TRF3 0000006-05.2015.4.03.6000 00000060520154036000
PENAL: TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS E DE ARMAS - MATERIALIDADE E AUTORIA -
DOSIMETRIA DA PENA - CONCURSO FORMAL PROPRIO
I - Embora não tenham sido objeto de recurso, materialidade e autoria estão
devidamente comprovadas através do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/13),
do Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 15/17), compreendendo veículo,
droga, armas e munições, cheques, celulares e documentos diversos, através
do Laudo Preliminar de Constatação (fls. 18/20) e do Laudo de Química
Forense (fls. 81/88), os quais comprovaram que o material encontrado em
poder do réu tratava-se de cocaína, bem assim pelo depoimento do acusado
e das testemunhas.
II - O acusado foi preso em flagrante e declarou saber da existência das
drogas, inclusive esclareceu com riqueza de detalhes toda sua trajetória para
o transporte do entorpecente, negando, no entanto, o conhecimento das armas e
das munições. Entretanto, em seu interrogatório policial e judicial afirmou
que o caminhão lhe foi entregue com as mercadorias já armazenadas no fundo
falso do tanque de combustível; não soube dizer qual o tipo de entorpecente
estaria transportando. Por ocasião do seu depoimento não só esclareceu
com requinte de detalhes o modo de contratação quanto o teor da empreitada,
afirmando sempre que fora contratado para conduzir uma carga ilícita. Ainda
que não soubesse qual carga ilícita estaria levando, incorreu em dolo
eventual ao anuir com o risco de transportar outras mercadorias ilícitas
para o território nacional, que não apenas as contratadas, "ao deixar de
se certificar acerca do que efetivamente estava transportando" (conf. TRF/4,
ACR 200971180004252, DE 06/05/2010, REL. LUIZ FERNANDO WOWK, OITAVA TURMA).
III - Comprovado o dolo do acusado no cometimento do delito do artigo 18 da
Lei 10.826/2003. E não há de se falar em desclassificação para o delito
do artigo 16 (porte ilegal de armas), já que, como se viu, o acusado incorreu
no risco de "transportar" e não "portar".
IV - Conforme demonstrado pelo laudo apresentado, o acusado transportava o
correspondente a 147,9kg (cento e quarenta e sete quilogramas e novecentos
gramas) de cocaína, droga reconhecida pelo seu enorme potencial ofensivo,
cuja quantidade justifica o aumento da pena-base acima do mínimo legal,
inclusive em patamar maior que o fixado pelo Juízo. Não obstante, à
mingua de recurso ministerial, é de ser mantido o quanto fixado pelo Juízo,
de 6 anos e 8 meses de reclusão e 666 dias-multa.
V - Considerando que o réu confessou a prática do delito e o Juízo se
utilizou dessa confissão, é de lhe ser reconhecida essa atenuante. No
entanto, o patamar de redução deverá ser aplicado à razão de 1/6,
fração esta que vem sendo aplicada em casos análogos.
VI - O conjunto probatório evidencia a prática do crime de tráfico
transnacional de droga, haja vista que a droga foi adquirida a droga na
Bolívia para ser comercializada no Brasil. Nesse ponto, deve permanecer
a causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I, da Lei de Drogas, no
patamar fixado pelo Juízo, de 1/6 (um sexto).
VII - Conforme bem fundamentado pelo Juízo sentenciante, o modus operandi
evidencia um grau de sofisticação suficiente a justificar o afastamento
de tal benesse. Assim a antecedência de dois meses na combinação do
frete para o transporte da droga e a destreza na camuflagem dificultando e
sua localização, o transporte de carga única, a promessa de pagamento de
quantia alta para o transporte da droga e o pagamento das estadas por mais de
uma semana em cidade fronteiriça com a Bolívia, são indicativos de que o
acusado goza de especial confiança da organização criminosa. Logo, é de
ser mantida a decisão do Juízo de primeiro grau que não aplicou ao acusado
a causa de diminuição da pena do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006.
VIII - Dosimetria do delito do artigo 18 da Lei 10.826/2003 mantida conforme
os fundamentos do Juízo de primeiro grau, de forma que a pena desse delito
torna-se definitiva em 6 anos de reclusão e ao pagamento de 15 dias-multa -
fixados estes em 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente na data
dos fatos.
IX - A segunda parte do artigo 70, caput, do Código Penal, chamada de concurso
formal impróprio, determina a acumulação das penas se a ação ou omissão
é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos. No
caso dos autos, o Juízo de primeiro grau aplicou essa tese e somou as
penas do acusado, o que foi alvo de insurgência da defesa, que pede o
reconhecimento do concurso formal próprio. Nesse ponto, razão assiste à
defesa, sendo o caso de aplicar a regra do concurso formal próprio (primeira
parte). Não obstante ter o acusado, através de uma única conduta dolosa,
praticado dois delitos (tráfico de drogas e de armas), caso é que não
restou comprovada a autonomia dos desígnios a justificar a aplicação
do concurso formal impróprio. Logo, é de ser afastada a aplicação do
concurso formal impróprio, mantendo-se, contudo, o concurso formal.
X - Considerando o concurso formal próprio, é de ser aplicada a pena
mais grave, de 6 anos, 5 meses e 23 dias de reclusão e 647 dias-multa,
aumentada da fração de 1/6, que resulta na pena definitiva de 7 anos,
6 meses e 21 dias de reclusão e ao pagamento de 754 dias-multa.
XI - Para determinação do regime inicial nos delitos de tráfico de
entorpecentes deve ser observado o artigo 33, parágrafos 2º e 3º, do
Código Penal, de forma que a fixação do regime inicial mais adequado à
repressão e prevenção de delitos deve ser pautada pelas circunstâncias do
caso concreto. NO CASO CONCRETO, verifica-se a presença dos requisitos para
fixação de regime menos grave, que ora fixo no semiaberto. De outra forma,
procedendo-se à detração do tempo de prisão provisória entre a prisão e a
sentença (4 meses), de que trata o artigo 387, § 2º, do Código de Processo
Penal, em nada influi no regime ora fixado, tendo em conta o acima disposto.
X - Recurso da defesa parcialmente provido para reconhecer a atenuante
da confissão espontânea em relação a ambos os delitos e afastar a
aplicação do concurso formal impróprio, mantendo-se, contudo, o concurso
formal próprio, e, de ofício, fixar o regime semiaberto para início de
cumprimento da pena, tornando-a definitiva em 7 anos, 6 meses e 21 dias
de reclusão e ao pagamento de 754 dias-multa - fixados estes em 1/30 (um
trinta avos) do salário mínimo vigente na data dos fatos.
Ementa
PENAL: TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS E DE ARMAS - MATERIALIDADE E AUTORIA -
DOSIMETRIA DA PENA - CONCURSO FORMAL PROPRIO
I - Embora não tenham sido objeto de recurso, materialidade e autoria estão
devidamente comprovadas através do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/13),
do Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 15/17), compreendendo veículo,
droga, armas e munições, cheques, celulares e documentos diversos, através
do Laudo Preliminar de Constatação (fls. 18/20) e do Laudo de Química
Forense (fls. 81/88), os quais comprovaram que o material encontrado em
poder do réu tratava-se de cocaína, bem assim pelo depoimento do acusado
e das testemunhas.
II - O acusado foi preso em flagrante e declarou saber da existência das
drogas, inclusive esclareceu com riqueza de detalhes toda sua trajetória para
o transporte do entorpecente, negando, no entanto, o conhecimento das armas e
das munições. Entretanto, em seu interrogatório policial e judicial afirmou
que o caminhão lhe foi entregue com as mercadorias já armazenadas no fundo
falso do tanque de combustível; não soube dizer qual o tipo de entorpecente
estaria transportando. Por ocasião do seu depoimento não só esclareceu
com requinte de detalhes o modo de contratação quanto o teor da empreitada,
afirmando sempre que fora contratado para conduzir uma carga ilícita. Ainda
que não soubesse qual carga ilícita estaria levando, incorreu em dolo
eventual ao anuir com o risco de transportar outras mercadorias ilícitas
para o território nacional, que não apenas as contratadas, "ao deixar de
se certificar acerca do que efetivamente estava transportando" (conf. TRF/4,
ACR 200971180004252, DE 06/05/2010, REL. LUIZ FERNANDO WOWK, OITAVA TURMA).
III - Comprovado o dolo do acusado no cometimento do delito do artigo 18 da
Lei 10.826/2003. E não há de se falar em desclassificação para o delito
do artigo 16 (porte ilegal de armas), já que, como se viu, o acusado incorreu
no risco de "transportar" e não "portar".
IV - Conforme demonstrado pelo laudo apresentado, o acusado transportava o
correspondente a 147,9kg (cento e quarenta e sete quilogramas e novecentos
gramas) de cocaína, droga reconhecida pelo seu enorme potencial ofensivo,
cuja quantidade justifica o aumento da pena-base acima do mínimo legal,
inclusive em patamar maior que o fixado pelo Juízo. Não obstante, à
mingua de recurso ministerial, é de ser mantido o quanto fixado pelo Juízo,
de 6 anos e 8 meses de reclusão e 666 dias-multa.
V - Considerando que o réu confessou a prática do delito e o Juízo se
utilizou dessa confissão, é de lhe ser reconhecida essa atenuante. No
entanto, o patamar de redução deverá ser aplicado à razão de 1/6,
fração esta que vem sendo aplicada em casos análogos.
VI - O conjunto probatório evidencia a prática do crime de tráfico
transnacional de droga, haja vista que a droga foi adquirida a droga na
Bolívia para ser comercializada no Brasil. Nesse ponto, deve permanecer
a causa de aumento prevista no artigo 40, inciso I, da Lei de Drogas, no
patamar fixado pelo Juízo, de 1/6 (um sexto).
VII - Conforme bem fundamentado pelo Juízo sentenciante, o modus operandi
evidencia um grau de sofisticação suficiente a justificar o afastamento
de tal benesse. Assim a antecedência de dois meses na combinação do
frete para o transporte da droga e a destreza na camuflagem dificultando e
sua localização, o transporte de carga única, a promessa de pagamento de
quantia alta para o transporte da droga e o pagamento das estadas por mais de
uma semana em cidade fronteiriça com a Bolívia, são indicativos de que o
acusado goza de especial confiança da organização criminosa. Logo, é de
ser mantida a decisão do Juízo de primeiro grau que não aplicou ao acusado
a causa de diminuição da pena do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006.
VIII - Dosimetria do delito do artigo 18 da Lei 10.826/2003 mantida conforme
os fundamentos do Juízo de primeiro grau, de forma que a pena desse delito
torna-se definitiva em 6 anos de reclusão e ao pagamento de 15 dias-multa -
fixados estes em 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente na data
dos fatos.
IX - A segunda parte do artigo 70, caput, do Código Penal, chamada de concurso
formal impróprio, determina a acumulação das penas se a ação ou omissão
é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos. No
caso dos autos, o Juízo de primeiro grau aplicou essa tese e somou as
penas do acusado, o que foi alvo de insurgência da defesa, que pede o
reconhecimento do concurso formal próprio. Nesse ponto, razão assiste à
defesa, sendo o caso de aplicar a regra do concurso formal próprio (primeira
parte). Não obstante ter o acusado, através de uma única conduta dolosa,
praticado dois delitos (tráfico de drogas e de armas), caso é que não
restou comprovada a autonomia dos desígnios a justificar a aplicação
do concurso formal impróprio. Logo, é de ser afastada a aplicação do
concurso formal impróprio, mantendo-se, contudo, o concurso formal.
X - Considerando o concurso formal próprio, é de ser aplicada a pena
mais grave, de 6 anos, 5 meses e 23 dias de reclusão e 647 dias-multa,
aumentada da fração de 1/6, que resulta na pena definitiva de 7 anos,
6 meses e 21 dias de reclusão e ao pagamento de 754 dias-multa.
XI - Para determinação do regime inicial nos delitos de tráfico de
entorpecentes deve ser observado o artigo 33, parágrafos 2º e 3º, do
Código Penal, de forma que a fixação do regime inicial mais adequado à
repressão e prevenção de delitos deve ser pautada pelas circunstâncias do
caso concreto. NO CASO CONCRETO, verifica-se a presença dos requisitos para
fixação de regime menos grave, que ora fixo no semiaberto. De outra forma,
procedendo-se à detração do tempo de prisão provisória entre a prisão e a
sentença (4 meses), de que trata o artigo 387, § 2º, do Código de Processo
Penal, em nada influi no regime ora fixado, tendo em conta o acima disposto.
X - Recurso da defesa parcialmente provido para reconhecer a atenuante
da confissão espontânea em relação a ambos os delitos e afastar a
aplicação do concurso formal impróprio, mantendo-se, contudo, o concurso
formal próprio, e, de ofício, fixar o regime semiaberto para início de
cumprimento da pena, tornando-a definitiva em 7 anos, 6 meses e 21 dias
de reclusão e ao pagamento de 754 dias-multa - fixados estes em 1/30 (um
trinta avos) do salário mínimo vigente na data dos fatos.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da defesa para reconhecer
a atenuante da confissão espontânea em relação a ambos os delitos e
afastar a aplicação do concurso formal impróprio, mantendo-se, contudo,
o concurso formal próprio, e, de ofício, fixar o regime semiaberto para
início de cumprimento da pena, tornando-a definitiva em 7 anos, 6 meses e 21
dias de reclusão e ao pagamento de 754 dias-multa - fixados estes em 1/30
(um trinta avos) do salário mínimo vigente na data dos fatos, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
30/05/2017
Data da Publicação
:
09/06/2017
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 62951
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Observações
:
OBJETO DO CRIME: TRANSPORTE DE 147,9KG DE COCAÍNA.
Referência
legislativa
:
***** ED-2003 ESTATUTO DO DESARMAMENTO
LEG-FED LEI-10826 ANO-2003 ART-18 ART-16
***** LDR-06 LEI DE DROGAS
LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-40 INC-1 ART-33 PAR-4
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-70 ART-33 PAR-2 PAR-3
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-387 PAR-2
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/06/2017
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