TRF3 0001063-45.2008.4.03.6116 00010634520084036116
DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MPF. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA FEDERAL. QUEIMA CONTROLADA DE PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR. LICENÇA
AMBIENTAL CONCEDIDA PELO ÓRGÃO ESTADUAL. IBAMA COMPETÊNCIA SUPLETIVA.
1. Rejeita-se preliminar de incompetência para processar e julgar a presente
ação civil pública ambiental, pois, conforme jurisprudência sedimentada
da Suprema Corte, a presença do MPF na ação é suficiente para fixar a
competência da Justiça Federal.
2. A competência para o licenciamento para atividades de risco cabe,
constitucional e legalmente, ao órgão estadual de proteção ao meio
ambiente, sendo do IBAMA a competência meramente supletiva, na ausência de
atuação daquele órgão, nos termos do artigo 10, § 3º, da Lei 6.938/1981,
na redação anterior à LC 140/2011. O CONAMA editou a Resolução 237/1997,
definindo que os empreendimentos e atividades sujeitas a licenciamento
ambiental seriam as relacionadas no Anexo I (artigo 2º), dentre as
quais não se encontra a queima da palha de cana-de-açúcar. Ratificou,
ainda, a competência do IBAMA e, mesmo assim, delegável aos Estados,
para licenciamento de tais atividades, exclusivamente na hipótese em que
os impactos ambientais diretos delas decorrentes ultrapassarem os limites
territoriais do país ou de um ou mais Estados (artigo 4º, III, e § 2º).
3. Confirmou, ainda, que a competência de licenciar empreendimentos e
atividades é do órgão estadual de proteção do meio-ambiente, mesmo
quando os impactos ambientais diretos decorrentes ultrapassarem os limites
territoriais de um ou mais Municípios (artigo 5º, III, e parágrafo
único). Então, o Estado de São Paulo editou as Leis 10.547/2000 e
11.241/2002, proibindo o emprego do fogo, salvo para atividades agrícolas,
pastoris ou florestais, dentre as quais a queima controlada da palha de
cana-de-açúcar, técnica a ser eliminada de forma gradativa. Na respectiva
regulamentação, foi baixado o Decreto Estadual 45.869/2001, definindo
as hipóteses e procedimentos do método "despalhador" e "facilitador" do
corte da cana-de-açúcar, mediante requerimento detalhado do interessado
e sujeito à autorização ambiental.
4. Percebe-se, pois, das regras aplicáveis ao caso concreto, que a
competência da autarquia federal para a concessão das licenças para a
queima da palha de cana-de-açúcar na região de Assis somente existiria,
de forma precípua, se o método causasse impactos ambientais diretos de
âmbito regional ou nacional, ou, de forma supletiva, se houvesse omissão
na atuação estadual.
5. Nem se alegue que a legitimidade passiva do IBAMA estaria sendo justificada
pela necessidade de proteção da saúde, Sistema Único de Saúde, fauna,
flora e outros bens jurídicos de interesse federal. Primeiramente, o
órgão de fiscalização ambiental não pode responder pela proteção da
saúde ou do SUS e, em segundo lugar, a repartição constitucional e legal
de competência existe para, justamente, definir os limites de atuação
cooperativa entre órgãos federais, estaduais, distritais e municipais,
não sendo permitido ao ente federal, apenas por sua condição central,
invadir a competência de outros entes federados sem que se esteja diante
das hipóteses específicas de atuação supletiva ou intervenção.
6. A mera afirmativa da parte de que não tem interesse jurídico na causa
não determina sua ilegitimidade passiva ou exclusão, assim como não é
pela vontade do autor que se pode obrigar alguém a litigar ou permanecer no
polo passivo da ação, qualquer que seja a situação, já que cabe sempre ao
Juízo e ao Tribunal aferir e garantir a correta formação do polo passivo da
ação. Assim, permite-se concluir acerca da própria ilegitimidade passiva do
ente federal e, se não fosse tal bastante, ainda pelo risco grave à ordem
pública, se concedida a medida que induz à usurpação de competência
constitucional e legal do Estado, com a resistência da própria autarquia
federal, manifestada em casos análogos, no sentido de reconhecer como válido
o licenciamento ambiental por órgão estadual de fiscalização do meio
ambiente, de acordo com todo o ordenamento jurídico, constitucional e legal.
7. A Constituição Federal, no inciso IV, § 1º, do artigo 225, previu,
portanto, que a exigência de realização de estudo prévio de impacto
ambiental estaria condicionada à reserva de lei. Por sua vez, o parágrafo
único do artigo 27 do revogado Código Florestal dispôs que "é proibido
o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação", ressaltando-se
que "se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo
em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em
ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de
precaução". Assim, a lei federal não previu a necessidade da realização de
prévio estudo de impacto ambiental no caso da "queima controlada", mas apenas,
por decreto, de prévia vistoria no caso de solicitação de autorização
para o uso do fogo em áreas "que contenham restos de exploração florestal
[...] limítrofes às sujeitas a regime especial de proteção, estabelecido
em ato do poder público".
8. Como se observa, a Constituição Federal prevê que, na forma da lei,
seja exigido, pelo órgão competente, o prévio estudo de impacto ambiental
(artigo 225, § 1º, IV, CF), não se admitindo a atuação substitutiva
do Judiciário ao legislador, menos ainda na conformação positiva do
ordenamento jurídico, por derivação simples, mas essencial do princípio
da separação dos Poderes e devido processo legal. Ainda que a percepção
pessoal do julgador, ou o testemunho de sua experiência de vida, possam
dissentir do juízo adotado pelo legislador, a ação e a decisão judicial
não podem servir de meio para contornar o princípio basilar do Estado de
Direito, para instituir obrigação ou dever não previsto em lei. Não se
trata de substituir a previsão constitucional de lei pela interpretação
judicial de sua dispensa ou inexistência porque, no fundo, a Constituição
Federal conferiu ao Parlamento, e ao Executivo na respectiva regulamentação,
a tarefa de concretizar a norma constitucional, cabendo ao Judiciário apenas
declarar, se for o caso, sua inconstitucionalidade, enquanto legislador
negativo, e não criar lei ou emprestar interpretação, com assunção
judicial da função de legislador positivo.
9. Ilegitimidade passiva do IBAMA, prejudicada a respectiva
apelação. Apelações dos réus parcialmente providas.
Ementa
DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MPF. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA FEDERAL. QUEIMA CONTROLADA DE PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR. LICENÇA
AMBIENTAL CONCEDIDA PELO ÓRGÃO ESTADUAL. IBAMA COMPETÊNCIA SUPLETIVA.
1. Rejeita-se preliminar de incompetência para processar e julgar a presente
ação civil pública ambiental, pois, conforme jurisprudência sedimentada
da Suprema Corte, a presença do MPF na ação é suficiente para fixar a
competência da Justiça Federal.
2. A competência para o licenciamento para atividades de risco cabe,
constitucional e legalmente, ao órgão estadual de proteção ao meio
ambiente, sendo do IBAMA a competência meramente supletiva, na ausência de
atuação daquele órgão, nos termos do artigo 10, § 3º, da Lei 6.938/1981,
na redação anterior à LC 140/2011. O CONAMA editou a Resolução 237/1997,
definindo que os empreendimentos e atividades sujeitas a licenciamento
ambiental seriam as relacionadas no Anexo I (artigo 2º), dentre as
quais não se encontra a queima da palha de cana-de-açúcar. Ratificou,
ainda, a competência do IBAMA e, mesmo assim, delegável aos Estados,
para licenciamento de tais atividades, exclusivamente na hipótese em que
os impactos ambientais diretos delas decorrentes ultrapassarem os limites
territoriais do país ou de um ou mais Estados (artigo 4º, III, e § 2º).
3. Confirmou, ainda, que a competência de licenciar empreendimentos e
atividades é do órgão estadual de proteção do meio-ambiente, mesmo
quando os impactos ambientais diretos decorrentes ultrapassarem os limites
territoriais de um ou mais Municípios (artigo 5º, III, e parágrafo
único). Então, o Estado de São Paulo editou as Leis 10.547/2000 e
11.241/2002, proibindo o emprego do fogo, salvo para atividades agrícolas,
pastoris ou florestais, dentre as quais a queima controlada da palha de
cana-de-açúcar, técnica a ser eliminada de forma gradativa. Na respectiva
regulamentação, foi baixado o Decreto Estadual 45.869/2001, definindo
as hipóteses e procedimentos do método "despalhador" e "facilitador" do
corte da cana-de-açúcar, mediante requerimento detalhado do interessado
e sujeito à autorização ambiental.
4. Percebe-se, pois, das regras aplicáveis ao caso concreto, que a
competência da autarquia federal para a concessão das licenças para a
queima da palha de cana-de-açúcar na região de Assis somente existiria,
de forma precípua, se o método causasse impactos ambientais diretos de
âmbito regional ou nacional, ou, de forma supletiva, se houvesse omissão
na atuação estadual.
5. Nem se alegue que a legitimidade passiva do IBAMA estaria sendo justificada
pela necessidade de proteção da saúde, Sistema Único de Saúde, fauna,
flora e outros bens jurídicos de interesse federal. Primeiramente, o
órgão de fiscalização ambiental não pode responder pela proteção da
saúde ou do SUS e, em segundo lugar, a repartição constitucional e legal
de competência existe para, justamente, definir os limites de atuação
cooperativa entre órgãos federais, estaduais, distritais e municipais,
não sendo permitido ao ente federal, apenas por sua condição central,
invadir a competência de outros entes federados sem que se esteja diante
das hipóteses específicas de atuação supletiva ou intervenção.
6. A mera afirmativa da parte de que não tem interesse jurídico na causa
não determina sua ilegitimidade passiva ou exclusão, assim como não é
pela vontade do autor que se pode obrigar alguém a litigar ou permanecer no
polo passivo da ação, qualquer que seja a situação, já que cabe sempre ao
Juízo e ao Tribunal aferir e garantir a correta formação do polo passivo da
ação. Assim, permite-se concluir acerca da própria ilegitimidade passiva do
ente federal e, se não fosse tal bastante, ainda pelo risco grave à ordem
pública, se concedida a medida que induz à usurpação de competência
constitucional e legal do Estado, com a resistência da própria autarquia
federal, manifestada em casos análogos, no sentido de reconhecer como válido
o licenciamento ambiental por órgão estadual de fiscalização do meio
ambiente, de acordo com todo o ordenamento jurídico, constitucional e legal.
7. A Constituição Federal, no inciso IV, § 1º, do artigo 225, previu,
portanto, que a exigência de realização de estudo prévio de impacto
ambiental estaria condicionada à reserva de lei. Por sua vez, o parágrafo
único do artigo 27 do revogado Código Florestal dispôs que "é proibido
o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação", ressaltando-se
que "se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo
em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em
ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de
precaução". Assim, a lei federal não previu a necessidade da realização de
prévio estudo de impacto ambiental no caso da "queima controlada", mas apenas,
por decreto, de prévia vistoria no caso de solicitação de autorização
para o uso do fogo em áreas "que contenham restos de exploração florestal
[...] limítrofes às sujeitas a regime especial de proteção, estabelecido
em ato do poder público".
8. Como se observa, a Constituição Federal prevê que, na forma da lei,
seja exigido, pelo órgão competente, o prévio estudo de impacto ambiental
(artigo 225, § 1º, IV, CF), não se admitindo a atuação substitutiva
do Judiciário ao legislador, menos ainda na conformação positiva do
ordenamento jurídico, por derivação simples, mas essencial do princípio
da separação dos Poderes e devido processo legal. Ainda que a percepção
pessoal do julgador, ou o testemunho de sua experiência de vida, possam
dissentir do juízo adotado pelo legislador, a ação e a decisão judicial
não podem servir de meio para contornar o princípio basilar do Estado de
Direito, para instituir obrigação ou dever não previsto em lei. Não se
trata de substituir a previsão constitucional de lei pela interpretação
judicial de sua dispensa ou inexistência porque, no fundo, a Constituição
Federal conferiu ao Parlamento, e ao Executivo na respectiva regulamentação,
a tarefa de concretizar a norma constitucional, cabendo ao Judiciário apenas
declarar, se for o caso, sua inconstitucionalidade, enquanto legislador
negativo, e não criar lei ou emprestar interpretação, com assunção
judicial da função de legislador positivo.
9. Ilegitimidade passiva do IBAMA, prejudicada a respectiva
apelação. Apelações dos réus parcialmente providas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
maioria, reconhecer a ilegitimidade passiva do IBAMA, julgando prejudicada
a respectiva apelação, e dar parcial provimento às apelações dos réus,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Data do Julgamento
:
14/12/2017
Data da Publicação
:
22/01/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1526350
Órgão Julgador
:
TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
JUIZ CONVOCADO SILVA NETO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS MUTA
Referência
legislativa
:
LEG-FED LEI-6938 ANO-1981 ART-10 PAR-3
LEG-FED LCP-140 ANO-2011
LEG-FED RES-237 ANO-1997 ART-2 ART-4 INC-3 PAR-2 ART-5 INC-3 PAR-ÚNICO
CONAMA - ANEXO 1
LEG-FED LEI-10547 ANO-2000
LEG-FED LEI-11241 ANO-2002
LEG-EST DEC-45869 ANO-2001
SÃO PAULO
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-225 PAR-1 INC-4
***** CFLO-65 CÓDIGO FLORESTAL
LEG-FED LEI-4771 ANO-1965 ART-27 PAR-ÚNICO
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/01/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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