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Jurisprudência


TRF3 0000691-31.2014.4.03.6102 00006913120144036102

Ementa
PENAL. PROCESSUAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DO ARTIGO 55, CAPUT, DA LEI 9.605/98. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO APELANTE DECRETADA EX OFFICIO, EM RAZÃO DA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA DA PRETENSÃO PUNITIVA POR SUA RESPECTIVA PENA CORPORAL EM CONCRETO. ARTIGOS 107, IV, 109, VI, e 119, TODOS DO CÓDIGO PENAL (REDAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS), E ARTIGO 61 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CRIME DO ARTIGO 2º, CAPUT, DA LEI 8.176/91. PRESCRIÇÃO INOCORRIDA. EXPLORAÇÃO CLANDESTINA DE DIAMANTES, EM TESE, REALIZADA POR TERCEIROS SOB AS ORDENS DO APELANTE, MEDIANTE MERGULHO E DRAGA SITUADA NO LEITO DE RIO, SEM CONTAR COM AS DEVIDAS AUTORIZAÇÕES DOS ÓRGÃOS COMPETENTES. CONDUTA IMPUTADA TÍPICA. APRESENTAÇÃO DE ALVARÁ DE PEQUISA MINERAL PREVIAMENTE EXPEDIDO PELO DNPM EM FAVOR DE UM DOS CORRÉUS, AUTORIZANDO-O A PESQUISAR, INCLUSIVE, DIAMANTES NA ÁREA OBJETO DA PRESENTE AUTUAÇÃO. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO ESPECÍFICA DO ÓRGÃO AMBIENTAL ESTADUAL (CETESB) NO CASO CONCRETO. APREENSÃO DE DUAS PEQUENAS PEDRAS DE DIAMANTES DE VALOR INEXPRESSIVO EM PODER DE UM DOS GARIMPEIROS PRESOS EM FLAGRANTE, COMPATÍVEL, AO MENOS EM PRINCÍPIO, COM A NATUREZA E OS LIMITES DA EXECUÇÃO DOS TRABALHOS DE CAMPO E DE LABORATÓRIO COMPREENDIDOS NO ÂMBITO DA PESQUISA MINERAL EM COMENTO, INCLUINDO POSSÍVEL AMOSTRAGEM. ARTIGO 14, § 1º, DO DECRETO-LEI 227/67. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS QUANTO À MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ABSOLVIÇÃO COM FULCRO NO ARTIGO 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO DA DEFESA PROVIDO. 1. "BOANERGES" foi condenado pela prática delitiva descrita no artigo 2º, caput, da Lei 8.176/91 e no artigo 55, caput, da Lei 9.605/98, em concurso formal próprio, ao passo que o coacusado "DAVID" ficou absolvido das mesmas imputações delitivas, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, nos termos da r. sentença de fls. 458/463. 2. Em suas razões recursais (fls. 466/477), a defesa de "BOANERGES" pugna para que seja absolvido de todas as imputações por falta de provas da materialidade e autoria delitivas, ao argumento de que no local da autuação não teria ocorrido eventual extração de diamantes, mas tão somente "a exploração para pesquisa de areia, cascalho e diamante", conforme permitido pelo Alvará de Pesquisa DNPM n. 252/2012, de 14 de março de 2012, tendo se limitado a contratar os mergulhadores e fornecer-lhes a embarcação e o material necessário à exploração de pesquisa autorizada. Eventualmente, pugna pela absolvição do referido corréu em relação ao delito previsto no artigo 2º da Lei 8.176/91, porquanto inaplicável ao caso concreto, em virtude de tal tipo penal criminalizar "somente as condutas de usurpação de fontes energéticas, na modalidade combustíveis, e não de recursos minerais", devendo, por conseguinte, ser afastado o concurso formal de crimes na hipótese, remanescendo o decreto condenatório apenas no tocante ao artigo 55, caput, da Lei 9.605/98 (a tutelar o bem jurídico ambiental), por ser considerada norma especial e mais benéfica ao apelante, à luz do princípio da proporcionalidade, em solução ao conflito aparente de normas. Subsidiariamente, requer seja fixada sua pena no mínimo patamar legal. 3. Na oportunidade, decretou-se, ex officio, a extinção da punibilidade do apelante, apenas no tocante ao crime previsto no artigo 55, caput, da Lei 9.605/98, em razão do efetivo decurso do prazo prescricional de 03 (três) anos entre a data do recebimento da denúncia (20/03/2014 - fl. 240) e a publicação da sentença condenatória (30/01/2018 - fl. 464), tendo em conta sua respectiva pena corporal in concreto fixada na r. sentença condenatória de fls. 380/388 (com superveniente trânsito em julgado para a acusação em 09/02/2018 - fl. 390), a saber, 07 (sete) meses de detenção, pelo cometimento do delito ambiental tipificado no artigo 55, caput, da Lei 9.605/98, sem contabilizar o acréscimo resultante da incidência de concurso formal próprio na hipótese, na forma dos artigos 107, IV, 109, VI, e 119, todos do Código Penal (redação vigente à época dos fatos - 14/12/2012), e do artigo 61 do Código de Processo Penal, ficando afastado, por conseguinte, o concurso formal de crimes. Precedentes dos Tribunais Superiores. 4. Com efeito, corolário do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, com a decretação da extinção da punibilidade, é o desaparecimento de todos os efeitos da sentença penal condenatória, de forma a impedir a apreciação das demais matérias suscitadas nas razões da apelação da defesa, inclusive aquelas relativas à absolvição do coacusado, no tocante à imputação delitiva ora reconhecida prescrita (crime ambiental capitulado no artigo 55, caput, da Lei 9.605/98), diante da inexistência de interesse recursal, que ficam prejudicadas. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 5. Já com relação à imputação delitiva remanescente, por sua vez, capitulada no artigo 2º, caput, da Lei 8.176 /91, não se vislumbrou in caso a ocorrência de eventual prescrição retroativa da pretensão punitiva correspondente, seja tendo em conta a pena máxima in abstracto cominada ao delito em comento (cinco anos de detenção), seja considerando a pena corporal concretamente fixada ao apelante na r. sentença, a saber, 01 (um) ano de detenção para o corréu "BOANERGES", pelo cometimento do delito contra a ordem econômica tipificado no artigo 2º, caput, da Lei 8.176/91, na forma do artigo 119 do Código Penal. 6. Cumpre consignar que os tipos penais concomitantemente imputados ao apelante na denúncia tutelam bens jurídicos distintos, de tal sorte que não há de se falar em concurso aparente de normas a culminar em eventual derrogação do artigo 2º, caput, da Lei 8.176/91, pelo artigo 55, caput, da Lei 9.605/98, sob o pretenso amparo dos princípios da posterioridade, especialidade e retroatividade da lei mais benéfica, a despeito do sustentado pela defesa às fls. 469/476 de suas razões recursais. 7. Com efeito, o artigo 2º, caput, da Lei 8.176/91 tem por escopo proteger a ordem econômica e o patrimônio da União, coibindo a usurpação de suas matérias-primas, inclusive, mediante a exploração minerária "sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo", não se restringindo materialmente à "usurpação de fontes energéticas, na modalidade combustíveis", conforme, equivocadamente, aventado pela defesa. Por sua vez, o artigo 55, caput, da Lei 9.605/98, visa à tutela do meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo sanções a atividades que possam lesá-lo, vedando, entre outras condutas, a lavra ou a extração de recursos minerais "sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida". Admissível, em tese, o advento de concurso formal entre tais tipos penais, não fosse a decretação de extinção de punibilidade relativamente à imputação delitiva descrita no artigo 55, caput, da Lei 9.605/98, ora realizada, de ofício, em favor do apelante. 8. Ao contrário da posição adotada pelo magistrado sentenciante na r. sentença (fls. 458/463), verificou-se inexistirem elementos suficientes nos autos que demonstrem sequer a materialidade da imputação delitiva remanescente descrita no artigo 2º da Lei 8.176/91, consistente na efetiva exploração clandestina de matéria-prima pertencente à União (in casu, diamantes), sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo, para além da execução de pesquisa mineral de areia, cascalho e diamantes prévia e devidamente autorizada pelo órgão minerário competente (DNPM). 9. Segundo o Alvará n. 252/2012 expedido pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em 14/03/2012 (fls. 15/16), cuja publicação em Diário Oficial da União ocorrera em 16/03/2012 (fl. 17), o coacusado DAVID RODRIGO DA SILVA encontrava-se, de fato, autorizado, pelo prazo de três anos, "a pesquisar AREIA, CASCALHO, DIAMANTE no[s] Município(s) de BATATAIS/SP, RESTINGA/SP, numa área de 999,95ha, delimitada por um polígono que tem seus vértices coincidentes com os pontos de coordenadas geodésicas nele descritos", em rigor, englobando a área objeto da presente autuação sob as coordenadas geográficas "20º42'48,56"S e 47º35'46.69" no leito do Rio Sapucaí em Batatais/SP, nas proximidades da antiga Fazenda Magnólia, em consonância com o Auto de Prisão em Flagrante acostado às fls. 07/15. 10. Em resposta à Carta n. 706/2013/CGF encaminhada pela empresa DAVID RODRIGO DA SILVA ME, referente a pedido de assentimento de pesquisa mineral no âmbito do processo DNPM n. 820.246/2011, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) veio a esclarecer à fl. 257 no dia 16/10/2013 que "a atividade de pesquisa mineral, relativa ao processo aberto no DNPM, pode ser executada sem a necessidade de autorização específica, desde que não implique supressão de vegetação ou intervenção em áreas de preservação permanente" (g.n.), o que não se verifica, em princípio, no caso concreto, uma vez que a atividade minerária imputada teria ocorrido, em tese, no próprio leito do Rio Sapucaí e não em qualquer de suas faixas marginais, nos moldes do artigo 4º do Código Florestal brasileiro (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012). 11. Compulsando os autos, visualizou-se que foram apreendidas na ocasião dos fatos, no dia 14/12/2012, tão somente "duas pequenas pedras aparentando ser diamante em estado bruto, as quais se encontravam na posse de ANTONIO" (fl. 08), um dos dois profissionais parceiros contratados pelos corréus "DAVID" e "BOANERGES" para executarem pesquisa mineral de diamantes, com o propósito de verificarem a viabilidade de aproveitamento econômico de eventual jazida mineral dentro da área da poligonal objeto de autuação, sob o amparo do Alvará n. 252/2012 expedido pelo DNPM em 14/03/2012 (fls. 15/16). 12. De acordo com o Laudo Pericial Ambiental lavrado em 20/12/2012 (fls. 65/68), concluiu-se que o material questionado correspondia mesmo a duas gemas do tipo "diamantes", porém de pequenas dimensões, cujo valor total, a título indicativo, seria de apenas "R$104,37", portanto, compatível, ao menos em princípio, com a natureza e os limites da execução dos trabalhos de campo e de laboratório compreendidos no âmbito da pesquisa mineral em comento, na qual se incluem, entre outros, "aberturas de escavações visitáveis e execução de sondagens no corpo mineral; amostragens sistemáticas; análises físicas e químicas das amostras e dos testemunhos de sondagens", na forma do artigo 14, § 1º, do Decreto-Lei 227/67. 13. Em havendo razoáveis dúvidas quanto à materialidade e autoria delitivas relativamente a BOANERGES FRANCISCO DA SILVA na presente hipótese, de rigor a reforma da r. sentença, para absolvê-lo da prática delitiva remanescente descrita no artigo 2º, caput, da Lei 8.176/91, em observância ao princípio jurídico da presunção de inocência (in dubio pro reo), com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, em consonância nesse ponto com as razões recursais defensivas (fls. 466/477). 14. Apelo defensivo provido.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, (i) decretar, ex officio, a extinção da punibilidade do apelante, apenas no tocante ao crime previsto no artigo 55, caput, da Lei 9.605/98, em razão do efetivo decurso do prazo prescricional de 03 (três) anos entre a data do recebimento da denúncia (20/03/2014 - fl. 240) e a publicação da sentença condenatória (30/01/2018 - fl. 464), tendo em conta sua respectiva pena corporal in concreto fixada na r. sentença condenatória de fls. 380/388 (com superveniente trânsito em julgado para a acusação em 09/02/2018 - fl. 390), a saber, 07 (sete) meses de detenção, pelo cometimento do delito ambiental tipificado no artigo 55, caput, da Lei 9.605/98, na forma dos artigos 107, IV, 109, VI, e 119, todos do Código Penal (redação vigente à época dos fatos - 14/12/2012), e do artigo 61 do Código de Processo Penal, ficando afastado, por conseguinte, o concurso formal de crimes; bem como (ii) dar provimento ao apelo da defesa, reformando a r. sentença, para absolver BOANERGES FRANCISCO DA SILVA da prática delitiva remanescente descrita no artigo 2º, caput, da Lei 8.176/91, em observância ao princípio jurídico da presunção de inocência (in dubio pro reo), com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 11/12/2018
Data da Publicação : 07/01/2019
Classe/Assunto : Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 76304
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : EXPLORAÇÃO MINERAL, LAVRA CLANDESTINA. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, IN DUBIO PRO REO.
Referência legislativa : LEG-FED LEI-9605 ANO-1998 ART-55 LEG-FED LEI-8176 ANO-1991 ART-2 ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-107 INC-4 ART-109 INC-6 ART-119 ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-61 ART-386 INC-7 ***** CFLO-12 CÓDIGO FLORESTAL DE 2012 LEG-FED LEI-12651 ANO-2012 ART-4 LEG-FED DEL-227 ANO-1967 ART-14 PAR-1
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/01/2019 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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