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Jurisprudência


TRF3 0000787-48.2016.4.03.0000 00007874820164030000

Ementa
REVISÃO CRIMINAL. PROTEÇÃO À COISA JULGADA E HIPÓTESES DE CABIMENTO. CASO CONCRETO. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO DIRETAMENTE PELA AUTORIDADE FAZENDÁRIA. POSSIBILIDADE DE COMPARTILHAMENTO DOS ELEMENTOS OBTIDOS PERANTE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL SEM QUE, PARA TANTO, TENHA QUE HAVER ORDEM JUDICIAL AUTORIZATIVA. - O Ordenamento Constitucional de 1988 elencou a coisa julgada como direito fundamental do cidadão (art. 5º, XXXVI), conferindo indispensável proteção ao valor segurança jurídica com o escopo de que as relações sociais fossem pacificadas após a exaração de provimento judicial dotado de imutabilidade. Sobrevindo a impossibilidade de apresentação de recurso em face de uma decisão judicial, há que ser reconhecida a imutabilidade do provimento tendo como base a formação tanto de coisa julgada formal (esgotamento da instância) como de coisa julgada material (predicado que torna imutável o que restou decidido pelo Poder Judiciário, prestigiando, assim, a justiça e a ordem social). - Situações excepcionais, fundadas na ponderação de interesses de assento constitucional, permitem o afastamento de tal característica da imutabilidade das decisões exaradas pelo Poder Judiciário a fim de que prevaleça outro interesse (também tutelado constitucionalmente), sendo justamente neste panorama que nosso sistema jurídico prevê a existência de ação rescisória (a permitir o afastamento da coisa julgada no âmbito do Processo Civil) e de revisão criminal (a possibilitar referido afastamento na senda do Processo Penal). - No âmbito do Processo Penal, para que seja possível a reconsideração do que restou decidido sob o manto da coisa julgada, deve ocorrer no caso concreto uma das situações previstas para tanto no ordenamento jurídico como hipótese de cabimento da revisão criminal nos termos do art. 621, do Código de Processo Penal. Assim, permite-se o ajuizamento de revisão criminal fundada em argumentação no sentido de que (a) a sentença proferida encontra-se contrária a texto expresso de lei ou a evidência dos autos; (b) a sentença exarada fundou-se em prova comprovadamente falsa; e (c) houve o surgimento de prova nova, posterior à sentença, de que o condenado seria inocente ou de circunstância que permitiria a diminuição da reprimenda então imposta. - A revisão criminal não se mostra como via adequada para que haja um rejulgamento do conjunto fático-probatório constante da relação processual originária, razão pela qual impertinente a formulação de argumentação que já foi apreciada e rechaçada pelo juízo condenatório. Sequer a existência de interpretação controvertida permite a propositura do expediente em tela, pois tal situação (controvérsia de tema na jurisprudência) não se enquadra na ideia necessária para que o instrumento tenha fundamento de validade no inciso I do art. 621 do Código de Processo Penal. - A questão afeta ao levantamento do sigilo inerente aos dados bancários decorre da proteção constitucional dispensada à privacidade, erigida à categoria de direito fundamental do cidadão (art. 5º, X, da Constituição Federal), previsão esta que objetiva proteger o cidadão da atuação indevida estatal (e até mesmo do particular, sob o pálio da aplicação horizontal dos direitos fundamentais) no âmbito de sua esfera pessoal. - O direito ora em comento não pode ser interpretado como absoluto, de modo a figurar como uma salvaguarda a práticas delitivas, podendo, assim, ceder diante do caso concreto quando aplicável aspectos atinentes à ponderação de interesses constitucionais em jogo no caso concreto. Desta forma, ainda que se proteja a privacidade inerente aos dados bancários do cidadão, justamente porque não há que se falar em direitos fundamentais absolutos, mostra-se plenamente possível o afastamento da proteção que recai sobre esse interesse individual a fim de que prevaleça no caso concreto outro interesse, também constitucionalmente valorizado, que, no mais das vezes, mostra-se titularizado por uma coletividade ou por toda a sociedade. - Lançando mão da mencionada ponderação de interesses entre direitos com assento constitucional, mostra-se possível o afastamento do sigilo bancário (protegido pelo direito fundamental à privacidade) nas hipóteses em que se vislumbra a ocorrência de prática atentatória aos interesses fazendários, vale dizer, atos que redundem em supressão e em omissão de tributos a prejudicar o implemento de políticas públicas e de planos governamentais (que alcançam e que são de interesse de toda a sociedade, culminando na atuação estatal materializada na atividade arrecadatória), cabendo destacar que ficou a cargo da Lei Complementar nº 105/2001 disciplinar as situações em que lícita a ocorrência do afastamento do direito fundamental ora em comento. - A Lei Complementar nº 105/2001, em seu art. 6º, disciplina a possibilidade de atuação da autoridade fazendária com o desiderato de obtenção de documentos bancários diretamente de instituições financeiras, sem a necessidade de ordem judicial nesse sentido, desde que cumpridos os ditames constantes do comando legal, para o fim de apuração da ocorrência de obrigação tributária não adimplida pelo sujeito passivo da relação jurídica tributária, permitindo, assim, a constituição do crédito tributário não declarado. - Outra questão que se põe guarda relação com a possibilidade de compartilhamento desses dados obtidos pela administração fazendária diretamente das instituições bancárias (o que caracterizaria quebra de sigilo bancário supedaneada na Lei Complementar indicada) com órgão de persecução penal a fim de que fosse possível a instauração de investigação (e de posterior ação penal) com o objetivo de aferir a eventual prática de infração penal perpetrada contra a ordem tributária (especialmente, das condutas típicas descritas na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990). - O C. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 601314 (Rel. Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-198 DIVULG 15-09-2016 PUBLIC 16-09-2016), cuja observância se mostra obrigatória ante o reconhecimento da repercussão geral da questão constitucional, firmou posicionamento no sentido de que o art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal (uma das teses firmadas atinente ao Tema 225/STF). - Seria possível cogitar-se de que o precedente acima mencionado somente teria aplicação na senda tributária (ou seja, para fins de constituição da obrigação tributária), sem a possibilidade de compartilhamento das informações bancárias obtidas para fins processuais penais (atinente a eventual prática ofensiva à ordem tributária). Todavia, tal entendimento não merece prevalência na justa medida em que o próprio C. Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de declarar válido o compartilhamento de informações financeiras, obtidas pela quebra diretamente promovida pela autoridade da administração tributária, com o órgão de persecução penal estatal para que tais provas sirvam de elementos a configurar crime contra a ordem tributária (RE 1041272 AgR, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 22/09/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-227 DIVULG 03-10-2017 PUBLIC 04-10-2017). - Assim, imperioso o reconhecimento da licitude da prova obtida mediante a requisição de informações bancárias diretamente pelo Fisco às instituições financeiras (inclusive administradoras de cartão de crédito), podendo, sem qualquer problema, haver o compartilhamento de tais elementos probatórios para fins de instauração de relação processual penal em que investigada a prática de infração à ordem tributária, motivo pelo qual devem ser refutados os argumentos expendidos nesta Revisão Criminal. - Revisão criminal julgada improcedente.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, JULGAR IMPROCEDENTE o pleito revisional, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 21/06/2018
Data da Publicação : 02/07/2018
Classe/Assunto : RvC - REVISÃO CRIMINAL - 1218
Órgão Julgador : QUARTA SEÇÃO
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Observações : STF RE 601.314/SP REPERCUSSÃO GERAL TEMA 225.
Referência legislativa : ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-36 INC-10 ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-621 INC-1 LEG-FED LCP-105 ANO-2001 ART-6 LEG-FED LEI-8137 ANO-1990
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/07/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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