TRF3 0000851-77.2015.4.03.6116 00008517720154036116
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL
DE DROGAS. TRANSNACIONALIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA E DOLO
DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. CRITÉRIO MATEMÁTICO APLICADO NA PRIMEIRA
FASE. IMPOSSIBILIDADE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA APLICADA. AGRAVANTE PREVISTA NO
ARTIGO 62, IV DO CP NÃO VERIFICADA. MENORIDADE PENAL. NÃO OCORRÊNCIA. CAUSA
DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME
SEMIABERTO. APELAÇÕES DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1. A materialidade, autoria e dolo restaram comprovados nos autos.
2. Verifica-se a transnacionalidade do tráfico, uma vez que a droga (COCAÍNA)
era proveniente da Bolívia e a acusada tinha pleno conhecimento da origem
estrangeira da droga e colaborou para sua internalização no território
nacional.
3. A admissão dos fatos que lhe são imputados pelo próprio acusado tem
valor probatório contundente, quando realizada, como o foi, sem adoção
de qualquer procedimento coator.
4. Dosimetria. Primeira fase. Para estabelecer a pena-base, o magistrado
"a quo" utilizou critério puramente matemático, dividindo a primeira
fase da dosimetria da pena em duas etapas: 1ª) circunstâncias judiciais
preponderantes (art. 42 da Lei n° 11.343/2006); e 2ª) circunstâncias
judiciais do artigo 59 do CP, para calcular o percentual do aumento de
pena derivado de cada circunstância, adotou como critério a diferença
de 120 meses existente entre a pena mínima e a pena máxima cominada ao
crime de tráfico de entorpecentes. Em decorrência, na primeira etapa,
considerando que são 4 as circunstâncias preponderantes no art. 42 da Lei
n° 11.343/2006, entendeu que o aumento deveria ser de 30 meses para cada
uma das circunstâncias. Na segunda etapa, dividiu 120 meses pelo número
de circunstâncias do artigo 59 do CP, ou seja, 8, obtendo um resultado de
15 meses para cada circunstância judicial.
5. O procedimento adotado na primeira fase se afasta dos parâmetros de
legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, pois criou nova fase de
cálculo da pena, tornando autônomas as circunstâncias judiciais do artigo
42 da Lei n°11.343/2006; desconsiderou a coexistência das circunstâncias
"personalidade" e "conduta social do agente", tanto no artigo 42 citado como
no artigo 59 do CP, caracterizando "bis in idem".
6. Trata-se de apelante primária, que não ostenta maus antecedentes, bem
como as demais circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não
lhe são desfavoráveis.
7. Considerando a natureza e quantidade da droga apreendida (cerca de 44 kg
de cocaína), com fundamento no art. 42 da Lei n.º 11.343/06, a majoração
da pena-base merece exasperação que reflita tal patamar, de forma que a
exaspero em 2/3 (dois terços), restando fixada em 8 (oito) anos e 4 (quatro)
meses de reclusão e 833 (oitocentos e trinta e três) dias-multa.
8. Segunda fase da dosimetria. A confissão da ré, porque espontânea, ou
seja, sem a intervenção de fatores externos, autoriza o reconhecimento da
atenuante genérica, inclusive porque foi utilizada como um dos fundamentos
da condenação.
9. O fato da ré somente ter confessado em decorrência da prisão em
flagrante e a ausência de informações precisas acerca das pessoas que a
contrataram não afastam o reconhecimento da atenuante, direito subjetivo
do réu que confessa os fatos, inclusive porque expressamente utilizada para
a formação do convencimento do julgador.
10. O pagamento de recompensa é circunstância ordinária no delito de
tráfico de drogas, ocorrendo na quase totalidade dos casos de prática
desse delito, mostrando-se, portanto, indevida a incidência da agravante
com base nesse argumento.
11. Não há que se falar na aplicação da atenuante da menoridade penal,
prevista no artigo 65, I do CP, pois a apelante nasceu em 09/12/1978 (fl. 23) e
no dia dos fatos (30/07/2015) contava com muito mais do que 21 anos de idade.
12. Pena fixada na segunda fase em 6 (seis) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez)
dias de reclusão e 694 (seiscentos e noventa e quatro) dias-multa.
13. Terceira fase da dosimetria. Mantida a majoração da pena em decorrência
da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06
(transnacionalidade do delito), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto).
14. Aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei
n.º 11.343/06, pois trata-se de apelante primária, que não ostenta
maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedica a atividades
criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa,
apesar de encarregada do transporte da droga. Certamente, estava a serviço
de bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse
integrante dele. Portanto, faz jus à aplicação da referida causa de
diminuição, entretanto, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), pois se
associou, de maneira eventual e esporádica, a uma organização criminosa
de tráfico internacional de drogas.
16. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus
n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou
incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº
8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, motivo pelo qual o
regime inicial de cumprimento de pena deve ser fixado nos termos do art. 33,
§ 2º, "b", e § 3º do Código Penal.
17. Trata-se de ré primária, que não ostenta maus antecedentes, bem como
não existem circunstâncias judiciais desfavoráveis, nos termos do art. 59
do Código Penal. A pena-base foi majorada apenas em razão da quantidade
e natureza da droga apreendida, nos termos do art. 42 da Lei de Drogas, e a
pena definitiva fixada em 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de reclusão, o que
não impede seja fixado o regime inicial semiaberto, em razão da quantidade
da pena, com fundamento no art. 33, § 2º, "b" e § 3º, do Código Penal.
18. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, tendo em vista que a pena definitiva aplicada supera
quatro anos de reclusão, não se encontrando preenchidos os requisitos do
art. 44 do Código Penal.
19. Apelações da defesa e da acusação parcialmente providas.
Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL
DE DROGAS. TRANSNACIONALIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA E DOLO
DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. CRITÉRIO MATEMÁTICO APLICADO NA PRIMEIRA
FASE. IMPOSSIBILIDADE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA APLICADA. AGRAVANTE PREVISTA NO
ARTIGO 62, IV DO CP NÃO VERIFICADA. MENORIDADE PENAL. NÃO OCORRÊNCIA. CAUSA
DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME
SEMIABERTO. APELAÇÕES DA ACUSAÇÃO E DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1. A materialidade, autoria e dolo restaram comprovados nos autos.
2. Verifica-se a transnacionalidade do tráfico, uma vez que a droga (COCAÍNA)
era proveniente da Bolívia e a acusada tinha pleno conhecimento da origem
estrangeira da droga e colaborou para sua internalização no território
nacional.
3. A admissão dos fatos que lhe são imputados pelo próprio acusado tem
valor probatório contundente, quando realizada, como o foi, sem adoção
de qualquer procedimento coator.
4. Dosimetria. Primeira fase. Para estabelecer a pena-base, o magistrado
"a quo" utilizou critério puramente matemático, dividindo a primeira
fase da dosimetria da pena em duas etapas: 1ª) circunstâncias judiciais
preponderantes (art. 42 da Lei n° 11.343/2006); e 2ª) circunstâncias
judiciais do artigo 59 do CP, para calcular o percentual do aumento de
pena derivado de cada circunstância, adotou como critério a diferença
de 120 meses existente entre a pena mínima e a pena máxima cominada ao
crime de tráfico de entorpecentes. Em decorrência, na primeira etapa,
considerando que são 4 as circunstâncias preponderantes no art. 42 da Lei
n° 11.343/2006, entendeu que o aumento deveria ser de 30 meses para cada
uma das circunstâncias. Na segunda etapa, dividiu 120 meses pelo número
de circunstâncias do artigo 59 do CP, ou seja, 8, obtendo um resultado de
15 meses para cada circunstância judicial.
5. O procedimento adotado na primeira fase se afasta dos parâmetros de
legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, pois criou nova fase de
cálculo da pena, tornando autônomas as circunstâncias judiciais do artigo
42 da Lei n°11.343/2006; desconsiderou a coexistência das circunstâncias
"personalidade" e "conduta social do agente", tanto no artigo 42 citado como
no artigo 59 do CP, caracterizando "bis in idem".
6. Trata-se de apelante primária, que não ostenta maus antecedentes, bem
como as demais circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não
lhe são desfavoráveis.
7. Considerando a natureza e quantidade da droga apreendida (cerca de 44 kg
de cocaína), com fundamento no art. 42 da Lei n.º 11.343/06, a majoração
da pena-base merece exasperação que reflita tal patamar, de forma que a
exaspero em 2/3 (dois terços), restando fixada em 8 (oito) anos e 4 (quatro)
meses de reclusão e 833 (oitocentos e trinta e três) dias-multa.
8. Segunda fase da dosimetria. A confissão da ré, porque espontânea, ou
seja, sem a intervenção de fatores externos, autoriza o reconhecimento da
atenuante genérica, inclusive porque foi utilizada como um dos fundamentos
da condenação.
9. O fato da ré somente ter confessado em decorrência da prisão em
flagrante e a ausência de informações precisas acerca das pessoas que a
contrataram não afastam o reconhecimento da atenuante, direito subjetivo
do réu que confessa os fatos, inclusive porque expressamente utilizada para
a formação do convencimento do julgador.
10. O pagamento de recompensa é circunstância ordinária no delito de
tráfico de drogas, ocorrendo na quase totalidade dos casos de prática
desse delito, mostrando-se, portanto, indevida a incidência da agravante
com base nesse argumento.
11. Não há que se falar na aplicação da atenuante da menoridade penal,
prevista no artigo 65, I do CP, pois a apelante nasceu em 09/12/1978 (fl. 23) e
no dia dos fatos (30/07/2015) contava com muito mais do que 21 anos de idade.
12. Pena fixada na segunda fase em 6 (seis) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez)
dias de reclusão e 694 (seiscentos e noventa e quatro) dias-multa.
13. Terceira fase da dosimetria. Mantida a majoração da pena em decorrência
da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06
(transnacionalidade do delito), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto).
14. Aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei
n.º 11.343/06, pois trata-se de apelante primária, que não ostenta
maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedica a atividades
criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa,
apesar de encarregada do transporte da droga. Certamente, estava a serviço
de bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse
integrante dele. Portanto, faz jus à aplicação da referida causa de
diminuição, entretanto, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), pois se
associou, de maneira eventual e esporádica, a uma organização criminosa
de tráfico internacional de drogas.
16. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus
n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou
incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº
8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, motivo pelo qual o
regime inicial de cumprimento de pena deve ser fixado nos termos do art. 33,
§ 2º, "b", e § 3º do Código Penal.
17. Trata-se de ré primária, que não ostenta maus antecedentes, bem como
não existem circunstâncias judiciais desfavoráveis, nos termos do art. 59
do Código Penal. A pena-base foi majorada apenas em razão da quantidade
e natureza da droga apreendida, nos termos do art. 42 da Lei de Drogas, e a
pena definitiva fixada em 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de reclusão, o que
não impede seja fixado o regime inicial semiaberto, em razão da quantidade
da pena, com fundamento no art. 33, § 2º, "b" e § 3º, do Código Penal.
18. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, tendo em vista que a pena definitiva aplicada supera
quatro anos de reclusão, não se encontrando preenchidos os requisitos do
art. 44 do Código Penal.
19. Apelações da defesa e da acusação parcialmente providas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, por unanimidade, em dar parcial provimento à apelação da defesa,
para redimensionar a pena-base e dar parcial provimento à apelação da
acusação, para reduzir a 1/6 o percentual a ser aplicado na causa de
diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.342/2006,
fixando a pena de MARIELA FLORES ORTIZ em 6 (seis) anos e 9 (nove) meses
de reclusão e pagamento de 674 (seiscentos e setenta e quatro) dias-multa,
no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente na
data dos fatos, em regime prisional semiaberto, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
26/04/2016
Data da Publicação
:
04/05/2016
Classe/Assunto
:
ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 65928
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Observações
:
OBJETO MATERIAL DO CRIME: 44 KG DE COCAÍNA.
Referência
legislativa
:
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-33 PAR-2 LET-B PAR-3 ART-44 ART-59 ART-62
INC-4 ART-65 INC-1
***** LDR-06 LEI DE DROGAS
LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-33 PAR-4 ART-40 INC-1 ART-42
***** LCH-90 LEI DOS CRIMES HEDIONDOS
LEG-FED LEI-8072 ANO-1990 ART-2 PAR-1
LEG-FED LEI-11464 ANO-2007
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/05/2016
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