TRF3 0000520-22.2010.4.03.6003 00005202220104036003
CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. UNIVERSALIZAÇÃO DO SERVIÇO DE
TELEFONIA. ATENDIMENTO. COMUNIDADES INDÍGENAS. INSTALAÇÃO TELEFONE
PÚBLICO. CABIMENTO. PEDIDO PROCEDENTE.
1. Trata-se de ação civil pública objetivando garantir à comunidade
indígena Ofayé-Xavante o acesso aos serviços de telefonia pública, com
a instalação de um telefone de uso público na aldeia, com serviço local
e interurbano, nacional e internacional, disponível 24 hrs por dia.
2. Não obstante a existência pretérita de previsão legal e constitucional
visando assegurar o acesso universal ao serviço de telefonia, conforme
demonstrado nestes autos, cumpre mencionar o advento do Decreto nº 7.512/2011,
veiculador do novo Plano Geral de Metas para a Universalização (PGMU),
o qual, no artigo 16, inciso VI, de seu Anexo I, conferiu, dentre outras,
às comunidades indígenas, o direito de terem pelo menos um telefone de uso
público, não contendo qualquer menção à quantidade de membros ou forma
de disposição das residências (distância entre elas, arruamento, etc),
afastando os entraves anteriores. As hipóteses descritas nas disposições
legais transcritas configuram-se verdadeiras exceções aos limites que
a apelante pretende impor (número de habitantes e distância entre as
edificações), porquanto não se pode exigir tais requisitos de escolas
públicas, postos de saúde, organizações militares das Forças Armadas,
postos da Polícia Rodoviária e aeródromos públicos, etc. Trata-se de um
dever de cunho eminentemente social.
3. O artigo 4º, do anexo I, do mesmo Decreto nº 7.512/11, define, em seu
inciso XIV, o que é localidade no que diz respeito à aldeia indígena:
"é a localidade habitada por indígenas, compreendida pelo conjunto de casas
ou malocas, podendo ainda ser entendido como morada, que serve de habitação
para o indígena e aloja diversas famílias." e não faz nenhuma referência
a distanciamento as edificações, nem mesmo a quantitativo de indivíduos.
4. O serviço de telefonia tem caráter público, cabendo apenas à lei
indicar quem deva ou não usufruí-lo e, no caso dos autos, o artigo 16,
determina a instalação de Telefone de Uso Público - TUP em diversos
órgãos e comunidades, inclusive as aldeias indígenas, sem qualquer
requisito populacional.
5. O Poder Público, constitucionalmente imbuído de proteger as
manifestações culturais indígenas, deve respeitar e valorizar a sua forma
especial de viver e a sua composição social, também na formulação
de execução de políticas públicas, o que engloba a atuação das
concessionárias de serviço público.
6. A Constituição Federal, ao reconhecer a organização social dos índios
(art. 231), impõe a todos os Poderes, órgãos e entes públicos, o dever
de considerar a especial forma de composição de tais comunidades, de forma
que a sua organização social própria não pode vir a prejudica-la quanto
ao acesso aos serviços públicos essenciais. Assim, ao negar o serviço
público de telefonia, a concessionária afronta diretamente o mandamento
constitucional que reconhece e garante aos índios sua peculiar forma de vida.
7. As comunidades indígenas, em geral, não se sujeitam ao mesmo
processo e aos mesmos índices de crescimento demográfico que as não
indígenas. Assim, o método uniformemente adotado pelo IBGE em todo o
Brasil, em especial o parâmetro de adjacência (distância máxima de
50 metros entre as edificações) não se presta a correta percepção
da necessidade do ponto de comunicação pública às comunidades com
características especificas. Outrossim, a exigência de que haja mais de
cem habitantes para que se constitua uma localidade não pode ser aplicada
às aldeias indígenas, justamente em razão da sua forma peculiar de vida
e composição social especial de suas comunidades.
8. O não atendimento do pleito em questão implica, dessarte,
em discriminação em relação aos indígenas, na medida em que ignora o
esforço institucional de alcançar as minorias nacionais, possibilitando-lhes
meios e instrumentos de comunicação, a par de que a ausência de um
telefone público na comunidade pode trazer graves prejuízos à saúde e
à segurança, quando se tem em conta as inúmeras situações emergenciais
que poderiam deixar de ter o atendimento dos órgãos públicos competentes.
10. Não há que se falar em inobservância do equilíbrio
econômico-financeiro do contrato de concessão, já que, ao participar da
Licitação nº 004/2012/PVCP/SPV - ANATEL, a apelante já estava ciente
de que o Decreto nº 7512/11 previa, em seu artigo 16, a instalação de
telefones públicos em aldeias indígenas, dentre outros lugares, não se
tratando, pois, de despesa extraordinária ou imprevisível.
11. Quanto ao prazo para a instalação do referido telefone público, tendo
em vista o tempo de tramitação da presente ação, bem como que o artigo
16, do Decreto nº 7.512/11 fixou o prazo de 90 dias para o atendimento do
previsto no referido artigo, entendo que o prazo mencionado é razoável
para o seu cumprimento.
12. Apelação da OI S/A improvida e apelação do Ministério Público
Federal parcialmente provida para determinar à OI S/A a instalação de 01
(um) Telefone de Uso Público, na comunidade indígena de Ofayé-Xavante,
localizada no município de Brasilândia/MS, com serviço local e interurbano,
nacional e internacional, disponível vinte e quatro horas por dia, no prazo
de noventa dias, a partir da publicação da presente decisão, sob pena de
multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais).
Ementa
CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. UNIVERSALIZAÇÃO DO SERVIÇO DE
TELEFONIA. ATENDIMENTO. COMUNIDADES INDÍGENAS. INSTALAÇÃO TELEFONE
PÚBLICO. CABIMENTO. PEDIDO PROCEDENTE.
1. Trata-se de ação civil pública objetivando garantir à comunidade
indígena Ofayé-Xavante o acesso aos serviços de telefonia pública, com
a instalação de um telefone de uso público na aldeia, com serviço local
e interurbano, nacional e internacional, disponível 24 hrs por dia.
2. Não obstante a existência pretérita de previsão legal e constitucional
visando assegurar o acesso universal ao serviço de telefonia, conforme
demonstrado nestes autos, cumpre mencionar o advento do Decreto nº 7.512/2011,
veiculador do novo Plano Geral de Metas para a Universalização (PGMU),
o qual, no artigo 16, inciso VI, de seu Anexo I, conferiu, dentre outras,
às comunidades indígenas, o direito de terem pelo menos um telefone de uso
público, não contendo qualquer menção à quantidade de membros ou forma
de disposição das residências (distância entre elas, arruamento, etc),
afastando os entraves anteriores. As hipóteses descritas nas disposições
legais transcritas configuram-se verdadeiras exceções aos limites que
a apelante pretende impor (número de habitantes e distância entre as
edificações), porquanto não se pode exigir tais requisitos de escolas
públicas, postos de saúde, organizações militares das Forças Armadas,
postos da Polícia Rodoviária e aeródromos públicos, etc. Trata-se de um
dever de cunho eminentemente social.
3. O artigo 4º, do anexo I, do mesmo Decreto nº 7.512/11, define, em seu
inciso XIV, o que é localidade no que diz respeito à aldeia indígena:
"é a localidade habitada por indígenas, compreendida pelo conjunto de casas
ou malocas, podendo ainda ser entendido como morada, que serve de habitação
para o indígena e aloja diversas famílias." e não faz nenhuma referência
a distanciamento as edificações, nem mesmo a quantitativo de indivíduos.
4. O serviço de telefonia tem caráter público, cabendo apenas à lei
indicar quem deva ou não usufruí-lo e, no caso dos autos, o artigo 16,
determina a instalação de Telefone de Uso Público - TUP em diversos
órgãos e comunidades, inclusive as aldeias indígenas, sem qualquer
requisito populacional.
5. O Poder Público, constitucionalmente imbuído de proteger as
manifestações culturais indígenas, deve respeitar e valorizar a sua forma
especial de viver e a sua composição social, também na formulação
de execução de políticas públicas, o que engloba a atuação das
concessionárias de serviço público.
6. A Constituição Federal, ao reconhecer a organização social dos índios
(art. 231), impõe a todos os Poderes, órgãos e entes públicos, o dever
de considerar a especial forma de composição de tais comunidades, de forma
que a sua organização social própria não pode vir a prejudica-la quanto
ao acesso aos serviços públicos essenciais. Assim, ao negar o serviço
público de telefonia, a concessionária afronta diretamente o mandamento
constitucional que reconhece e garante aos índios sua peculiar forma de vida.
7. As comunidades indígenas, em geral, não se sujeitam ao mesmo
processo e aos mesmos índices de crescimento demográfico que as não
indígenas. Assim, o método uniformemente adotado pelo IBGE em todo o
Brasil, em especial o parâmetro de adjacência (distância máxima de
50 metros entre as edificações) não se presta a correta percepção
da necessidade do ponto de comunicação pública às comunidades com
características especificas. Outrossim, a exigência de que haja mais de
cem habitantes para que se constitua uma localidade não pode ser aplicada
às aldeias indígenas, justamente em razão da sua forma peculiar de vida
e composição social especial de suas comunidades.
8. O não atendimento do pleito em questão implica, dessarte,
em discriminação em relação aos indígenas, na medida em que ignora o
esforço institucional de alcançar as minorias nacionais, possibilitando-lhes
meios e instrumentos de comunicação, a par de que a ausência de um
telefone público na comunidade pode trazer graves prejuízos à saúde e
à segurança, quando se tem em conta as inúmeras situações emergenciais
que poderiam deixar de ter o atendimento dos órgãos públicos competentes.
10. Não há que se falar em inobservância do equilíbrio
econômico-financeiro do contrato de concessão, já que, ao participar da
Licitação nº 004/2012/PVCP/SPV - ANATEL, a apelante já estava ciente
de que o Decreto nº 7512/11 previa, em seu artigo 16, a instalação de
telefones públicos em aldeias indígenas, dentre outros lugares, não se
tratando, pois, de despesa extraordinária ou imprevisível.
11. Quanto ao prazo para a instalação do referido telefone público, tendo
em vista o tempo de tramitação da presente ação, bem como que o artigo
16, do Decreto nº 7.512/11 fixou o prazo de 90 dias para o atendimento do
previsto no referido artigo, entendo que o prazo mencionado é razoável
para o seu cumprimento.
12. Apelação da OI S/A improvida e apelação do Ministério Público
Federal parcialmente provida para determinar à OI S/A a instalação de 01
(um) Telefone de Uso Público, na comunidade indígena de Ofayé-Xavante,
localizada no município de Brasilândia/MS, com serviço local e interurbano,
nacional e internacional, disponível vinte e quatro horas por dia, no prazo
de noventa dias, a partir da publicação da presente decisão, sob pena de
multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais).Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento à apelação da OI S/A e dar parcial provimento
à apelação do Ministério Público Federal para determinar à OI S/A a
instalação de 01 (um) Telefone de Uso Público, na comunidade indígena de
Ofayé-Xavante, localizada no município de Brasilândia/MS, com serviço
local e interurbano, nacional e internacional, disponível vinte e quatro
horas por dia, no prazo de noventa dias, a partir da publicação da presente
decisão, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
16/08/2017
Data da Publicação
:
01/09/2017
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2180305
Órgão Julgador
:
QUARTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
COMUNIDADE INDÍGENA/ LINHA TELEFÔNICA/ SERVIÇO PÚBLICO/
DISCRIMINAÇÃO.
Referência
legislativa
:
LEG-FED DEC-7512 ANO-2011 ART-16 INC-6 ART-4 INC-14
PLANO GERAL DE METAS PARA A UNIVERSALIZAÇÃO (PGMU)
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-231
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/09/2017
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