena
privativa de liberdade por tempo superior a um ano, em crimes praticados com
abuso de poder e com violação de dever para com a Administração Pública;
e no art. 92, I, "b", do Código Penal, por terem sido condenados à pena
privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos. XLIII - Perdimento,
em favor da União, de imóveis adquiridos com produto do cometimento do crime
de corrupção passiva e objetos de lavagem de bens, nos termos do art. 91,
II, "b", do Código Penal e do art. 7º, I, da Lei no. 9613/98. XLIV - Pena
de multa fixada considerando às condições judiciais e legais, com valor
do dia multa estabelecido de acordo com as condições econômicas fáticas dos
acusados. XLV - Encerrada a jurisdição deste Tribunal, considerando o disposto
no art. 637 do CPP, art. 1.029, § 5º, do CPC/2015 e Enunciado nº 267 do STJ,
à luz do novo entendimento firmado pelo STF em sede de repercussão geral
(ARE 964246 RG/SP), expeça-se, com urgência, mandado de prisão e guia de
recolhimento provisória da pena privativa de liberdade ao Juízo da Execução
Penal, com fulcro nos arts. 2º, parágrafo único, 105 e ss., todos da Lei nº
7.210/1984 c/c arts. 1º, 8º e ss., todos da Resolução nº 113, de 20/04/2010,
do CNJ. XLVI - Apelações criminais das defesas de ANTHONY WILLIAM GAROTINHO
MATHEUS DE OLIVEIRA, SISSY TOLEDO DE MACEDO BULLONS LINS e FRANCIS BULLOS
não providas. Apelações criminais do Ministério Público Federal e dos réus
FÁBIO MENEZES DE LEÃO, RICARDO HALLACK, ALCIDES CAMPOS SODRÉ FERREIRA e DANIEL
GOULART parcialmente providas. Apelação criminal de LUCIANA GOUVEIA provida. 6
Data do Julgamento
:
05/09/2018
Data da Publicação
:
14/09/2018
Classe/Assunto
:
Ap - Apelação - Recursos - Processo Criminal
Órgão Julgador
:
2ª TURMA ESPECIALIZADA
Relator(a)
:
MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO
Comarca
:
TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
MARCELLO FERREIRA DE SOUZA GRANADO
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