TRF3 0000869-22.2011.4.03.6122 00008692220114036122
PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE POR APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 9,
§ 2º DA LEI Nº 10.684/2003. IMPOSSIBILIDADE. ROL TAXATIVO. ESTELIONATO
MAJORADO. PROGRAMA FEDERAL FARMÁCIA POPULAR DO BRASIL. VANTAGEM INDEVIDA
APURADA. PREJUÍZO CONCRETO À UNIÃO FEDERAL. SENTENÇA BASEADA EXCLUSIVAMENTE
EM TESTEMUNHOS COLHIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL. INOCORRÊNCIA. ESTELIONATO
CONFIGURADO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. APELO DA DEFESA PARCIALMENTE
PROVIDO.
1. Rejeitada a tese defensiva de ser o delito passível de extinção da
punibilidade por ressarcimento do dano em aplicação analógica ao art. 9º,
§ 2º, da Lei nº 10.684/2003. No crime que foi imputado ao réu, estelionato,
o bem jurídico tutelado é o patrimônio (Título II do Código Penal) não
sendo possível atribuir-lhe qualquer analogia e hipótese de extinção da
punibilidade com o ressarcimento do dano destinada aos crimes de supressão ou
redução de tributos ou de contribuições sociais, apropriação indébita
previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária, cujos bens
jurídicos protegidos são a ordem tributária e a Previdência, taxativamente
descritos no rol do art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003. Ademais, o
legislador não previu qualquer hipótese de extinção de punibilidade dos
crimes contra o patrimônio, inexistindo, assim, qualquer falha ou omissão
da lei penal nesse sentido. Por outro lado, não se mostra razoável admitir
a analogia em tese, visto que acarretaria a descriminalização dos crimes
contra o patrimônio, aos quais o legislador previu, inclusive, majoração
da pena em um terço aos praticados em detrimento de entidade de direito
público, conduta eminentemente reprovável, por ferirem diretamente o bem
comum, como no caso dos autos.
2. Autoria, materialidade e elemento subjetivo (dolo) configurados.
3. A auditoria realizada pelo DENASUS e os depoimentos colhidos no curso
do inquérito policial demonstram inequivocamente a materialidade delitiva
a que foi incurso o réu, art. 171, caput, e §3º, do Código Penal, em
detrimento ao Programa Federal Farmácia Popular do Brasil.
4. O primeiro artifício utilizado pelo réu foi proceder ao cadastramento
de usuários ao Programa Farmácia Popular, em suas residências e lançar
medicamentos em seus CPF's sem que os tenham adquirido, bem como por
tê-los dispensado gratuitamente, como se depreende dos depoimentos colhidos
extrajudicialmente.
5. Não obstante os depoimentos das testemunhas tenham sido coesos e
convergentes a indicar sua atitude orquestrada de angariar clientes para o
programa federal, colhendo seus dados pessoais e dispensando medicamentos
sem qualquer contrapartida ou até mesmo emitindo autorizações de pagamento
em nome de terceiros, sem que fizessem uso de tais medicamentos.
6. As vendas simuladas de medicamentos ocorreram durante a vigência da
Portaria MS 749/09, que previa contrapartida de pelo menos 10% (dez por cento)
dos usuários sobre o valor dos medicamentos. Fornecendo-os gratuitamente ou
sem que tenham sido realmente adquiridos pelos usuários ou dispensando-os
com receitas inválidas, a União acabava arcando com o valor integral ou
parcial dos medicamentos, que eram lançados em lotes pelo réu no sistema
informatizado do programa.
7. Os meios fraudulentos empregados pelo réu induziram a vítima (União
Federal) em erro, posto que regularmente repassava os valores subsidiados ao
réu, admitindo seus lançamentos como verídicos. Ademais, também induzia
em erro os usuários, comprometendo a credibilidade do programa do Ministério
da Saúde.
8. Quanto ao elemento subjetivo do delito (dolo) é certo que o apelante tinha
conhecimento das normas do Programa Farmácia Popular. É farmacêutico e
em depoimento declarou ser responsável por todos os atos da Farmácia Nova
de Tupã, embora não figure em seu quadro societário.
9. Em nenhum momento, o réu afastou as constatações da auditoria do DENASUS,
cuja eventual regularidade poderia ser elidida através de apresentação da
contabilidade do estabelecimento, evidenciando o fluxo de entrada e saída de
medicamentos e seu estoque, bem como com a comprovação da efetiva entrega
dos medicamentos aos usuários.
10. As provas obtidas no curso do inquérito policial podem ser valoradas
em sede judicial, em decorrência do princípio constitucional do livre
convencimento motivado, desde que complementadas por outras provas, como
restou configurado nos autos.
11. Dosimetria. Na primeira fase, afastamento da culpabilidade e do motivo do
crime como circunstâncias judiciais negativas, com a consequente redução
da pena-base. Na segunda fase, mantida a aplicação da atenuante prevista
no art. 65, III, "b", do Código Penal e, em terceira fase, a incidência do
aumento de 1/3 (um terço), conforme previsto no art. 171, § 3º, do Código
Penal. Ainda na terceira fase, aplicação da majorante do crime continuado
(CP, art. 71), no mesmo patamar aplicado pelo juízo de origem, qual seja,
1/3 (um terço). Mantida a fixação do regime aberto e da conversão da
pena privativa de liberdade em restritivas de direitos.
12. Prestação pecuniária reduzida diante da reparação integral do dano
pelo réu, entendimento jurisprudencial adotado pelo Colendo Superior Tribunal
de Justiça.
13. Apelação da defesa parcialmente provida.
Ementa
PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE POR APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 9,
§ 2º DA LEI Nº 10.684/2003. IMPOSSIBILIDADE. ROL TAXATIVO. ESTELIONATO
MAJORADO. PROGRAMA FEDERAL FARMÁCIA POPULAR DO BRASIL. VANTAGEM INDEVIDA
APURADA. PREJUÍZO CONCRETO À UNIÃO FEDERAL. SENTENÇA BASEADA EXCLUSIVAMENTE
EM TESTEMUNHOS COLHIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL. INOCORRÊNCIA. ESTELIONATO
CONFIGURADO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. APELO DA DEFESA PARCIALMENTE
PROVIDO.
1. Rejeitada a tese defensiva de ser o delito passível de extinção da
punibilidade por ressarcimento do dano em aplicação analógica ao art. 9º,
§ 2º, da Lei nº 10.684/2003. No crime que foi imputado ao réu, estelionato,
o bem jurídico tutelado é o patrimônio (Título II do Código Penal) não
sendo possível atribuir-lhe qualquer analogia e hipótese de extinção da
punibilidade com o ressarcimento do dano destinada aos crimes de supressão ou
redução de tributos ou de contribuições sociais, apropriação indébita
previdenciária e sonegação de contribuição previdenciária, cujos bens
jurídicos protegidos são a ordem tributária e a Previdência, taxativamente
descritos no rol do art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003. Ademais, o
legislador não previu qualquer hipótese de extinção de punibilidade dos
crimes contra o patrimônio, inexistindo, assim, qualquer falha ou omissão
da lei penal nesse sentido. Por outro lado, não se mostra razoável admitir
a analogia em tese, visto que acarretaria a descriminalização dos crimes
contra o patrimônio, aos quais o legislador previu, inclusive, majoração
da pena em um terço aos praticados em detrimento de entidade de direito
público, conduta eminentemente reprovável, por ferirem diretamente o bem
comum, como no caso dos autos.
2. Autoria, materialidade e elemento subjetivo (dolo) configurados.
3. A auditoria realizada pelo DENASUS e os depoimentos colhidos no curso
do inquérito policial demonstram inequivocamente a materialidade delitiva
a que foi incurso o réu, art. 171, caput, e §3º, do Código Penal, em
detrimento ao Programa Federal Farmácia Popular do Brasil.
4. O primeiro artifício utilizado pelo réu foi proceder ao cadastramento
de usuários ao Programa Farmácia Popular, em suas residências e lançar
medicamentos em seus CPF's sem que os tenham adquirido, bem como por
tê-los dispensado gratuitamente, como se depreende dos depoimentos colhidos
extrajudicialmente.
5. Não obstante os depoimentos das testemunhas tenham sido coesos e
convergentes a indicar sua atitude orquestrada de angariar clientes para o
programa federal, colhendo seus dados pessoais e dispensando medicamentos
sem qualquer contrapartida ou até mesmo emitindo autorizações de pagamento
em nome de terceiros, sem que fizessem uso de tais medicamentos.
6. As vendas simuladas de medicamentos ocorreram durante a vigência da
Portaria MS 749/09, que previa contrapartida de pelo menos 10% (dez por cento)
dos usuários sobre o valor dos medicamentos. Fornecendo-os gratuitamente ou
sem que tenham sido realmente adquiridos pelos usuários ou dispensando-os
com receitas inválidas, a União acabava arcando com o valor integral ou
parcial dos medicamentos, que eram lançados em lotes pelo réu no sistema
informatizado do programa.
7. Os meios fraudulentos empregados pelo réu induziram a vítima (União
Federal) em erro, posto que regularmente repassava os valores subsidiados ao
réu, admitindo seus lançamentos como verídicos. Ademais, também induzia
em erro os usuários, comprometendo a credibilidade do programa do Ministério
da Saúde.
8. Quanto ao elemento subjetivo do delito (dolo) é certo que o apelante tinha
conhecimento das normas do Programa Farmácia Popular. É farmacêutico e
em depoimento declarou ser responsável por todos os atos da Farmácia Nova
de Tupã, embora não figure em seu quadro societário.
9. Em nenhum momento, o réu afastou as constatações da auditoria do DENASUS,
cuja eventual regularidade poderia ser elidida através de apresentação da
contabilidade do estabelecimento, evidenciando o fluxo de entrada e saída de
medicamentos e seu estoque, bem como com a comprovação da efetiva entrega
dos medicamentos aos usuários.
10. As provas obtidas no curso do inquérito policial podem ser valoradas
em sede judicial, em decorrência do princípio constitucional do livre
convencimento motivado, desde que complementadas por outras provas, como
restou configurado nos autos.
11. Dosimetria. Na primeira fase, afastamento da culpabilidade e do motivo do
crime como circunstâncias judiciais negativas, com a consequente redução
da pena-base. Na segunda fase, mantida a aplicação da atenuante prevista
no art. 65, III, "b", do Código Penal e, em terceira fase, a incidência do
aumento de 1/3 (um terço), conforme previsto no art. 171, § 3º, do Código
Penal. Ainda na terceira fase, aplicação da majorante do crime continuado
(CP, art. 71), no mesmo patamar aplicado pelo juízo de origem, qual seja,
1/3 (um terço). Mantida a fixação do regime aberto e da conversão da
pena privativa de liberdade em restritivas de direitos.
12. Prestação pecuniária reduzida diante da reparação integral do dano
pelo réu, entendimento jurisprudencial adotado pelo Colendo Superior Tribunal
de Justiça.
13. Apelação da defesa parcialmente provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e dar parcial provimento
à apelação da defesa para reduzir a pena de prestação pecuniária para
05 (cinco) salários mínimos, revertida em favor da União, nos termos do
voto do Des. Fed. Relator; prosseguindo, a Turma, por maioria, decide dar
parcial provimento à apelação de Alexandre de Souza em maior extensão,
para reduzir a pena-base e fixar a pena definitiva em 1 (um) ano, 11
(onze) meses e 20(vinte) dias de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa, nos
termos do relatório e votos que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Data do Julgamento
:
10/04/2018
Data da Publicação
:
03/05/2018
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 59932
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO
Referência
legislativa
:
LEG-FED LEI-10684 ANO-2003 ART-9 PAR-2
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-171 PAR-3 ART-65 INC-3 LET-D ART-71
LEG-FED PRT-749 ANO-2009
MS
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/05/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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