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Jurisprudência


TRF3 0000554-84.2016.4.03.6100 00005548420164036100

Ementa
PROCESSUAL CIVI. DIREITO AMBIENTAL E ADMINISTRATIVO. TRÁFEGO COM EXCESSO DE PESO. DANOS A INTERESSES DIFUSOS. COMINAÇÃO DE MULTA. DESNECESSIDADE. NÚMERO BAIXO DE INFRAÇÕES. PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. ILÍCITO CIVIL AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. APLICAÇÃO. RESSARCIMENTO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS COLETIVOS. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL INDIRETA. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO DESPROVIDAS. I. A remessa oficial deve incidir. Como a ação popular a prevê para a hipótese de carência processual ou improcedência do pedido (artigo 19 da Lei n° 4.717/1965), a ação civil pública, enquanto mecanismo destinado à tutela de direitos coletivos similares, faz jus ao mesmo tratamento. II. Relativamente à ação civil pública n° 251-02.2014.4.01.3803, que tramita na Subseção Judiciária de Uberlândia/MG, inexiste identidade de partes, causa de pedir ou pedido. III. Os autos de infração da ANTT que fundamentaram a petição inicial se dirigiram contra a matriz de Copagaz Distribuidora de Gás S/A (CNPJ n° 03.237.583/0001-67) e o MPF requereu expressamente a condenação dela ao cumprimento das prestações negativas e positivas, sem a inclusão da totalidade da pessoa jurídica, em cada um de seus estabelecimentos. IV. Em contrapartida, a outra ação coletiva tem por causa de pedir infrações aplicadas a uma das filiais da empresa (CNPJ n° 03.237.583/0005-90), à qual também se restringiu o pedido de condenação. V. Os elementos, portanto, das causas diferem. Haveria, no máximo, conexão ou continência, que se tornou, porém, inviável com a tramitação em separado dos autos e a prolação de sentença em cada uma delas (artigo 55, §1°, do CPC). VI. Embora efetivamente a responsabilidade civil do embarcador/transportador de carga excessiva independa da administrativa e autorize a expedição de provimentos condenatórios sem qualquer violação à garantia da separação dos Poderes, a situação de Copagaz Distribuidora de Gás S/A apresenta uma singularidade que descarta a intervenção do Poder Judiciário. VII. Os autos de infração que fundamentaram a petição inicial compreendem o período de 2003 a 02/2015 e atingiram a quantidade de 224. Apesar da gravidade do ilícito e do potencial para danificar interesses da coletividade, o número possui pouca representatividade, chegando à média de 18 autuações por ano. VIII. O tráfego com excesso de peso não alcança um patamar, uma frequência que abone a intercessão do Poder Judiciário, através da fixação de multa cominatória paralelamente ao poder de polícia administrativa (artigo 231, V, da Lei n° 9.503/1997 e artigo 11 da Lei n° Lei n° 7.347/1985). Copagaz Distribuidora de Gás S/A não tem desprezado a fiscalização dos órgãos de trânsito, adotando operações coordenadas em desrespeito ao patrimônio público, ao meio ambiente, à ordem econômica e à segurança dos demais usuários das rodovias federais. IX. A ameaça de sanções administrativas, na forma de multa, retenção do veículo e transbordo de carga excedente, vem atingindo, numa proporção razoável, eficácia pedagógica; subsistem apenas infrações isoladas, dispersas no tempo. X. A imposição de obrigação de não fazer, nessas circunstâncias, extrapolaria os limites da jurisdição coletiva, voltada à prevenção/reparação de lesões sistemáticas e substanciais a interesses difusos (artigo 5°, XXXV, da CF e artigo 1° da Lei n° 7.347/1985). As contribuições de menor extensão, devidamente sancionadas com o poder de polícia da Administração Pública, não justificam a ativação dos instrumentos dos processos coletivos - comando proibitório e multa coercitiva. XI. Não se pode dizer que a tutela conferida aos direitos coletivos sob impacto do tráfego com excesso de peso seja insuficiente, a ponto de configurar omissão inconstitucional parcial. XII. O número de infrações (224) não é significativo diante da magnitude do período de fiscalização - doze anos -, o que, diversamente do que consta das razões da apelação do MPF, demonstra a eficácia dissuasória das penalidades administrativas numa dose aceitável. XIII. Ainda que as condições do poder de polícia se mostrem insuficientes, o Poder Judiciário não poderia supri-las e agravar o valor da multa como se estivesse no exercício da atividade legislativa. XIV. O suprimento, além de demandar meios processuais específicos - mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão - implicaria a produção judiciária de normas jurídicas, acima das atribuições do Parlamento e dos próprios poderes previstos no controle de proteção insuficiente aos direitos fundamentais - inicialmente, constituição em mora do órgão legislativo, nos termos do artigo 8°, I, da Lei n° 13.300/2015 e do artigo 12-H da Lei n° 9.868/1999. XV. A superação por intermédio da cominação de multa coercitiva não modifica a conclusão. Em primeiro lugar, o MPF contextualiza a solução na omissão inconstitucional parcial do Congresso Nacional, encarando a responsabilização civil como substituto da própria regulamentação conferida ao tráfego com carga excedente - o que resultaria, da mesma forma, na produção judiciária de normas jurídicas por via transversa. XVI. E, em segundo lugar, a barreira já indicada à atuação da jurisdição coletiva se impõe. A tutela preventiva ou reparatória de interesses difusos reclama um conflito de massa devidamente enraizado, hostil a quaisquer soluções do Poder Executivo (artigo 5°, XXXV, da CF e artigo 1° da Lei n° 7.347/1985). Se elas demonstram efetividade, reduzindo a quantidade de autuações a um nível tolerável - como é o caso da Copagaz Distribuidora de Gás S/A -, a condenação judicial se mostra desnecessária e pouco efetiva em termos de defesa dos direitos da coletividade. XVII. Assim, a sentença, ao verificar falta de interesse de agir do MPF na fixação de obrigação de não fazer, deve ser mantida. XVIII. A pretensão de reparação civil está prescrita em relação aos danos causados ao patrimônio público há mais de cinco anos. XIX. A imprescritibilidade de que trata o artigo 37, §5°, da CF somente se aplica a atos de improbidade administrativa e infrações penais, enquanto ilícitos de gravidade bastante para atrair maior severidade no ressarcimento. Como violam ou põem em risco bens primários da coletividade, a atemporalidade da indenização encontra justificativa. XX. Já os ilícitos civis não devem se submeter a tamanho rigor. Além de a Constituição Federal situar a imprescritibilidade no âmbito da improbidade administrativa e, correlatamente, das infrações de lesividade superior (crimes), a aplicação da norma constitucional a qualquer prejuízo ao erário feriria o princípio da segurança jurídica, em detrimento de um dos cânones de qualquer Estado de Direito. XXI. A generalização faria com que o simples inadimplemento de tributos, como receita subtraída ao erário, originasse pretensão imprescritível, em contrariedade à própria CF, que, no artigo 146, III, b, encarrega lei complementar de regulamentar a prescrição tributária. XXII. Segundo a petição da ação civil pública ajuizada em 12/01/2016, o MPF requer a reparação de danos causados às rodovias federais em função do excesso de peso e inclui prejuízos verificados há mais de cinco anos da distribuição (período anterior a 12/01/2011). A pretensão envolve ilícito civil, estando sujeita a prazo prescricional, que, por analogia à ação popular e simetria às dívidas passivas da Fazenda Pública, corresponde a cinco anos (artigo 21 da Lei n° 4.717/1965 e artigo 1° do Decreto-Lei n° 20.910/1932). XXIII. A mesma conclusão abrange os danos acarretados ao meio ambiente, à ordem econômica e à segurança dos demais usuários, cujo ressarcimento segue período similar ou inferior (artigo 21 da Lei n° 4.717/1965, artigo 47 da Lei n° 12.529/2011 e artigo 206, §3°, V, do CC). XXIV. A condenação de Copagaz Distribuidora de Gás S/A ao pagamento de danos materiais não se viabiliza. XXV. Conquanto efetivamente o transporte de carga excessiva tenha potencial para danificar rodovias (patrimônio público), não existe a possibilidade de atribuir os prejuízos atualmente existentes nos pavimentos à pessoa jurídica. XXVI. Vários fatores colaboram para a deterioração, como a falta de manutenção preventiva e corretiva, o crescimento do tráfego, a qualidade dos materiais empregados, defeitos de projeção/execução das obras, o clima, a temperatura, entre outros. Apesar de o excesso de carga ser causa de degradação, não assume a condição com exclusividade, nem se sabe a proporção de sua real contribuição. XXVII. Atribuir responsabilidade apenas aos transportadores ou embarcadores implicaria a abstração de outros eventos igualmente relevantes ou até superiores em nível de causalidade. XXVIII. A falta de investimentos governamentais, os atrasos na concessão de serviço público (alternativa à escassez de verbas), o descumprimento de obrigações por entidade concessionária, a ineficiência no planejamento do fluxo de veículos e a fiscalização deficiente - os postos de balanças rodoviárias não mantêm uma regularidade adequada - não podem ficar à margem do processo de apuração das condições das rodovias, especificamente de sua capacidade em causar danos a interesses da coletividade. XXIX. A responsabilização de um único embarcador se revela ainda mais descabida. Se não bastasse a combinação de vários fatores ao estado calamitoso das estradas, o tráfego com excesso de peso representa uma operação generalizada na categoria econômica de transporte de carga; cada um dos infratores contribui ao declínio da qualidade das vias públicas, sem que a situação atual possa ser imputada a uma empresa em particular. XXX. Toda essa ponderação demonstra que o nexo de causalidade entre o embarque de carga excedente por Copagaz Distribuidora de Gás S/A e os danos atualmente existentes nas rodovias federais é distante, indireto. Inexiste possibilidade de imputação direta dos prejuízos em vigor. A responsabilidade se faria sem liame causal, em plena subversão do instituto de direito civil e administrativo (artigo 927 do CC e artigo 1° da Lei n° 7.347/1985). XXXI. Idêntica fundamentação se aplica à reparação civil do meio ambiente, da ordem econômica e da segurança dos demais usuários. Um embarcador específico que possibilite o tráfego com excesso de peso não pode ser responsabilizado pela emissão adicional de combustíveis fósseis, pela perda de competitividade de concorrentes e lesões/mortes de pedestres e motoristas. XXXII. Trata-se de interesses coletivos cujo comprometimento se encontra disseminado na atividade econômica. Assim como o ar, a liberdade de iniciativa e a segurança rodoviária, a responsabilidade civil decorrente da violação a esses direitos difusos se nota pela titularidade dispersa e indivisibilidade (artigo 81, parágrafo único, I, da Lei n° 8.078/1990). XXXIII. Não é possível imputar a Copagaz Distribuidora de Gás S/A uma poluição atmosférica, uma perda de competividade e um acidente rodoviário específicos, de que resultaria o dever de indenizar. Este surgiria sem a presença de nexo de causalidade, decorrendo de contribuições indiretas, genéricas. XXXIV. O ressarcimento de danos morais coletivos segue a mesma diretriz. A relação causal entre o embarque de carga excessiva e a violação dos interesses coletivos correspondentes ao patrimônio público, meio ambiente, ordem econômica e segurança dos demais usuários se revela longínqua. XXXV. A frustração, a dor de cada membro da coletividade pela deterioração das rodovias, pela poluição do meio que nos dá a vida, pelo comprometimento da livre iniciativa e pelos acidentes que vitimam pedestres e outros motoristas deve ser imputada a um conjunto de fatores, sem possibilidade de concentração numa causa e, muito menos, em único transportador ou embarcador. XXXVI. A ausência de imputação das verbas de sucumbência deve ser mantida. A Lei n° 7.347/1985, ao estabelecer a isenção da associação civil, pretendeu, na verdade, desonerar a jurisdição coletiva em geral, independentemente do autor da ação civil pública (artigo 18). O Ministério Público, assim, é beneficiário também do regime. XXXVII. Remessa oficial e apelação a que se nega provimento.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 13/12/2018
Data da Publicação : 23/01/2019
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2256384
Órgão Julgador : TERCEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** LAP-65 LEI DE AÇÃO POPULAR LEG-FED LEI-4717 ANO-1965 ART-19 ART-21 ***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-55 PAR-1 ***** CTB-97 CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO DE 1997 LEG-FED LEI-9503 ANO-1997 ART-231 INC-5 ***** LACP-85 LEI DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA LEG-FED LEI-7347 ANO-1985 ART-1 ART-11 ART-18 ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-35 ART-37 PAR-5 ART-146 INC-3 LET-B LEG-FED LEI-13300 ANO-2015 ART-8 INC-1 LEG-FED LEI-9868 ANO-1999 ART-12H LEG-FED DEL-20910 ANO-1932 ART-1 LEG-FED LEI-12529 ANO-2011 ART-47 ***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002 LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-206 PAR-3 INC-5 ART-927 ***** CDC-90 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-81 PAR-ÚNICO INC-1
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/01/2019 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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