TRF3 0000007-53.2016.4.03.6000 00000075320164036000
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. LEI
11.343/2006. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE. ERRO
DE TIPO. DOLO EVENTUAL. ESTADO DE NECESSIDADE. DOSIMETRIA DA
PENA. PENA-BASE. CONFISSÃO. MINORANTE. ART. 33, § 4º, DA LEI
11.343/06. INTERESTADUALIDADE. INAPLICABILIDADE. REGIME. SUBSTITUIÇÃO DA
PENA.
1. Verifico que o apelante foi preso em flagrante, permanecendo custodiado
durante todo o processo, sendo, ao final, condenado, não tendo havido
mudança do quadro fático descrito na sentença a ensejar a alteração de
sua situação prisional, nos termos do artigo 387, p. único, do Código de
Processo Penal. Por outro ângulo, observo que estão presentes os requisitos
para a manutenção da segregação cautelar da apelante, para garantia
da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal (art. 312 do
Código de Processo Penal).
2. Mérito. A autoria e a materialidade do crime de tráfico restaram bem
demonstradas pelos seguintes documentos: auto de prisão em flagrante
(fls. 02/07); Laudo Preliminar de Constatação (fls. 19/22); Auto de
Apresentação e Apreensão (fls. 09/10); voucher de viagem aérea entre
Salvador e Campo Grande (fl. 11); comprovante de compra em estabelecimento
comercial boliviano (fl. 13); boletim de ocorrência (fls. 14/16); Laudo de
Perícia Criminal (fls. 46/49), e pelos depoimentos das testemunhas e pelo
interrogatório do réu (mídia de fl. 203).
3. Não se pode acatar a tese do erro de tipo, sob a alegação de que o
réu desconheceria o conteúdo ilícito da carga transportada. Com efeito,
se aceitou vir de Salvador/BA, até Campo Grande/MS e depois Corumbá/MS,
voltando para o Nordeste desta vez para Recife/PE, conduzindo um automóvel
alheio com carga incerta, para o que receberia pagamento, no mínimo deve
incidir ao caso a figura do dolo eventual.
4. As alegações de que o acusado se encontrava em situação de penúria
não afastam suas responsabilidades penais, eis que não restou comprovada
a existência de nenhum perigo imediato que justificasse o cometimento do
delito. Existiu um significativo intervalo temporal entre o recebimento da
proposta para a realização do tráfico, sua ida, de avião, de Salvador/BA
até Campo Grande/MS, com o posterior retorno via terrestre até Recife/PE, o
que afasta o alegado estado de necessidade. Não se pode falar na aplicação
do artigo 24, do Código Penal ou de seu § 2º, no momento da dosimetria
da pena.
5. Dosimetria da pena. A pena-base merece ser exasperada para 9 (nove) anos
de reclusão e 900 (novecentos) dias-multa, sobretudo em virtude da enorme
quantidade de droga apreendida (mais de 38 quilos de cocaína).
6. Reputo que o réu faz jus à incidência da atenuante da confissão,
pois, a despeito de ter sido preso em flagrante, confessou espontaneamente a
autoria dos fatos a si imputados, o que inclusive foi utilizado para embasar
a condenação.
7. Os requisitos do benefício previsto no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06,
são cumulativos. No caso em tela, o réu é primário e não ostenta maus
antecedentes, tampouco há elementos que indiquem integrar organização
criminosa, ainda que em escala restrita, de modo que aplicável a minorante,
mas apenas no patamar de 1/6 (um sexto), pois ao menos aceitou realizar
o transporte intercontinental de droga, delito que envolve certo nível
de planejamento e estruturação (compra de passagens aéreas, gastos com
hospedagem, preparação da ocultação da droga, etc).
8. De outra parte, o acusado, brasileiro, trouxe expressiva quantidade
de cocaína da Bolívia para o Brasil, através da fronteira terrestre. A
majorante prevista no artigo 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06, aplica-se
ao tráfico com o exterior, seja quando o tóxico venha para o Brasil, seja
quando esteja em vias de ser exportado. Portanto, é evidente, in casu,
a tipificação do tráfico internacional de entorpecentes.
9. Presente a causa de aumento referente à transnacionalidade do delito não
poderá ter aplicação, na hipótese, a causa de aumento descrita no inciso V,
do artigo 40, da Lei 11.343/06, a ensejar eventual concurso ou consideração
de tal majorante. É que a causa de aumento referente à interestadualidade
do delito só é aplicável quando a droga tenha origem em um Estado da
Federação e haja o intento último do agente de transportá-la para o
território de um ou mais Estados diferentes, não incidindo a majorante
quando o intuito é importá-la ou exportá-la, ainda que, para tanto, seja
necessário adentrar nos territórios de distintas unidades da Federação,
como é a hipótese dos autos.
10. Deve ser fixado o regime inicial semiaberto, nos termos do §3º do
artigo 33 do Código Penal.
11. Em virtude da quantidade de pena cominada à acusada, incabível a
substituição de pena privativa de liberdade por penas restritivas de
direitos, nos termos do art. 44, do Código Penal.
12. Recurso de apelação do Ministério Público Federal a que se dá parcial
provimento, para aumentar a pena-base para 9 (nove) anos de reclusão e 900
(novecentos) dias-multa; apelo da defesa a que se dá parcial provimento,
para aplicar a atenuante da confissão e a minorante prevista no art. 33,
§ 4º, da Lei 11.343/06, redundando na pena definitiva de 7 (sete) anos,
3 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, além do pagamento de 729
(setecentos e vinte e nove) dias-multa, no regime semiaberto.
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. LEI
11.343/2006. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE. ERRO
DE TIPO. DOLO EVENTUAL. ESTADO DE NECESSIDADE. DOSIMETRIA DA
PENA. PENA-BASE. CONFISSÃO. MINORANTE. ART. 33, § 4º, DA LEI
11.343/06. INTERESTADUALIDADE. INAPLICABILIDADE. REGIME. SUBSTITUIÇÃO DA
PENA.
1. Verifico que o apelante foi preso em flagrante, permanecendo custodiado
durante todo o processo, sendo, ao final, condenado, não tendo havido
mudança do quadro fático descrito na sentença a ensejar a alteração de
sua situação prisional, nos termos do artigo 387, p. único, do Código de
Processo Penal. Por outro ângulo, observo que estão presentes os requisitos
para a manutenção da segregação cautelar da apelante, para garantia
da ordem pública e para assegurar a aplicação da lei penal (art. 312 do
Código de Processo Penal).
2. Mérito. A autoria e a materialidade do crime de tráfico restaram bem
demonstradas pelos seguintes documentos: auto de prisão em flagrante
(fls. 02/07); Laudo Preliminar de Constatação (fls. 19/22); Auto de
Apresentação e Apreensão (fls. 09/10); voucher de viagem aérea entre
Salvador e Campo Grande (fl. 11); comprovante de compra em estabelecimento
comercial boliviano (fl. 13); boletim de ocorrência (fls. 14/16); Laudo de
Perícia Criminal (fls. 46/49), e pelos depoimentos das testemunhas e pelo
interrogatório do réu (mídia de fl. 203).
3. Não se pode acatar a tese do erro de tipo, sob a alegação de que o
réu desconheceria o conteúdo ilícito da carga transportada. Com efeito,
se aceitou vir de Salvador/BA, até Campo Grande/MS e depois Corumbá/MS,
voltando para o Nordeste desta vez para Recife/PE, conduzindo um automóvel
alheio com carga incerta, para o que receberia pagamento, no mínimo deve
incidir ao caso a figura do dolo eventual.
4. As alegações de que o acusado se encontrava em situação de penúria
não afastam suas responsabilidades penais, eis que não restou comprovada
a existência de nenhum perigo imediato que justificasse o cometimento do
delito. Existiu um significativo intervalo temporal entre o recebimento da
proposta para a realização do tráfico, sua ida, de avião, de Salvador/BA
até Campo Grande/MS, com o posterior retorno via terrestre até Recife/PE, o
que afasta o alegado estado de necessidade. Não se pode falar na aplicação
do artigo 24, do Código Penal ou de seu § 2º, no momento da dosimetria
da pena.
5. Dosimetria da pena. A pena-base merece ser exasperada para 9 (nove) anos
de reclusão e 900 (novecentos) dias-multa, sobretudo em virtude da enorme
quantidade de droga apreendida (mais de 38 quilos de cocaína).
6. Reputo que o réu faz jus à incidência da atenuante da confissão,
pois, a despeito de ter sido preso em flagrante, confessou espontaneamente a
autoria dos fatos a si imputados, o que inclusive foi utilizado para embasar
a condenação.
7. Os requisitos do benefício previsto no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06,
são cumulativos. No caso em tela, o réu é primário e não ostenta maus
antecedentes, tampouco há elementos que indiquem integrar organização
criminosa, ainda que em escala restrita, de modo que aplicável a minorante,
mas apenas no patamar de 1/6 (um sexto), pois ao menos aceitou realizar
o transporte intercontinental de droga, delito que envolve certo nível
de planejamento e estruturação (compra de passagens aéreas, gastos com
hospedagem, preparação da ocultação da droga, etc).
8. De outra parte, o acusado, brasileiro, trouxe expressiva quantidade
de cocaína da Bolívia para o Brasil, através da fronteira terrestre. A
majorante prevista no artigo 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06, aplica-se
ao tráfico com o exterior, seja quando o tóxico venha para o Brasil, seja
quando esteja em vias de ser exportado. Portanto, é evidente, in casu,
a tipificação do tráfico internacional de entorpecentes.
9. Presente a causa de aumento referente à transnacionalidade do delito não
poderá ter aplicação, na hipótese, a causa de aumento descrita no inciso V,
do artigo 40, da Lei 11.343/06, a ensejar eventual concurso ou consideração
de tal majorante. É que a causa de aumento referente à interestadualidade
do delito só é aplicável quando a droga tenha origem em um Estado da
Federação e haja o intento último do agente de transportá-la para o
território de um ou mais Estados diferentes, não incidindo a majorante
quando o intuito é importá-la ou exportá-la, ainda que, para tanto, seja
necessário adentrar nos territórios de distintas unidades da Federação,
como é a hipótese dos autos.
10. Deve ser fixado o regime inicial semiaberto, nos termos do §3º do
artigo 33 do Código Penal.
11. Em virtude da quantidade de pena cominada à acusada, incabível a
substituição de pena privativa de liberdade por penas restritivas de
direitos, nos termos do art. 44, do Código Penal.
12. Recurso de apelação do Ministério Público Federal a que se dá parcial
provimento, para aumentar a pena-base para 9 (nove) anos de reclusão e 900
(novecentos) dias-multa; apelo da defesa a que se dá parcial provimento,
para aplicar a atenuante da confissão e a minorante prevista no art. 33,
§ 4º, da Lei 11.343/06, redundando na pena definitiva de 7 (sete) anos,
3 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, além do pagamento de 729
(setecentos e vinte e nove) dias-multa, no regime semiaberto.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo ministerial, para aumentar
a pena-base para 9 (nove) anos de reclusão e 900 (novecentos) dias-multa,
e dar parcial provimento ao apelo de LUCIANO PEREIRA DOS SANTOS, para aplicar
a atenuante da confissão e a minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei
11.343/06, redundando na pena definitiva de 7 (sete) anos, 3 (três) meses
e 15 (quinze) dias de reclusão, além do pagamento de 729 (setecentos e
vinte e nove) dias-multa, no regime semiaberto, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
24/10/2016
Data da Publicação
:
03/11/2016
Classe/Assunto
:
ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 67728
Órgão Julgador
:
QUINTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** LDR-06 LEI DE DROGAS
LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-33 PAR-4 ART-40 INC-1 INC-5
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-312 ART-387 PAR-ÚNICO
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-24 PAR-2 ART-33 PAR-3 ART-44
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/11/2016
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