TRF3 0000553-45.2017.4.03.6139 00005534520174036139
PENAL E PROCESSO PENAL. ART. 10 DA LEI Nº 7.347/1985. RECUSA, RETARDAMENTO
OU OMISSÃO DE DADOS TÉCNICOS INDISPENSÁVEIS À PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL
PÚBLICA, QUANDO REQUISITADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ALEGADA INÉPCIA
DA DENÚNCIA E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA. PROVIMENTO DO RECURSO MINISTERIAL.
1. A denúncia ofertada permite inferir, cabal e corretamente, qual imputação
foi impingida ao denunciado, além de possibilitar a efetiva compreensão
da questão de fundo, havendo a descrição de forma pormenorizada de como
os fatos teriam ocorrido, ou seja, que após ter prestado parcialmente as
informações requisitadas pelo Ministério Público Federal, ao ser novamente
instado à complementação atinente aos dados técnicos indispensáveis à
propositura da ação civil pública, quedou-se inerte.
2. Não há na descrição efetivada a alegada pecha de inépcia, tendo a
dinâmica dos fatos narrados atinentes ao delito estampado no artigo 10 da
Lei n.º 7.347/1985 sido suficientemente descrita.
3. A inicial acusatória adimple exatamente o conteúdo que o Código de
Processo Penal exige de tal peça processual, consoante dicção do artigo
41 do C.P.P, tendo em vista que ela expõe os fatos criminosos, com as
circunstâncias pertinentes; qualifica o denunciado e classifica o crime que,
em tese, teria sido perpetrado.
4. Além disso, da análise dos elementos inseridos aos autos, é possível
entrever a justa causa, uma vez que presentes elementos aptos a indicar
tanto a materialidade delitiva quanto indícios de autoria do crime em tese
perpetrado, sem prejuízo de consignar que não estão presentes, ainda,
quaisquer causas aptas a extinguir a punibilidade do agente.
5. Verifica-se, portanto, da leitura da exordial acusatória, que houve a
narrativa detalhada, e não contraditória, no sentido de que o denunciado, na
condição de então Secretário de Saúde do Município, não teria prestado
as informações complementares requisitadas pelo órgão ministerial,
inclusive, devendo-se consignar que o último ofício (n.º 48/2016) fora
recebido em mãos pelo denunciado, o que evidencia, ao menos, em tese,
que ele deixou, embora devidamente cientificado pessoalmente, pelo prazo
estipulado, de prestar as informações que seriam utilizadas para dar
supedâneo a futura e eventual ação civil pública.
6. A demonstração dos elementos normativos consubstanciados em "dados
técnicos indispensáveis" à propositura da ação civil pública,
aparentemente também restou evidenciada nos autos, já que da simples
leitura da denúncia e dos ofícios expedidos, é possível entrever que
as informações requisitadas acerca da prestação de contas do então
Secretário de Saúde (ora denunciado) quanto à gestão do SUS tinham
a finalidade de instruir Inquérito Civil (n.º 1.34.038.000012/2014-87)
e eventualmente utilizados para dar supedâneo a ação civil pública,
não havendo que se falar em atipicidade da conduta.
7. A própria denúncia evidenciou ser essencial os dados requisitados, ao
esclarecer a necessidade da prestação de contas do Secretário de Saúde
quanto à gestão do SUS, tudo como forma de promover o acatamento das
regras estabelecidas na Lei Complementar n.º 141/2012 (Regulamenta o § 3o
do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a
serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios
em ações e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio
dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização,
avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de
governo; revoga dispositivos das Leis nos 8.080, de 19 de setembro de 1990,
e 8.689, de 27 de julho de 1993; e dá outras providências).
8. A peça inicial acusatória, portanto, fez-se clara no sentido de permitir a
aferição dos dados técnicos pleiteados, bem como a sua indispensabilidade,
inclusive, atrelando tal requisição à própria atuação ministerial de
zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de
relevância pública quanto aos direitos assegurados na Constituição Federal
relativos às ações e aos serviços de saúde e à educação (artigo 5º,
inciso V, alínea "a", da Lei Complementar n.º 75, de 20.05.1993 - dispõe
sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público
da União).
9. Ainda que assim não fosse, a aferição se os dados requisitados pelo
Ministério Público tratar-se-iam de técnicos e indispensáveis demandaria
análise durante a instrução criminal, como já decidido pelo STJ (HC
209.276/BA, 6ª Turma, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 22.05.2014).
10. O crime estampado no artigo 10 da Lei n.º 7.347/1985 trata-se de crime
formal (STF, HC n.º 84367, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, DJ
18-02-2005), consumando-se com a própria recusa, retardamento ou omissão
de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil pública,
prescindindo-se, pois, da ocorrência do resultado naturalístico, ou seja,
de eventual prejuízo para a atuação do Ministério Público Federal,
ou ainda, do efetivo ajuizamento da ação civil pública.
11. Levando em consideração a relevância dos interesses buscados na ação
civil pública, o legislador objetivou punir a conduta daquele que se recusa,
retarda ou se omite no atendimento às requisições do Ministério Público,
a fim de obstar a colheita de provas para a propositura de ação civil
pública. O objetivo foi tutelar não somente a autoridade do Ministério
Público no exercício de suas funções institucionais (artigo 129, inciso II,
do Código Penal), mas também a proteção dos direitos de enorme relevância
atrelados aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
12. Não há como limitar o poder instrutório ministerial à certeza do
ajuizamento da ação civil pública, já que a análise dos documentos
requisitados permitirá uma compreensão detalhada acerca da necessidade
de se exigir outros elementos probatórios, ou até mesmo, a justificar o
arquivamento do inquérito civil e a desistência da propositura da ação
civil pública.
13. No presente caso, portanto, há indícios acerca da materialidade e
autoria delitivas quanto à prática do delito delineado no artigo 10 da
Lei n.º 7.347/1985, demonstrando a necessidade de prosseguimento do feito.
14. O elemento subjetivo consubstanciado na recusa/retardamento/omissão
dolosa deve ser perquirido durante a instrução criminal, após análise
percuciente das provas, o que não se mostra pertinente nesta fase do feito. A
despeito disso, o último ofício, como retratado na denúncia, foi recebido
em mãos pelo próprio denunciado, o que poderia revelar, em tese, a ciência
que detinha acerca das requisições advindas do Ministério Público Federal.
15. Durante a fase instrutória é que também será possível vislumbrar
detalhadamente os elementos de prova hábeis ao esclarecimento dos fatos,
inclusive, não elidindo a possibilidade de enquadramento a outro tipo penal,
como, por exemplo, o delito estampado no artigo 330 do Código Penal (crime
de desobediência).
16. Nesta fase processual vigora o princípio in dubio pro societate, de
modo que para fins de recebimento da denúncia suficiente a existência
de indícios acerca da autoria e materialidade delitivas, o que restou
demonstrado na peça vestibular.
17. Presentes os requisitos que ensejam o reconhecimento de justa causa para
a persecução penal. Presença de materialidade delitiva e de indícios de
autoria, bem como a subsunção dos fatos, em tese, ao tipo penal. Ausência
de causa extintiva da punibilidade empregável à espécie.
18. Provimento do Recurso em Sentido Estrito manejado pelo Ministério
Público Federal para receber a denúncia ofertada desfavor do denunciado.
Ementa
PENAL E PROCESSO PENAL. ART. 10 DA LEI Nº 7.347/1985. RECUSA, RETARDAMENTO
OU OMISSÃO DE DADOS TÉCNICOS INDISPENSÁVEIS À PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL
PÚBLICA, QUANDO REQUISITADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. ALEGADA INÉPCIA
DA DENÚNCIA E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA. PROVIMENTO DO RECURSO MINISTERIAL.
1. A denúncia ofertada permite inferir, cabal e corretamente, qual imputação
foi impingida ao denunciado, além de possibilitar a efetiva compreensão
da questão de fundo, havendo a descrição de forma pormenorizada de como
os fatos teriam ocorrido, ou seja, que após ter prestado parcialmente as
informações requisitadas pelo Ministério Público Federal, ao ser novamente
instado à complementação atinente aos dados técnicos indispensáveis à
propositura da ação civil pública, quedou-se inerte.
2. Não há na descrição efetivada a alegada pecha de inépcia, tendo a
dinâmica dos fatos narrados atinentes ao delito estampado no artigo 10 da
Lei n.º 7.347/1985 sido suficientemente descrita.
3. A inicial acusatória adimple exatamente o conteúdo que o Código de
Processo Penal exige de tal peça processual, consoante dicção do artigo
41 do C.P.P, tendo em vista que ela expõe os fatos criminosos, com as
circunstâncias pertinentes; qualifica o denunciado e classifica o crime que,
em tese, teria sido perpetrado.
4. Além disso, da análise dos elementos inseridos aos autos, é possível
entrever a justa causa, uma vez que presentes elementos aptos a indicar
tanto a materialidade delitiva quanto indícios de autoria do crime em tese
perpetrado, sem prejuízo de consignar que não estão presentes, ainda,
quaisquer causas aptas a extinguir a punibilidade do agente.
5. Verifica-se, portanto, da leitura da exordial acusatória, que houve a
narrativa detalhada, e não contraditória, no sentido de que o denunciado, na
condição de então Secretário de Saúde do Município, não teria prestado
as informações complementares requisitadas pelo órgão ministerial,
inclusive, devendo-se consignar que o último ofício (n.º 48/2016) fora
recebido em mãos pelo denunciado, o que evidencia, ao menos, em tese,
que ele deixou, embora devidamente cientificado pessoalmente, pelo prazo
estipulado, de prestar as informações que seriam utilizadas para dar
supedâneo a futura e eventual ação civil pública.
6. A demonstração dos elementos normativos consubstanciados em "dados
técnicos indispensáveis" à propositura da ação civil pública,
aparentemente também restou evidenciada nos autos, já que da simples
leitura da denúncia e dos ofícios expedidos, é possível entrever que
as informações requisitadas acerca da prestação de contas do então
Secretário de Saúde (ora denunciado) quanto à gestão do SUS tinham
a finalidade de instruir Inquérito Civil (n.º 1.34.038.000012/2014-87)
e eventualmente utilizados para dar supedâneo a ação civil pública,
não havendo que se falar em atipicidade da conduta.
7. A própria denúncia evidenciou ser essencial os dados requisitados, ao
esclarecer a necessidade da prestação de contas do Secretário de Saúde
quanto à gestão do SUS, tudo como forma de promover o acatamento das
regras estabelecidas na Lei Complementar n.º 141/2012 (Regulamenta o § 3o
do art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a
serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios
em ações e serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio
dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização,
avaliação e controle das despesas com saúde nas 3 (três) esferas de
governo; revoga dispositivos das Leis nos 8.080, de 19 de setembro de 1990,
e 8.689, de 27 de julho de 1993; e dá outras providências).
8. A peça inicial acusatória, portanto, fez-se clara no sentido de permitir a
aferição dos dados técnicos pleiteados, bem como a sua indispensabilidade,
inclusive, atrelando tal requisição à própria atuação ministerial de
zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos da União e dos serviços de
relevância pública quanto aos direitos assegurados na Constituição Federal
relativos às ações e aos serviços de saúde e à educação (artigo 5º,
inciso V, alínea "a", da Lei Complementar n.º 75, de 20.05.1993 - dispõe
sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público
da União).
9. Ainda que assim não fosse, a aferição se os dados requisitados pelo
Ministério Público tratar-se-iam de técnicos e indispensáveis demandaria
análise durante a instrução criminal, como já decidido pelo STJ (HC
209.276/BA, 6ª Turma, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 22.05.2014).
10. O crime estampado no artigo 10 da Lei n.º 7.347/1985 trata-se de crime
formal (STF, HC n.º 84367, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, DJ
18-02-2005), consumando-se com a própria recusa, retardamento ou omissão
de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil pública,
prescindindo-se, pois, da ocorrência do resultado naturalístico, ou seja,
de eventual prejuízo para a atuação do Ministério Público Federal,
ou ainda, do efetivo ajuizamento da ação civil pública.
11. Levando em consideração a relevância dos interesses buscados na ação
civil pública, o legislador objetivou punir a conduta daquele que se recusa,
retarda ou se omite no atendimento às requisições do Ministério Público,
a fim de obstar a colheita de provas para a propositura de ação civil
pública. O objetivo foi tutelar não somente a autoridade do Ministério
Público no exercício de suas funções institucionais (artigo 129, inciso II,
do Código Penal), mas também a proteção dos direitos de enorme relevância
atrelados aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
12. Não há como limitar o poder instrutório ministerial à certeza do
ajuizamento da ação civil pública, já que a análise dos documentos
requisitados permitirá uma compreensão detalhada acerca da necessidade
de se exigir outros elementos probatórios, ou até mesmo, a justificar o
arquivamento do inquérito civil e a desistência da propositura da ação
civil pública.
13. No presente caso, portanto, há indícios acerca da materialidade e
autoria delitivas quanto à prática do delito delineado no artigo 10 da
Lei n.º 7.347/1985, demonstrando a necessidade de prosseguimento do feito.
14. O elemento subjetivo consubstanciado na recusa/retardamento/omissão
dolosa deve ser perquirido durante a instrução criminal, após análise
percuciente das provas, o que não se mostra pertinente nesta fase do feito. A
despeito disso, o último ofício, como retratado na denúncia, foi recebido
em mãos pelo próprio denunciado, o que poderia revelar, em tese, a ciência
que detinha acerca das requisições advindas do Ministério Público Federal.
15. Durante a fase instrutória é que também será possível vislumbrar
detalhadamente os elementos de prova hábeis ao esclarecimento dos fatos,
inclusive, não elidindo a possibilidade de enquadramento a outro tipo penal,
como, por exemplo, o delito estampado no artigo 330 do Código Penal (crime
de desobediência).
16. Nesta fase processual vigora o princípio in dubio pro societate, de
modo que para fins de recebimento da denúncia suficiente a existência
de indícios acerca da autoria e materialidade delitivas, o que restou
demonstrado na peça vestibular.
17. Presentes os requisitos que ensejam o reconhecimento de justa causa para
a persecução penal. Presença de materialidade delitiva e de indícios de
autoria, bem como a subsunção dos fatos, em tese, ao tipo penal. Ausência
de causa extintiva da punibilidade empregável à espécie.
18. Provimento do Recurso em Sentido Estrito manejado pelo Ministério
Público Federal para receber a denúncia ofertada desfavor do denunciado.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, DAR PROVIMENTO ao Recurso Em Sentido Estrito manejado pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para receber a denúncia ofertada em face de
ADRIANO WERNEK RIBAS pela prática, em tese, do crime previsto no artigo 10
da Lei n.º 7.347/1985, determinando o retorno dos autos à origem para o
regular prosseguimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
12/03/2019
Data da Publicação
:
19/03/2019
Classe/Assunto
:
RSE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 8469
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-10
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-41
LEG-FED LCP-141 ANO-2012
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-198 PAR-3
LEG-FED LEI-8080 ANO-1990
LEG-FED LEI-8689 ANO-1993
***** EMPU-93 ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO
LEG-FED LCP-75 ANO-1993 ART-5 INC-5 LET-A
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-129 INC-2 ART-330
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/03/2019
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