TRF3 0001093-86.2014.4.03.6143 00010938620144036143
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE
DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. OFÍCIO DO DEA. COOPERAÇÃO JURÍDICA
INTERNACIONAL. DESNECESSIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. AUTORIDADE
CENTRAL. DESNECESSIDADE. PRORROGAÇÃO. LEGALIDADE. INDEFERIMENTO DE
DILIGÊNCIAS. COMPETÊNCIA DISCRICIONÁRIA DO JUIZ. DEFESA TÉCNICA
DEFICIENTE. INEXISTÊNCIA. TRANSNACIONALIDADE. MATERIALIDADE
COMPROVADA. AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA
PENA. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. CIRCUNSTÂNCIAS. LIDERANÇA
E COMANDO. PERSONALIDADE. ATENUANTE INOMINADA. MÁS CONDIÇÕES
CARCERÁRIAS. NÃO APLICAÇÃO. INTERESTADUALIDADE NÃO CONFIGURADA. NÃO
INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARTIGO 33, § 4º,
DA LEI 11.343/2006. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE
FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME SEMIABERTO. RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO
APREENDIDO. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO DA DEFESA NÃO PROVIDA. APELAÇÃO
DA ACUSAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. O ofício do DEA (Drug Enforcement Administration) não configura um
pedido de cooperação jurídica internacional propriamente dito, tal como
previsto no art.1º, item 02, do Decreto Presidencial nº.3.810/2001 (MLAT),
pois o DEA não solicitou ao Coordenador Geral de Polícia de Repressão
a Entorpecentes do Departamento de Polícia Federal a realização de
procedimentos probatórios - busca e apreensão, entrega de documentos,
confisco de bens, interceptação telefônica - previstos no MLAT em seu
art.1°, com as formalidades previstas no art. 4° e seus itens 01 a 03
e alíneas, houve somente uma mera comunicação da prática de crimes de
tráfico internacional de drogas e associação criminosa por brasileiros,
inclusive com ramificação no exterior.
2. O sigilo talhado por proteção constitucional previsto no art.5, inciso
XII, in fine, da Magna Carta, é da comunicação telefônica propriamente
dita - a conversa entre os interlocutores - e não os dados, em si mesmos
considerados, guarnecidos nos aparelhos de telefonia ou os dados cadastrais dos
seus usuários. Portanto, a mera informação de que determinados sujeitos,
utilizando determinados PINs, estariam se comunicando para a prática de
tráfico internacional de drogas, não significa que a empresa RIM, sediada
no Canadá, forneceu dados sigilosos, somente atingíveis por decisão
judicial, ao DEA, e este, também sem prévia ordem judicial autorizativa,
enviou tais dados cadastrais à Autoridade Policial brasileira ilegalmente,
na medida em que a notitia criminis do DEA se limitou a apontar os dados
cadastrais de pessoas envolvidas com tráfico ilícito de drogas, e não
conversas entre estes agentes.
3. Os ofícios judiciais requisitando as interceptações telefônicas e
telemáticas (mídia de fl. 23) foram direcionados à Research In Motion
(RIM) é representada no Brasil pela BlackBerry, sendo sócia majoritária
da Blackberry Serviços de Suporte de Vendas do Brasil Ltda, CNPJ:
07.058.628/0001-97, a qual é domiciliada na Avenida das Nações Unidas
nº.14.171, 15 andar, Edifício Marble Tower, Vila Gertrudes, São Paulo,
CEP: 04.794-0000 (impressos em anexo I). Tal empresa, ainda que os dados
estejam armazenados em outro país, é apta a fornecer as informações
requisitadas pelo Poder Judiciário. Ademais, a empresa não manifestou
qualquer impossibilidade do cumprimento da ordem judicial.
4. Não houve participação do Canadá no procedimento que transcorreu em
território nacional. Em decorrência, não há que se falar na aplicação
do Tratado de Assistência Mútua em Matéria Penal entre o Brasil e o
Canadá, promulgado no Brasil pelo Decreto n° 6.747/2009 e, logo, não há
a necessidade de qualquer interveniência da denominada Autoridade Central.
5. Desde que ocorra a realização de diligências para, pautado na colheita
de elementos informativos resultantes das diligências, requerer-se a quebra
de sigilo telefônico não há ilegalidade.
6. Muito embora o artigo 5º da Lei nº 9.296/1996 estabeleça o prazo de
15 dias para a interceptação telefônica, prorrogáveis por mais 15 dias,
inexiste restrição ao número de dilações possíveis, devendo apenas
ser precedidas de motivação que justifique a prorrogação, observados os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, como é o caso dos autos,
que cuida de investigação complexa e que envolve a participação de vários
agentes reunidos em torno de uma organização criminosa. Compartilhando
desse entendimento o Supremo Tribunal Federal assentou ser possível a
prorrogação do prazo de autorização da interceptação telefônica,
mesmo que sucessiva, quando a intensidade e a complexidade das condutas
delitivas investigadas assim o demandarem, sendo este o caso dos autos.
7. O simples indeferimento do pedido de produção de provas não implica
necessariamente em cerceamento de defesa, desde que a decisão seja
adequadamente motivada, pois tal procedimento faz parte de competência
discricionária do juiz, a quem cabe, a partir de uma avaliação pessoal
baseada no princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão
racional do juiz, decidir sobre a conveniência e necessidade de produção
das provas requeridas.
8. Todos os atos processuais foram realizados a contento e não houve
caracterização de atuação deficiente que acarretasse a nulidade do
processo. Ademais, não há demonstração de prejuízo, exigida pela Súmula
nº 523 do STF.
9. O crime de associação para o tráfico, art. 35 da Lei nº 11.343/06, é
um crime formal, o qual se perfaz sem a necessidade da efetiva circulação
de drogas e exige a presença de apenas duas pessoas agrupadas de forma
estável e permanente (elemento objetivo) com animus associativo (elemento
subjetivo) voltado para a prática dos delitos previstos no art. 33, caput e
1º, e 34 da referida Lei de Drogas. Todavia, constitui um crime autônomo,
ou seja, basta a presença do animus associativo de pessoas agrupadas de
forma estável e permanente, tendo por finalidade a prática dos tipos
previstos nos artigos 33, caput e 1º, e 34 da Lei de Drogas.
10. As provas produzidas durante a instrução processual são suficientes
para comprovar o envolvimento dos réus com vasta rede destinada ao tráfico
internacional de entorpecentes, operando gigantescas quantidades de drogas
de forma dissimulada, tudo isso com estabilidade, permanência e divisão
de funções claramente caracterizadas, com o objetivo de importar, refinar,
manter e guardar a cocaína produzida na Bolívia, mormente no laboratório de
refino do réu EUDES localizado em Santa Cruz de La Sierra, com internação
no Brasil via aérea, mediante transporte realizado de automóvel pelo réu
DEIVIT e por avião pelo réu WILSON, o qual deixava as drogas em fazendas
do Mato Grosso e São Paulo para posterior distribuição em território
nacional para outros traficantes sediados em vários Estados brasileiros.
11. Os monitoramentos telefônicos revelam estrutura e encadeamento dos atos
que resultaram em várias apreensões de drogas no bojo da Operação Gaiola,
demonstrando que não se trata de atos amadores, desprovidos de organização
e planejamento. Os diálogos constantes nos autos permitem, à saciedade,
comprovar as alegações formuladas pela acusação na peça exordial.
12. Há farta prova da vinculação dos PINs aos Investigados. Ela se deu
como decorrência da atividade policial ao longo de um ano que, por seu
departamento de inteligência, analisou as mensagens trocadas entre os alvos,
realizou diligências de campo, pesquisas em bancos de dados da PF e buscas
na internet e redes sociais, conforme explica o Relatório de Inteligência
Policial (RIP) 26 às fls.4009 do 17º volume da interceptação telefônica.
13. Além da gigantesca interceptação telefônica, os depoimentos dos
policiais federais não deixam margem a interpretações e foram prestados
sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, portanto têm credibilidade
e são instrumentos hábeis a respaldar a condenação dos réus, sobretudo
quando adicionados às provas dos autos.
14. Em que pese a farta prova sobre o envolvimento do réu WILSON CARVALHO
YAMAMOTTO em atividades voltadas ao tráfico internacional de drogas e,
inclusive, de sua associação com o corréu EUDES CASARIN DA SILVA, não há
comprovação suficiente de que era ele o piloto do avião que teria pousado
em uma fazenda localizada em Campo Verde/MT e descarregado 270 Kg de cocaína.
15. A partir dos depoimentos e das provas colacionadas aos autos, fica uma
dúvida bastante razoável sobre quem estava pilotando a aeronave que teria
sido vista por populares, no dia 22/06/2013, aterrissando na pista da fazenda
Marabá, em Campo Verde/MT.
16. Dosimetria.
17. A avaliação da personalidade do acusado e também da sua conduta social
devem estar assentadas em elementos idôneos e devidamente demonstrados nos
autos.
18. A natureza e a quantidade da substância ou do produto, nos termos do
art. 42 da Lei n.º 11.343 /06, devem ser consideradas para exasperação
da pena-base.
19. O agente que se organiza e se associa para traficar drogas
internacionalmente com a remessa de entorpecentes por duas vias diversas de
transporte possui a conduta muito mais censurável daquele que apenas a faz
por um único meio, na medida em que o atingimento da saúde e paz públicas
são mais fortes pela prática do crime de variadas formas. Em decorrência,
as circunstâncias devem ser valoradas negativamente relativamente ao réu
EUDES CASARIN DA SILVA.
20. No que diz respeito ao réu WILSON, restou provado nos autos que integra
a organização criminosa como um de seus pilotos, mas não há demonstração
de que exerça comando ou seja o responsável pela organização.
21. De toda a instrução processual, restou claro que o réu EUDES foi
responsável pela organização e comando da associação criminosa do
tráfico em questão, arregimentando o transportador, viabilizando o veículo,
ordenando, determinando e planejando rotas e maneiras de ocultação do
entorpecente. Irretocável, portanto, a sentença neste ponto e, portanto,
deve incidir a agravante prevista no artigo 62, I do CP.
22. A circunstância prevista no art.66 do CP é relativa ao agente ou
ao crime praticado. Ela somente pode ser reconhecida quando houver uma
circunstância, não prevista expressamente em lei, que permita ao Juiz
verificar a ocorrência de um fato indicativo de uma menor culpabilidade do
agente. Não se nega que há presídios em péssimas condições no Brasil,
mas isso não tem a ver com a dosimetria da pena, mas tão somente com o
seu cumprimento. Acrescente-se que a lei não desconsidera a segregação
cautelar, pois a considera quando da fixação do regime prisional inicial,
determinando ao magistrado que faça a detração (art. 387, §2° do CPP)
e, ainda, a mesma é computada como pena cumprida quando da execução penal.
23. Para a aplicação da causa de aumento da transnacionalidade do tráfico
é irrelevante a distância da viagem realizada, pois a finalidade não é a
disseminação do tráfico pelos lugares por onde o réu passaria, mas apenas
a entrega da droga no destino. Em consequência, não há afetação maior
do bem jurídico tutelado em razão de ser maior ou menor a distância a ser
percorrida, até porque o dano à coletividade não depende da distância ,
mas à quantidade de pessoas que efetivamente recebem a droga.
24. A causa de aumento referente à interestadualidade do delito só é
aplicável quando a droga tenha origem em um Estado da Federação e haja
a intenção do agente de transportá-la para o território de um ou mais
estados diferentes, não incidindo a majorante quando o intuito é importá-la
ou exportá-la.
25. É pacífica a jurisprudência quanto à impossibilidade de se aplicar
a referida causa de diminuição quando também se imputa ao Réu a prática
do crime previsto no art. 35 da Lei de Drogas, eis que patente que se dedica
às atividades criminosas.
26. Nos crimes de associação para o tráfico e tráfico de drogas,
identifica-se o concurso material, uma vez que se trata de delitos autônomos,
que pressupõem dolos e condutas distintas, podendo um se consumar independente
do outro, motivo pelo qual as penas devem ser somadas, nos termos do art. 69
do Código Penal.
27. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, tendo em vista que a pena definitiva aplicada supera
quatro anos de reclusão, não se encontrando preenchidos os requisitos do
art. 44 do Código Penal.
28. Exauridos os recursos nesta Corte e interpostos recursos dirigidos às
Cortes Superiores (Recurso Extraordinário e Recurso Especial), expeça-se
Carta de Sentença, bem como comunique-se ao Juízo de Origem para o início
da execução da pena imposta à ré, sendo dispensadas tais providências
em caso de trânsito em julgado, hipótese em que terá início a execução
definitiva da pena.
29. Preliminares rejeitadas. Apelações das defesas e da acusação
parcialmente providas.
Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE
DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. OFÍCIO DO DEA. COOPERAÇÃO JURÍDICA
INTERNACIONAL. DESNECESSIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. AUTORIDADE
CENTRAL. DESNECESSIDADE. PRORROGAÇÃO. LEGALIDADE. INDEFERIMENTO DE
DILIGÊNCIAS. COMPETÊNCIA DISCRICIONÁRIA DO JUIZ. DEFESA TÉCNICA
DEFICIENTE. INEXISTÊNCIA. TRANSNACIONALIDADE. MATERIALIDADE
COMPROVADA. AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA
PENA. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. CIRCUNSTÂNCIAS. LIDERANÇA
E COMANDO. PERSONALIDADE. ATENUANTE INOMINADA. MÁS CONDIÇÕES
CARCERÁRIAS. NÃO APLICAÇÃO. INTERESTADUALIDADE NÃO CONFIGURADA. NÃO
INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARTIGO 33, § 4º,
DA LEI 11.343/2006. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE
FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME SEMIABERTO. RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO
APREENDIDO. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO DA DEFESA NÃO PROVIDA. APELAÇÃO
DA ACUSAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. O ofício do DEA (Drug Enforcement Administration) não configura um
pedido de cooperação jurídica internacional propriamente dito, tal como
previsto no art.1º, item 02, do Decreto Presidencial nº.3.810/2001 (MLAT),
pois o DEA não solicitou ao Coordenador Geral de Polícia de Repressão
a Entorpecentes do Departamento de Polícia Federal a realização de
procedimentos probatórios - busca e apreensão, entrega de documentos,
confisco de bens, interceptação telefônica - previstos no MLAT em seu
art.1°, com as formalidades previstas no art. 4° e seus itens 01 a 03
e alíneas, houve somente uma mera comunicação da prática de crimes de
tráfico internacional de drogas e associação criminosa por brasileiros,
inclusive com ramificação no exterior.
2. O sigilo talhado por proteção constitucional previsto no art.5, inciso
XII, in fine, da Magna Carta, é da comunicação telefônica propriamente
dita - a conversa entre os interlocutores - e não os dados, em si mesmos
considerados, guarnecidos nos aparelhos de telefonia ou os dados cadastrais dos
seus usuários. Portanto, a mera informação de que determinados sujeitos,
utilizando determinados PINs, estariam se comunicando para a prática de
tráfico internacional de drogas, não significa que a empresa RIM, sediada
no Canadá, forneceu dados sigilosos, somente atingíveis por decisão
judicial, ao DEA, e este, também sem prévia ordem judicial autorizativa,
enviou tais dados cadastrais à Autoridade Policial brasileira ilegalmente,
na medida em que a notitia criminis do DEA se limitou a apontar os dados
cadastrais de pessoas envolvidas com tráfico ilícito de drogas, e não
conversas entre estes agentes.
3. Os ofícios judiciais requisitando as interceptações telefônicas e
telemáticas (mídia de fl. 23) foram direcionados à Research In Motion
(RIM) é representada no Brasil pela BlackBerry, sendo sócia majoritária
da Blackberry Serviços de Suporte de Vendas do Brasil Ltda, CNPJ:
07.058.628/0001-97, a qual é domiciliada na Avenida das Nações Unidas
nº.14.171, 15 andar, Edifício Marble Tower, Vila Gertrudes, São Paulo,
CEP: 04.794-0000 (impressos em anexo I). Tal empresa, ainda que os dados
estejam armazenados em outro país, é apta a fornecer as informações
requisitadas pelo Poder Judiciário. Ademais, a empresa não manifestou
qualquer impossibilidade do cumprimento da ordem judicial.
4. Não houve participação do Canadá no procedimento que transcorreu em
território nacional. Em decorrência, não há que se falar na aplicação
do Tratado de Assistência Mútua em Matéria Penal entre o Brasil e o
Canadá, promulgado no Brasil pelo Decreto n° 6.747/2009 e, logo, não há
a necessidade de qualquer interveniência da denominada Autoridade Central.
5. Desde que ocorra a realização de diligências para, pautado na colheita
de elementos informativos resultantes das diligências, requerer-se a quebra
de sigilo telefônico não há ilegalidade.
6. Muito embora o artigo 5º da Lei nº 9.296/1996 estabeleça o prazo de
15 dias para a interceptação telefônica, prorrogáveis por mais 15 dias,
inexiste restrição ao número de dilações possíveis, devendo apenas
ser precedidas de motivação que justifique a prorrogação, observados os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, como é o caso dos autos,
que cuida de investigação complexa e que envolve a participação de vários
agentes reunidos em torno de uma organização criminosa. Compartilhando
desse entendimento o Supremo Tribunal Federal assentou ser possível a
prorrogação do prazo de autorização da interceptação telefônica,
mesmo que sucessiva, quando a intensidade e a complexidade das condutas
delitivas investigadas assim o demandarem, sendo este o caso dos autos.
7. O simples indeferimento do pedido de produção de provas não implica
necessariamente em cerceamento de defesa, desde que a decisão seja
adequadamente motivada, pois tal procedimento faz parte de competência
discricionária do juiz, a quem cabe, a partir de uma avaliação pessoal
baseada no princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão
racional do juiz, decidir sobre a conveniência e necessidade de produção
das provas requeridas.
8. Todos os atos processuais foram realizados a contento e não houve
caracterização de atuação deficiente que acarretasse a nulidade do
processo. Ademais, não há demonstração de prejuízo, exigida pela Súmula
nº 523 do STF.
9. O crime de associação para o tráfico, art. 35 da Lei nº 11.343/06, é
um crime formal, o qual se perfaz sem a necessidade da efetiva circulação
de drogas e exige a presença de apenas duas pessoas agrupadas de forma
estável e permanente (elemento objetivo) com animus associativo (elemento
subjetivo) voltado para a prática dos delitos previstos no art. 33, caput e
1º, e 34 da referida Lei de Drogas. Todavia, constitui um crime autônomo,
ou seja, basta a presença do animus associativo de pessoas agrupadas de
forma estável e permanente, tendo por finalidade a prática dos tipos
previstos nos artigos 33, caput e 1º, e 34 da Lei de Drogas.
10. As provas produzidas durante a instrução processual são suficientes
para comprovar o envolvimento dos réus com vasta rede destinada ao tráfico
internacional de entorpecentes, operando gigantescas quantidades de drogas
de forma dissimulada, tudo isso com estabilidade, permanência e divisão
de funções claramente caracterizadas, com o objetivo de importar, refinar,
manter e guardar a cocaína produzida na Bolívia, mormente no laboratório de
refino do réu EUDES localizado em Santa Cruz de La Sierra, com internação
no Brasil via aérea, mediante transporte realizado de automóvel pelo réu
DEIVIT e por avião pelo réu WILSON, o qual deixava as drogas em fazendas
do Mato Grosso e São Paulo para posterior distribuição em território
nacional para outros traficantes sediados em vários Estados brasileiros.
11. Os monitoramentos telefônicos revelam estrutura e encadeamento dos atos
que resultaram em várias apreensões de drogas no bojo da Operação Gaiola,
demonstrando que não se trata de atos amadores, desprovidos de organização
e planejamento. Os diálogos constantes nos autos permitem, à saciedade,
comprovar as alegações formuladas pela acusação na peça exordial.
12. Há farta prova da vinculação dos PINs aos Investigados. Ela se deu
como decorrência da atividade policial ao longo de um ano que, por seu
departamento de inteligência, analisou as mensagens trocadas entre os alvos,
realizou diligências de campo, pesquisas em bancos de dados da PF e buscas
na internet e redes sociais, conforme explica o Relatório de Inteligência
Policial (RIP) 26 às fls.4009 do 17º volume da interceptação telefônica.
13. Além da gigantesca interceptação telefônica, os depoimentos dos
policiais federais não deixam margem a interpretações e foram prestados
sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, portanto têm credibilidade
e são instrumentos hábeis a respaldar a condenação dos réus, sobretudo
quando adicionados às provas dos autos.
14. Em que pese a farta prova sobre o envolvimento do réu WILSON CARVALHO
YAMAMOTTO em atividades voltadas ao tráfico internacional de drogas e,
inclusive, de sua associação com o corréu EUDES CASARIN DA SILVA, não há
comprovação suficiente de que era ele o piloto do avião que teria pousado
em uma fazenda localizada em Campo Verde/MT e descarregado 270 Kg de cocaína.
15. A partir dos depoimentos e das provas colacionadas aos autos, fica uma
dúvida bastante razoável sobre quem estava pilotando a aeronave que teria
sido vista por populares, no dia 22/06/2013, aterrissando na pista da fazenda
Marabá, em Campo Verde/MT.
16. Dosimetria.
17. A avaliação da personalidade do acusado e também da sua conduta social
devem estar assentadas em elementos idôneos e devidamente demonstrados nos
autos.
18. A natureza e a quantidade da substância ou do produto, nos termos do
art. 42 da Lei n.º 11.343 /06, devem ser consideradas para exasperação
da pena-base.
19. O agente que se organiza e se associa para traficar drogas
internacionalmente com a remessa de entorpecentes por duas vias diversas de
transporte possui a conduta muito mais censurável daquele que apenas a faz
por um único meio, na medida em que o atingimento da saúde e paz públicas
são mais fortes pela prática do crime de variadas formas. Em decorrência,
as circunstâncias devem ser valoradas negativamente relativamente ao réu
EUDES CASARIN DA SILVA.
20. No que diz respeito ao réu WILSON, restou provado nos autos que integra
a organização criminosa como um de seus pilotos, mas não há demonstração
de que exerça comando ou seja o responsável pela organização.
21. De toda a instrução processual, restou claro que o réu EUDES foi
responsável pela organização e comando da associação criminosa do
tráfico em questão, arregimentando o transportador, viabilizando o veículo,
ordenando, determinando e planejando rotas e maneiras de ocultação do
entorpecente. Irretocável, portanto, a sentença neste ponto e, portanto,
deve incidir a agravante prevista no artigo 62, I do CP.
22. A circunstância prevista no art.66 do CP é relativa ao agente ou
ao crime praticado. Ela somente pode ser reconhecida quando houver uma
circunstância, não prevista expressamente em lei, que permita ao Juiz
verificar a ocorrência de um fato indicativo de uma menor culpabilidade do
agente. Não se nega que há presídios em péssimas condições no Brasil,
mas isso não tem a ver com a dosimetria da pena, mas tão somente com o
seu cumprimento. Acrescente-se que a lei não desconsidera a segregação
cautelar, pois a considera quando da fixação do regime prisional inicial,
determinando ao magistrado que faça a detração (art. 387, §2° do CPP)
e, ainda, a mesma é computada como pena cumprida quando da execução penal.
23. Para a aplicação da causa de aumento da transnacionalidade do tráfico
é irrelevante a distância da viagem realizada, pois a finalidade não é a
disseminação do tráfico pelos lugares por onde o réu passaria, mas apenas
a entrega da droga no destino. Em consequência, não há afetação maior
do bem jurídico tutelado em razão de ser maior ou menor a distância a ser
percorrida, até porque o dano à coletividade não depende da distância ,
mas à quantidade de pessoas que efetivamente recebem a droga.
24. A causa de aumento referente à interestadualidade do delito só é
aplicável quando a droga tenha origem em um Estado da Federação e haja
a intenção do agente de transportá-la para o território de um ou mais
estados diferentes, não incidindo a majorante quando o intuito é importá-la
ou exportá-la.
25. É pacífica a jurisprudência quanto à impossibilidade de se aplicar
a referida causa de diminuição quando também se imputa ao Réu a prática
do crime previsto no art. 35 da Lei de Drogas, eis que patente que se dedica
às atividades criminosas.
26. Nos crimes de associação para o tráfico e tráfico de drogas,
identifica-se o concurso material, uma vez que se trata de delitos autônomos,
que pressupõem dolos e condutas distintas, podendo um se consumar independente
do outro, motivo pelo qual as penas devem ser somadas, nos termos do art. 69
do Código Penal.
27. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por
restritiva de direitos, tendo em vista que a pena definitiva aplicada supera
quatro anos de reclusão, não se encontrando preenchidos os requisitos do
art. 44 do Código Penal.
28. Exauridos os recursos nesta Corte e interpostos recursos dirigidos às
Cortes Superiores (Recurso Extraordinário e Recurso Especial), expeça-se
Carta de Sentença, bem como comunique-se ao Juízo de Origem para o início
da execução da pena imposta à ré, sendo dispensadas tais providências
em caso de trânsito em julgado, hipótese em que terá início a execução
definitiva da pena.
29. Preliminares rejeitadas. Apelações das defesas e da acusação
parcialmente providas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da
3ª Região, por unanimidade, em REJEITAR AS PRELIMINARES suscitadas pelas
defesas dos réus EUDES CASARIN DA SILVA, WILSON CARVALHO YAMAMOTTO; DAR
PARCIAL PROVIMENTO ao recurso do réu EUDES CASARIN DA SILVA, para afastar a
valoração negativa quanto à personalidade, na primeira fase de dosimetria
da pena dos crimes previstos nos artigos 33 e 35 do Lei n° 11343/2006, bem
como para afastar a causa de aumento pela interestadualidade, na terceira
fase da dosimetria do crime de associação para o tráfico; DAR PARCIAL
PROVIMENTO ao apelo da defesa do réu WILSON CARVALHO YAMAMOTTO, para, com
fundamento no artigo 386, VII, do CPP absolvê-lo da imputação referente
ao crime previsto no artigo 33, caput c/c art. 40, I, todos da Lei 11.343/06
e afastar a causa de aumento pela interestadualidade, na terceira fase da
dosimetria do crime de associação para o tráfico; DAR PARCIAL PROVIMENTO
à apelação da acusação, para majorar a pena-base dos réus na primeira
fase da dosimetria do crime de associação para o tráfico e, para o réu
EUDES CASARIN DA SILVA, também no crime de tráfico transnacional de drogas,
e, por maioria, fixar as seguintes penas definitivas para os réus: i) EUDES
CASARIN DA SILVA, pena definitiva de 19 (dezenove) anos e 10 (dez) meses de
reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado, e pagamento de 2.226 (dois
mil duzentos e vinte e seis) dias-multa, cada qual no valor unitário de 1/30
(um trigésimo) do salário mínimo vigente à data dos fatos, pela prática
dos delitos previstos nos artigos 33, caput, e 35, ambos c.c. o artigo 40,
inciso I, tudo da Lei n.º 11.343/2006; ii) WILSON CARVALHO YAMAMOTTO, pena
definitiva de 07 (sete) anos de reclusão, no regime inicial semiaberto,
e pagamento de 985 (novecentos e oitenta e cinco) dias-multa, cada um no
valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à data
dos fatos, pela prática do delito previsto no artigo 35 c.c. o artigo 40,
inciso I, ambos da Lei n.º 11.343/2006; iii) DEIVIT ROBERTO DEZAN, pena
definitiva de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, a ser cumprida
no regime inicial semiaberto, e pagamento de 860 (oitocentos e sessenta)
dias-multa, cada qual no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário
mínimo vigente à data dos fatos, pela prática do delito previsto no artigo
35 c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei n.º 11.343/2006, nos termos do
voto do Des. Fed. Fausto De Sanctis com quem votou o Des. Fed. Nino Toldo.
Data do Julgamento
:
04/09/2018
Data da Publicação
:
04/10/2018
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 71296
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Referência
legislativa
:
***** LDR-06 LEI DE DROGAS
LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-33 PAR-4 ART-35 PAR-1 ART-34 ART-42 ART-40
INC-1
LEG-FED DEC-3810 ANO-2001 ART-1 ART-4
ITEM 2 - MLAT
ITENS 1 E 3
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-12
LEG-FED DEC-6747 ANO-2009
LEG-FED LEI-9296 ANO-1996 ART-5
***** STF SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
LEG-FED SUM-523
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-62 INC-1 ART-66 ART-69 ART-44
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-387 PAR-2 ART-386 INC-7
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/10/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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