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Jurisprudência


TRF3 0001093-86.2014.4.03.6143 00010938620144036143

Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. OFÍCIO DO DEA. COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL. DESNECESSIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. AUTORIDADE CENTRAL. DESNECESSIDADE. PRORROGAÇÃO. LEGALIDADE. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS. COMPETÊNCIA DISCRICIONÁRIA DO JUIZ. DEFESA TÉCNICA DEFICIENTE. INEXISTÊNCIA. TRANSNACIONALIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. CIRCUNSTÂNCIAS. LIDERANÇA E COMANDO. PERSONALIDADE. ATENUANTE INOMINADA. MÁS CONDIÇÕES CARCERÁRIAS. NÃO APLICAÇÃO. INTERESTADUALIDADE NÃO CONFIGURADA. NÃO INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME SEMIABERTO. RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO APREENDIDO. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO DA DEFESA NÃO PROVIDA. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. O ofício do DEA (Drug Enforcement Administration) não configura um pedido de cooperação jurídica internacional propriamente dito, tal como previsto no art.1º, item 02, do Decreto Presidencial nº.3.810/2001 (MLAT), pois o DEA não solicitou ao Coordenador Geral de Polícia de Repressão a Entorpecentes do Departamento de Polícia Federal a realização de procedimentos probatórios - busca e apreensão, entrega de documentos, confisco de bens, interceptação telefônica - previstos no MLAT em seu art.1°, com as formalidades previstas no art. 4° e seus itens 01 a 03 e alíneas, houve somente uma mera comunicação da prática de crimes de tráfico internacional de drogas e associação criminosa por brasileiros, inclusive com ramificação no exterior. 2. O sigilo talhado por proteção constitucional previsto no art.5, inciso XII, in fine, da Magna Carta, é da comunicação telefônica propriamente dita - a conversa entre os interlocutores - e não os dados, em si mesmos considerados, guarnecidos nos aparelhos de telefonia ou os dados cadastrais dos seus usuários. Portanto, a mera informação de que determinados sujeitos, utilizando determinados PINs, estariam se comunicando para a prática de tráfico internacional de drogas, não significa que a empresa RIM, sediada no Canadá, forneceu dados sigilosos, somente atingíveis por decisão judicial, ao DEA, e este, também sem prévia ordem judicial autorizativa, enviou tais dados cadastrais à Autoridade Policial brasileira ilegalmente, na medida em que a notitia criminis do DEA se limitou a apontar os dados cadastrais de pessoas envolvidas com tráfico ilícito de drogas, e não conversas entre estes agentes. 3. Os ofícios judiciais requisitando as interceptações telefônicas e telemáticas (mídia de fl. 23) foram direcionados à Research In Motion (RIM) é representada no Brasil pela BlackBerry, sendo sócia majoritária da Blackberry Serviços de Suporte de Vendas do Brasil Ltda, CNPJ: 07.058.628/0001-97, a qual é domiciliada na Avenida das Nações Unidas nº.14.171, 15 andar, Edifício Marble Tower, Vila Gertrudes, São Paulo, CEP: 04.794-0000 (impressos em anexo I). Tal empresa, ainda que os dados estejam armazenados em outro país, é apta a fornecer as informações requisitadas pelo Poder Judiciário. Ademais, a empresa não manifestou qualquer impossibilidade do cumprimento da ordem judicial. 4. Não houve participação do Canadá no procedimento que transcorreu em território nacional. Em decorrência, não há que se falar na aplicação do Tratado de Assistência Mútua em Matéria Penal entre o Brasil e o Canadá, promulgado no Brasil pelo Decreto n° 6.747/2009 e, logo, não há a necessidade de qualquer interveniência da denominada Autoridade Central. 5. Desde que ocorra a realização de diligências para, pautado na colheita de elementos informativos resultantes das diligências, requerer-se a quebra de sigilo telefônico não há ilegalidade. 6. Muito embora o artigo 5º da Lei nº 9.296/1996 estabeleça o prazo de 15 dias para a interceptação telefônica, prorrogáveis por mais 15 dias, inexiste restrição ao número de dilações possíveis, devendo apenas ser precedidas de motivação que justifique a prorrogação, observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, como é o caso dos autos, que cuida de investigação complexa e que envolve a participação de vários agentes reunidos em torno de uma organização criminosa. Compartilhando desse entendimento o Supremo Tribunal Federal assentou ser possível a prorrogação do prazo de autorização da interceptação telefônica, mesmo que sucessiva, quando a intensidade e a complexidade das condutas delitivas investigadas assim o demandarem, sendo este o caso dos autos. 7. O simples indeferimento do pedido de produção de provas não implica necessariamente em cerceamento de defesa, desde que a decisão seja adequadamente motivada, pois tal procedimento faz parte de competência discricionária do juiz, a quem cabe, a partir de uma avaliação pessoal baseada no princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional do juiz, decidir sobre a conveniência e necessidade de produção das provas requeridas. 8. Todos os atos processuais foram realizados a contento e não houve caracterização de atuação deficiente que acarretasse a nulidade do processo. Ademais, não há demonstração de prejuízo, exigida pela Súmula nº 523 do STF. 9. O crime de associação para o tráfico, art. 35 da Lei nº 11.343/06, é um crime formal, o qual se perfaz sem a necessidade da efetiva circulação de drogas e exige a presença de apenas duas pessoas agrupadas de forma estável e permanente (elemento objetivo) com animus associativo (elemento subjetivo) voltado para a prática dos delitos previstos no art. 33, caput e 1º, e 34 da referida Lei de Drogas. Todavia, constitui um crime autônomo, ou seja, basta a presença do animus associativo de pessoas agrupadas de forma estável e permanente, tendo por finalidade a prática dos tipos previstos nos artigos 33, caput e 1º, e 34 da Lei de Drogas. 10. As provas produzidas durante a instrução processual são suficientes para comprovar o envolvimento dos réus com vasta rede destinada ao tráfico internacional de entorpecentes, operando gigantescas quantidades de drogas de forma dissimulada, tudo isso com estabilidade, permanência e divisão de funções claramente caracterizadas, com o objetivo de importar, refinar, manter e guardar a cocaína produzida na Bolívia, mormente no laboratório de refino do réu EUDES localizado em Santa Cruz de La Sierra, com internação no Brasil via aérea, mediante transporte realizado de automóvel pelo réu DEIVIT e por avião pelo réu WILSON, o qual deixava as drogas em fazendas do Mato Grosso e São Paulo para posterior distribuição em território nacional para outros traficantes sediados em vários Estados brasileiros. 11. Os monitoramentos telefônicos revelam estrutura e encadeamento dos atos que resultaram em várias apreensões de drogas no bojo da Operação Gaiola, demonstrando que não se trata de atos amadores, desprovidos de organização e planejamento. Os diálogos constantes nos autos permitem, à saciedade, comprovar as alegações formuladas pela acusação na peça exordial. 12. Há farta prova da vinculação dos PINs aos Investigados. Ela se deu como decorrência da atividade policial ao longo de um ano que, por seu departamento de inteligência, analisou as mensagens trocadas entre os alvos, realizou diligências de campo, pesquisas em bancos de dados da PF e buscas na internet e redes sociais, conforme explica o Relatório de Inteligência Policial (RIP) 26 às fls.4009 do 17º volume da interceptação telefônica. 13. Além da gigantesca interceptação telefônica, os depoimentos dos policiais federais não deixam margem a interpretações e foram prestados sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, portanto têm credibilidade e são instrumentos hábeis a respaldar a condenação dos réus, sobretudo quando adicionados às provas dos autos. 14. Em que pese a farta prova sobre o envolvimento do réu WILSON CARVALHO YAMAMOTTO em atividades voltadas ao tráfico internacional de drogas e, inclusive, de sua associação com o corréu EUDES CASARIN DA SILVA, não há comprovação suficiente de que era ele o piloto do avião que teria pousado em uma fazenda localizada em Campo Verde/MT e descarregado 270 Kg de cocaína. 15. A partir dos depoimentos e das provas colacionadas aos autos, fica uma dúvida bastante razoável sobre quem estava pilotando a aeronave que teria sido vista por populares, no dia 22/06/2013, aterrissando na pista da fazenda Marabá, em Campo Verde/MT. 16. Dosimetria. 17. A avaliação da personalidade do acusado e também da sua conduta social devem estar assentadas em elementos idôneos e devidamente demonstrados nos autos. 18. A natureza e a quantidade da substância ou do produto, nos termos do art. 42 da Lei n.º 11.343 /06, devem ser consideradas para exasperação da pena-base. 19. O agente que se organiza e se associa para traficar drogas internacionalmente com a remessa de entorpecentes por duas vias diversas de transporte possui a conduta muito mais censurável daquele que apenas a faz por um único meio, na medida em que o atingimento da saúde e paz públicas são mais fortes pela prática do crime de variadas formas. Em decorrência, as circunstâncias devem ser valoradas negativamente relativamente ao réu EUDES CASARIN DA SILVA. 20. No que diz respeito ao réu WILSON, restou provado nos autos que integra a organização criminosa como um de seus pilotos, mas não há demonstração de que exerça comando ou seja o responsável pela organização. 21. De toda a instrução processual, restou claro que o réu EUDES foi responsável pela organização e comando da associação criminosa do tráfico em questão, arregimentando o transportador, viabilizando o veículo, ordenando, determinando e planejando rotas e maneiras de ocultação do entorpecente. Irretocável, portanto, a sentença neste ponto e, portanto, deve incidir a agravante prevista no artigo 62, I do CP. 22. A circunstância prevista no art.66 do CP é relativa ao agente ou ao crime praticado. Ela somente pode ser reconhecida quando houver uma circunstância, não prevista expressamente em lei, que permita ao Juiz verificar a ocorrência de um fato indicativo de uma menor culpabilidade do agente. Não se nega que há presídios em péssimas condições no Brasil, mas isso não tem a ver com a dosimetria da pena, mas tão somente com o seu cumprimento. Acrescente-se que a lei não desconsidera a segregação cautelar, pois a considera quando da fixação do regime prisional inicial, determinando ao magistrado que faça a detração (art. 387, §2° do CPP) e, ainda, a mesma é computada como pena cumprida quando da execução penal. 23. Para a aplicação da causa de aumento da transnacionalidade do tráfico é irrelevante a distância da viagem realizada, pois a finalidade não é a disseminação do tráfico pelos lugares por onde o réu passaria, mas apenas a entrega da droga no destino. Em consequência, não há afetação maior do bem jurídico tutelado em razão de ser maior ou menor a distância a ser percorrida, até porque o dano à coletividade não depende da distância , mas à quantidade de pessoas que efetivamente recebem a droga. 24. A causa de aumento referente à interestadualidade do delito só é aplicável quando a droga tenha origem em um Estado da Federação e haja a intenção do agente de transportá-la para o território de um ou mais estados diferentes, não incidindo a majorante quando o intuito é importá-la ou exportá-la. 25. É pacífica a jurisprudência quanto à impossibilidade de se aplicar a referida causa de diminuição quando também se imputa ao Réu a prática do crime previsto no art. 35 da Lei de Drogas, eis que patente que se dedica às atividades criminosas. 26. Nos crimes de associação para o tráfico e tráfico de drogas, identifica-se o concurso material, uma vez que se trata de delitos autônomos, que pressupõem dolos e condutas distintas, podendo um se consumar independente do outro, motivo pelo qual as penas devem ser somadas, nos termos do art. 69 do Código Penal. 27. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, tendo em vista que a pena definitiva aplicada supera quatro anos de reclusão, não se encontrando preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal. 28. Exauridos os recursos nesta Corte e interpostos recursos dirigidos às Cortes Superiores (Recurso Extraordinário e Recurso Especial), expeça-se Carta de Sentença, bem como comunique-se ao Juízo de Origem para o início da execução da pena imposta à ré, sendo dispensadas tais providências em caso de trânsito em julgado, hipótese em que terá início a execução definitiva da pena. 29. Preliminares rejeitadas. Apelações das defesas e da acusação parcialmente providas.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em REJEITAR AS PRELIMINARES suscitadas pelas defesas dos réus EUDES CASARIN DA SILVA, WILSON CARVALHO YAMAMOTTO; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso do réu EUDES CASARIN DA SILVA, para afastar a valoração negativa quanto à personalidade, na primeira fase de dosimetria da pena dos crimes previstos nos artigos 33 e 35 do Lei n° 11343/2006, bem como para afastar a causa de aumento pela interestadualidade, na terceira fase da dosimetria do crime de associação para o tráfico; DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo da defesa do réu WILSON CARVALHO YAMAMOTTO, para, com fundamento no artigo 386, VII, do CPP absolvê-lo da imputação referente ao crime previsto no artigo 33, caput c/c art. 40, I, todos da Lei 11.343/06 e afastar a causa de aumento pela interestadualidade, na terceira fase da dosimetria do crime de associação para o tráfico; DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da acusação, para majorar a pena-base dos réus na primeira fase da dosimetria do crime de associação para o tráfico e, para o réu EUDES CASARIN DA SILVA, também no crime de tráfico transnacional de drogas, e, por maioria, fixar as seguintes penas definitivas para os réus: i) EUDES CASARIN DA SILVA, pena definitiva de 19 (dezenove) anos e 10 (dez) meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, e pagamento de 2.226 (dois mil duzentos e vinte e seis) dias-multa, cada qual no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à data dos fatos, pela prática dos delitos previstos nos artigos 33, caput, e 35, ambos c.c. o artigo 40, inciso I, tudo da Lei n.º 11.343/2006; ii) WILSON CARVALHO YAMAMOTTO, pena definitiva de 07 (sete) anos de reclusão, no regime inicial semiaberto, e pagamento de 985 (novecentos e oitenta e cinco) dias-multa, cada um no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à data dos fatos, pela prática do delito previsto no artigo 35 c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei n.º 11.343/2006; iii) DEIVIT ROBERTO DEZAN, pena definitiva de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial semiaberto, e pagamento de 860 (oitocentos e sessenta) dias-multa, cada qual no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à data dos fatos, pela prática do delito previsto no artigo 35 c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei n.º 11.343/2006, nos termos do voto do Des. Fed. Fausto De Sanctis com quem votou o Des. Fed. Nino Toldo.

Data do Julgamento : 04/09/2018
Data da Publicação : 04/10/2018
Classe/Assunto : Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 71296
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Relator para acórdão : DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Referência legislativa : ***** LDR-06 LEI DE DROGAS LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-33 PAR-4 ART-35 PAR-1 ART-34 ART-42 ART-40 INC-1 LEG-FED DEC-3810 ANO-2001 ART-1 ART-4 ITEM 2 - MLAT ITENS 1 E 3 ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-12 LEG-FED DEC-6747 ANO-2009 LEG-FED LEI-9296 ANO-1996 ART-5 ***** STF SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL LEG-FED SUM-523 ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-62 INC-1 ART-66 ART-69 ART-44 ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-387 PAR-2 ART-386 INC-7
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/10/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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