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Jurisprudência


TRF3 0000836-83.2011.4.03.6105 00008368320114036105

Ementa
PENAL. OPERAÇÃO TATU. FEITO ORIGINÁRIO DE DESMEMBRAMENTOS SUCESSIVOS. DUAS IMPUTAÇÕES DA PRÁTICA DO CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS: CONDENAÇÃO POR UMA DELAS E RECONHECIMENTO DA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL POR AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA TRANSNACIONALIDADE EM RELAÇÃO A OUTRA (REMESSA À JUSTIÇA ESTADUAL PAULISTA). CINCO IMPUTAÇÕES DA PRÁTICA DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS: RECONHECIMENTO DE UM ÚNICO CONTEXTO FÁTICO COM O OBJETIVO DE CARACTERIZAR A PERMANÊNCIA E A ESTABILIDADE EXIGIDAS PELO ART. 35 DA LEI Nº 11.343/2006 - CONDENAÇÃO IMPOSTA AO ACUSADO. DOSIMETRIA. PENAS-BASE FIXADAS LEVANDO EM CONSIDERAÇÃO A QUALIDADE E A QUANTIDADE DO ENTORPECENTE APREENDIDO (ART. 42 DA LEI Nº 11.343/2006). CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. MAUS ANTECEDENTES. AGRAVANTE. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. RECONHECIMENTO DE CONCURSO MATERIAL DE INFRAÇÕES ENTRE OS DELITOS DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS E DE ASSOCIAÇÃO PARA A TRAFICÂNCIA. DECRETAÇÃO DE CUSTÓDIA CAUTELAR PREVENTIVA - AUSÊNCIA DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. - Analisando o conteúdo da exordial acusatória ofertada nesta relação processual penal, vislumbra-se a imputação de dois crimes de tráfico internacional de drogas ao acusado JOB, quais sejam, (a) a compra de 05 quilos de cocaína, oriunda do Paraguai, cujo vendedor seria Livrado Tavares Fernandes e teria sido apreendida quando da prisão em flagrante de Milton Rodrigues dos Santos e de Neuza Maria Raposa em 14 de agosto de 2008 no município de Campinas/SP e (b) o empréstimo de 02 quilos de cocaína oriundos de Claudia Aparecida dos Santos Bechelli e que teria a finalidade de suprir demanda originária de Juliano Luiz Camargo e de outros traficantes locais em 08 de outubro de 2008. - Sobejamente demonstrada a materialidade e a autoria delitivas em desfavor do acusado JOB de molde a ser de rigor a prolação de édito penal condenatório em razão da perpetração do crime disposto no art. 33 c.c. art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006, especificamente em relação aos fatos afetos à imputação da prática de tráfico internacional de entorpecente decorrente da apreensão de 05 quilos de cocaína, em 14 de agosto de 2008, quando da detenção em flagrante de Milton Rodrigues dos Santos e de Neuza Maria Raposa no município de Campinas/SP, droga esta adquirida pelo acusado de Livrado Tavares Fernandes, sendo oriundo o entorpecente do Paraguai. - Por outro lado, no que tange à imputação da prática de tráfico internacional de entorpecente decorrente do empréstimo de 02 quilos de cocaína oriundos de Claudia Aparecida dos Santos Bechelli para o acusado JOB e que teria a finalidade de suprir demanda originária de Juliano Luiz Camargo e de outros traficantes locais em 08 de outubro de 2008, compulsando o arcabouço fático-probatório constante destes autos, não se vislumbra a comprovação da transnacionalidade do entorpecente com o desiderato de fixar a competência para o conhecimento e para o julgamento de mencionada imputação junto a esta Justiça Federal, aspecto que até mesmo restou salientando pelo representante do Ministério Público Federal ao apresentar suas razões recursais. Poder-se-ia argumentar no sentido de que a competência dessa Justiça Federal para o conhecimento da imputação ora em comento decorreria de conexão nos termos preconizados pela Súm. 122/STJ - entretanto, não se verifica dos autos o tal instituto a supedanear o raciocínio na justa medida em que o primeiro tráfico a fixar a competência federal (aquele objeto do tópico anterior) não guarda qualquer conexão com o imputado nesta segunda situação. - Assim, mostra-se pertinente seja declinada a competência para o conhecimento e para o julgamento da segunda imputação (qual seja, a suposta prática de tráfico de entorpecente decorrente do empréstimo de 02 quilos de cocaína oriundos de Claudia Aparecida dos Santos Bechelli para o acusado JOB e que teria a finalidade de suprir demanda originária de Juliano Luiz Camargo e de outros traficantes locais em 08 de outubro de 2008) em favor da Justiça Estadual de São Paulo (especificamente Foro de Campinas/SP). Determinada a extração de cópia integral da presente relação processual penal (remetendo-a a mencionado órgão jurisdicional). - Novamente analisando o conteúdo da exordial acusatória ofertada nesta relação processual penal, vislumbra-se a imputação de cinco crimes de associação para o tráfico internacional de drogas ao acusado JOB, quais sejam, (a) associação levada a efeito entre JOB, Livrado Tavares Fernandes e Nilvo Luiz Boscatto; (b) associação levada a efeito entre JOB, Juliano Luiz Camargo ("Kito"), Raphael da Silva Lima e Claudia Aparecida dos Santos Bechelli; (c) associação levada a efeito entre JOB e Marco Aurélio Magnani ("Xuxu"); (d) associação levada a efeito entre JOB, Marco Aurélio Magnani ("Xuxu") e Raphael da Silva Lima; e (e) associação levada a efeito entre JOB, João Batista dos Santos ("João Banana") e Livrado Tavares Fernandes. - A teor da r. sentença monocrática, depreende-se que a magistrada de 1º grau apreciou apenas uma dessas imputações de associação para o tráfico internacional de drogas (sem ser possível, ao certo, inferir qual delas restou julgada de fato), razão pela qual recorreu o Parquet federal com o desiderato de que todas fossem analisadas por esta C. Corte Regional - por outro lado, o acusado almeja a exaração de édito penal absolutório da tal condenação que lhe foi impingida pela execução do crime previsto no art. 35 c.c. art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006. - Verifica-se, na realidade, não ser crível apreciar cinco imputações do crime de associação para o tráfico quando referidos delitos encontram-se, em tese, cometidos em um mesmo período temporal (período este que, inclusive, compreende a primeira das imputações impingidas ao acusado) - desta feita, nota-se dos autos a potencialidade de prática de um único crime de associação para o tráfico (tal qual reconhecido pela r. sentença monocrática, abarcando o intervalo de julho a dezembro de 2008), cujos aspectos de materialidade e autoria serão analisados em seguida, a impossibilitar eventual prolação de édito penal em desfavor do acusado JOB tendo como supedâneo a execução de cinco desses delitos. - Tal raciocínio decorre das inerentes características do tipo contido no art. 35 da Lei nº 11.343/2006, quais sejam, a necessidade de constatação de ajuste prévio e de certa estabilidade de propósito a denotar o dolo de se associar com permanência e com estabilidade - nesse diapasão, a permanência e a estabilidade exigidas para a tipificação no crime ora em comento demandam análise em dado período de tempo, o que não se coaduna com a imputação de forma autônoma de cinco situações de prática do mesmo crime (ainda mais levando-se em conta que quatro dessas imputações possuem marcos temporais contidos na primeira das imputações). - Superada a questão anteriormente tratada, os diversos diálogos constantes desses autos decorrentes de interceptação autorizada judicialmente têm o condão de demonstrar que o acusado JOB efetivamente cometeu o crime de associação para o tráfico de drogas na justa medida em que se associou, com pechas de prévio ajuste e de certa estabilidade de propósito, de forma permanente e estável, com bem mais do que meras duas pessoas com o desiderato de cometer infrações previstas no art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Assim, de rigor sua condenação como incurso no art. 35 c.c. art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006. - Nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006, o magistrado, quando da fixação da pena-base, observará, com preponderância sobre as circunstâncias judiciais constantes do art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. O C. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do ARE 666334 RG (Rel. Min. GILMAR MENDES, julgado em 03/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-084 DIVULG 05-05-2014 PUBLIC 06-05-2014), de observância obrigatória porque decidido com base na repercussão geral da questão constitucional nele debatida (aplicando-se, por analogia, o comando insculpido no art. 927, III, do Código de Processo Civil), firmou entendimento, apreciando o tema 712 (possibilidade, em caso de condenação pelo delito de tráfico de drogas, de valoração da quantidade e da natureza da droga apreendida, tanto para a fixação da pena-base quanto para a modulação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006), no sentido de que as circunstâncias da natureza e da quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases do cálculo da pena (tese fixada). Desta feita, perfeitamente possível impor pena-base acima do mínimo legal valorando, para tanto, a quantidade e a qualidade da droga apreendida sob o pálio do art. 42, sem se descurar da regência supletiva a cargo do comando insculpido no art. 59 do Código Penal. - No que concerne às circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, cabe acolher o pleito defensivo para o afastamento das circunstâncias negativas do crime tendo em vista não ter sido comprovado (apenas há o noticiamento decorrente das interceptações) de que o acusado era um grande distribuidor de entorpecentes e de que negociava vultosa quantidade de droga - ademais, a imputação de responsabilidade fundada na ideia de que o acusado era o responsável pela venda de droga oriunda do Paraguai, nos termos em que constou na r. sentença, é aspecto que será levado em consideração quando da aplicação da causa de aumento de pena do art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, não podendo ser valorado neste momento. - Nota-se que o acusado é detentor de maus antecedentes na justa medida em que condenado com pechas de definitividade em 21 de outubro de 2010 por fatos ocorridos em 10 de setembro de 2004 às penas de 03 anos de reclusão, de 03 meses de detenção e de 20 dias-multa decorrentes da perpetração dos crimes elencados nos arts. 180, caput, 304 (c.c. art. 297) e 307, todos do Código Penal - Deve ser mantido o reconhecimento da agravante disposta no art. 62, I, do Código Penal, à luz de que minimamente o acusado JOB dirigia as atividades do seu faz tudo Raphael da Silva Lima (tido como seu "gerente" nos empreendimentos criminosos nos próprios dizeres de JOB), sem se descurar de que JOB também tinha a função de promover o tráfico de substâncias entorpecentes na Vila Boa Vista (Campinas/SP) - todavia, o quantum majorador empregado em 1º grau de jurisdição (1/3) não se sustenta em face da jurisprudência, motivo pelo qual a fração agravante a incidir no caso em tela deve ser na casa de 1/6. - Tem cabimento incidir a causa de aumento de reprimenda trazida à colação pelo art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, na fração de 1/6, em razão da comprovação da transnacionalidade do entorpecente, que teve sua origem no Paraguai e foi trazido ao Brasil para ser comercializado em Campinas/SP. Não procede ilação tecida pelo acusado no sentido de que não seria possível a causa de aumento em tela incidir em ambos os delitos nos quais restou condenado - isso porque a jurisprudência que se formou sobre o tema assentou entendimento no sentido de que os delitos de tráfico de drogas e de associação para o tráfico são autônomos entre si, de modo que não configura bis in idem a aplicação do art. 40 da Lei nº 11.343/2006 de forma concomitante para indicadas infrações penais - Tendo como base reiterado entendimento jurisprudencial sobre o tema, deve ser reformada a r. sentença (conforme requerido pelo Parquet federal) com o escopo de ser afastado o concurso formal de crimes e consagrado o cúmulo material de infrações (art. 69 do Código Penal), cuja consequência está no somatório das reprimendas fixadas de forma independente para os crimes de tráfico internacional de drogas e de associação para o traficância. - A despeito de haver prova da materialidade e indícios suficientes de autoria (aliás, mais até do que meros indícios), de molde a permitir pela conclusão do adimplemento do requisito do fumus comissi delicti, não se verifica na espécie o cumprimento do requisito afeto ao periculum libertatis (garantia da ordem pública ou da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou asseguramento da aplicação da lei penal) na justa medida em que não há notícias nos autos de que o acusado teria infringido qualquer uma dessas hipóteses legais anteriormente mencionadas a partir do momento em que colocado em liberdade provisória (apesar de ter-se encontrado foragido por alguns anos quando deflagrada a Operação TATU nos idos de 2008, tanto que o feito em tela é decorrente de sucessivos desmembramentos processuais). Eventual decretação da custódia cautelar, no contexto anteriormente retratado, teria o condão de se basear apenas na gravidade abstrata do delito, o que se mostra defeso nos termos de iterativa jurisprudência de nossas C. Cortes Superiores. - Reconhecida, de ofício, a incompetência da Justiça Federal para o conhecimento e para o julgamento da segunda imputação afeta à prática do crime de tráfico de drogas impingida ao acusado JOB JOSE DIAS (determinando, como consequência, a extração de cópia integral deste feito e a remessa à Justiça Estadual Paulista - Foro de Campinas/SP). Dado parcial provimento ao recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público Federal (para recrudescer a pena-base imposta ao acusado JOB tanto em relação ao crime de tráfico internacional de drogas como em relação ao delito de associação para a traficância e para reconhecer o cúmulo material de penas entre referidas infrações). Dado parcial provimento ao recurso de Apelação aviado pelo acusado JOB JOSE DIAS (para afastar o bis in idem aventado quando da 1ª etapa das dosimetrias penais), sem prejuízo de, novamente de ofício, diminuir a fração majoradora afeta à agravante reconhecida em 1º grau de jurisdição para 1/6 para ambos os delitos.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, RECONHECER, de ofício, a incompetência da Justiça Federal para o conhecimento e para o julgamento da segunda imputação afeta à prática do crime de tráfico de drogas impingida ao acusado JOB JOSE DIAS (determinando, como consequência, a extração de cópia integral deste feito e a remessa à Justiça Estadual Paulista - Foro de Campinas/SP), DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto pelo Ministério Público Federal e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de Apelação aviado pelo acusado JOB JOSE DIAS, sem prejuízo de, novamente de ofício, diminuir a fração majoradora afeta à agravante reconhecida em 1º grau de jurisdição para 1/6 para ambos os delitos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 12/03/2019
Data da Publicação : 21/03/2019
Classe/Assunto : Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 66594
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** LDR-06 LEI DE DROGAS LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-35 ART-42 ART-40 INC-1 ART-33 PAR-4 ***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA LEG-FED SUM-122 ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-59 ART-180 ART-297 ART-304 ART-307 ART-62 INC-1 ART-69 ***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-927 INC-3
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/03/2019 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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