TRF3 0000922-79.2015.4.03.6116 00009227920154036116
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE
DROGAS. AFASTADA A NULIDADE POR INVERSÃO DO RITO PROCESSUAL DOS ARTIGOS 56 E
57 DA LEI N° 11.343/2006. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. ESTADO DE NECESSIDADE
NÃO VERIFICADO. TRANSNACIONALIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA E
DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA
DROGA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARTIGO 33, §
4º, DA LEI 11.343/2006. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE
FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. NÃO INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO
ARTIGO 40, III, DA LEI DE DROGAS. REGIME SEMIABERTO. APELAÇÕES DA DEFESA
E DA ACUSAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDAS.
1. Não há nulidade insanável por inversão processual do rito previsto
nos artigos 56 e 57 da Lei n° 11.343/2006, quando a defesa não comprova
prejuízo decorrente do interrogatório da acusada ter ocorrido após a oitiva
das testemunhas, situação adotada pelo artigo 400 do Código de Processo
Penal. Para caracterizar a nulidade, tal prejuízo deveria ser demonstrado,
a teor do comando contido nos arts. 563 e 565 do CPP e Súmula 523/STF.
2. Para fazer jus à escusa do estado de necessidade é imprescindível que
o agente se encontre diante de uma "situação de perigo atual", que tenha
gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva". E no presente caso, além de tais
requisitos não estarem comprovados, é certo que existem inúmeros caminhos
lícitos de suprir ou amenizar problemas financeiros, sem necessitar partir
para a criminalidade. Contudo, o réu optou pela saída cômoda, preferindo
auferir proventos de maneira fácil, adentrando no repugnante mundo do crime,
cometendo tráfico internacional de entorpecentes.
3. A materialidade, autoria e dolo do crime restaram comprovados nos autos.
4. Dosimetria. Primeira fase.
5. No que tange às circunstâncias do crime, a forma como a droga foi
ocultada é mera etapa preparatória ordinária para a consumação do delito,
de modo que, igualmente, não deve a pena ser exacerbada com base nisso.
6. As demais circunstâncias judiciais não comportam valoração positiva
ou negativa no caso concreto, inclusive antecedentes , apesar de constar
anotação de que a ré registra "antecedentes policiais" na Bolívia,
relativos à Lei n° 1008 (Lei de Drogas na Bolívia), não é possível
saber o estágio atual do inquérito policial ou se dele decorreu ação
penal e se esta teria chegado ao seu termo (fl. 88), portanto não há
como valorar negativamente tal informação, em homenagem à Súmula 444
do STJ. "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais
em curso para agravar a pena-base". Já a valoração negativa em razão da
natureza e da quantidade da substância deve ser mantida.
7. Considerando a natureza e quantidade da droga apreendida, 3,08 Kg (três
quilos e oito gramas) de cocaína, com fundamento no art. 42 da Lei n.º
11.343/06, a pena-base merece exasperação em 1/6, consoante entendimento
desta 11ª Turma, restando mantida na primeira fase como fixada em primeiro
grau, em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e
oitenta e três) dias-multa.
8. Segunda fase da dosimetria. A confissão da ré porque espontânea, ou
seja, sem a intervenção de fatores externos, autoriza o reconhecimento da
atenuante genérica, inclusive porque foi utilizada como um dos fundamentos da
condenação. O fato da ré somente ter confessado em decorrência da prisão
em flagrante e a ausência de informações precisas acerca das pessoas que
a contrataram não afastam o reconhecimento da atenuante, direito subjetivo
do réu que confessa os fatos, inclusive porque expressamente utilizada
para a formação do convencimento do julgador. Pena fixada em 5 (cinco)
anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, a teor da Súmula 231 do STJ.
9. Terceira fase da dosimetria. Mantida a majoração da pena em decorrência
da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06
(transnacionalidade do delito), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto).
10. Consoante o artigo 40, I, da Lei n° 11.343/2006, é necessário somente
que "a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido
e as circunstâncias do fato evidenciem a transnacionalidade do delito",
o que ficou comprovado nos autos e não que haja a efetiva transposição
de fronteiras entre os países.
11. Verifica-se da certidão de movimentos migratórios uma extensa lista
de rápidas passagens da ré pelo Brasil, sem que comprove ter renda para
tanto, já que ela mesma alega que as dificuldades financeiras à conduziram
à traficância.
12. Quando a "mula" do tráfico declara ter realizado o crime por necessidades
financeiras e ao mesmo tempo consta, em seu passaporte ou em certidão de
movimentos migratórios, que realizou viagens anteriores de longa distância
e de curta duração, tal fato é indicativo de que se dedica ao tráfico
internacional de drogas como meio de vida, razão pela qual não merece a
aplicação da causa de redução de pena prevista no § 4º do artigo 33,
da Lei 11343/06.
13. Pena definitivamente fixada em 5 (cinco) anos, 10 (dez) meses de reclusão
e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30
(um trigésimo) do salário mínimo, vigente na data dos fatos.
14. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus
n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou
incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº
8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, motivo pelo qual o
regime inicial de cumprimento de pena deve ser fixado nos termos do art. 33,
§ 2º, "b", e § 3º do Código Penal.
15. Trata-se de ré primária, que não ostenta maus antecedentes. A pena-base
foi majorada apenas em razão da quantidade e natureza da droga apreendida,
nos termos do art. 42 da Lei de Drogas e a pena definitiva em 5 (cinco)
anos, 10 (dez) meses de reclusão, o que indica seja fixado o regime inicial
semiaberto, com fundamento no art. 33, § 2º, b, do Código Penal.
16. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, tendo em vista que a pena definitiva aplicada supera
quatro anos de reclusão, não se encontrando preenchidos os requisitos do
art. 44 do Código Penal.
17. Rejeitada a preliminar suscitada pela defesa. Apelação da defesa e da
acusação parcialmente providas.
Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE
DROGAS. AFASTADA A NULIDADE POR INVERSÃO DO RITO PROCESSUAL DOS ARTIGOS 56 E
57 DA LEI N° 11.343/2006. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. ESTADO DE NECESSIDADE
NÃO VERIFICADO. TRANSNACIONALIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA E
DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA
DROGA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARTIGO 33, §
4º, DA LEI 11.343/2006. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE
FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. NÃO INCIDÊNCIA DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO
ARTIGO 40, III, DA LEI DE DROGAS. REGIME SEMIABERTO. APELAÇÕES DA DEFESA
E DA ACUSAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDAS.
1. Não há nulidade insanável por inversão processual do rito previsto
nos artigos 56 e 57 da Lei n° 11.343/2006, quando a defesa não comprova
prejuízo decorrente do interrogatório da acusada ter ocorrido após a oitiva
das testemunhas, situação adotada pelo artigo 400 do Código de Processo
Penal. Para caracterizar a nulidade, tal prejuízo deveria ser demonstrado,
a teor do comando contido nos arts. 563 e 565 do CPP e Súmula 523/STF.
2. Para fazer jus à escusa do estado de necessidade é imprescindível que
o agente se encontre diante de uma "situação de perigo atual", que tenha
gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva". E no presente caso, além de tais
requisitos não estarem comprovados, é certo que existem inúmeros caminhos
lícitos de suprir ou amenizar problemas financeiros, sem necessitar partir
para a criminalidade. Contudo, o réu optou pela saída cômoda, preferindo
auferir proventos de maneira fácil, adentrando no repugnante mundo do crime,
cometendo tráfico internacional de entorpecentes.
3. A materialidade, autoria e dolo do crime restaram comprovados nos autos.
4. Dosimetria. Primeira fase.
5. No que tange às circunstâncias do crime, a forma como a droga foi
ocultada é mera etapa preparatória ordinária para a consumação do delito,
de modo que, igualmente, não deve a pena ser exacerbada com base nisso.
6. As demais circunstâncias judiciais não comportam valoração positiva
ou negativa no caso concreto, inclusive antecedentes , apesar de constar
anotação de que a ré registra "antecedentes policiais" na Bolívia,
relativos à Lei n° 1008 (Lei de Drogas na Bolívia), não é possível
saber o estágio atual do inquérito policial ou se dele decorreu ação
penal e se esta teria chegado ao seu termo (fl. 88), portanto não há
como valorar negativamente tal informação, em homenagem à Súmula 444
do STJ. "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais
em curso para agravar a pena-base". Já a valoração negativa em razão da
natureza e da quantidade da substância deve ser mantida.
7. Considerando a natureza e quantidade da droga apreendida, 3,08 Kg (três
quilos e oito gramas) de cocaína, com fundamento no art. 42 da Lei n.º
11.343/06, a pena-base merece exasperação em 1/6, consoante entendimento
desta 11ª Turma, restando mantida na primeira fase como fixada em primeiro
grau, em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e
oitenta e três) dias-multa.
8. Segunda fase da dosimetria. A confissão da ré porque espontânea, ou
seja, sem a intervenção de fatores externos, autoriza o reconhecimento da
atenuante genérica, inclusive porque foi utilizada como um dos fundamentos da
condenação. O fato da ré somente ter confessado em decorrência da prisão
em flagrante e a ausência de informações precisas acerca das pessoas que
a contrataram não afastam o reconhecimento da atenuante, direito subjetivo
do réu que confessa os fatos, inclusive porque expressamente utilizada
para a formação do convencimento do julgador. Pena fixada em 5 (cinco)
anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, a teor da Súmula 231 do STJ.
9. Terceira fase da dosimetria. Mantida a majoração da pena em decorrência
da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06
(transnacionalidade do delito), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto).
10. Consoante o artigo 40, I, da Lei n° 11.343/2006, é necessário somente
que "a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido
e as circunstâncias do fato evidenciem a transnacionalidade do delito",
o que ficou comprovado nos autos e não que haja a efetiva transposição
de fronteiras entre os países.
11. Verifica-se da certidão de movimentos migratórios uma extensa lista
de rápidas passagens da ré pelo Brasil, sem que comprove ter renda para
tanto, já que ela mesma alega que as dificuldades financeiras à conduziram
à traficância.
12. Quando a "mula" do tráfico declara ter realizado o crime por necessidades
financeiras e ao mesmo tempo consta, em seu passaporte ou em certidão de
movimentos migratórios, que realizou viagens anteriores de longa distância
e de curta duração, tal fato é indicativo de que se dedica ao tráfico
internacional de drogas como meio de vida, razão pela qual não merece a
aplicação da causa de redução de pena prevista no § 4º do artigo 33,
da Lei 11343/06.
13. Pena definitivamente fixada em 5 (cinco) anos, 10 (dez) meses de reclusão
e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30
(um trigésimo) do salário mínimo, vigente na data dos fatos.
14. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus
n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou
incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº
8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, motivo pelo qual o
regime inicial de cumprimento de pena deve ser fixado nos termos do art. 33,
§ 2º, "b", e § 3º do Código Penal.
15. Trata-se de ré primária, que não ostenta maus antecedentes. A pena-base
foi majorada apenas em razão da quantidade e natureza da droga apreendida,
nos termos do art. 42 da Lei de Drogas e a pena definitiva em 5 (cinco)
anos, 10 (dez) meses de reclusão, o que indica seja fixado o regime inicial
semiaberto, com fundamento no art. 33, § 2º, b, do Código Penal.
16. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, tendo em vista que a pena definitiva aplicada supera
quatro anos de reclusão, não se encontrando preenchidos os requisitos do
art. 44 do Código Penal.
17. Rejeitada a preliminar suscitada pela defesa. Apelação da defesa e da
acusação parcialmente providas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal
da 3ª Região, por unanimidade, em rejeitar a preliminar suscitada pela
defesa, de nulidade insanável por inversão processual do rito da Lei n°
11.343/2006, dar parcial provimento à sua apelação, para fazer incidir a
atenuante da confissão espontânea e dar parcial provimento à apelação
da acusação, para afastar a causa de diminuição prevista no artigo 33,
§4°, da Lei 11.343/06, fixando a pena definitiva de LINDA LORGIA EGUEZ
SEJAS em 5 (cinco) anos, 10 (dez) meses e 583 (quinhentos e oitenta e três)
dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo,
vigente na data dos fatos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
23/08/2016
Data da Publicação
:
01/09/2016
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 66947
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** LDR-06 LEI DE DROGAS
LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-56 ART-57 ART-33 PAR-4 ART-40 INC-1 INC-3
ART-42
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-400 ART-563 ART-565
***** STF SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
LEG-FED SUM-523
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-444
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-231
***** LCH-90 LEI DOS CRIMES HEDIONDOS
LEG-FED LEI-8072 ANO-1990 ART-2 PAR-1
LEG-FED LEI-11464 ANO-2007
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-33 PAR-2 LET-B PAR-3 ART-44
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/09/2016
..FONTE_REPUBLICACAO:
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