TRF3 0000631-67.2014.4.03.6002 00006316720144036002
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO
À SAÚDE. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. SISTEMA ÚNICO
DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. NEOPLASIA MALIGNA DE
MAMA. QUIMIOTERAPIA. HIPOSSUFICIÊNCIA. "TRASTUZUMABE (HERCEPTIN)". REMESSA
OFICIAL DESPROVIDA.
1. Trata-se de reexame necessário em face da r. sentença de fls. 98/101-v
que, em autos de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada,
julgou procedente o pedido, com fulcro no art. 269, inciso I, do revogado
CPC, vigente à época, para, mantendo a decisão que antecipou os efeitos da
tutela, condenar os réus (União, Estado de Mato Grosso do Sul e Município de
Dourados) ao fornecimento do medicamento HERCEPTIM (Trastuzumabe) à autora,
na dosagem e quantidade suficiente que garanta a eficiência do tratamento
e pelo tempo que ela necessitar. Houve ainda a condenação do Estado de
Mato Grosso do Sul e o Município de Dourados ao pagamento de honorários
advocatícios em favor da DPU, no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais) cada,
nos termos do art. 20, §4º, do revogado CPC/73, então vigente. Dispensada
a União do pagamento da verba honorária, em razão da confusão patrimonial
na mesma pessoa jurídica.
2. A Constituição Federal de 1988 determina, em seu art. 196, que o direito
fundamental à saúde é dever de todos os entes federativos, respondendo
eles de forma solidária pela prestação de tal serviço público. Ou seja,
a divisão de tarefas entre os entes federados na promoção, proteção
e gestão do sistema de saúde visa tão somete otimizar o serviço, não
podendo ser oposta como excludente de responsabilidade do ente, seja ele a
União, o Estado ou o Município.
3. É notório que a Carta de 1988, ao constitucionalizar o direito à saúde
como direito fundamental, inovou a ordem jurídica nacional, na medida em
que nas Constituições anteriores tal direito se restringia à salvaguarda
específica de direitos dos trabalhadores, além de disposições sobre
regras de competência que não tinham, todavia, o condão de garantir o
acesso universal à saúde.
4. Assinale-se que a Constituição, ao dispor do direito à saúde, não se
limita a aspectos de natureza curativa, mas estabelece que as ações devem ser
amplas no sentido de garantir um tratamento curativo, mas de determinar também
que as políticas públicas devem ter como o escopo a profilaxia de doenças.
5. Na busca pela concretude deste direito, que é garantia de toda a
sociedade, gerando um dever por parte do poder público de implementar
políticas públicas que visem ao bem-estar geral da população o legislador
infraconstitucional editou a Lei nº 8.080/90, genitora do Sistema Único
de Saúde-SUS, determinando o atendimento integral na seara da saúde, ao
incluir no campo de atuação daquele à execução de diversas ações,
dentre as quais está expressamente prevista a assistência farmacêutica.
6. Sabendo-se que, como já afirmado, o direito à saúde, além do aspecto
coletivo, constrói-se como direito fundamental subjetivo de cada indivíduo;
verificando-se, outrossim, a ausência ou deficiência do poder público em
promover as necessárias políticas que garantam ao indivíduo condições
de saúde dignas, não é razoável supor se pudesse negar ao indivíduo a
tutela jurisdicional, uma vez que é obrigação do Estado zelar pela saúde
de todos, mas também pela saúde de cada um dos indivíduos do país. Assim
tem se posicionado majoritariamente a jurisprudência pátria, no sentido de
que se protejam tanto aquelas hipóteses de iminente risco para a vida humana,
quanto aquelas em que caiba restabelecer a noção de mínimo existencial,
que estabelece o parâmetro intangível e nuclear da dignidade da pessoa
humana, sem o que toda a base principiológica do texto constitucional
estaria mortalmente comprometida.
7. Uma leitura constitucional do caso demonstra que o postulado da dignidade
da pessoa humana não permite, em nenhuma hipótese, o estabelecimento
rígido do fornecimento de determinado medicamento/tratamento, sem chances
de modificação somente para que assim se onere menos o Estado. Todos, sem
exceção, devem ter acesso a tratamento médico digno e eficaz, mormente
quando não se possuam recursos para custeá-lo. Nesse universo se insere
inclusive medicamentos que não constam da lista do SUS e não podem ser
substituídos com a mesma eficácia pelo poder público.
8. Em última análise, cabe a Administração Pública demonstrar, no caso
concreto, a efetiva indisponibilidade dos recursos para custeio das ações
de dispensação de medicamentos no âmbito do sistema público de saúde,
o SUS. Nesse sentido, inclusive, o voto do Ministro Ricardo Lewandowski
no julgamento do Agravo Regimental na SL 815/SP, no qual foi apontada da
necessidade do Poder Público provar que o tratamento oferecido pelo SUS é
tão, ou mais, eficaz, no caso concreto, que o pleiteado pela parte, não
servindo para afastar o direito à saúde a mera alegação de ofensa à
ordem, à saúde, à segurança ou à economia, mormente em casos onde haja
rápida piora no estado de saúde do requerente ou/e risco de iminente óbito.
9. Reexame necessário não provido.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO
À SAÚDE. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. SISTEMA ÚNICO
DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. NEOPLASIA MALIGNA DE
MAMA. QUIMIOTERAPIA. HIPOSSUFICIÊNCIA. "TRASTUZUMABE (HERCEPTIN)". REMESSA
OFICIAL DESPROVIDA.
1. Trata-se de reexame necessário em face da r. sentença de fls. 98/101-v
que, em autos de obrigação de fazer com pedido de tutela antecipada,
julgou procedente o pedido, com fulcro no art. 269, inciso I, do revogado
CPC, vigente à época, para, mantendo a decisão que antecipou os efeitos da
tutela, condenar os réus (União, Estado de Mato Grosso do Sul e Município de
Dourados) ao fornecimento do medicamento HERCEPTIM (Trastuzumabe) à autora,
na dosagem e quantidade suficiente que garanta a eficiência do tratamento
e pelo tempo que ela necessitar. Houve ainda a condenação do Estado de
Mato Grosso do Sul e o Município de Dourados ao pagamento de honorários
advocatícios em favor da DPU, no importe de R$ 1.000,00 (um mil reais) cada,
nos termos do art. 20, §4º, do revogado CPC/73, então vigente. Dispensada
a União do pagamento da verba honorária, em razão da confusão patrimonial
na mesma pessoa jurídica.
2. A Constituição Federal de 1988 determina, em seu art. 196, que o direito
fundamental à saúde é dever de todos os entes federativos, respondendo
eles de forma solidária pela prestação de tal serviço público. Ou seja,
a divisão de tarefas entre os entes federados na promoção, proteção
e gestão do sistema de saúde visa tão somete otimizar o serviço, não
podendo ser oposta como excludente de responsabilidade do ente, seja ele a
União, o Estado ou o Município.
3. É notório que a Carta de 1988, ao constitucionalizar o direito à saúde
como direito fundamental, inovou a ordem jurídica nacional, na medida em
que nas Constituições anteriores tal direito se restringia à salvaguarda
específica de direitos dos trabalhadores, além de disposições sobre
regras de competência que não tinham, todavia, o condão de garantir o
acesso universal à saúde.
4. Assinale-se que a Constituição, ao dispor do direito à saúde, não se
limita a aspectos de natureza curativa, mas estabelece que as ações devem ser
amplas no sentido de garantir um tratamento curativo, mas de determinar também
que as políticas públicas devem ter como o escopo a profilaxia de doenças.
5. Na busca pela concretude deste direito, que é garantia de toda a
sociedade, gerando um dever por parte do poder público de implementar
políticas públicas que visem ao bem-estar geral da população o legislador
infraconstitucional editou a Lei nº 8.080/90, genitora do Sistema Único
de Saúde-SUS, determinando o atendimento integral na seara da saúde, ao
incluir no campo de atuação daquele à execução de diversas ações,
dentre as quais está expressamente prevista a assistência farmacêutica.
6. Sabendo-se que, como já afirmado, o direito à saúde, além do aspecto
coletivo, constrói-se como direito fundamental subjetivo de cada indivíduo;
verificando-se, outrossim, a ausência ou deficiência do poder público em
promover as necessárias políticas que garantam ao indivíduo condições
de saúde dignas, não é razoável supor se pudesse negar ao indivíduo a
tutela jurisdicional, uma vez que é obrigação do Estado zelar pela saúde
de todos, mas também pela saúde de cada um dos indivíduos do país. Assim
tem se posicionado majoritariamente a jurisprudência pátria, no sentido de
que se protejam tanto aquelas hipóteses de iminente risco para a vida humana,
quanto aquelas em que caiba restabelecer a noção de mínimo existencial,
que estabelece o parâmetro intangível e nuclear da dignidade da pessoa
humana, sem o que toda a base principiológica do texto constitucional
estaria mortalmente comprometida.
7. Uma leitura constitucional do caso demonstra que o postulado da dignidade
da pessoa humana não permite, em nenhuma hipótese, o estabelecimento
rígido do fornecimento de determinado medicamento/tratamento, sem chances
de modificação somente para que assim se onere menos o Estado. Todos, sem
exceção, devem ter acesso a tratamento médico digno e eficaz, mormente
quando não se possuam recursos para custeá-lo. Nesse universo se insere
inclusive medicamentos que não constam da lista do SUS e não podem ser
substituídos com a mesma eficácia pelo poder público.
8. Em última análise, cabe a Administração Pública demonstrar, no caso
concreto, a efetiva indisponibilidade dos recursos para custeio das ações
de dispensação de medicamentos no âmbito do sistema público de saúde,
o SUS. Nesse sentido, inclusive, o voto do Ministro Ricardo Lewandowski
no julgamento do Agravo Regimental na SL 815/SP, no qual foi apontada da
necessidade do Poder Público provar que o tratamento oferecido pelo SUS é
tão, ou mais, eficaz, no caso concreto, que o pleiteado pela parte, não
servindo para afastar o direito à saúde a mera alegação de ofensa à
ordem, à saúde, à segurança ou à economia, mormente em casos onde haja
rápida piora no estado de saúde do requerente ou/e risco de iminente óbito.
9. Reexame necessário não provido.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, negar provimento ao reexame necessário, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
05/09/2018
Data da Publicação
:
12/09/2018
Classe/Assunto
:
ReeNec - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 2233305
Órgão Julgador
:
TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/09/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
Mostrar discussão