TRF3 0000198-19.2013.4.03.6125 00001981920134036125
PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO
FUNDADO NA R. SENTENÇA PROFERIDA EM 1ª GRAU DE JURISDIÇÃO OU DO
ENTENDIMENTO CONSTANTE DO V. VOTO VENCIDO. DELIMITAÇÃO DO TEMA PASSÍVEL
DE COGNIÇÃO NESTA SENDA. ART. 609, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA QUE DEVE SER DADA AO FATO
"IMPORTAR MEDICAMENTOS SEM REGISTRO NA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA
SANITÁRIA - ANVISA": CONTRABANDO (TESE FIXADA PELO V. VOTO VENCIDO)
X ART. 273, § 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL (TESE ESBOÇADA NO V. VOTO
VENCEDOR). RECONHECIMENTO DA PRÁTICA DA CONDUTA TIPIFICADA NO ART. 273,
§ 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL. NORMA ESPECIAL EM RELAÇÃO AO ART. 334
DO CÓDIGO PENAL. PRECEDENTES. QUESTÃO RELATIVA À PROPORCIONALIDADE DO
PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 273, § 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL. ADOÇÃO DO
ENTENDIMENTO QUE SUFRAGA A INCIDÊNCIA DAS PENAS CONSTANTES DO ART. 33 DA
LEI Nº 11.343/2006 AO AGENTE QUE COMETE A INFRAÇÃO CONTIDA NO ART. 273,
§ 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL. NOVA DOSIMETRIA PENAL LEVADA A EFEITO.
- Pugna o embargante pela manutenção de sua absolvição nos termos em
que consignados pelo magistrado sentenciante (aplicação do princípio da
insignificância em razão dos medicamentos serem para uso próprio) ou a
prevalência do v. voto vencido que desclassificou sua conduta para subsumi-la
no crime de contrabando. Todavia, a teor do art. 609, parágrafo único,
do Código de Processo Penal, os Embargos Infringentes possuem âmbito de
devolutividade vinculado ao conteúdo do v. voto vencido, razão pela qual
somente mostra-se possível o enfrentamento de tese segundo a qual a conduta
perpetrada pelo embargante seria subsumível ao crime de contrabando.
- O panorama fático de importação de medicamentos proscritos ou com
ausência de registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária -
ANVISA não pode ser enquadrado no tipo penal do contrabando tendo em vista
que o legislador pátrio, lançando mão do princípio da especialidade,
entendeu por bem tipificar a conduta anteriormente descrita em tipo penal
próprio (mais gravoso) ante a potencialidade lesiva mais elevada dos objetos
materiais imbricados (fármacos) se comparada com a importação de mercadoria
(objeto material genérico e amplo) proibida. Desta feita, tem cabimento
incidir na espécie a capitulação jurídica trazida à colação pelo
art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, que coíbe exatamente a conduta
levada a efeito pelo embargante. Precedentes desta E. Corte Regional.
- A classificação jurídica da conduta anteriormente descrita no art. 273,
§ 1º-B, I, do Código Penal (na redação conferida pela Lei nº 9.677,
de 02 de julho de 1998), mostra-se adequada à situação vertente. Contudo,
quanto ao preceito sancionador do dispositivo, que estabelece pena mínima
de 10 anos de reclusão, constata-se a existência de ofensa à razoabilidade
e à proporcionalidade.
- A função jurisdicional é limitada (sobretudo pelo princípio
constitucional da separação de poderes), sendo a análise da
proporcionalidade da pena um ato que cabe, fundamentalmente, ao legislador. No
entanto, em casos que se enquadram no tipo penal do art. 273, § 1º-B, do
Código Penal, em que a desproporcionalidade é não apenas evidente como
gritante, é dever do juiz proceder com a adequada valoração da conduta
do réu levando em conta se esta realmente corresponde àquela que a norma
estabeleça um dever de evitar.
- Os crimes contra a saúde pública acarretam punições mais rigorosas por
sua própria natureza, uma vez que possuem, em regra, um grande potencial
lesivo à comunidade. Ademais, geralmente são caracterizados pela alta
probabilidade de que as vítimas sejam ludibriadas, fato que não ocorre
nos delitos envolvendo entorpecentes (abrangidos pela Lei nº 11.343/2006),
pois nestes normalmente as vítimas estão cientes acerca da ilicitude da
substância e das chances consideráveis de ter sido adulterada.
- Portanto, se por um lado justifica-se a previsão de penas mais severas
para condutas mais censuráveis, como as do caput e as dos §§ 1º e 1º-A
do art. 273 do Código Penal, que implicam necessariamente em dano potencial
às vítimas diretas, de outro não se pode tolher a individualização da
pena às circunstâncias do caso concreto quando estas forem relativas ao §
1º-B do mesmo dispositivo. É evidente que, fazendo-se uma comparação,
ainda que breve, tratam-se de atos muito distintos - e que implicam riscos
quase incomparáveis entre si - os de: a) introduzir no país medicamentos
que não têm registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária -
ANVISA, mesmo que não seja para uso pessoal e b) falsificar, adulterar ou
vender remédios e produtos relacionados sabidamente alterados (casos em que,
em regra, o adquirente desconhece tal fato e, ao consumir o que comprou,
não alcança o efeito desejado e/ou prejudica sua própria saúde).
- Assim, no tocante ao art. 273, § 1º-B, do Código Penal, tem-se que só é
justificável a aplicação da pena prevista quando a conduta delitiva possa
gerar grandes danos à saúde pública - o que, ressalte-se, não significa
necessariamente o reconhecimento de inconstitucionalidade da Lei nº 9.677/1998
(que incluiu o referido dispositivo no estatuto repressivo). Em casos como
o dos autos, é razoável a utilização da pena prevista para o tráfico de
drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006), aplicando, para tanto, uma analogia
em favor do réu. De qualquer maneira, o C. Superior Tribunal de Justiça, em
sede de Arguição de Inconstitucionalidade (AI no HC 239.363/PR), declarou
inconstitucional o preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código
Penal, por ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade,
estabelecendo a possibilidade de aplicação do preceito secundário do
art. 33 da Lei nº 11.343/2006 pela semelhança entre as condutas.
- Conquanto o Órgão Especial desta C. Corte Regional tenha se pronunciado
pela constitucionalidade do preceito sancionador do delito previsto
no art. 273, § 1º-B, do Código Penal, nos autos de Arguição de
Inconstitucionalidade nº 000793-60.2009.4.03.6124 (e-DJF3 23/08/2013),
imperioso curvar-se ao novel entendimento sufragado na matéria pelo
E. Superior Tribunal de Justiça (guardião da legislação federal).
- Realização de nova dosimetria penal em decorrência da prática do crime
estampado no art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, tendo como supedâneo
o preceito secundário do art. 33 da Lei nº 11.343/2006.
- Embargos Infringentes conhecidos parcialmente. Na parte conhecida, dado
parcial provimento ao expediente.
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO
FUNDADO NA R. SENTENÇA PROFERIDA EM 1ª GRAU DE JURISDIÇÃO OU DO
ENTENDIMENTO CONSTANTE DO V. VOTO VENCIDO. DELIMITAÇÃO DO TEMA PASSÍVEL
DE COGNIÇÃO NESTA SENDA. ART. 609, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA QUE DEVE SER DADA AO FATO
"IMPORTAR MEDICAMENTOS SEM REGISTRO NA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA
SANITÁRIA - ANVISA": CONTRABANDO (TESE FIXADA PELO V. VOTO VENCIDO)
X ART. 273, § 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL (TESE ESBOÇADA NO V. VOTO
VENCEDOR). RECONHECIMENTO DA PRÁTICA DA CONDUTA TIPIFICADA NO ART. 273,
§ 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL. NORMA ESPECIAL EM RELAÇÃO AO ART. 334
DO CÓDIGO PENAL. PRECEDENTES. QUESTÃO RELATIVA À PROPORCIONALIDADE DO
PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 273, § 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL. ADOÇÃO DO
ENTENDIMENTO QUE SUFRAGA A INCIDÊNCIA DAS PENAS CONSTANTES DO ART. 33 DA
LEI Nº 11.343/2006 AO AGENTE QUE COMETE A INFRAÇÃO CONTIDA NO ART. 273,
§ 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL. NOVA DOSIMETRIA PENAL LEVADA A EFEITO.
- Pugna o embargante pela manutenção de sua absolvição nos termos em
que consignados pelo magistrado sentenciante (aplicação do princípio da
insignificância em razão dos medicamentos serem para uso próprio) ou a
prevalência do v. voto vencido que desclassificou sua conduta para subsumi-la
no crime de contrabando. Todavia, a teor do art. 609, parágrafo único,
do Código de Processo Penal, os Embargos Infringentes possuem âmbito de
devolutividade vinculado ao conteúdo do v. voto vencido, razão pela qual
somente mostra-se possível o enfrentamento de tese segundo a qual a conduta
perpetrada pelo embargante seria subsumível ao crime de contrabando.
- O panorama fático de importação de medicamentos proscritos ou com
ausência de registro junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária -
ANVISA não pode ser enquadrado no tipo penal do contrabando tendo em vista
que o legislador pátrio, lançando mão do princípio da especialidade,
entendeu por bem tipificar a conduta anteriormente descrita em tipo penal
próprio (mais gravoso) ante a potencialidade lesiva mais elevada dos objetos
materiais imbricados (fármacos) se comparada com a importação de mercadoria
(objeto material genérico e amplo) proibida. Desta feita, tem cabimento
incidir na espécie a capitulação jurídica trazida à colação pelo
art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, que coíbe exatamente a conduta
levada a efeito pelo embargante. Precedentes desta E. Corte Regional.
- A classificação jurídica da conduta anteriormente descrita no art. 273,
§ 1º-B, I, do Código Penal (na redação conferida pela Lei nº 9.677,
de 02 de julho de 1998), mostra-se adequada à situação vertente. Contudo,
quanto ao preceito sancionador do dispositivo, que estabelece pena mínima
de 10 anos de reclusão, constata-se a existência de ofensa à razoabilidade
e à proporcionalidade.
- A função jurisdicional é limitada (sobretudo pelo princípio
constitucional da separação de poderes), sendo a análise da
proporcionalidade da pena um ato que cabe, fundamentalmente, ao legislador. No
entanto, em casos que se enquadram no tipo penal do art. 273, § 1º-B, do
Código Penal, em que a desproporcionalidade é não apenas evidente como
gritante, é dever do juiz proceder com a adequada valoração da conduta
do réu levando em conta se esta realmente corresponde àquela que a norma
estabeleça um dever de evitar.
- Os crimes contra a saúde pública acarretam punições mais rigorosas por
sua própria natureza, uma vez que possuem, em regra, um grande potencial
lesivo à comunidade. Ademais, geralmente são caracterizados pela alta
probabilidade de que as vítimas sejam ludibriadas, fato que não ocorre
nos delitos envolvendo entorpecentes (abrangidos pela Lei nº 11.343/2006),
pois nestes normalmente as vítimas estão cientes acerca da ilicitude da
substância e das chances consideráveis de ter sido adulterada.
- Portanto, se por um lado justifica-se a previsão de penas mais severas
para condutas mais censuráveis, como as do caput e as dos §§ 1º e 1º-A
do art. 273 do Código Penal, que implicam necessariamente em dano potencial
às vítimas diretas, de outro não se pode tolher a individualização da
pena às circunstâncias do caso concreto quando estas forem relativas ao §
1º-B do mesmo dispositivo. É evidente que, fazendo-se uma comparação,
ainda que breve, tratam-se de atos muito distintos - e que implicam riscos
quase incomparáveis entre si - os de: a) introduzir no país medicamentos
que não têm registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária -
ANVISA, mesmo que não seja para uso pessoal e b) falsificar, adulterar ou
vender remédios e produtos relacionados sabidamente alterados (casos em que,
em regra, o adquirente desconhece tal fato e, ao consumir o que comprou,
não alcança o efeito desejado e/ou prejudica sua própria saúde).
- Assim, no tocante ao art. 273, § 1º-B, do Código Penal, tem-se que só é
justificável a aplicação da pena prevista quando a conduta delitiva possa
gerar grandes danos à saúde pública - o que, ressalte-se, não significa
necessariamente o reconhecimento de inconstitucionalidade da Lei nº 9.677/1998
(que incluiu o referido dispositivo no estatuto repressivo). Em casos como
o dos autos, é razoável a utilização da pena prevista para o tráfico de
drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006), aplicando, para tanto, uma analogia
em favor do réu. De qualquer maneira, o C. Superior Tribunal de Justiça, em
sede de Arguição de Inconstitucionalidade (AI no HC 239.363/PR), declarou
inconstitucional o preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código
Penal, por ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade,
estabelecendo a possibilidade de aplicação do preceito secundário do
art. 33 da Lei nº 11.343/2006 pela semelhança entre as condutas.
- Conquanto o Órgão Especial desta C. Corte Regional tenha se pronunciado
pela constitucionalidade do preceito sancionador do delito previsto
no art. 273, § 1º-B, do Código Penal, nos autos de Arguição de
Inconstitucionalidade nº 000793-60.2009.4.03.6124 (e-DJF3 23/08/2013),
imperioso curvar-se ao novel entendimento sufragado na matéria pelo
E. Superior Tribunal de Justiça (guardião da legislação federal).
- Realização de nova dosimetria penal em decorrência da prática do crime
estampado no art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, tendo como supedâneo
o preceito secundário do art. 33 da Lei nº 11.343/2006.
- Embargos Infringentes conhecidos parcialmente. Na parte conhecida, dado
parcial provimento ao expediente.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, CONHECER PARCIALMENTE dos Embargos Infringentes opostos
por RODRIGO LELES PEREIRA e, na parte conhecida, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao
expediente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Data do Julgamento
:
21/02/2019
Data da Publicação
:
28/02/2019
Classe/Assunto
:
EIfNu - EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE - 64877
Órgão Julgador
:
QUARTA SEÇÃO
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-609 PAR-ÚNICO
LEG-FED LEI-9677 ANO-1998
***** LDR-06 LEI DE DROGAS
LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-33
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-273 PAR-1 PAR-1A PAR-1B INC-1 ART-334
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/02/2019
..FONTE_REPUBLICACAO:
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