TRF3 0000211-83.2015.4.03.6113 00002118320154036113
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. CERCEAMENTO
DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES
BIOLÓGICOS. RUÍDO. ENQUADRAMENTO PARCIAL. INDÚSTRIA DE CALÇADOS. LAUDO
DO SINDICATO DOS EMPREGADOS NAS INDÚSTRIAS DE CALÇADOS DE
FRANCA/SP. IMPOSSIBILIDADE. AUSENTES REQUISITOS À APOSENTADORIA ESPECIAL
E APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA
PARCIALMENTE PROVIDA. REMESSA OFICIAL PROVIDA EM PARTE.
- Discute-se o atendimento das exigências à concessão de aposentadoria
especial ou aposentadoria por tempo de contribuição, após reconhecimento
dos lapsos especiais vindicados.
- Não há cerceamento de defesa. A parte autora detém os ônus de comprovar
a veracidade dos fatos constitutivos de seu direito, por meio de prova
suficiente e segura, nos termos do artigo 373, I, do NCPC/2015. Nesse passo,
a fim de demonstrar a natureza especial do labor desenvolvido nos lapsos
vindicados, deve a parte suplicante carrear documentos aptos certificadores
das condições insalubres em que permaneceu exposta, com habitualidade e
permanência, como formulários padrão e laudos técnicos individualizados,
cabendo ao magistrado, em caso de dúvida fundada, o deferimento de prova
pericial para confrontação do material reunido à exordial.
- Não há notícia acerca de eventual recusa no fornecimento de formulários
ou laudos por parte dos ex-empregadores do suplicante.
- Inexistindo dúvida fundada sobre as condições em que o segurado esteve
sujeito aos agentes nocivos, despicienda revela-se a produção de prova
pericial para o deslinde da causa, não se configurando cerceamento de defesa
ou violação de ordem constitucional ou legal.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi
prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados poderão fazer
a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do
preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- Em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal,
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/98, e qualquer alegação quanto
à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à
vigência da Lei n. 6.887/80.
- Até a entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032/95, de 28 de abril de 1995, não se exigia
(exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a
comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário
preenchido pelo empregador (SB-40 ou DSS-8030), para atestar a existência
das condições prejudiciais. Contudo, para o agente agressivo o ruído,
sempre houve necessidade da apresentação de laudo técnico.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre
até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90
decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo
de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85
decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997. Nesse
sentido: Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC,
do C. STJ.
- Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/98 (convertida na Lei
n. 9.732/98), foi inserida na legislação previdenciária a exigência
de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho,
quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
- Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia
deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas
posteriormente a 3/12/1998.
- Sobre a questão, entretanto, o C. Supremo Tribunal Federal, ao apreciar
o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o
EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo
ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente
a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii)
na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de
tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- Sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil
Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador
considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de
risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento
previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se
refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
- No caso, quanto ao intervalo de 2/10/2000 a 31/10/2003, o Perfil
Profissiográfico Previdenciário - PPP atestou a exposição habitual
e permanente a agentes biológicos (microorganismos e parasitas
infectocontagiosos vivos e suas toxinas) decorrentes do contato com esgoto
("Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP") - código
1.1.3 do anexo do Decreto n. 53.831/64 e códigos 1.2.11 do anexo do Decreto
n. 83.080/79 e 3.0.1 do anexo do Decreto n. 2.172/97 (Precedente). Diante
das circunstâncias da prestação laboral descritas no PPP, concluo que,
na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade do
agente.
- No tocante ao lapso de 19/11/2003 a 26/6/2014 ("Sabesp"), consta do mesmo
PPP, a exposição habitual e permanente a ruído superior aos limites de
tolerância previstos na norma em comento.
- Para os períodos de 7/2/2000 a 25/9/2000 ("Calçados Samello") e de
1º/11/2003 a 18/11/2003 ("Sabesp"), não é possível o enquadramento
como atividade especial, porque os PPPs coligidos aos autos (fs. 197/198
e 200/202) indicam que os níveis de ruído estavam abaixo (87 dB e 88 dB,
respectivamente) do nível limítrofe estabelecido em lei (90 dB).
- A atividade de sapateiro, a despeito de ostentar certa carga insalubre, em
virtude da exposição a agentes nocivos inerentes à profissão, como "cola
de sapateiro" (hidrocarboneto tóxico), não encontra previsão nos Decretos
n. 53.831, de 25 de março de 1964, e 83.080, de 24 de janeiro de 1979.
- Ademais, a parte autora não se desincumbiu do ônus que realmente lhe toca
quando instruiu a peça inicial, qual seja: carrear prova documental descritiva
das condições insalubres às quais permaneceu exposta no ambiente laboral,
como formulários padrão e laudo técnico individualizado.
- O laudo pericial, encomendado pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias
de Calçados de Franca/SP, não se mostra apto a atestar as condições
prejudiciais do obreiro nas funções alegadas, com permanência e
habitualidade, por reportar-se, de forma genérica, às indústrias
de calçados de Franca, sem enfrentar as especificidades do ambiente de
trabalho de cada uma delas. Em suma, trata-se de documento que não traduz,
com fidelidade, as reais condições vividas individualmente, à época,
pela parte autora nos lapsos debatidos.
- O PPP coligido não indica "fator de risco" algum passível de consideração
como de natureza especial a atividade executada, consoante denotam as células
'15.3' e '15.4' do aludido documento, no tocante ao intervalo de 6/10/1995
a 30/9/1996.
- Destaca-se, ainda, que é inviável o reconhecimento da natureza especial
do labor para os interregnos de 25/9/1987 a 20/10/1994 e de 4/6/1997 a
17/8/1999 em virtude da sujeição ao agente agressivo ruído, pois os PPPs
apresentados não indicam profissional legalmente habilitado - responsável
pelos registros ambientais do fator de risco citado.
- A parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria especial,
nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/91.
- O demandante também não tem direito ao benefício de aposentadoria por
tempo de contribuição por não possuir tempo suficiente.
- Apelação da parte autora e remessa oficial parcialmente providas.
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. CERCEAMENTO
DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES
BIOLÓGICOS. RUÍDO. ENQUADRAMENTO PARCIAL. INDÚSTRIA DE CALÇADOS. LAUDO
DO SINDICATO DOS EMPREGADOS NAS INDÚSTRIAS DE CALÇADOS DE
FRANCA/SP. IMPOSSIBILIDADE. AUSENTES REQUISITOS À APOSENTADORIA ESPECIAL
E APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA
PARCIALMENTE PROVIDA. REMESSA OFICIAL PROVIDA EM PARTE.
- Discute-se o atendimento das exigências à concessão de aposentadoria
especial ou aposentadoria por tempo de contribuição, após reconhecimento
dos lapsos especiais vindicados.
- Não há cerceamento de defesa. A parte autora detém os ônus de comprovar
a veracidade dos fatos constitutivos de seu direito, por meio de prova
suficiente e segura, nos termos do artigo 373, I, do NCPC/2015. Nesse passo,
a fim de demonstrar a natureza especial do labor desenvolvido nos lapsos
vindicados, deve a parte suplicante carrear documentos aptos certificadores
das condições insalubres em que permaneceu exposta, com habitualidade e
permanência, como formulários padrão e laudos técnicos individualizados,
cabendo ao magistrado, em caso de dúvida fundada, o deferimento de prova
pericial para confrontação do material reunido à exordial.
- Não há notícia acerca de eventual recusa no fornecimento de formulários
ou laudos por parte dos ex-empregadores do suplicante.
- Inexistindo dúvida fundada sobre as condições em que o segurado esteve
sujeito aos agentes nocivos, despicienda revela-se a produção de prova
pericial para o deslinde da causa, não se configurando cerceamento de defesa
ou violação de ordem constitucional ou legal.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em
comum, observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi
prestado. Além disso, os trabalhadores assim enquadrados poderão fazer
a conversão dos anos trabalhados a "qualquer tempo", independentemente do
preenchimento dos requisitos necessários à concessão da aposentadoria.
- Em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal,
prevista no artigo 28 da Lei n. 9.711/98, e qualquer alegação quanto
à impossibilidade de enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à
vigência da Lei n. 6.887/80.
- Até a entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032/95, de 28 de abril de 1995, não se exigia
(exceto em algumas hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a
comprovação do tempo de serviço especial, pois bastava o formulário
preenchido pelo empregador (SB-40 ou DSS-8030), para atestar a existência
das condições prejudiciais. Contudo, para o agente agressivo o ruído,
sempre houve necessidade da apresentação de laudo técnico.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre
até a edição do Decreto n. 2.172/97, que majorou o nível para 90
decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18/11/2003, o limite mínimo
de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85
decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997. Nesse
sentido: Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do artigo 543-C do CPC,
do C. STJ.
- Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/98 (convertida na Lei
n. 9.732/98), foi inserida na legislação previdenciária a exigência
de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho,
quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
- Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia
deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas
posteriormente a 3/12/1998.
- Sobre a questão, entretanto, o C. Supremo Tribunal Federal, ao apreciar
o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o
EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo
ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente
a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii)
na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de
tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
- Sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil
Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador
considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de
risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento
previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se
refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
- No caso, quanto ao intervalo de 2/10/2000 a 31/10/2003, o Perfil
Profissiográfico Previdenciário - PPP atestou a exposição habitual
e permanente a agentes biológicos (microorganismos e parasitas
infectocontagiosos vivos e suas toxinas) decorrentes do contato com esgoto
("Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - SABESP") - código
1.1.3 do anexo do Decreto n. 53.831/64 e códigos 1.2.11 do anexo do Decreto
n. 83.080/79 e 3.0.1 do anexo do Decreto n. 2.172/97 (Precedente). Diante
das circunstâncias da prestação laboral descritas no PPP, concluo que,
na hipótese, o EPI não é realmente capaz de neutralizar a nocividade do
agente.
- No tocante ao lapso de 19/11/2003 a 26/6/2014 ("Sabesp"), consta do mesmo
PPP, a exposição habitual e permanente a ruído superior aos limites de
tolerância previstos na norma em comento.
- Para os períodos de 7/2/2000 a 25/9/2000 ("Calçados Samello") e de
1º/11/2003 a 18/11/2003 ("Sabesp"), não é possível o enquadramento
como atividade especial, porque os PPPs coligidos aos autos (fs. 197/198
e 200/202) indicam que os níveis de ruído estavam abaixo (87 dB e 88 dB,
respectivamente) do nível limítrofe estabelecido em lei (90 dB).
- A atividade de sapateiro, a despeito de ostentar certa carga insalubre, em
virtude da exposição a agentes nocivos inerentes à profissão, como "cola
de sapateiro" (hidrocarboneto tóxico), não encontra previsão nos Decretos
n. 53.831, de 25 de março de 1964, e 83.080, de 24 de janeiro de 1979.
- Ademais, a parte autora não se desincumbiu do ônus que realmente lhe toca
quando instruiu a peça inicial, qual seja: carrear prova documental descritiva
das condições insalubres às quais permaneceu exposta no ambiente laboral,
como formulários padrão e laudo técnico individualizado.
- O laudo pericial, encomendado pelo Sindicato dos Empregados nas Indústrias
de Calçados de Franca/SP, não se mostra apto a atestar as condições
prejudiciais do obreiro nas funções alegadas, com permanência e
habitualidade, por reportar-se, de forma genérica, às indústrias
de calçados de Franca, sem enfrentar as especificidades do ambiente de
trabalho de cada uma delas. Em suma, trata-se de documento que não traduz,
com fidelidade, as reais condições vividas individualmente, à época,
pela parte autora nos lapsos debatidos.
- O PPP coligido não indica "fator de risco" algum passível de consideração
como de natureza especial a atividade executada, consoante denotam as células
'15.3' e '15.4' do aludido documento, no tocante ao intervalo de 6/10/1995
a 30/9/1996.
- Destaca-se, ainda, que é inviável o reconhecimento da natureza especial
do labor para os interregnos de 25/9/1987 a 20/10/1994 e de 4/6/1997 a
17/8/1999 em virtude da sujeição ao agente agressivo ruído, pois os PPPs
apresentados não indicam profissional legalmente habilitado - responsável
pelos registros ambientais do fator de risco citado.
- A parte autora não faz jus ao benefício de aposentadoria especial,
nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/91.
- O demandante também não tem direito ao benefício de aposentadoria por
tempo de contribuição por não possuir tempo suficiente.
- Apelação da parte autora e remessa oficial parcialmente providas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora e à
remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
26/09/2016
Data da Publicação
:
10/10/2016
Classe/Assunto
:
APELREEX - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2169631
Órgão Julgador
:
NONA TURMA
Relator(a)
:
JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/10/2016
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