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Jurisprudência


TRF3 0000430-61.2013.4.03.6115 00004306120134036115

Ementa
DIREITO INTERNACIONAL E PROCESSUAL CIVIL. CONVENÇÃO SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS. DECRETO Nº 3.413/2000. COOPERAÇÃO JURÍDICA ENTRE ESTADOS SOBERANOS. AÇÃO DE BUSCA, APREENSÃO E RESTITUIÇÃO PROPOSTA PELA UNIÃO FEDERAL. INTEGRAÇÃO DA CRIANÇA EM SEU NOVO AMBIENTE. RUPTURA DO NÚCLEO FAMILIAR. RISCO DE GRAVE PERIGO DE ORDEM PSÍQUICA. APELAÇÃO PROVIDA. I. Cinge-se a controvérsia à aplicação da Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, ratificada pelo ordenamento jurídico brasileiro vinte anos após sua conclusão mediante a edição do Decreto nº 3.413, de 14/04/2000, que entrou em vigor na data de sua publicação no DOU em 17/04/2000. II. Com efeito, a referida Convenção, que é a mais importante a dispor sobre os direitos das crianças, integrando-se ao contexto da Convenção Interamericana sobre Restituição de Menores, tem como escopo a tutela do princípio do melhor interesse da criança. Esse princípio, segundo o entendimento do Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, teve sua origem na Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela Organização das Nações Unidas - ONU no ano de 1959. O best interest of the child, ou princípio do melhor interesse da criança, deve ser entendido tendo em vista as verdadeiras necessidades da criança envolvida. O bem estar da criança deverá ser garantido, deixando qualquer interesse relativo aos pais para o segundo plano. Ou seja, o interesse da criança deverá se sobrepor ao de seus pais, quando em colidência ou quando inconciliáveis. III. No caso em tela, parece inquestionável a prática de ato ilícito por parte da requerida, K. C. F., correspondente, especificamente, à retirada das menores da Suécia, país de residência habitual da família, sem o consentimento do pai C. B., diante da violação do direito de guarda que era exercida também por ele. Tal conduta, como comprovam os documentos trazidos nos autos, vem prevista no aludido art. 3º, alíneas "a" e "b", da referida Convenção. Ora, tendo o pai assentido na viagem das menores ao Brasil para aqui ficarem até determinada data, a permanência das crianças para além da data aprazada, por vontade e decisão unilateral da mãe, constitui abuso contra direitos do pai. IV. Assim sendo, em linha de princípio, o caso em questão enquadra-se na hipótese prevista no artigo 12 da Convenção, que prevê a imediata devolução da criança quando tiver decorrido menos de 1 (um) ano entre a data da transferência ou retenção indevida e a data de início do processo de repatriação no Estado que estiver abrigando a criança. V. Não obstante, ainda que não tenha decorrido o prazo de 1 (um) ano estabelecido, saliente-se que a Convenção de Haia autoriza a manutenção da criança no país em que estiver abrigada se o retorno comprometer o seu bem-estar físico ou psicológico, priorizando, portanto, o seu interesse em detrimento da vontade dos pais. Tal assertiva consta do artigo 13 da Convenção onde se prevê, inclusive, a possibilidade de oitiva da própria criança quando esta já atingiu certo grau de maturidade. VI. Portanto, o deslinde da questão posta nos autos passa para além da aplicação literal da letra da lei, exigindo exame mais aprofundado sobre a situação das crianças para que se possa aferir, na redação do próprio artigo 12 da Convenção, se ambas encontram-se integradas no meio social em que atualmente vivem, pois, como bem assentado no julgamento do REsp nº 1.239.777/PE, a Convenção de Haia, não obstante apresente reprimenda rigorosa ao sequestro internacional de menores com determinação expressa de retorno destes ao país de origem, garante o bem estar e a integridade física e emocional da criança, o que deve ser avaliado de forma criteriosa. VII. Convém registrar, nesse ponto, que as duas crianças passaram por um infeliz episódio de dissolução familiar que resultou em completa alteração na estrutura social em que se encontravam inseridas. Nesse novo lar, proporcionado pela mãe e pela avó materna, foram acolhidas com carinho por seus familiares e amigos. Ademais, não se ignora os esforços que tiveram de fazer para se adaptar a um ambiente tão distinto daquele a que estavam acostumadas na Suécia. Diversos percalços tiveram de ser superados, desde a questão da comunicação, com o aprendizado de uma nova língua, até a paulatina reorganização do meio social, através da frequência em novas escolas e tantas outras experiências distintas que impossível enumerar com precisão e de forma exauriente. Porém, atestadas nos autos por meio de vasta documentação. VIII. Assim sendo, tenho que não seria prudente submeter as referidas infantas a uma nova ruptura de vínculos sociais e afetivos, ainda mais na idade em que atualmente se encontram, pois, se à época da retenção, as menores F. B. e B. B. contavam 8 (oito) e 6 (seis) anos de idade, respectivamente, hoje encontram-se com 14 (catorze) e 12 (doze) anos de idade, em plena adolescência e pré-adolescência, sendo inegável as inúmeras raízes parentais e relações sociais aqui estabelecidas nesses últimos 6 (seis) anos e a relevância inarredável da presença materna nesse estágio da vida. IX. Cumpre esclarecer que este Relator não desconhece corrente da jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que entende que o decurso do tempo não pode servir para validar atos ilícitos, sob pena de beneficiar o infrator. Todavia, apesar de concordar, em linha de princípio, com tal posicionamento, também não se pode ignorar que o tempo passou e, nesse ínterim, fatos foram criados, relações foram estabelecidas e laços afetivos foram firmados. X. Cabe esclarecer que o entendimento deste Relator não tem base em posição de chauvinismo nacionalista, que acaba por crer cegamente que é sempre do interesse da criança ser criada em nosso país e não alhures. Ademais, não pretende a decisão denotar qualquer traço remoto de menoscabo de qualquer um dos genitores, pois ambos são -, à sua maneira -, amorosos para com as meninas, sendo de interesse geral que elas continuem mantendo contato com ambos até atingirem a vida adulta, quando poderão decidir por si até mesmo morar, estudar e trabalhar na Suécia, desfrutando da companhia paterna. XI. Todavia, considerando a atual situação das menores e tendo em conta o aspecto finalístico da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, que visa a garantir o melhor interesse da criança, a presente ação de busca, apreensão e restituição deverá ser julgada improcedente, com a manutenção de F. B. e B. B. no País e na residência onde já se encontram. XII. Deveras, o retorno de ambas para a Suécia após plena adaptação ao novo ambiente, constitui risco grave de submetê-las a perigos de ordem física, psíquica ou, de qualquer modo, a uma situação intolerável, passível de ser desencadeada em razão da devolução. XIII. Apelação a que se dá provimento.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, não acolher a questão de ordem proposta pelo Desembargador Federal Wilson Zauhy, e por maioria, dar provimento à apelação para reformar a sentença, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo Desembargador Federal Wilson Zauhy e pelo Desembargador Federal Peixoto Junior, vencido o Desembargador Federal Hélio Nogueira que, acompanhado pelo Juiz Federal Convocado Silva Neto, negava provimento à apelação.

Data do Julgamento : 22/11/2017
Data da Publicação : 13/12/2017
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2001769
Órgão Julgador : PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CH-2000 CONVENÇÃO DE HAIA 1980 - SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS LEG-FED DEC-3413 ANO-2000 ART-3 LET-A LET-A ART-12 ART-13
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/12/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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