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Jurisprudência


TRF3 0000553-88.2016.4.03.6136 00005538820164036136

Ementa
PENAL. PROCESSUAL. APELAÇÕES CRIMINAIS. APREENSÃO DE QUATRO PÁSSAROS SILVESTRES IRREGULARMENTE MANTIDOS EM CATIVEIRO DOMICILIAR PELO ACUSADO, INCLUSIVE AMEAÇADAS DE EXTINÇÃO, PORTANDO RELAÇÃO NÃO ATUALIZADA DE PASSERIFORMES NO ENDEREÇO DO PLANTEL, TODOS COM ANILHAS VISIVELMENTE ALARGADAS, EM DESACORDO COM O ARTIGO 32, II e III, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA N. 10/2011. USO INDEVIDO DE DUAS ANILHAS DO IBAMA PELO RÉU, SABIDAMENTE, ALARGADAS. DELITOS IMPUTADOS NA DENÚNCIA DEVIDAMENTE TIPIFICADOS NO ARTIGO 29, § 1º, III, E § 4º, I, DA LEI 9.605/98, E NO ARTIGO 296, § 1º, I E III, DO CÓDIGO PENAL, EM CONCURSO MATERIAL. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO NÃO APLICÁVEL NO CASO CONCRETO. AUSÊNCIA DE CONFLITO APARENTE DE NORMAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NÃO INCIDENTE IN CASU. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEMONSTRADAS. DOLO CONFIGURADO. DOSIMETRIA E SUBSTITUIÇÃO DA SOMA DAS PENAS CORPORAIS APLICADAS AO RÉU POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. REDUÇÃO DA PENA DE MULTA REFERENTE AO DELITO AMBIENTAL, MANTIDA A CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA DO ARTIGO 29, § 4º, I, DA LEI 9.605/98. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO E RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Em suas razões recursais (fls. 138/142), o Ministério Público Federal pleiteia a reforma parcial da r. sentença, para condenar o réu também pela prática do delito previsto no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal. Já defesa, em suas razões recursais (fls. 145/154), pleiteia a absolvição do acusado também no tocante à imputação delitiva descrita no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, em razão de eventual incidência do princípio da insignificância no caso concreto, por suposta falta de provas da autoria delitiva ou ainda com fundamento no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal, requerendo, subsidiariamente, a exclusão ou diminuição dos 180 (cento e oitenta) dias-multa, bem como a exclusão da prestação de serviços à comunidade, em razão de o réu, em tese, não possuir condições físicas, psíquicas e econômicas para cumpri-los. 2. A despeito da posição adotada pelo magistrado sentenciante às fls. 128-v da r. sentença e em consonância com o apelo ministerial, não há de se falar em conflito aparente de normas entre os tipos penais descritos no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal (uso indevido de anilhas do IBAMA adulteradas ou falsificadas) e no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98 (guarda irregular de pássaros silvestres, inclusive espécies consideradas ameaçadas de extinção, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente), a resultar em equivocada absorção do primeiro (suposto delito-meio) pelo segundo (pretenso delito-fim), sendo de rigor o seu afastamento. 3. Cumpre observar que os tipos penais em epígrafe tutelam bens jurídicos distintos (o primeiro, a fé pública; o segundo, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, destacadamente, a fauna silvestre), além de decorrerem de condutas diversas e autônomas, razão pela qual não se vislumbra, na presente hipótese, a incidência do princípio da consunção. 4. Ao contrário do sustentado pela defesa e em sintonia com o pugnado pela acusação, os elementos de cognição demonstram que o criador amador RONALDO LUIZ DOS SANTOS (CTF n. 497451), de forma livre e consciente, mantinha, irregularmente, em cativeiro domiciliar, 04 (quatro) pássaros silvestres, consistentes em 01 (um) corrupião (Icterus jamacaii), 01 (um) coleira-papa-capim (Sporophila caerulescens), 01 (um) sanhaço-de-coleira (Schistochlamys melanopis) e 01 (um) curió (Sporophila angolensis), inclusive espécies consideradas ameaçadas de extinção, todos sem estarem devidamente anilhados, sobretudo, pelo visível alargamento dos diâmetros internos de suas respectivas anilhas "IBAMA 03/04 3,5 026663", "IBAMA 03/04 2,2 000031", "26 6 SOSP 2000 384" e "CSO 26.2.2001.094" (tendo saído com facilidade de suas patas), e sequer portava relação de passeriformes atualizada no endereço de seu plantel, em nítido desacordo com eventual licença, permissão ou autorização obtida junto ao órgão ambiental competente, nos termos do artigo 32, incisos II e III, da Instrução Normativa IBAMA n. 10/2011, os quais vieram a ser apreendidos por policiais militares ambientais, em 02/07/2015, na própria residência do acusado no Município de Catanduva/SP, além de incorrer, também de maneira livre e consciente, no uso indevido de 02 (duas) anilhas, em tese, originalmente cadastradas pelo IBAMA e posteriormente adulteradas/falsificadas (ambas de diâmetro interno bastante superior ao normativamente permitido), mantidas apostas pelo réu nos tarsos dos aludidos corrupião ("IBAMA 03/04 3,5 026663") e coleira-papa-capim ("IBAMA 03/04 2,2 000031"), no mesmo contexto delitivo. 5. Consoante o Laudo Biológico (fl. 09), das 04 (quatro) aves silvestres apreendidas em poder do acusado, 02 (duas) delas já integravam à época dos fatos lista oficial de espécies consideradas ameaçadas de extinção no âmbito do Estado de São Paulo (Anexo I do Decreto Estadual n. 60.133/2014), quais sejam, 01 (um) sanhaço-de-coleira (Schistochlamys melanopis) e 01 (um) curió (Sporophila angolensis). Ademais, asseverou que "todos os pássaros estavam com anilhas maiores que as recomendáveis e saíram com facilidade das suas patas". 6. Considerando sua larga experiência enquanto criador amador de passeriformes com cadastro no IBAMA, pelo menos, desde 2004 (fls. 25/34), não merece prosperar a frágil tese defensiva de que o réu teria adquirido de modo regular todos os seus passeriformes ora apreendidos, em tese, desconhecendo qualquer adulteração em suas respectivas anilhas, cujo alargamento era visível a olho nu. 7. Restaram incontestes a materialidade e autoria delitivas, assim como o dolo do réu, no mínimo eventual, em relação à prática dos delitos previstos no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, e no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, em concurso material, não se olvidando da natureza diversa dos bens jurídicos penalmente tutelados em cada um dos tipos penais em comento, respectivamente, a fé pública e a proteção ao meio ambiente (destacadamente, a fauna silvestre), à míngua de qualquer das causas de absolvição previstas no artigo 386 do Código de Processo Penal. 8. Tampouco há de se cogitar erro sobre a ilicitude do fato (seja inevitável, seja evitável) ou sobre os elementos do tipo, ou mesmo eventual excludente de culpabilidade, incompatível com o presente contexto delitivo, cujas circunstâncias não autorizam a concessão do perdão judicial previsto no artigo 29, § 2º, da Lei 9.605/98, inclusive, pela presença de espécies silvestres consideradas ameaçadas de extinção (fl. 09). 9. O réu foi inicialmente condenado a 09 (nove) meses de detenção, em regime inicial aberto, e 180 (cento e oitenta) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática delitiva descrita no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, ficando substituída a pena privativa de liberdade por uma única restritiva de direitos consistente em prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo tempo da pena corporal substituída, mediante "a atribuição ao condenado de tarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, e, no caso de dano da coisa particular, pública ou tombada, na restauração desta, se possível", conforme se depreende da sentença de fls. 125/129. 10. Em relação ao delito do artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, fixaram-se as penas-base no patamar mínimo legal, a saber, 02 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, em consonância com o artigo 59 do mesmo diploma legal. A culpabilidade, as circunstâncias, os motivos e as consequências do delito mostraram-se normais à espécie delitiva. Além disso, não se visualizaram nos autos elementos concretos acerca da personalidade e da conduta social do acusado, tampouco que sirvam como "maus antecedentes". 11. Na segunda fase da dosimetria, não se vislumbraram nos autos quaisquer agravantes ou atenuantes, razão pela qual restaram mantidas, provisoriamente, as mesmas penas-base. De qualquer sorte, a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça adverte que "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal". 12. Na ausência de quaisquer causas de aumento ou diminuição, fixaram-se definitivamente a pena privativa de liberdade de "RONALDO LUIZ" em 02 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito contra a fé pública capitulado no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, nos moldes dos artigos 49, § 1º, e 68, do mesmo diploma legal. 13. No que se refere ao crime ambiental previsto no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, reduziram-se, inclusive de ofício, as penas-base inicialmente fixadas pelo magistrado sentenciante para o mínimo patamar legal, a saber, 06 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa, em consonância com o artigo 59 do mesmo diploma legal e ainda com o artigo 6º da Lei 9.605/98, uma vez que a culpabilidade, as circunstâncias, os motivos e as consequências do delito para a saúde pública e para o meio ambiente mostraram-se normais à espécie delitiva. Além disso, inexistem nos autos elementos concretos acerca da personalidade e da conduta social do acusado, tampouco que sirvam como "maus antecedentes". 14. Na segunda fase da dosimetria, ainda que presente a atenuante prevista no artigo 14, IV, da Lei 9.605/98 (o réu colaborou com os agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental - fls. 04/06), a Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça adverte que "a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal", como poderia, em tese, ser cogitado, razão pela qual restaram preservadas as sanções intermediárias em 06 (seis) meses de detenção, e 10 (dez) dias-multa, relativamente ao delito do artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, à míngua de quaisquer agravantes. 15. Na terceira fase da dosimetria da pena, manteve-se, de resto, a incidência da causa de aumento especial prevista no artigo 29, § 4º, inciso I, da Lei 9.605/98 (ficando as penas intermediárias ora fixadas aumentadas de metade), em razão de o referido delito ambiental ter sido praticado, inclusive, contra espécies consideradas ameaçadas de extinção (fl. 09) 16. Dessa forma, fixou-se definitivamente a pena privativa de liberdade de "RONALDO LUIZ" em 09 (nove) meses de detenção, em regime inicial aberto, nos mesmos termos da r. sentença, e em 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito capitulado no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, atendendo, nesse ponto, ao pleito subsidiário da defesa (redução da pena cumulativa de multa inicialmente fixada pelo magistrado sentenciante à fl. 129). 17. Com efeito, as penas corporais definitivas dos delitos em comento devem ser somadas, em concurso material, à vista do artigo 69 do Código Penal, perfazendo o total de 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão/detenção (executando-se primeiro a pena de reclusão). A propósito, observa-se que, no concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente, na forma do artigo 72 do Código Penal. 18. Ademais, na forma do artigo 44, § 2º, segunda parte, do Código Penal, e do artigo 8º da Lei 9.605/98, substituiu-se a soma das penas privativas de liberdade impostas a "RONALDO LUIZ" por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da soma das penas corporais substituídas, e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário-mínimo, destinada à União Federal. 19. Nada obstante as preocupações aventadas pela defesa às fls. 151/154 de suas razões recursais, ainda que desprovidas de qualquer comprovação, salientou-se que, em qualquer fase da execução, poderá o Juiz, motivadamente, alterar, a forma de cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade, ajustando-a às aptidões e condições pessoais do condenado e às características do estabelecimento, da entidade ou do programa comunitário ou estatal, nos moldes dos artigos 148 e 149 da Lei de Execuções Penais. 20. Apelo da acusação provido e apelo da defesa parcialmente provido.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo interposto pela acusação, para condenar RONALDO LUIZ DOS SANTOS a 02 (dois) anos de reclusão, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, também pela prática do delito contra a fé pública capitulado no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, nos moldes dos artigos 49, § 1º, e 68, do mesmo diploma legal, afastando-se a incidência do princípio da consunção no caso concreto, e tendo em vista o concurso material entre os tipos penais descritos no artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, e no artigo 296, § 1º, I e III, do Código Penal, calcular a soma de suas penas privativas de liberdade em 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão/detenção, em regime inicial aberto, que ficam substituídas por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da soma das penas corporais substituídas, e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário-mínimo, destinada à União Federal, nos termos do voto do Des. Fed. Relator; prosseguindo, a Turma, por maioria, decidiu dar provimento parcial ao apelo interposto pela defesa, apenas para, relativamente ao delito do artigo 29, § 1º, III, e § 4º, I, da Lei 9.605/98, reduzir a pena cumulativa de multa inicialmente fixada ao réu para apenas 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, nos termos do voto do Des. Fed. Relator, com quem votou o Des. Fed. Nino Toldo, vencido o Des. Fed. Fausto De Sanctis que mantinha a pena de multa no tocante ao delito tipificado no art. 29, §1º, III, e §4º, I, da lei 9.605/98 em 180 (cento e oitenta) dias-multa, tal como fixado na sentença.

Data do Julgamento : 10/04/2018
Data da Publicação : 20/04/2018
Classe/Assunto : Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 74449
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED INT-10 ANO-2011 ART-32 INC-2 INC-3 IBAMA LEG-FED LEI-9605 ANO-1998 ART-29 PAR-1 INC-3 PAR-4 INC-1 PAR-2 ART-6 ART-14 INC-4 ART-8 ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-296 PAR-1 INC-1 INC-3 ART-49 PAR-1 ART-68 ART-72 ART-44 PAR-2 LEG-EST DEC-60.133 ANO-2014 ANEXO 1 ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-386 ***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA LEG-FED SUM-231 ***** LEP-84 LEI DE EXECUÇÃO PENAL LEG-FED LEI-7210 ANO-1984 ART-148 ART-149
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/04/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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