TRF3 0000554-84.2016.4.03.6100 00005548420164036100
PROCESSUAL CIVI. DIREITO AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. TRÁFEGO COM EXCESSO DE
PESO. DANOS A INTERESSES DIFUSOS. COMINAÇÃO DE MULTA. DESNECESSIDADE. NÚMERO
BAIXO DE INFRAÇÕES. PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. ILÍCITO
CIVIL AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. APLICAÇÃO. RESSARCIMENTO DE DANOS MATERIAIS
E MORAIS COLETIVOS. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL
INDIRETA. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO DESPROVIDAS.
I. A remessa oficial deve incidir. Como a ação popular a prevê para a
hipótese de carência processual ou improcedência do pedido (artigo 19 da
Lei n° 4.717/1965), a ação civil pública, enquanto mecanismo destinado
à tutela de direitos coletivos similares, faz jus ao mesmo tratamento.
II. Relativamente à ação civil pública n° 251-02.2014.4.01.3803, que
tramita na Subseção Judiciária de Uberlândia/MG, inexiste identidade de
partes, causa de pedir ou pedido.
III. Os autos de infração da ANTT que fundamentaram a petição inicial
se dirigiram contra a matriz de Copagaz Distribuidora de Gás S/A (CNPJ
n° 03.237.583/0001-67) e o MPF requereu expressamente a condenação dela
ao cumprimento das prestações negativas e positivas, sem a inclusão da
totalidade da pessoa jurídica, em cada um de seus estabelecimentos.
IV. Em contrapartida, a outra ação coletiva tem por causa de
pedir infrações aplicadas a uma das filiais da empresa (CNPJ n°
03.237.583/0005-90), à qual também se restringiu o pedido de condenação.
V. Os elementos, portanto, das causas diferem. Haveria, no máximo, conexão ou
continência, que se tornou, porém, inviável com a tramitação em separado
dos autos e a prolação de sentença em cada uma delas (artigo 55, §1°,
do CPC).
VI. Embora efetivamente a responsabilidade civil do embarcador/transportador
de carga excessiva independa da administrativa e autorize a expedição de
provimentos condenatórios sem qualquer violação à garantia da separação
dos Poderes, a situação de Copagaz Distribuidora de Gás S/A apresenta
uma singularidade que descarta a intervenção do Poder Judiciário.
VII. Os autos de infração que fundamentaram a petição inicial compreendem o
período de 2003 a 02/2015 e atingiram a quantidade de 224. Apesar da gravidade
do ilícito e do potencial para danificar interesses da coletividade, o número
possui pouca representatividade, chegando à média de 18 autuações por ano.
VIII. O tráfego com excesso de peso não alcança um patamar, uma frequência
que abone a intercessão do Poder Judiciário, através da fixação de multa
cominatória paralelamente ao poder de polícia administrativa (artigo 231,
V, da Lei n° 9.503/1997 e artigo 11 da Lei n° Lei n° 7.347/1985). Copagaz
Distribuidora de Gás S/A não tem desprezado a fiscalização dos órgãos
de trânsito, adotando operações coordenadas em desrespeito ao patrimônio
público, ao meio ambiente, à ordem econômica e à segurança dos demais
usuários das rodovias federais.
IX. A ameaça de sanções administrativas, na forma de multa, retenção do
veículo e transbordo de carga excedente, vem atingindo, numa proporção
razoável, eficácia pedagógica; subsistem apenas infrações isoladas,
dispersas no tempo.
X. A imposição de obrigação de não fazer, nessas circunstâncias,
extrapolaria os limites da jurisdição coletiva, voltada à
prevenção/reparação de lesões sistemáticas e substanciais a interesses
difusos (artigo 5°, XXXV, da CF e artigo 1° da Lei n° 7.347/1985). As
contribuições de menor extensão, devidamente sancionadas com o poder
de polícia da Administração Pública, não justificam a ativação
dos instrumentos dos processos coletivos - comando proibitório e multa
coercitiva.
XI. Não se pode dizer que a tutela conferida aos direitos coletivos sob
impacto do tráfego com excesso de peso seja insuficiente, a ponto de
configurar omissão inconstitucional parcial.
XII. O número de infrações (224) não é significativo diante da magnitude
do período de fiscalização - doze anos -, o que, diversamente do que
consta das razões da apelação do MPF, demonstra a eficácia dissuasória
das penalidades administrativas numa dose aceitável.
XIII. Ainda que as condições do poder de polícia se mostrem insuficientes,
o Poder Judiciário não poderia supri-las e agravar o valor da multa como
se estivesse no exercício da atividade legislativa.
XIV. O suprimento, além de demandar meios processuais específicos -
mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por
omissão - implicaria a produção judiciária de normas jurídicas,
acima das atribuições do Parlamento e dos próprios poderes previstos no
controle de proteção insuficiente aos direitos fundamentais - inicialmente,
constituição em mora do órgão legislativo, nos termos do artigo 8°, I,
da Lei n° 13.300/2015 e do artigo 12-H da Lei n° 9.868/1999.
XV. A superação por intermédio da cominação de multa coercitiva não
modifica a conclusão. Em primeiro lugar, o MPF contextualiza a solução
na omissão inconstitucional parcial do Congresso Nacional, encarando
a responsabilização civil como substituto da própria regulamentação
conferida ao tráfego com carga excedente - o que resultaria, da mesma forma,
na produção judiciária de normas jurídicas por via transversa.
XVI. E, em segundo lugar, a barreira já indicada à atuação da jurisdição
coletiva se impõe. A tutela preventiva ou reparatória de interesses difusos
reclama um conflito de massa devidamente enraizado, hostil a quaisquer
soluções do Poder Executivo (artigo 5°, XXXV, da CF e artigo 1° da Lei
n° 7.347/1985). Se elas demonstram efetividade, reduzindo a quantidade de
autuações a um nível tolerável - como é o caso da Copagaz Distribuidora
de Gás S/A -, a condenação judicial se mostra desnecessária e pouco
efetiva em termos de defesa dos direitos da coletividade.
XVII. Assim, a sentença, ao verificar falta de interesse de agir do MPF na
fixação de obrigação de não fazer, deve ser mantida.
XVIII. A pretensão de reparação civil está prescrita em relação aos
danos causados ao patrimônio público há mais de cinco anos.
XIX. A imprescritibilidade de que trata o artigo 37, §5°, da CF somente
se aplica a atos de improbidade administrativa e infrações penais,
enquanto ilícitos de gravidade bastante para atrair maior severidade no
ressarcimento. Como violam ou põem em risco bens primários da coletividade,
a atemporalidade da indenização encontra justificativa.
XX. Já os ilícitos civis não devem se submeter a tamanho rigor. Além de a
Constituição Federal situar a imprescritibilidade no âmbito da improbidade
administrativa e, correlatamente, das infrações de lesividade superior
(crimes), a aplicação da norma constitucional a qualquer prejuízo ao
erário feriria o princípio da segurança jurídica, em detrimento de um
dos cânones de qualquer Estado de Direito.
XXI. A generalização faria com que o simples inadimplemento de tributos,
como receita subtraída ao erário, originasse pretensão imprescritível,
em contrariedade à própria CF, que, no artigo 146, III, b, encarrega lei
complementar de regulamentar a prescrição tributária.
XXII. Segundo a petição da ação civil pública ajuizada em 12/01/2016, o
MPF requer a reparação de danos causados às rodovias federais em função
do excesso de peso e inclui prejuízos verificados há mais de cinco anos
da distribuição (período anterior a 12/01/2011). A pretensão envolve
ilícito civil, estando sujeita a prazo prescricional, que, por analogia
à ação popular e simetria às dívidas passivas da Fazenda Pública,
corresponde a cinco anos (artigo 21 da Lei n° 4.717/1965 e artigo 1° do
Decreto-Lei n° 20.910/1932).
XXIII. A mesma conclusão abrange os danos acarretados ao meio ambiente,
à ordem econômica e à segurança dos demais usuários, cujo ressarcimento
segue período similar ou inferior (artigo 21 da Lei n° 4.717/1965, artigo
47 da Lei n° 12.529/2011 e artigo 206, §3°, V, do CC).
XXIV. A condenação de Copagaz Distribuidora de Gás S/A ao pagamento de
danos materiais não se viabiliza.
XXV. Conquanto efetivamente o transporte de carga excessiva tenha potencial
para danificar rodovias (patrimônio público), não existe a possibilidade
de atribuir os prejuízos atualmente existentes nos pavimentos à pessoa
jurídica.
XXVI. Vários fatores colaboram para a deterioração, como a falta de
manutenção preventiva e corretiva, o crescimento do tráfego, a qualidade
dos materiais empregados, defeitos de projeção/execução das obras, o
clima, a temperatura, entre outros. Apesar de o excesso de carga ser causa
de degradação, não assume a condição com exclusividade, nem se sabe a
proporção de sua real contribuição.
XXVII. Atribuir responsabilidade apenas aos transportadores ou embarcadores
implicaria a abstração de outros eventos igualmente relevantes ou até
superiores em nível de causalidade.
XXVIII. A falta de investimentos governamentais, os atrasos na concessão de
serviço público (alternativa à escassez de verbas), o descumprimento de
obrigações por entidade concessionária, a ineficiência no planejamento
do fluxo de veículos e a fiscalização deficiente - os postos de balanças
rodoviárias não mantêm uma regularidade adequada - não podem ficar à
margem do processo de apuração das condições das rodovias, especificamente
de sua capacidade em causar danos a interesses da coletividade.
XXIX. A responsabilização de um único embarcador se revela ainda mais
descabida. Se não bastasse a combinação de vários fatores ao estado
calamitoso das estradas, o tráfego com excesso de peso representa uma
operação generalizada na categoria econômica de transporte de carga; cada
um dos infratores contribui ao declínio da qualidade das vias públicas,
sem que a situação atual possa ser imputada a uma empresa em particular.
XXX. Toda essa ponderação demonstra que o nexo de causalidade entre o
embarque de carga excedente por Copagaz Distribuidora de Gás S/A e os danos
atualmente existentes nas rodovias federais é distante, indireto. Inexiste
possibilidade de imputação direta dos prejuízos em vigor. A responsabilidade
se faria sem liame causal, em plena subversão do instituto de direito civil
e administrativo (artigo 927 do CC e artigo 1° da Lei n° 7.347/1985).
XXXI. Idêntica fundamentação se aplica à reparação civil do meio
ambiente, da ordem econômica e da segurança dos demais usuários. Um
embarcador específico que possibilite o tráfego com excesso de peso não
pode ser responsabilizado pela emissão adicional de combustíveis fósseis,
pela perda de competitividade de concorrentes e lesões/mortes de pedestres
e motoristas.
XXXII. Trata-se de interesses coletivos cujo comprometimento se encontra
disseminado na atividade econômica. Assim como o ar, a liberdade de iniciativa
e a segurança rodoviária, a responsabilidade civil decorrente da violação
a esses direitos difusos se nota pela titularidade dispersa e indivisibilidade
(artigo 81, parágrafo único, I, da Lei n° 8.078/1990).
XXXIII. Não é possível imputar a Copagaz Distribuidora de Gás S/A uma
poluição atmosférica, uma perda de competividade e um acidente rodoviário
específicos, de que resultaria o dever de indenizar. Este surgiria sem a
presença de nexo de causalidade, decorrendo de contribuições indiretas,
genéricas.
XXXIV. O ressarcimento de danos morais coletivos segue a mesma diretriz. A
relação causal entre o embarque de carga excessiva e a violação dos
interesses coletivos correspondentes ao patrimônio público, meio ambiente,
ordem econômica e segurança dos demais usuários se revela longínqua.
XXXV. A frustração, a dor de cada membro da coletividade pela deterioração
das rodovias, pela poluição do meio que nos dá a vida, pelo comprometimento
da livre iniciativa e pelos acidentes que vitimam pedestres e outros motoristas
deve ser imputada a um conjunto de fatores, sem possibilidade de concentração
numa causa e, muito menos, em único transportador ou embarcador.
XXXVI. A ausência de imputação das verbas de sucumbência deve ser
mantida. A Lei n° 7.347/1985, ao estabelecer a isenção da associação
civil, pretendeu, na verdade, desonerar a jurisdição coletiva em geral,
independentemente do autor da ação civil pública (artigo 18). O Ministério
Público, assim, é beneficiário também do regime.
XXXVII. Remessa oficial e apelação a que se nega provimento.
Ementa
PROCESSUAL CIVI. DIREITO AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. TRÁFEGO COM EXCESSO DE
PESO. DANOS A INTERESSES DIFUSOS. COMINAÇÃO DE MULTA. DESNECESSIDADE. NÚMERO
BAIXO DE INFRAÇÕES. PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. ILÍCITO
CIVIL AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. APLICAÇÃO. RESSARCIMENTO DE DANOS MATERIAIS
E MORAIS COLETIVOS. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL
INDIRETA. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO DESPROVIDAS.
I. A remessa oficial deve incidir. Como a ação popular a prevê para a
hipótese de carência processual ou improcedência do pedido (artigo 19 da
Lei n° 4.717/1965), a ação civil pública, enquanto mecanismo destinado
à tutela de direitos coletivos similares, faz jus ao mesmo tratamento.
II. Relativamente à ação civil pública n° 251-02.2014.4.01.3803, que
tramita na Subseção Judiciária de Uberlândia/MG, inexiste identidade de
partes, causa de pedir ou pedido.
III. Os autos de infração da ANTT que fundamentaram a petição inicial
se dirigiram contra a matriz de Copagaz Distribuidora de Gás S/A (CNPJ
n° 03.237.583/0001-67) e o MPF requereu expressamente a condenação dela
ao cumprimento das prestações negativas e positivas, sem a inclusão da
totalidade da pessoa jurídica, em cada um de seus estabelecimentos.
IV. Em contrapartida, a outra ação coletiva tem por causa de
pedir infrações aplicadas a uma das filiais da empresa (CNPJ n°
03.237.583/0005-90), à qual também se restringiu o pedido de condenação.
V. Os elementos, portanto, das causas diferem. Haveria, no máximo, conexão ou
continência, que se tornou, porém, inviável com a tramitação em separado
dos autos e a prolação de sentença em cada uma delas (artigo 55, §1°,
do CPC).
VI. Embora efetivamente a responsabilidade civil do embarcador/transportador
de carga excessiva independa da administrativa e autorize a expedição de
provimentos condenatórios sem qualquer violação à garantia da separação
dos Poderes, a situação de Copagaz Distribuidora de Gás S/A apresenta
uma singularidade que descarta a intervenção do Poder Judiciário.
VII. Os autos de infração que fundamentaram a petição inicial compreendem o
período de 2003 a 02/2015 e atingiram a quantidade de 224. Apesar da gravidade
do ilícito e do potencial para danificar interesses da coletividade, o número
possui pouca representatividade, chegando à média de 18 autuações por ano.
VIII. O tráfego com excesso de peso não alcança um patamar, uma frequência
que abone a intercessão do Poder Judiciário, através da fixação de multa
cominatória paralelamente ao poder de polícia administrativa (artigo 231,
V, da Lei n° 9.503/1997 e artigo 11 da Lei n° Lei n° 7.347/1985). Copagaz
Distribuidora de Gás S/A não tem desprezado a fiscalização dos órgãos
de trânsito, adotando operações coordenadas em desrespeito ao patrimônio
público, ao meio ambiente, à ordem econômica e à segurança dos demais
usuários das rodovias federais.
IX. A ameaça de sanções administrativas, na forma de multa, retenção do
veículo e transbordo de carga excedente, vem atingindo, numa proporção
razoável, eficácia pedagógica; subsistem apenas infrações isoladas,
dispersas no tempo.
X. A imposição de obrigação de não fazer, nessas circunstâncias,
extrapolaria os limites da jurisdição coletiva, voltada à
prevenção/reparação de lesões sistemáticas e substanciais a interesses
difusos (artigo 5°, XXXV, da CF e artigo 1° da Lei n° 7.347/1985). As
contribuições de menor extensão, devidamente sancionadas com o poder
de polícia da Administração Pública, não justificam a ativação
dos instrumentos dos processos coletivos - comando proibitório e multa
coercitiva.
XI. Não se pode dizer que a tutela conferida aos direitos coletivos sob
impacto do tráfego com excesso de peso seja insuficiente, a ponto de
configurar omissão inconstitucional parcial.
XII. O número de infrações (224) não é significativo diante da magnitude
do período de fiscalização - doze anos -, o que, diversamente do que
consta das razões da apelação do MPF, demonstra a eficácia dissuasória
das penalidades administrativas numa dose aceitável.
XIII. Ainda que as condições do poder de polícia se mostrem insuficientes,
o Poder Judiciário não poderia supri-las e agravar o valor da multa como
se estivesse no exercício da atividade legislativa.
XIV. O suprimento, além de demandar meios processuais específicos -
mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por
omissão - implicaria a produção judiciária de normas jurídicas,
acima das atribuições do Parlamento e dos próprios poderes previstos no
controle de proteção insuficiente aos direitos fundamentais - inicialmente,
constituição em mora do órgão legislativo, nos termos do artigo 8°, I,
da Lei n° 13.300/2015 e do artigo 12-H da Lei n° 9.868/1999.
XV. A superação por intermédio da cominação de multa coercitiva não
modifica a conclusão. Em primeiro lugar, o MPF contextualiza a solução
na omissão inconstitucional parcial do Congresso Nacional, encarando
a responsabilização civil como substituto da própria regulamentação
conferida ao tráfego com carga excedente - o que resultaria, da mesma forma,
na produção judiciária de normas jurídicas por via transversa.
XVI. E, em segundo lugar, a barreira já indicada à atuação da jurisdição
coletiva se impõe. A tutela preventiva ou reparatória de interesses difusos
reclama um conflito de massa devidamente enraizado, hostil a quaisquer
soluções do Poder Executivo (artigo 5°, XXXV, da CF e artigo 1° da Lei
n° 7.347/1985). Se elas demonstram efetividade, reduzindo a quantidade de
autuações a um nível tolerável - como é o caso da Copagaz Distribuidora
de Gás S/A -, a condenação judicial se mostra desnecessária e pouco
efetiva em termos de defesa dos direitos da coletividade.
XVII. Assim, a sentença, ao verificar falta de interesse de agir do MPF na
fixação de obrigação de não fazer, deve ser mantida.
XVIII. A pretensão de reparação civil está prescrita em relação aos
danos causados ao patrimônio público há mais de cinco anos.
XIX. A imprescritibilidade de que trata o artigo 37, §5°, da CF somente
se aplica a atos de improbidade administrativa e infrações penais,
enquanto ilícitos de gravidade bastante para atrair maior severidade no
ressarcimento. Como violam ou põem em risco bens primários da coletividade,
a atemporalidade da indenização encontra justificativa.
XX. Já os ilícitos civis não devem se submeter a tamanho rigor. Além de a
Constituição Federal situar a imprescritibilidade no âmbito da improbidade
administrativa e, correlatamente, das infrações de lesividade superior
(crimes), a aplicação da norma constitucional a qualquer prejuízo ao
erário feriria o princípio da segurança jurídica, em detrimento de um
dos cânones de qualquer Estado de Direito.
XXI. A generalização faria com que o simples inadimplemento de tributos,
como receita subtraída ao erário, originasse pretensão imprescritível,
em contrariedade à própria CF, que, no artigo 146, III, b, encarrega lei
complementar de regulamentar a prescrição tributária.
XXII. Segundo a petição da ação civil pública ajuizada em 12/01/2016, o
MPF requer a reparação de danos causados às rodovias federais em função
do excesso de peso e inclui prejuízos verificados há mais de cinco anos
da distribuição (período anterior a 12/01/2011). A pretensão envolve
ilícito civil, estando sujeita a prazo prescricional, que, por analogia
à ação popular e simetria às dívidas passivas da Fazenda Pública,
corresponde a cinco anos (artigo 21 da Lei n° 4.717/1965 e artigo 1° do
Decreto-Lei n° 20.910/1932).
XXIII. A mesma conclusão abrange os danos acarretados ao meio ambiente,
à ordem econômica e à segurança dos demais usuários, cujo ressarcimento
segue período similar ou inferior (artigo 21 da Lei n° 4.717/1965, artigo
47 da Lei n° 12.529/2011 e artigo 206, §3°, V, do CC).
XXIV. A condenação de Copagaz Distribuidora de Gás S/A ao pagamento de
danos materiais não se viabiliza.
XXV. Conquanto efetivamente o transporte de carga excessiva tenha potencial
para danificar rodovias (patrimônio público), não existe a possibilidade
de atribuir os prejuízos atualmente existentes nos pavimentos à pessoa
jurídica.
XXVI. Vários fatores colaboram para a deterioração, como a falta de
manutenção preventiva e corretiva, o crescimento do tráfego, a qualidade
dos materiais empregados, defeitos de projeção/execução das obras, o
clima, a temperatura, entre outros. Apesar de o excesso de carga ser causa
de degradação, não assume a condição com exclusividade, nem se sabe a
proporção de sua real contribuição.
XXVII. Atribuir responsabilidade apenas aos transportadores ou embarcadores
implicaria a abstração de outros eventos igualmente relevantes ou até
superiores em nível de causalidade.
XXVIII. A falta de investimentos governamentais, os atrasos na concessão de
serviço público (alternativa à escassez de verbas), o descumprimento de
obrigações por entidade concessionária, a ineficiência no planejamento
do fluxo de veículos e a fiscalização deficiente - os postos de balanças
rodoviárias não mantêm uma regularidade adequada - não podem ficar à
margem do processo de apuração das condições das rodovias, especificamente
de sua capacidade em causar danos a interesses da coletividade.
XXIX. A responsabilização de um único embarcador se revela ainda mais
descabida. Se não bastasse a combinação de vários fatores ao estado
calamitoso das estradas, o tráfego com excesso de peso representa uma
operação generalizada na categoria econômica de transporte de carga; cada
um dos infratores contribui ao declínio da qualidade das vias públicas,
sem que a situação atual possa ser imputada a uma empresa em particular.
XXX. Toda essa ponderação demonstra que o nexo de causalidade entre o
embarque de carga excedente por Copagaz Distribuidora de Gás S/A e os danos
atualmente existentes nas rodovias federais é distante, indireto. Inexiste
possibilidade de imputação direta dos prejuízos em vigor. A responsabilidade
se faria sem liame causal, em plena subversão do instituto de direito civil
e administrativo (artigo 927 do CC e artigo 1° da Lei n° 7.347/1985).
XXXI. Idêntica fundamentação se aplica à reparação civil do meio
ambiente, da ordem econômica e da segurança dos demais usuários. Um
embarcador específico que possibilite o tráfego com excesso de peso não
pode ser responsabilizado pela emissão adicional de combustíveis fósseis,
pela perda de competitividade de concorrentes e lesões/mortes de pedestres
e motoristas.
XXXII. Trata-se de interesses coletivos cujo comprometimento se encontra
disseminado na atividade econômica. Assim como o ar, a liberdade de iniciativa
e a segurança rodoviária, a responsabilidade civil decorrente da violação
a esses direitos difusos se nota pela titularidade dispersa e indivisibilidade
(artigo 81, parágrafo único, I, da Lei n° 8.078/1990).
XXXIII. Não é possível imputar a Copagaz Distribuidora de Gás S/A uma
poluição atmosférica, uma perda de competividade e um acidente rodoviário
específicos, de que resultaria o dever de indenizar. Este surgiria sem a
presença de nexo de causalidade, decorrendo de contribuições indiretas,
genéricas.
XXXIV. O ressarcimento de danos morais coletivos segue a mesma diretriz. A
relação causal entre o embarque de carga excessiva e a violação dos
interesses coletivos correspondentes ao patrimônio público, meio ambiente,
ordem econômica e segurança dos demais usuários se revela longínqua.
XXXV. A frustração, a dor de cada membro da coletividade pela deterioração
das rodovias, pela poluição do meio que nos dá a vida, pelo comprometimento
da livre iniciativa e pelos acidentes que vitimam pedestres e outros motoristas
deve ser imputada a um conjunto de fatores, sem possibilidade de concentração
numa causa e, muito menos, em único transportador ou embarcador.
XXXVI. A ausência de imputação das verbas de sucumbência deve ser
mantida. A Lei n° 7.347/1985, ao estabelecer a isenção da associação
civil, pretendeu, na verdade, desonerar a jurisdição coletiva em geral,
independentemente do autor da ação civil pública (artigo 18). O Ministério
Público, assim, é beneficiário também do regime.
XXXVII. Remessa oficial e apelação a que se nega provimento.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento à remessa oficial e à apelação, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
13/12/2018
Data da Publicação
:
23/01/2019
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2256384
Órgão Julgador
:
TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** LAP-65 LEI DE AÇÃO POPULAR
LEG-FED LEI-4717 ANO-1965 ART-19 ART-21
***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-55 PAR-1
***** CTB-97 CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO DE 1997
LEG-FED LEI-9503 ANO-1997 ART-231 INC-5
***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA
LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-1 ART-11 ART-18
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-35 ART-37 PAR-5 ART-146 INC-3 LET-B
LEG-FED LEI-13300 ANO-2015 ART-8 INC-1
LEG-FED LEI-9868 ANO-1999 ART-12H
LEG-FED DEL-20910 ANO-1932 ART-1
LEG-FED LEI-12529 ANO-2011 ART-47
***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002
LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-206 PAR-3 INC-5 ART-927
***** CDC-90 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-81 PAR-ÚNICO INC-1
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/01/2019
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