TRF3 0000562-58.2003.4.03.6119 00005625820034036119
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ART. 52 E SEGUINTES DA LEI Nº 8.213/91. REJEITADA
PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO
DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. RECONHECIMENTO. TRABALHO
ESPECIAL. RUÍDO. COMPROVAÇÃO DE EXPOSIÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. AGENTES
QUÍMICOS SEM PREVISÃO LEGAL DE INSALUBRIDADE. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO CONCEDIDA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. JUROS DE MORA. CORREÇÃO
MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS E PROCEDIMENTOS DA JUSTIÇA FEDERAL. LEI
Nº 11.960/09. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS REDUZIDOS. APELAÇÃO DO INSS E
REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - Inicialmente, no caso sub judice, ajuizado em 11/02/2003 (fl. 02),
o INSS controverteu e se opôs à pretensão da parte autora (fls. 67/76),
razão pela qual absolutamente improdutivo e infundado acolher a preliminar
suscitada e remeter a parte para a via administrativa.
2 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação
do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de
prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Súmula
nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
3 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos
os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim,
a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com
potencial para estender a aplicabilidade daquela. Precedentes da 7ª Turma
desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais documentos devem
ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
4 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP
nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de
Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento
de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado
no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
5 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de
economia familiar, o segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91
em seu artigo 11, inciso VII.
6 - É pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento
das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário,
desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei
nº 8.213/91.
7 - A documentação juntada é suficiente à configuração do exigido
início de prova material, devidamente corroborada por idônea e segura
prova testemunhal.
8 - A Sra. Rosa Dorotea Vieira (fl. 196/197) afirmou que "conhece o autor da
ação desde o seu nascimento, sendo que o autor morava no sítio Barreiro
das Banhas com sua família. Afirma que "acredita que o referido sítio
era de propriedade do Sr. Gilberto Mendonça" e "que o autor da ação
Sr. Francisco começou a trabalhar no referido sítio com aproximadamente
14 anos de idade, que este permaneceu residindo e trabalhando na referida
propriedade até aproximadamente os 25 anos de idade". Complementa que
"trabalhava na lavoura de milho, feijão, mandioca, mas o autor trabalhava
especialmente como vaqueiro". Em seu depoimento, o Sr. José Sales Coutinho
(fls. 215/217) confirmou que o autor trabalhava na lavoura, "mexendo com gado
e fazendo serviços em geral". Disse que "conhece o autor desde criança, ou
seja, meados de 1975" e que "o autor morava na fazenda de Gilberto Mendonça"
e "que o mesmo morava com seus pais" e "a família trabalhava na fazenda de
Gilberto Mendonça".
9 - A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, registro ser
histórica a vedação do trabalho infantil. Com o advento da Constituição
de 1967, a proibição passou a alcançar apenas os menores de 12 anos,
em nítida evolução histórica quando em cotejo com as Constituições
anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior
aos 14 anos. Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes,
como realidade incontestável, o desempenho da atividade desses infantes
na faina campesina, via de regra ao lado dos genitores. Corroborando
esse entendimento, e em alteração ao que até então vinha adotando, se
encontrava a realidade brasileira das duas décadas que antecederam a CF/67,
época em que a população era eminentemente rural (64% na década de 1950
e 55% na década de 1960).
10 - Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e
eventualmente os auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável
supor que pudesse exercer plenamente a atividade rural, inclusive por não
contar com vigor físico suficiente para uma atividade tão desgastante.
11 - A prova oral reforça o labor no campo, sendo possível, portanto,
reconhecer o trabalho desde 02/01/1969 a 15/12/1978.
12 - Pretende, ainda, a parte autora a comprovação da atividade especial
nos períodos de 03/01/1979 a 25/08/1986 e 01/07/1998 a 11/02/2003.
13 - Quanto ao período laborado na empresa "Valeo Sistemas Automotivos
Ltda." entre 03/01/1979 a 25/08/1986, o Laudo Técnico Pericial
de fls. 118/119, assinado por engenheiro de segurança do trabalho,
demonstra que o autor estava exposto, de modo habitual e permanente,
a ruído de 83,8dB. Já durante o trabalho desempenhado na empregadora
"Anluz Eletrotermia Ltda." entre 01/07/1998 a 11/02/2003, consoante o
formulário de fl. 128 e as informações contidas no Laudo Técnico juntado
às fls. 129/132, o requerente, ao exercer a função de niquelador, tinha
contato com os agentes químicos "cianeto de cobre", "cianeto de sódio",
"sulfato de níquel", "cloreto de níquel" e "ácido muriático".
14 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e
em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço
sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à
contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na
forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha
a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
15 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria
especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram
concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação
inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos
I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo
técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído
e calor.
16 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da
Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir
a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos,
químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo
suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade
do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional
considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do
tempo de trabalho comum em especial.
17 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades
especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade
profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos. Já o Decreto
nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes
físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins
de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de
acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação
das atividades segundo os grupos profissionais.
18 - Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na
legislação a hipótese da conversão do tempo laborado em condições
especiais em tempo comum, de forma a harmonizar a adoção de dois sistemas
de aposentadoria díspares, um comum e outro especial, o que não significa
que a atividade especial, antes disso, deva ser desconsiderada para fins
de conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do
sistema.
19 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996,
sucessivamente reeditada até a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997,
convalidada e revogada pela Medida Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997,
e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997, modificou o artigo
58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir
de sua publicação, em 06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das
condições ambientais de trabalho, expedido por médico do trabalho ou
engenheiro de segurança do trabalho.
20 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade
laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a
agente nocivo, por qualquer modalidade de prova; (b) a partir de 29/04/1995,
é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação profissional,
sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c)
a partir de 10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe
a existência de laudo técnico de condições ambientais, elaborado por
profissional apto ou por perfil profissiográfico previdenciário (PPP),
preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação dos
profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração
biológica, que constitui instrumento hábil para a avaliação das condições
laborais.
21 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB,
até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003;
e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
22 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei
nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao
responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos,
o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em
condições especiais.
23 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo
ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF
3º Região.
24 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova
da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos
e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo
diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF
excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda
que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
25 - Assim sendo, à vista do conjunto probatório juntado aos autos,
enquadrado como especial o período de 03/01/1979 a 25/08/1986, eis que o
ruído atestado é superior ao limite de tolerância de 80dB.
26 - Por outro lado, afasto a especialidade de 01/07/1998 a 11/02/2003, tendo
em vista que no Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, bem como no Anexo
II do Decreto nº 3.048/99, de 06/05/1999, não há previsão legal dos agentes
químicos "cianeto de cobre", "cianeto de sódio", "sulfato de níquel",
"cloreto de níquel" e "ácido muriático" como elementos nocivos à saúde,
o que já elimina qualquer possibilidade de reconhecimento de trabalho especial
no neste interregno. Além disso, tanto o formulário como o laudo pericial
(fls. 128/132) apenas fizeram menção que o requerente mantinha contato com
tais agentes químicos, sem, no entanto, confirmar a sua presença de forma
habitual e permanente na atividade desenvolvida, consequentemente, também por
essa ótica restando descaracterizada a insalubridade no período vindicado.
27 - Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de
laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da
especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto,
se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores
ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores,
referido nível era superior.
28 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da
data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação
das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº
8.213/91. O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do
art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no
E. Superior Tribunal de Justiça.
29 - Cumpre também considerar os períodos de trabalho discriminados na
CTPS da parte autora às fls. 22/23, eis que é assente na jurisprudência
que a CTPS constitui prova do período nela anotado, somente afastada a
presunção de veracidade mediante apresentação de prova em contrário,
conforme assentado no Enunciado nº 12 do Tribunal Superior do Trabalho. O CNIS
traz as informações do histórico contributivo do segurado. Entretanto,
relativamente ao recolhimento de contribuições previdenciárias, em
se tratando de segurado empregado, essa obrigação fica transferida ao
empregador, devendo o INSS fiscalizar o exato cumprimento da norma. Logo,
na ausência de outras provas, eventuais omissões no CNIS não se prestam a
afastar a força probante da CTPS, pois não podem ser alegadas em detrimento
do trabalhador que não deve ser penalizado pela inércia de outrem.
30 - A aposentadoria por tempo de contribuição encontra-se atualmente
prevista no art. 201, §7º, I, da Constituição Federal.
31 - Somando-se o labor rural (02/01/1969 a 15/12/1978) e especial (03/01/1979
a 25/08/1986), convertido em tempo comum, aos registros anotados na CTPS
(fls. 22/23), bem como aos períodos incontroversos constante no CNIS, que
passa a integrar a presente decisão, verifica-se que o autor contava com
35 anos e 18 dias de contribuição na data do ajuizamento (11/02/2003 -
fl. 02), o que lhe assegura o direito à aposentadoria integral por tempo
de contribuição, não havendo que se falar em aplicação do requisito
etário, nos termos do art. 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal.
32 - O requisito carência restou também completado, consoante o extrato
do CNIS anexo.
33 - O termo inicial do benefício fica mantido na data da citação
(24/02/2003 - fl. 62-verso), por ser esse o momento processual em que se
consolida a pretensão resistida, na ausência de requerimento administrativo.
34 - Os juros de mora devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante, devidos desde a
citação.
35 - Já a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada
de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei
nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a
partir de 29 de junho de 2009.
36 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações
pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade,
razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada
moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do art. 20 do CPC/73,
vigente à época do julgado recorrido - o que restou perfeitamente atendido
com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre
o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença,
consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
37 - Preliminar rejeitada. Apelação do INSS e remessa necessária
parcialmente providas.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ART. 52 E SEGUINTES DA LEI Nº 8.213/91. REJEITADA
PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO
DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. RECONHECIMENTO. TRABALHO
ESPECIAL. RUÍDO. COMPROVAÇÃO DE EXPOSIÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. AGENTES
QUÍMICOS SEM PREVISÃO LEGAL DE INSALUBRIDADE. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO CONCEDIDA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. JUROS DE MORA. CORREÇÃO
MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS E PROCEDIMENTOS DA JUSTIÇA FEDERAL. LEI
Nº 11.960/09. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS REDUZIDOS. APELAÇÃO DO INSS E
REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - Inicialmente, no caso sub judice, ajuizado em 11/02/2003 (fl. 02),
o INSS controverteu e se opôs à pretensão da parte autora (fls. 67/76),
razão pela qual absolutamente improdutivo e infundado acolher a preliminar
suscitada e remeter a parte para a via administrativa.
2 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação
do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de
prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Súmula
nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
3 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos
os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim,
a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com
potencial para estender a aplicabilidade daquela. Precedentes da 7ª Turma
desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais documentos devem
ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
4 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP
nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de
Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento
de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado
no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
5 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de
economia familiar, o segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91
em seu artigo 11, inciso VII.
6 - É pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento
das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário,
desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei
nº 8.213/91.
7 - A documentação juntada é suficiente à configuração do exigido
início de prova material, devidamente corroborada por idônea e segura
prova testemunhal.
8 - A Sra. Rosa Dorotea Vieira (fl. 196/197) afirmou que "conhece o autor da
ação desde o seu nascimento, sendo que o autor morava no sítio Barreiro
das Banhas com sua família. Afirma que "acredita que o referido sítio
era de propriedade do Sr. Gilberto Mendonça" e "que o autor da ação
Sr. Francisco começou a trabalhar no referido sítio com aproximadamente
14 anos de idade, que este permaneceu residindo e trabalhando na referida
propriedade até aproximadamente os 25 anos de idade". Complementa que
"trabalhava na lavoura de milho, feijão, mandioca, mas o autor trabalhava
especialmente como vaqueiro". Em seu depoimento, o Sr. José Sales Coutinho
(fls. 215/217) confirmou que o autor trabalhava na lavoura, "mexendo com gado
e fazendo serviços em geral". Disse que "conhece o autor desde criança, ou
seja, meados de 1975" e que "o autor morava na fazenda de Gilberto Mendonça"
e "que o mesmo morava com seus pais" e "a família trabalhava na fazenda de
Gilberto Mendonça".
9 - A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, registro ser
histórica a vedação do trabalho infantil. Com o advento da Constituição
de 1967, a proibição passou a alcançar apenas os menores de 12 anos,
em nítida evolução histórica quando em cotejo com as Constituições
anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior
aos 14 anos. Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes,
como realidade incontestável, o desempenho da atividade desses infantes
na faina campesina, via de regra ao lado dos genitores. Corroborando
esse entendimento, e em alteração ao que até então vinha adotando, se
encontrava a realidade brasileira das duas décadas que antecederam a CF/67,
época em que a população era eminentemente rural (64% na década de 1950
e 55% na década de 1960).
10 - Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e
eventualmente os auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável
supor que pudesse exercer plenamente a atividade rural, inclusive por não
contar com vigor físico suficiente para uma atividade tão desgastante.
11 - A prova oral reforça o labor no campo, sendo possível, portanto,
reconhecer o trabalho desde 02/01/1969 a 15/12/1978.
12 - Pretende, ainda, a parte autora a comprovação da atividade especial
nos períodos de 03/01/1979 a 25/08/1986 e 01/07/1998 a 11/02/2003.
13 - Quanto ao período laborado na empresa "Valeo Sistemas Automotivos
Ltda." entre 03/01/1979 a 25/08/1986, o Laudo Técnico Pericial
de fls. 118/119, assinado por engenheiro de segurança do trabalho,
demonstra que o autor estava exposto, de modo habitual e permanente,
a ruído de 83,8dB. Já durante o trabalho desempenhado na empregadora
"Anluz Eletrotermia Ltda." entre 01/07/1998 a 11/02/2003, consoante o
formulário de fl. 128 e as informações contidas no Laudo Técnico juntado
às fls. 129/132, o requerente, ao exercer a função de niquelador, tinha
contato com os agentes químicos "cianeto de cobre", "cianeto de sódio",
"sulfato de níquel", "cloreto de níquel" e "ácido muriático".
14 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e
em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço
sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à
contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na
forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha
a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
15 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria
especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram
concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação
inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos
I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo
técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído
e calor.
16 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da
Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir
a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos,
químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo
suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade
do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional
considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do
tempo de trabalho comum em especial.
17 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades
especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade
profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos. Já o Decreto
nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes
físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins
de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de
acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação
das atividades segundo os grupos profissionais.
18 - Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na
legislação a hipótese da conversão do tempo laborado em condições
especiais em tempo comum, de forma a harmonizar a adoção de dois sistemas
de aposentadoria díspares, um comum e outro especial, o que não significa
que a atividade especial, antes disso, deva ser desconsiderada para fins
de conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do
sistema.
19 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996,
sucessivamente reeditada até a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997,
convalidada e revogada pela Medida Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997,
e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997, modificou o artigo
58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir
de sua publicação, em 06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das
condições ambientais de trabalho, expedido por médico do trabalho ou
engenheiro de segurança do trabalho.
20 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade
laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a
agente nocivo, por qualquer modalidade de prova; (b) a partir de 29/04/1995,
é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação profissional,
sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c)
a partir de 10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe
a existência de laudo técnico de condições ambientais, elaborado por
profissional apto ou por perfil profissiográfico previdenciário (PPP),
preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação dos
profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração
biológica, que constitui instrumento hábil para a avaliação das condições
laborais.
21 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB,
até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003;
e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
22 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei
nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao
responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos,
o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em
condições especiais.
23 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo
ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF
3º Região.
24 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova
da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos
e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo
diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF
excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda
que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
25 - Assim sendo, à vista do conjunto probatório juntado aos autos,
enquadrado como especial o período de 03/01/1979 a 25/08/1986, eis que o
ruído atestado é superior ao limite de tolerância de 80dB.
26 - Por outro lado, afasto a especialidade de 01/07/1998 a 11/02/2003, tendo
em vista que no Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, bem como no Anexo
II do Decreto nº 3.048/99, de 06/05/1999, não há previsão legal dos agentes
químicos "cianeto de cobre", "cianeto de sódio", "sulfato de níquel",
"cloreto de níquel" e "ácido muriático" como elementos nocivos à saúde,
o que já elimina qualquer possibilidade de reconhecimento de trabalho especial
no neste interregno. Além disso, tanto o formulário como o laudo pericial
(fls. 128/132) apenas fizeram menção que o requerente mantinha contato com
tais agentes químicos, sem, no entanto, confirmar a sua presença de forma
habitual e permanente na atividade desenvolvida, consequentemente, também por
essa ótica restando descaracterizada a insalubridade no período vindicado.
27 - Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de
laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da
especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto,
se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores
ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores,
referido nível era superior.
28 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da
data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação
das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº
8.213/91. O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do
art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no
E. Superior Tribunal de Justiça.
29 - Cumpre também considerar os períodos de trabalho discriminados na
CTPS da parte autora às fls. 22/23, eis que é assente na jurisprudência
que a CTPS constitui prova do período nela anotado, somente afastada a
presunção de veracidade mediante apresentação de prova em contrário,
conforme assentado no Enunciado nº 12 do Tribunal Superior do Trabalho. O CNIS
traz as informações do histórico contributivo do segurado. Entretanto,
relativamente ao recolhimento de contribuições previdenciárias, em
se tratando de segurado empregado, essa obrigação fica transferida ao
empregador, devendo o INSS fiscalizar o exato cumprimento da norma. Logo,
na ausência de outras provas, eventuais omissões no CNIS não se prestam a
afastar a força probante da CTPS, pois não podem ser alegadas em detrimento
do trabalhador que não deve ser penalizado pela inércia de outrem.
30 - A aposentadoria por tempo de contribuição encontra-se atualmente
prevista no art. 201, §7º, I, da Constituição Federal.
31 - Somando-se o labor rural (02/01/1969 a 15/12/1978) e especial (03/01/1979
a 25/08/1986), convertido em tempo comum, aos registros anotados na CTPS
(fls. 22/23), bem como aos períodos incontroversos constante no CNIS, que
passa a integrar a presente decisão, verifica-se que o autor contava com
35 anos e 18 dias de contribuição na data do ajuizamento (11/02/2003 -
fl. 02), o que lhe assegura o direito à aposentadoria integral por tempo
de contribuição, não havendo que se falar em aplicação do requisito
etário, nos termos do art. 201, § 7º, inciso I, da Constituição Federal.
32 - O requisito carência restou também completado, consoante o extrato
do CNIS anexo.
33 - O termo inicial do benefício fica mantido na data da citação
(24/02/2003 - fl. 62-verso), por ser esse o momento processual em que se
consolida a pretensão resistida, na ausência de requerimento administrativo.
34 - Os juros de mora devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante, devidos desde a
citação.
35 - Já a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada
de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o disposto na Lei
nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas à Fazenda Pública a
partir de 29 de junho de 2009.
36 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações
pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade,
razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada
moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do art. 20 do CPC/73,
vigente à época do julgado recorrido - o que restou perfeitamente atendido
com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre
o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença,
consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
37 - Preliminar rejeitada. Apelação do INSS e remessa necessária
parcialmente providas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida pelo INSS, e dar parcial
provimento à sua apelação, bem como à remessa necessária, para restringir
a especialidade para o período compreendido entre 03/01/1979 a 25/08/1986,
determinar que as parcelas em atraso sejam acrescidas de juros de mora,
de acordo com os critérios estabelecidos pelo Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, e de correção
monetária, de acordo com o mesmo Manual, naquilo em que não conflitar
com o disposto na Lei nº 11.960/09, aplicável às condenações impostas
à Fazenda Pública a partir de 29 de junho de 2009, e para reduzir os
honorários advocatícios para 10% sobre o valor das prestações vencidas
até a data da sentença, mantendo, no mais, a r. sentença prolatada em
1º grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
18/09/2017
Data da Publicação
:
28/09/2017
Classe/Assunto
:
ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1264607
Órgão Julgador
:
SÉTIMA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/09/2017
..FONTE_REPUBLICACAO:
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