TRF3 0000140-53.2016.4.03.0000 00001405320164030000
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO
DE TUTELA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. PRINCÍPIO DA
SEPARAÇÃO DOS PODERES. NÃO VIOLAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO
DE SAÚDE. MEDICAMENTO (ÁCIDO QUENODESÓXICÓLICO 250MG) EFICAZ PARA O
TRATAMENTO DE XAMANTOSE CEREBROTENDINOSA. RECURSO DESPROVIDO.
- Cuida-se de ação ordinária, na qual a tutela de urgência foi
deferida para determinar o fornecimento gratuito ao recorrido de ácido
quenodesóxicólico 250mg, conforme indicado na prescrição médica até
o julgamento final da ação.
- O Estado brasileiro, constituído pelas pessoas políticas, quais
sejam, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, tem a obrigação
constitucional de promover os meios assecuratórios da vida e da saúde
da população e, assim, são responsáveis por garantir esses bens aos
brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil. Nesse sentido, a União,
os Estados, Municípios e Distrito Federal têm legitimidade ad causam
para figurar no polo passivo de ação, que tem por finalidade debater a
garantia ao acesso a medicamento pleiteado por pessoa que não tem recursos
financeiros para obtê-lo. Nessa linha é o entendimento desta corte:
(AI 00061098320154030000, DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, TRF3 -
TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/11/2015). Portanto, in casu,
a União deve ser mantida no polo passivo do feito e, em consequência,
a competência é da Justiça Federal, a teor do artigo 109 da CF/88.
- Não há o que se falar em ofensa ao princípio da separação dos poderes,
previsto nos artigos 2º e 60, § 4°, inciso III, da Constituição Federal
de 1988, como bem decidiu o Superior Tribunal de Justiça: (Ag no REsp
n.° 1.136.549/RS, Segunda Turma do STJ, Relator Ministro Humberto Martins,
julgado em 08/06/2010, DJe de 21/06/2010).
- O direito ao fornecimento dos medicamentos decorre dos deveres impostos à
União, Estado, Distrito Federal e Municípios pelos artigos 6º, 23, inciso
II, e 196 a 200 da Lei Maior na realização do direito à saúde. As normas
legais devem ser interpretadas em conformidade com as normas constitucionais
referidas, a fim de que se concretize o direito fundamental à saúde dos
cidadãos e das cidadãs. Em consequência, a definição do elenco de
medicamentos e tratamentos diversos existe como dever aos entes estatais
para o estabelecimento de uma política de saúde consistente, o que
não exclui que drogas alternativas sejam ministradas pelo médico que
atende o paciente e sob sua responsabilidade profissional, nem que outros
programas sejam estabelecidos para assistir aqueles que forem portadores de
doenças e que não constituem restrição ao acesso à saúde. É certo,
outrossim, que cumpre ao Judiciário a efetivação dos direitos prescritos
na Constituição Federal e nas leis. É a garantia fundamental do artigo
5º, inciso XXXV, da CF. O artigo 2º do Estatuto Constitucional deve ser
interpretado em harmonia com o acesso à jurisdição e com os dispositivos
pertinentes à saúde pública (artigo 6º, inciso II, e artigos 196 a 200
da CF). Como parâmetro, as entidades federais, no atendimento ao direito à
saúde, devem pautar-se pelos princípios e normas constitucionais. O SUS,
na regulamentação que lhe dá a Lei nº 8.080/1990 (artigos 1º, 2º,
4º, 6º, inciso I, d, 7º, incisos II e X, a , 9º, 15, incisos I, II, V,
e XVI, 16, 17, 18, 19-M, 19-N, 19-O, 19-P, 19-Q, 19-R e 19-T com redação
da Lei n.º 12.401/2011 e 12 da Lei n.º 6.360/76), deve-se orientar à
mais ampla possível realização concreta do direito fundamental de que
aqui se cuida. É de suma importância que o médico seja respeitado nas
prescrições que faz, uma vez que é quem acompanha e faz recomendações
ao paciente, salvo quando a atividade contrarie os próprios conhecimentos
existentes no campo da Medicina, o que não é o caso. Nesse contexto, a
prova cabal de que o medicamento é eficaz é desnecessária, na medida em
que a possibilidade de melhora da paciente com o uso do remédio prescrito
é suficiente para justificar seu fornecimento.
- In casu, a documentação acostada, notadamente o parecer da médica
Carolina Aranda (CRM 126819) comprova que o agravado: "(...) é portador de
uma doença metabólica rara chamada Xamantose Cerebrotendinosa. Essa doença
faz parte do grupo dos erros inatos do metabolismo que cursa com armazenamento
de lipídios devido à alteração na síntese de ácidos biliares. Existe
uma alteração na atividade da enzima mitocondrial do citocromo P450,
esterol-27-hidroxilase que catalisa uma das reações iniciais da via
da síntese da bile, levando a uma acumulação de colestanol. O paciente
apresentou diarréia crônica desde na infância e catarata diagnosticada na
segunda década de vida. Iniciou quadro de deterioração neurológica com
trinta anos que se iniciou com alteração na marcha e ataxia. O paciente foi
perdendo suas aquisições, sendo que atualmente o paciente não apresenta
marcha e apresenta distúrbio de deglutição importante sendo alimentado
via gastronomia. O paciente está incapacitado para o exercício dos atos
da vida civil. Ao exame neurológico, apresenta síndrome piramidal om
liberação bilateral, fasciculação de língua e palato. Foi encontrado
à ressonância magnética de crânio (RNM crânio) com espectroscopia:
acometimento de substancia branca cerebelar e alteração em tronco e
mesencéfalo. O diagnóstico foi feito através do seqüenciamento do gene
CyP27A1, sendo encontrada as seguintes alterações, p.T339M, e p.R395C, em,
heterozigose,, consideradas, como clinicamente, importantes (alterações
patogênicas). Apesar de grave e com evolução degenerativa importante,
o tratamento com ácido quenodesoxicólico apresenta ótimos resultados,
com relatos de impedimento da progressão da doença. CID E75.5"
- A agravante aduz que o SUS tem protocolo clínico e diretrizes terapêuticas
para a doença de que padece a parte, bem como que o medicamento pretendido
não tem registro na ANVISA, não foi avaliado pelo CONITEC e não consta
do RENAME, de maneira que o seu fornecimento viola os artigos 2º, 5º,
inciso II, 23, inciso II, 197 e 198, inciso II, da CF/88 e 7º, inciso
II, 19-Q, 19-R, 19-T da Lei n.º 8.080/90. Porém, o parecer médico
anteriormente explicitado infirma esses argumentos, de maneira que não
afastam o dever do poder público de custear o tratamento com a medicação
recomendada. Sobre a questão, destaco entendimento desta 4ª Turma: (AI
00067763520164030000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - QUARTA
TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/09/2016). Saliente-se que a inexistência
de registro do medicamento na ANVISA não impede o seu fornecimento pelos
motivos já apontados. Destaquem-se precedentes do Supremo Tribunal Federal e
deste tribunal: (AI 824946 ED, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma,
julgado em 25/06/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 16-09-2013 PUBLIC
17-09-2013; TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AI 0029710-89.2013.4.03.0000,
Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 23/10/2014,
e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/10/2014; TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AI
0014710-15.2014.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, julgado em
21/08/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/08/2014). Outrossim, a realização de
perícia técnica deve ser analisada pelo juízo a quo e, caso necessária,
deverá ser realizada oportunamente na fase instrutória do processo, o que
não obsta a concessão da tutela de urgência.
- Agravo de instrumento desprovido.
Ementa
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO
DE TUTELA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. PRINCÍPIO DA
SEPARAÇÃO DOS PODERES. NÃO VIOLAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO
DE SAÚDE. MEDICAMENTO (ÁCIDO QUENODESÓXICÓLICO 250MG) EFICAZ PARA O
TRATAMENTO DE XAMANTOSE CEREBROTENDINOSA. RECURSO DESPROVIDO.
- Cuida-se de ação ordinária, na qual a tutela de urgência foi
deferida para determinar o fornecimento gratuito ao recorrido de ácido
quenodesóxicólico 250mg, conforme indicado na prescrição médica até
o julgamento final da ação.
- O Estado brasileiro, constituído pelas pessoas políticas, quais
sejam, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, tem a obrigação
constitucional de promover os meios assecuratórios da vida e da saúde
da população e, assim, são responsáveis por garantir esses bens aos
brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil. Nesse sentido, a União,
os Estados, Municípios e Distrito Federal têm legitimidade ad causam
para figurar no polo passivo de ação, que tem por finalidade debater a
garantia ao acesso a medicamento pleiteado por pessoa que não tem recursos
financeiros para obtê-lo. Nessa linha é o entendimento desta corte:
(AI 00061098320154030000, DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, TRF3 -
TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/11/2015). Portanto, in casu,
a União deve ser mantida no polo passivo do feito e, em consequência,
a competência é da Justiça Federal, a teor do artigo 109 da CF/88.
- Não há o que se falar em ofensa ao princípio da separação dos poderes,
previsto nos artigos 2º e 60, § 4°, inciso III, da Constituição Federal
de 1988, como bem decidiu o Superior Tribunal de Justiça: (Ag no REsp
n.° 1.136.549/RS, Segunda Turma do STJ, Relator Ministro Humberto Martins,
julgado em 08/06/2010, DJe de 21/06/2010).
- O direito ao fornecimento dos medicamentos decorre dos deveres impostos à
União, Estado, Distrito Federal e Municípios pelos artigos 6º, 23, inciso
II, e 196 a 200 da Lei Maior na realização do direito à saúde. As normas
legais devem ser interpretadas em conformidade com as normas constitucionais
referidas, a fim de que se concretize o direito fundamental à saúde dos
cidadãos e das cidadãs. Em consequência, a definição do elenco de
medicamentos e tratamentos diversos existe como dever aos entes estatais
para o estabelecimento de uma política de saúde consistente, o que
não exclui que drogas alternativas sejam ministradas pelo médico que
atende o paciente e sob sua responsabilidade profissional, nem que outros
programas sejam estabelecidos para assistir aqueles que forem portadores de
doenças e que não constituem restrição ao acesso à saúde. É certo,
outrossim, que cumpre ao Judiciário a efetivação dos direitos prescritos
na Constituição Federal e nas leis. É a garantia fundamental do artigo
5º, inciso XXXV, da CF. O artigo 2º do Estatuto Constitucional deve ser
interpretado em harmonia com o acesso à jurisdição e com os dispositivos
pertinentes à saúde pública (artigo 6º, inciso II, e artigos 196 a 200
da CF). Como parâmetro, as entidades federais, no atendimento ao direito à
saúde, devem pautar-se pelos princípios e normas constitucionais. O SUS,
na regulamentação que lhe dá a Lei nº 8.080/1990 (artigos 1º, 2º,
4º, 6º, inciso I, d, 7º, incisos II e X, a , 9º, 15, incisos I, II, V,
e XVI, 16, 17, 18, 19-M, 19-N, 19-O, 19-P, 19-Q, 19-R e 19-T com redação
da Lei n.º 12.401/2011 e 12 da Lei n.º 6.360/76), deve-se orientar à
mais ampla possível realização concreta do direito fundamental de que
aqui se cuida. É de suma importância que o médico seja respeitado nas
prescrições que faz, uma vez que é quem acompanha e faz recomendações
ao paciente, salvo quando a atividade contrarie os próprios conhecimentos
existentes no campo da Medicina, o que não é o caso. Nesse contexto, a
prova cabal de que o medicamento é eficaz é desnecessária, na medida em
que a possibilidade de melhora da paciente com o uso do remédio prescrito
é suficiente para justificar seu fornecimento.
- In casu, a documentação acostada, notadamente o parecer da médica
Carolina Aranda (CRM 126819) comprova que o agravado: "(...) é portador de
uma doença metabólica rara chamada Xamantose Cerebrotendinosa. Essa doença
faz parte do grupo dos erros inatos do metabolismo que cursa com armazenamento
de lipídios devido à alteração na síntese de ácidos biliares. Existe
uma alteração na atividade da enzima mitocondrial do citocromo P450,
esterol-27-hidroxilase que catalisa uma das reações iniciais da via
da síntese da bile, levando a uma acumulação de colestanol. O paciente
apresentou diarréia crônica desde na infância e catarata diagnosticada na
segunda década de vida. Iniciou quadro de deterioração neurológica com
trinta anos que se iniciou com alteração na marcha e ataxia. O paciente foi
perdendo suas aquisições, sendo que atualmente o paciente não apresenta
marcha e apresenta distúrbio de deglutição importante sendo alimentado
via gastronomia. O paciente está incapacitado para o exercício dos atos
da vida civil. Ao exame neurológico, apresenta síndrome piramidal om
liberação bilateral, fasciculação de língua e palato. Foi encontrado
à ressonância magnética de crânio (RNM crânio) com espectroscopia:
acometimento de substancia branca cerebelar e alteração em tronco e
mesencéfalo. O diagnóstico foi feito através do seqüenciamento do gene
CyP27A1, sendo encontrada as seguintes alterações, p.T339M, e p.R395C, em,
heterozigose,, consideradas, como clinicamente, importantes (alterações
patogênicas). Apesar de grave e com evolução degenerativa importante,
o tratamento com ácido quenodesoxicólico apresenta ótimos resultados,
com relatos de impedimento da progressão da doença. CID E75.5"
- A agravante aduz que o SUS tem protocolo clínico e diretrizes terapêuticas
para a doença de que padece a parte, bem como que o medicamento pretendido
não tem registro na ANVISA, não foi avaliado pelo CONITEC e não consta
do RENAME, de maneira que o seu fornecimento viola os artigos 2º, 5º,
inciso II, 23, inciso II, 197 e 198, inciso II, da CF/88 e 7º, inciso
II, 19-Q, 19-R, 19-T da Lei n.º 8.080/90. Porém, o parecer médico
anteriormente explicitado infirma esses argumentos, de maneira que não
afastam o dever do poder público de custear o tratamento com a medicação
recomendada. Sobre a questão, destaco entendimento desta 4ª Turma: (AI
00067763520164030000, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE, TRF3 - QUARTA
TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/09/2016). Saliente-se que a inexistência
de registro do medicamento na ANVISA não impede o seu fornecimento pelos
motivos já apontados. Destaquem-se precedentes do Supremo Tribunal Federal e
deste tribunal: (AI 824946 ED, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma,
julgado em 25/06/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 16-09-2013 PUBLIC
17-09-2013; TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AI 0029710-89.2013.4.03.0000,
Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 23/10/2014,
e-DJF3 Judicial 1 DATA:31/10/2014; TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AI
0014710-15.2014.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA, julgado em
21/08/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/08/2014). Outrossim, a realização de
perícia técnica deve ser analisada pelo juízo a quo e, caso necessária,
deverá ser realizada oportunamente na fase instrutória do processo, o que
não obsta a concessão da tutela de urgência.
- Agravo de instrumento desprovido.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
05/09/2018
Data da Publicação
:
17/10/2018
Classe/Assunto
:
AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 574176
Órgão Julgador
:
QUARTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE NABARRETE
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/10/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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