TRF3 0000475-27.2016.4.03.6126 00004752720164036126
DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE MEDICAMENTO. REMESSA
OFICIAL. APELAÇÃO. DOENÇA RARA. HEMOGLUBINÁRIA PAROXÍSTIA NOTURNA
(HPN). SOLIRIS® (ECULIZUMAB). MEDICAMENTO NÃO DISPONIBILIZADO PELO
SUS. PACIENTE SUBMETIDO A OUTROS TRATAMENTOS QUE JÁ NÃO SURTEM
EFEITO. REMESSA OFICIAL E RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDOS.
1. Trata-se de reexame necessário e recurso de apelação interposto pela
UNIÃO FEDERAL em face da r. sentença de fls. 462/467-v que, em autos de
obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada, julgou procedente o
pedido formulado na inicial, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC, para
condenar a União a fornecer, mediante a apresentação receita médica
atualizada, ao autor ou ao seu representante devidamente identificado,
mensalmente o medicamento SOLIRIS (Eculizumabe), nas dosagens indicadas
em prescrição médica. Houve ainda a condenação da União ao pagamento
de honorários advocatícios, que foram fixados em R$ 10% (dez por cento)
do valor atualizado da causa.
2. Preliminarmente, a Constituição Federal de 1988 determina, em seu
art. 196, que o direito fundamental à saúde é dever de todos os entes
federativos, respondendo eles de forma solidária pela prestação de tal
serviço público. Ou seja, a divisão de tarefas entre os entes federados na
promoção, proteção e gestão do sistema de saúde visa tão somete otimizar
o serviço, não podendo ser oposta como excludente de responsabilidade do
ente, seja ele a União, o Estado ou o Município.
3. É notório que a Carta de 1988, ao constitucionalizar o direito à saúde
como direito fundamental, inovou a ordem jurídica nacional, na medida em
que nas Constituições anteriores tal direito se restringia à salvaguarda
específica de direitos dos trabalhadores, além de disposições sobre
regras de competência que não tinham, todavia, o condão de garantir o
acesso universal à saúde.
4. Na busca pela concretude deste direito, que é garantia de toda a
sociedade, gerando um dever por parte do poder público de implementar
políticas públicas que visem ao bem-estar geral da população o legislador
infraconstitucional editou a Lei nº 8.080/90, genitora do Sistema Único
de Saúde-SUS, determinando o atendimento integral na seara da saúde, ao
incluir no campo de atuação daquele à execução de diversas ações,
dentre as quais está expressamente prevista a assistência farmacêutica.
5. Prosseguindo nesse juízo, na medida em que o direito à saúde se
consubstancia, também, como direito subjetivo do indivíduo, não me parecem
legítimas as afirmações segundo as quais a tutela individual tratar-se-ia
de uma inaceitável intervenção do Poder Judiciário sobre o Executivo e
as políticas públicas que este leva a cabo.
6. In casu, apelado foi diagnosticado com Hemoglubinária Paroxístia Noturna
(HPN) - CID 10-D59.5, uma doença genética crônica e rara, consistente
na destruição dos glóbulos vermelhos, causando anemias, trombose fatal,
doença renal crônica, hipertensão pulmonar, dispneia, dor torácica, dores
abdominais, fadiga independente da anemia e disfunção erétil. Foi submetido
a uma sorte de tratamentos, que passaram a não mais fazer efeito, motivo
pelo qual lhe foi prescrito o uso do medicamento SOLIRIS® (Eculizumab). O
relatório médico e a prescrição foram emitidos pelo Dr. Ronald Pallota
(CRM/SP 62733), médico vinculado ao Hospital Estadual Mário Covas de Santo
André, portanto pertencente ao SUS, pelo fato do "clone HPN aumentado leva
o paciente a altos riscos de trombose induzindo a eminente risco de vida"
(fl. 8).
7. Determinada a realização de perícia técnica (406/422), a
perita médica (Dra. Silvia Magali Pazminõ Espinoza - CRM nº 107550,
hematologista/oncohematologia) apontou, em resposta a quesito formulado pela
União Federal, que o quadro clínico do apelado se apresentava, à época
da perícia, com complicações clínicas como anemia severa e trombose"
(item 2), sendo que o paciente "foi inicialmente tratado com outra terapia
sem resposta" (item 4), de forma que há necessidade do tratamento/medicamento
pretendido "para evitar risco de complicações e consequente risco de vida"
(item 8). No referido laudo, a perita ainda aponta que a Hemoglobinúria
paroxística noturna (HPN) ou hemólise crônica "traz grande morbidade para
os pacientes afetados. Eles se queixam de letargia, astenia, mialgia difusa e
perda da sensação de bem-estar, o que significativamente reduz a qualidade
de vida." (fl. 412) e que "o único tratamento curativo para HPN é o TCTHa
[Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas], porém este está associado
a morbimortalidade considerável. Em um grupo de pacientes submetidos a TCHa
aparentado entre 1975 e 1995, com mediana de idade de 28 anos, observou-se 56%
de sobrevida em dois anos 53. Atualmente, indica-se transplante apenas para
os pacientes com fatores de risco para pior evolução de doença e morte,
especialmente nos casos de síndrome de falência medular com citopenias
graves" (fl. 413/414). E concluí que o apelante fez uso dos tratamentos,
terapias e/ou medicamentos ofertados pelo SUS e que, mesmo sendo eles adequados
para o caso do paciente, "não houve resposta significativas" (itens 13 e 14),
sendo que desde que passou a utilizar o SOLIRIS® (Eculizumab) seu quadro
clínico está "respondendo significativamente", servindo para "evitar risco
de complicações e consequente risco de vida" do apelado. Afirmou ainda
que a quantidade de medicamentos receitados e a duração do uso estão de
acordo com os padrões adotados no tratamento da doença (fl. 422).
8. A discussão central não é se o medicamento possui, ou não, registro
na ANVISA (o que ele possui) ou se a parte autora está "escolhendo" um
tratamento experimental ou de excelência para o seu caso específico, em
detrimento de milhares de pacientes que recebem o tratamento concedido pelo
SUS, violando assim o princípio da integralidade; não, a discussão aqui é
que o Estado não concede o medicamento prescrito pelo médico do apelante,
nem nenhuma alternativa terapêutica que ataque o problema, concedendo apenas
drogas de suporte hepático e para dor. No entanto essas drogas não têm
nem a finalidade, nem a capacidade, de impedir a progressão da doença,
tanto que o quadro clínico do apelado foi se agravando..
9. Assim, uma leitura constitucional do caso demonstra que o postulado da
dignidade da pessoa humana não permite, em nenhuma hipótese, que seja negada
a concessão de fármacos capazes de salvaguardar a vida de portadores de
síndromes ou patologias graves, com expressivo risco à vida, somente para
que se onere menos o Estado ou obedeça comportamentos burocráticos que,
numa análise casuística, se mostra irracional e não razoável. Todos,
sem exceção, devem ter acesso a tratamento médico digno e eficaz, mormente
quando não possuam recursos para custeá-lo.
10. Ademais, em última análise, cabe a Administração Pública demonstrar,
no caso concreto, a efetiva indisponibilidade dos recursos para custeio das
ações de dispensação de medicamentos no âmbito do sistema público de
saúde, o SUS.
11. Remessa Oficial conhecida e não provida.
12. Recurso de apelação não provido.
Ementa
DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE MEDICAMENTO. REMESSA
OFICIAL. APELAÇÃO. DOENÇA RARA. HEMOGLUBINÁRIA PAROXÍSTIA NOTURNA
(HPN). SOLIRIS® (ECULIZUMAB). MEDICAMENTO NÃO DISPONIBILIZADO PELO
SUS. PACIENTE SUBMETIDO A OUTROS TRATAMENTOS QUE JÁ NÃO SURTEM
EFEITO. REMESSA OFICIAL E RECURSO DE APELAÇÃO NÃO PROVIDOS.
1. Trata-se de reexame necessário e recurso de apelação interposto pela
UNIÃO FEDERAL em face da r. sentença de fls. 462/467-v que, em autos de
obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada, julgou procedente o
pedido formulado na inicial, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC, para
condenar a União a fornecer, mediante a apresentação receita médica
atualizada, ao autor ou ao seu representante devidamente identificado,
mensalmente o medicamento SOLIRIS (Eculizumabe), nas dosagens indicadas
em prescrição médica. Houve ainda a condenação da União ao pagamento
de honorários advocatícios, que foram fixados em R$ 10% (dez por cento)
do valor atualizado da causa.
2. Preliminarmente, a Constituição Federal de 1988 determina, em seu
art. 196, que o direito fundamental à saúde é dever de todos os entes
federativos, respondendo eles de forma solidária pela prestação de tal
serviço público. Ou seja, a divisão de tarefas entre os entes federados na
promoção, proteção e gestão do sistema de saúde visa tão somete otimizar
o serviço, não podendo ser oposta como excludente de responsabilidade do
ente, seja ele a União, o Estado ou o Município.
3. É notório que a Carta de 1988, ao constitucionalizar o direito à saúde
como direito fundamental, inovou a ordem jurídica nacional, na medida em
que nas Constituições anteriores tal direito se restringia à salvaguarda
específica de direitos dos trabalhadores, além de disposições sobre
regras de competência que não tinham, todavia, o condão de garantir o
acesso universal à saúde.
4. Na busca pela concretude deste direito, que é garantia de toda a
sociedade, gerando um dever por parte do poder público de implementar
políticas públicas que visem ao bem-estar geral da população o legislador
infraconstitucional editou a Lei nº 8.080/90, genitora do Sistema Único
de Saúde-SUS, determinando o atendimento integral na seara da saúde, ao
incluir no campo de atuação daquele à execução de diversas ações,
dentre as quais está expressamente prevista a assistência farmacêutica.
5. Prosseguindo nesse juízo, na medida em que o direito à saúde se
consubstancia, também, como direito subjetivo do indivíduo, não me parecem
legítimas as afirmações segundo as quais a tutela individual tratar-se-ia
de uma inaceitável intervenção do Poder Judiciário sobre o Executivo e
as políticas públicas que este leva a cabo.
6. In casu, apelado foi diagnosticado com Hemoglubinária Paroxístia Noturna
(HPN) - CID 10-D59.5, uma doença genética crônica e rara, consistente
na destruição dos glóbulos vermelhos, causando anemias, trombose fatal,
doença renal crônica, hipertensão pulmonar, dispneia, dor torácica, dores
abdominais, fadiga independente da anemia e disfunção erétil. Foi submetido
a uma sorte de tratamentos, que passaram a não mais fazer efeito, motivo
pelo qual lhe foi prescrito o uso do medicamento SOLIRIS® (Eculizumab). O
relatório médico e a prescrição foram emitidos pelo Dr. Ronald Pallota
(CRM/SP 62733), médico vinculado ao Hospital Estadual Mário Covas de Santo
André, portanto pertencente ao SUS, pelo fato do "clone HPN aumentado leva
o paciente a altos riscos de trombose induzindo a eminente risco de vida"
(fl. 8).
7. Determinada a realização de perícia técnica (406/422), a
perita médica (Dra. Silvia Magali Pazminõ Espinoza - CRM nº 107550,
hematologista/oncohematologia) apontou, em resposta a quesito formulado pela
União Federal, que o quadro clínico do apelado se apresentava, à época
da perícia, com complicações clínicas como anemia severa e trombose"
(item 2), sendo que o paciente "foi inicialmente tratado com outra terapia
sem resposta" (item 4), de forma que há necessidade do tratamento/medicamento
pretendido "para evitar risco de complicações e consequente risco de vida"
(item 8). No referido laudo, a perita ainda aponta que a Hemoglobinúria
paroxística noturna (HPN) ou hemólise crônica "traz grande morbidade para
os pacientes afetados. Eles se queixam de letargia, astenia, mialgia difusa e
perda da sensação de bem-estar, o que significativamente reduz a qualidade
de vida." (fl. 412) e que "o único tratamento curativo para HPN é o TCTHa
[Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas], porém este está associado
a morbimortalidade considerável. Em um grupo de pacientes submetidos a TCHa
aparentado entre 1975 e 1995, com mediana de idade de 28 anos, observou-se 56%
de sobrevida em dois anos 53. Atualmente, indica-se transplante apenas para
os pacientes com fatores de risco para pior evolução de doença e morte,
especialmente nos casos de síndrome de falência medular com citopenias
graves" (fl. 413/414). E concluí que o apelante fez uso dos tratamentos,
terapias e/ou medicamentos ofertados pelo SUS e que, mesmo sendo eles adequados
para o caso do paciente, "não houve resposta significativas" (itens 13 e 14),
sendo que desde que passou a utilizar o SOLIRIS® (Eculizumab) seu quadro
clínico está "respondendo significativamente", servindo para "evitar risco
de complicações e consequente risco de vida" do apelado. Afirmou ainda
que a quantidade de medicamentos receitados e a duração do uso estão de
acordo com os padrões adotados no tratamento da doença (fl. 422).
8. A discussão central não é se o medicamento possui, ou não, registro
na ANVISA (o que ele possui) ou se a parte autora está "escolhendo" um
tratamento experimental ou de excelência para o seu caso específico, em
detrimento de milhares de pacientes que recebem o tratamento concedido pelo
SUS, violando assim o princípio da integralidade; não, a discussão aqui é
que o Estado não concede o medicamento prescrito pelo médico do apelante,
nem nenhuma alternativa terapêutica que ataque o problema, concedendo apenas
drogas de suporte hepático e para dor. No entanto essas drogas não têm
nem a finalidade, nem a capacidade, de impedir a progressão da doença,
tanto que o quadro clínico do apelado foi se agravando..
9. Assim, uma leitura constitucional do caso demonstra que o postulado da
dignidade da pessoa humana não permite, em nenhuma hipótese, que seja negada
a concessão de fármacos capazes de salvaguardar a vida de portadores de
síndromes ou patologias graves, com expressivo risco à vida, somente para
que se onere menos o Estado ou obedeça comportamentos burocráticos que,
numa análise casuística, se mostra irracional e não razoável. Todos,
sem exceção, devem ter acesso a tratamento médico digno e eficaz, mormente
quando não possuam recursos para custeá-lo.
10. Ademais, em última análise, cabe a Administração Pública demonstrar,
no caso concreto, a efetiva indisponibilidade dos recursos para custeio das
ações de dispensação de medicamentos no âmbito do sistema público de
saúde, o SUS.
11. Remessa Oficial conhecida e não provida.
12. Recurso de apelação não provido.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento ao reexame necessário e ao recurso de
apelação da União, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
18/12/2018
Data da Publicação
:
23/01/2019
Classe/Assunto
:
ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2239770
Órgão Julgador
:
TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/01/2019
..FONTE_REPUBLICACAO:
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