TRF3 0001021-14.2014.4.03.6139 00010211420144036139
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO
IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34,
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO
DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM
PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA
MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. PROVA PERICIAL. INTERPRETAÇÃO
CONTRARIO SENSU. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES PERICIAIS. MATÉRIA
NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS
QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO. CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. REGRAS DE
EXPERIÊNCIA COMUM. ARTIGO 375, CPC. LONGO PERÍODO DE INATIVIDADE. FALTA
DE EXPERIÊNCIA E CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL. EXIGÊNCIAS DO MERCADO DE
TRABALHO. OBSTÁCULOS QUE REFOGEM À COBERTURA ASSISTENCIAL. REQUISITO ETÁRIO
NÃO CUMPRIDO. AFASTADA SITUAÇÃO DE RISCO. PROGRAMAS SOCIAIS. FORNECIMENTO
GRATUITO DE MEDICAMENTOS. MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. RECURSO PROVIDO.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo
social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os
requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou
idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita
inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente
e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou
mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20,
§2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma
presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a
insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso
por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal
de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita
como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade,
o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº
4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Todavia, a miserabilidade não pode ser analisado tão somente levando-se
em conta o valor per capita e a famigerada situação de "renda zero", sob pena
de nos depararmos com decisões completamente apartadas da realidade. Destarte,
a ausência, ou presença, desta condição econômica deve ser aferida por
meio da análise de todo o conjunto probatório.
7 - O exame médico pericial de fls. 42/50, realizado em 24/06/2014,
diagnosticou que a recorrente tem pressão alta, diabetes melitus,
dislipidemia e mialgia. De acordo com o perito, "iniciou tratamento clínico
conservador e atualmente segue fazendo uso de metformina, daonil, captopril
e sinvastatina. Faz uso de diclofenaco para dor na perna. Apresentou melhora
do quadro clínico, pois não é verificado que a Autora apresenta alguma
sequela devido à doença". Consignou, ainda, o expert, que "o Autor não
necessita de ajuda de terceiros para atividades cotidianas e prática de
atos de vida diária".
8 - Prosseguindo na investigação, o profissional médico registrou que
a autora apresenta dificuldade para a prática de determinadas atividades
que demandem "esforço intenso, carregamento de peso e exigência de postura
inadequada", sendo categórico em seu laudo inicial, por mais de uma vez, que
"Devido idade avançada apresenta algumas limitações" (item 6 - fl. 49)
e que "Não apresenta sequela e sim limitação devido avançar da idade"
(item 10 - fl. 49), situação essa insuficiente para lograr êxito em seu
pleito, notoriamente que não se confunde com o cumprimento do requisito
legal para a concessão do benefício.
9 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial,
a contrario sensu do que dispõe o artigo 479 do Código de Processo
Civil e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção
das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge
à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos
robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer
do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos
produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo
se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no
caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a
valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª
Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013;
AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
10 - Dos documentos carreados aos autos, conclui-se que a autora não possui
histórico de contribuições previdenciárias, nem vínculos laborativos
registrados em CTPS; o que significa dizer, com fundamento nas máximas de
experiência, conforme disciplina o art. 375 do CPC (art. 335 do CPC/73),
que as dificuldades para exercer ocupação que lhe permita prover o sustento
não decorreriam somente de hipotético impedimento de longo prazo - já
afastado pela prova pericial - mas, principalmente, pelo longo período de
inatividade, pouquíssima experiência profissional, exigências hodiernas do
mercado de trabalho e falta de capacitação profissional, circunstâncias
estas que não autorizam concluir seja a autora pessoa com deficiência e,
muito menos, que se enquadre na hipótese legal autorizadora da concessão
de benefício assistencial.
11 - A autora possui 63 (sessenta e três) anos de idade na presente data,
não tendo implementado o requisito etário.
12 - O estudo social realizado em 03 de outubro de 2014 (fls. 52/55) informou
ser o núcleo familiar composto pela autora, seu marido e a filha, os quais
residem em imóvel cedido pelo genro, de alvenaria, "contendo dois quartos,
uma sala, uma cozinha e um banheiro, coberta de telhas de cerâmica, forrada,
piso de ladrilho, provida de água encanada, luz elétrica e esgoto, localizada
em uma rua asfaltada", sendo que "a área externa é bem pequena" e se encontra
"em razoáveis condições de conservação." Informou a assistente social,
à época, que a renda familiar provinha do auxílio-doença previdenciário
do seu cônjuge, no valor de R$ 724,00, e do salário da filha, de R$
830,00. Complementou a profissional que a família também é beneficiária
do Programa Bolsa família, recebendo, a esse título, mensalmente, R$
77,00. Dados atualizados extraídos do Cadastro Nacional de Informações
Sociais - CNIS, que integram o presente voto, confirmam o recebimento de
auxilio-doença do marido da autora no valor de R$ 880,00.
13 - Segundo as declarações da recorrente, foram contabilizados como
despesas mensais R$ 57,00 de água, R$ 47,00 de luz elétrica, R$ 650,00 de
alimentação e produtos higiênicos, R$ 200,00 de combustível, R$ 25,00
crédito de celular e R$ 40,00 de gás, totalizando R$ 1.019,00.
14 - Além de sua filha, que reside com a família, a requerente mencionou
que tem mais quatro filhos, os quais trabalham como vigilante noturno, guarda
municipal, empregada doméstica e caixa de pedágio (fl. 52). Ainda de acordo
com as informações trazidas pelo laudo socioeconômico, foi relatado que "as
vestimentas da família vêm de doações feitas pelos filhos", demonstrando,
desta feita, a possibilidade de auxiliarem materialmente a sua genitora.
15 - Saliente-se que os filhos maiores possuem o dever constitucional de
amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (art. 229 da Carta Magna),
de modo que o benefício assistencial de prestação continuada somente tem
cabimento nas hipóteses em que aqueles constituam outro núcleo familiar,
residam em outro local e, ainda, não disponham de recursos financeiros
suficientes para prestarem referida assistência material, o que não é o
caso dos autos. Isso, aliás, é o que dispõem os artigos 1.694, 1.695 e 1.696
do Código Civil, evidenciando o caráter supletivo da atuação estatal.
16 - Por fim, vale também registrar que "A autora conta com atendimento
do posto de saúde local e recebe mensalmente visita da Agente Comunitária
Neuzeli", além do que, a requerente e o seu esposo, "recebem os medicamentos
que a rede pública dispõe".
17 - O benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que
deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis,
ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais
estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente
o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
18 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada
pela parte autora e compadeça-se com a horripilante realidade a que são
submetidos os trabalhadores em geral, não pode determinar à Seguridade a
obrigação de pagamento de benefício, que independe de contribuição, ou
seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram
preenchidos, sob pena de criar perigoso precedente que poderia causar de
vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
19 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à
complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador
exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de
pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a
subsistência daquele que o requer.
20 - O dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo
Estado de benefício no valor de um salário mínimo, encontra-se circunspecto
àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou seja, de
absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência
de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como
fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede
pública, não são suficientes a garantir o mínimo existencial.
21 - Tendo sido constatadas, mediante exame médico-pericial e estudo social,
a ausência de impedimento de longo prazo que obstaculize o exercício de
trabalho remunerado, bem como a ausência de hipossuficiência econômica,
de rigor o indeferimento do pedido.
22 - Apelação da parte autora desprovida.
Ementa
CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO
IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34,
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO
DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM
PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA
MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. PROVA PERICIAL. INTERPRETAÇÃO
CONTRARIO SENSU. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES PERICIAIS. MATÉRIA
NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS
QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO. CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. REGRAS DE
EXPERIÊNCIA COMUM. ARTIGO 375, CPC. LONGO PERÍODO DE INATIVIDADE. FALTA
DE EXPERIÊNCIA E CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL. EXIGÊNCIAS DO MERCADO DE
TRABALHO. OBSTÁCULOS QUE REFOGEM À COBERTURA ASSISTENCIAL. REQUISITO ETÁRIO
NÃO CUMPRIDO. AFASTADA SITUAÇÃO DE RISCO. PROGRAMAS SOCIAIS. FORNECIMENTO
GRATUITO DE MEDICAMENTOS. MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. RECURSO PROVIDO.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo
social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa
com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os
requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou
idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita
inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente
e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou
mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20,
§2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma
presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a
insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso
por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal
de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita
como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade,
o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº
4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Todavia, a miserabilidade não pode ser analisado tão somente levando-se
em conta o valor per capita e a famigerada situação de "renda zero", sob pena
de nos depararmos com decisões completamente apartadas da realidade. Destarte,
a ausência, ou presença, desta condição econômica deve ser aferida por
meio da análise de todo o conjunto probatório.
7 - O exame médico pericial de fls. 42/50, realizado em 24/06/2014,
diagnosticou que a recorrente tem pressão alta, diabetes melitus,
dislipidemia e mialgia. De acordo com o perito, "iniciou tratamento clínico
conservador e atualmente segue fazendo uso de metformina, daonil, captopril
e sinvastatina. Faz uso de diclofenaco para dor na perna. Apresentou melhora
do quadro clínico, pois não é verificado que a Autora apresenta alguma
sequela devido à doença". Consignou, ainda, o expert, que "o Autor não
necessita de ajuda de terceiros para atividades cotidianas e prática de
atos de vida diária".
8 - Prosseguindo na investigação, o profissional médico registrou que
a autora apresenta dificuldade para a prática de determinadas atividades
que demandem "esforço intenso, carregamento de peso e exigência de postura
inadequada", sendo categórico em seu laudo inicial, por mais de uma vez, que
"Devido idade avançada apresenta algumas limitações" (item 6 - fl. 49)
e que "Não apresenta sequela e sim limitação devido avançar da idade"
(item 10 - fl. 49), situação essa insuficiente para lograr êxito em seu
pleito, notoriamente que não se confunde com o cumprimento do requisito
legal para a concessão do benefício.
9 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial,
a contrario sensu do que dispõe o artigo 479 do Código de Processo
Civil e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção
das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge
à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos
robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer
do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos
produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo
se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no
caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a
valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª
Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013;
AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
10 - Dos documentos carreados aos autos, conclui-se que a autora não possui
histórico de contribuições previdenciárias, nem vínculos laborativos
registrados em CTPS; o que significa dizer, com fundamento nas máximas de
experiência, conforme disciplina o art. 375 do CPC (art. 335 do CPC/73),
que as dificuldades para exercer ocupação que lhe permita prover o sustento
não decorreriam somente de hipotético impedimento de longo prazo - já
afastado pela prova pericial - mas, principalmente, pelo longo período de
inatividade, pouquíssima experiência profissional, exigências hodiernas do
mercado de trabalho e falta de capacitação profissional, circunstâncias
estas que não autorizam concluir seja a autora pessoa com deficiência e,
muito menos, que se enquadre na hipótese legal autorizadora da concessão
de benefício assistencial.
11 - A autora possui 63 (sessenta e três) anos de idade na presente data,
não tendo implementado o requisito etário.
12 - O estudo social realizado em 03 de outubro de 2014 (fls. 52/55) informou
ser o núcleo familiar composto pela autora, seu marido e a filha, os quais
residem em imóvel cedido pelo genro, de alvenaria, "contendo dois quartos,
uma sala, uma cozinha e um banheiro, coberta de telhas de cerâmica, forrada,
piso de ladrilho, provida de água encanada, luz elétrica e esgoto, localizada
em uma rua asfaltada", sendo que "a área externa é bem pequena" e se encontra
"em razoáveis condições de conservação." Informou a assistente social,
à época, que a renda familiar provinha do auxílio-doença previdenciário
do seu cônjuge, no valor de R$ 724,00, e do salário da filha, de R$
830,00. Complementou a profissional que a família também é beneficiária
do Programa Bolsa família, recebendo, a esse título, mensalmente, R$
77,00. Dados atualizados extraídos do Cadastro Nacional de Informações
Sociais - CNIS, que integram o presente voto, confirmam o recebimento de
auxilio-doença do marido da autora no valor de R$ 880,00.
13 - Segundo as declarações da recorrente, foram contabilizados como
despesas mensais R$ 57,00 de água, R$ 47,00 de luz elétrica, R$ 650,00 de
alimentação e produtos higiênicos, R$ 200,00 de combustível, R$ 25,00
crédito de celular e R$ 40,00 de gás, totalizando R$ 1.019,00.
14 - Além de sua filha, que reside com a família, a requerente mencionou
que tem mais quatro filhos, os quais trabalham como vigilante noturno, guarda
municipal, empregada doméstica e caixa de pedágio (fl. 52). Ainda de acordo
com as informações trazidas pelo laudo socioeconômico, foi relatado que "as
vestimentas da família vêm de doações feitas pelos filhos", demonstrando,
desta feita, a possibilidade de auxiliarem materialmente a sua genitora.
15 - Saliente-se que os filhos maiores possuem o dever constitucional de
amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (art. 229 da Carta Magna),
de modo que o benefício assistencial de prestação continuada somente tem
cabimento nas hipóteses em que aqueles constituam outro núcleo familiar,
residam em outro local e, ainda, não disponham de recursos financeiros
suficientes para prestarem referida assistência material, o que não é o
caso dos autos. Isso, aliás, é o que dispõem os artigos 1.694, 1.695 e 1.696
do Código Civil, evidenciando o caráter supletivo da atuação estatal.
16 - Por fim, vale também registrar que "A autora conta com atendimento
do posto de saúde local e recebe mensalmente visita da Agente Comunitária
Neuzeli", além do que, a requerente e o seu esposo, "recebem os medicamentos
que a rede pública dispõe".
17 - O benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que
deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis,
ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais
estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente
o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
18 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada
pela parte autora e compadeça-se com a horripilante realidade a que são
submetidos os trabalhadores em geral, não pode determinar à Seguridade a
obrigação de pagamento de benefício, que independe de contribuição, ou
seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram
preenchidos, sob pena de criar perigoso precedente que poderia causar de
vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
19 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à
complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador
exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de
pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a
subsistência daquele que o requer.
20 - O dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo
Estado de benefício no valor de um salário mínimo, encontra-se circunspecto
àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou seja, de
absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência
de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como
fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede
pública, não são suficientes a garantir o mínimo existencial.
21 - Tendo sido constatadas, mediante exame médico-pericial e estudo social,
a ausência de impedimento de longo prazo que obstaculize o exercício de
trabalho remunerado, bem como a ausência de hipossuficiência econômica,
de rigor o indeferimento do pedido.
22 - Apelação da parte autora desprovida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
21/11/2016
Data da Publicação
:
02/12/2016
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2126734
Órgão Julgador
:
SÉTIMA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/12/2016
..FONTE_REPUBLICACAO:
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