TRF3 0001097-46.2015.4.03.6125 00010974620154036125
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ARTIGO 273, §1º-B, INCISO I, DO CÓDIGO
PENAL. IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTOS SEM REGISTRO NO ÓRGÃO DE
VIGILÂNCIA. EMENDATIO LIBELLI AFASTADA. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO
334 DO CÓDIGO PENAL. PRECEITO SECUNDÁRIO DO ARTIGO 273 DO CÓDIGO
PENAL. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE. PENA APLICADA. ARTIGO 33 DA LEI N.º
11.343/2006. RESTRITIVA DE DIREITOS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA.
- Materialidade e Autoria. Comprovada através de Auto de Prisão em Flagrante,
Auto de Apresentação e Apreensão de 50 cartelas do medicamento PRAMIL,
dentre outros itens (roupas, perfumes, eletrônicos e artigos de pesca), Laudo
de Perícia n.º 3700/2015, elaborado pelo SETEC - Núcleo de Criminalística
da Polícia Federal (fls. 42/46), apontando que o medicamento apreendido
com a acusada (PRAMIL) não possui registro na ANVISA, portanto não pode
ser comercializado em território nacional, depoimento das testemunhas e
confissão da ré.
- Emendatio Libelli. É certo que a conduta prevista no art. 273, §1º-B,
inciso I, do Código Penal, na modalidade importar, assemelha-se à trazida
pelo crime de contrabando (importar ou exportar mercadoria proibida). Contudo,
o tipo penal inscrito no primeiro dispositivo mencionado objetiva tutelar a
saúde pública, de modo que não é possível a incidência do art. 334 do
Código Penal, que traz previsão genérica, em detrimento da caracterização
do tipo penal específico do art. 273, §1º-B, inciso I, do CP. Diante
do conjunto probatório analisado, restou comprovada a atuação livre e
consciente da ré, na importação e internalização em território nacional
de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária competente,
com intuito de comercialização, devendo ser afastada a emendatio libelli
para reclassificação do delito para o crime de contrabando.
- Preceito sancionador do artigo 273 do Código Penal. Se por um lado
justifica-se a previsão de penas mais severas para condutas mais
censuráveis, como as do caput e as dos §§ 1º e 1º-A do art. 273 do
Código Penal, que implicam necessariamente em dano potencial às vítimas
diretas, de outro não se pode tolher a individualização da pena às
circunstâncias do caso concreto quando estas forem relativas ao §1º-B do
mesmo dispositivo. Fazendo-se uma comparação, ainda que breve, tratam-se de
atos muito distintos - e que implicam riscos quase incomparáveis entre si -
os de: a) introduzir no País medicamentos que não têm registro na ANVISA,
sobretudo em pequena quantidade, e ainda, que não têm relação com doenças
graves e/ou apresentam grande risco de morte; e b) falsificar, adulterar ou
vender remédios e produtos relacionados sabidamente alterados. Atos como o
perpetrado pelos réus foram equiparados a outros de natureza muito mais grave,
gerando uma notável distorção que pode ser atenuada pela devida valoração
e adequação que cabe ao julgador realizar em relação ao caso concreto.
- No tocante ao art. 273, §1º-B, do Código Penal, tem-se que só é
justificável a aplicação da pena prevista quando a conduta delitiva possa
gerar grandes danos à saúde pública - o que não significa necessariamente
o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei n. 9.677, de 02.07.1998 (que
incluiu o referido dispositivo no estatuto repressivo). Conquanto o Órgão
Especial desta C. Corte tenha se pronunciado pela constitucionalidade do
preceito sancionador do delito previsto no art. 273 do Código Penal, nos
autos de Arguição de Inconstitucionalidade nº 000793-60.2009.4.03.6124
(e-DJF3 23.08.2013), curvo-me a ao novel entendimento da Corte Superior. A
pena aplicada deve ser justa, manter razoabilidade e proporcionalidade com
o delito cometido, o que não se vislumbra do preceito secundário inserto
no art. 273, § 1º-B, do Código Penal.
- Deve-se utilizar a pena do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, a fim de sanar
a desproporcionalidade apontada.
- Dosimetria da pena. 1ª Fase: A culpabilidade é normal à espécie, não
tendo o condão de exasperar a pena-base. As certidões de antecedentes
criminais acostadas aos autos não apontam a existência de condenação
criminal transitada em julgado. Quanto à personalidade e conduta social
da ré, deixo de valorá-las negativamente, pois ausentes elementos para
sua aferição. O motivo do crime é inerente à espécie. No que tange às
consequências, circunstâncias do crime e comportamento da vítima deixo de
valorá-las negativamente, pois são normais à espécie. Pena-base fixada no
mínimo legal, em 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa
(art. 33 da Lei nº 11.343/2006). 2ª Fase - Ausência de agravante. Seria o
caso de incidir as circunstâncias atenuantes previstas no artigo 65, inciso
I e III, alínea d, do Código Penal, pois a ré, com idade superior a 70
anos na data da sentença, confessou a autoria do crime em sede policial e
em juízo. Contudo, em razão da Súmula nº 231 do Superior Tribunal de
Justiça, a pena não pode ser reduzida abaixo do mínimo legal, razão
pela qual permanece em 05 (cinco) anos de reclusão. 3ª Fase - Mostra-se
possível aplicar ao caso concreto a causa de aumento de pena prevista
no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, na fração de 1/6, tendo
em vista a comprovação da transnacionalidade dos fármacos apreendidos,
a redundar em pena intermediária de 05 anos e 10 meses de reclusão. Por
outro lado, tem cabimento incidir na espécie a causa de diminuição de
pena contida no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, tendo em vista
ser a ré primária, ostentar bons antecedentes, não haver notícia de
que se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa,
bem como pela pequena quantidade de fármacos apreendidos, deve ser fixada
a fração redutora em 1/2. Pena definitiva fixada em 02 (dois) anos e 11
(onze) meses de reclusão. Proporcionalmente, a pena de multa resta fixada
em 291(duzentos e noventa e um) dias-multa, no valor unitário de 1/30
(um trinta avos) do salário mínimo à época dos fatos. O quantum da pena
corresponde à fixação do regime inicial ABERTO, nos termos do art. 33,
§ 2º, "c", do Código Penal.
- Penas restritivas de direito. Preenchidos os requisitos e considerando
que a condenação da acusada é de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses
de reclusão, a substituição da pena privativa de liberdade por uma
restritiva de direito e outra de multa foi corretamente determinado pelo
juízo a quo. No caso concreto, analisando a reprimenda aplicada à ré,
a pena de prestação pecuniária deve ser reduzida e fixada em 01 (um)
salário mínimo. Substituição da pena privativa de liberdade por duas
penas restritivas de direito, consistentes na prestação pecuniária no
valor de 01 (um) salário mínimo, vigente na data da conduta, a serem pagos
em favor de entidade pública ou privada com destinação social, e multa no
importe de 01 (um) salário mínimo. A forma de pagamento e a possibilidade
de parcelamento deverá ser analisada e definida pelo juízo da execução.
- Execução provisória da pena. Deve prevalecer o entendimento adotado pelo
C. Supremo Tribunal Federal que, ao reinterpretar o princípio da presunção
de inocência (art. 5º, LVII, da CF) e o disposto no art. 283 do CPP,
nos autos do Habeas Corpus nº. 126.292/SP e das Ações Declaratórias de
Constitucionalidade nº. 43 e nº. 44, pronunciou-se no sentido de que não
há óbice ao início do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado,
desde que esgotados os recursos cabíveis perante as instâncias ordinárias.
- Apelação do Ministério Público Federal a que se dá provimento e
Apelação da ré a que se dá parcial provimento.
Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ARTIGO 273, §1º-B, INCISO I, DO CÓDIGO
PENAL. IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTOS SEM REGISTRO NO ÓRGÃO DE
VIGILÂNCIA. EMENDATIO LIBELLI AFASTADA. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO
334 DO CÓDIGO PENAL. PRECEITO SECUNDÁRIO DO ARTIGO 273 DO CÓDIGO
PENAL. ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE. PENA APLICADA. ARTIGO 33 DA LEI N.º
11.343/2006. RESTRITIVA DE DIREITOS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA.
- Materialidade e Autoria. Comprovada através de Auto de Prisão em Flagrante,
Auto de Apresentação e Apreensão de 50 cartelas do medicamento PRAMIL,
dentre outros itens (roupas, perfumes, eletrônicos e artigos de pesca), Laudo
de Perícia n.º 3700/2015, elaborado pelo SETEC - Núcleo de Criminalística
da Polícia Federal (fls. 42/46), apontando que o medicamento apreendido
com a acusada (PRAMIL) não possui registro na ANVISA, portanto não pode
ser comercializado em território nacional, depoimento das testemunhas e
confissão da ré.
- Emendatio Libelli. É certo que a conduta prevista no art. 273, §1º-B,
inciso I, do Código Penal, na modalidade importar, assemelha-se à trazida
pelo crime de contrabando (importar ou exportar mercadoria proibida). Contudo,
o tipo penal inscrito no primeiro dispositivo mencionado objetiva tutelar a
saúde pública, de modo que não é possível a incidência do art. 334 do
Código Penal, que traz previsão genérica, em detrimento da caracterização
do tipo penal específico do art. 273, §1º-B, inciso I, do CP. Diante
do conjunto probatório analisado, restou comprovada a atuação livre e
consciente da ré, na importação e internalização em território nacional
de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária competente,
com intuito de comercialização, devendo ser afastada a emendatio libelli
para reclassificação do delito para o crime de contrabando.
- Preceito sancionador do artigo 273 do Código Penal. Se por um lado
justifica-se a previsão de penas mais severas para condutas mais
censuráveis, como as do caput e as dos §§ 1º e 1º-A do art. 273 do
Código Penal, que implicam necessariamente em dano potencial às vítimas
diretas, de outro não se pode tolher a individualização da pena às
circunstâncias do caso concreto quando estas forem relativas ao §1º-B do
mesmo dispositivo. Fazendo-se uma comparação, ainda que breve, tratam-se de
atos muito distintos - e que implicam riscos quase incomparáveis entre si -
os de: a) introduzir no País medicamentos que não têm registro na ANVISA,
sobretudo em pequena quantidade, e ainda, que não têm relação com doenças
graves e/ou apresentam grande risco de morte; e b) falsificar, adulterar ou
vender remédios e produtos relacionados sabidamente alterados. Atos como o
perpetrado pelos réus foram equiparados a outros de natureza muito mais grave,
gerando uma notável distorção que pode ser atenuada pela devida valoração
e adequação que cabe ao julgador realizar em relação ao caso concreto.
- No tocante ao art. 273, §1º-B, do Código Penal, tem-se que só é
justificável a aplicação da pena prevista quando a conduta delitiva possa
gerar grandes danos à saúde pública - o que não significa necessariamente
o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei n. 9.677, de 02.07.1998 (que
incluiu o referido dispositivo no estatuto repressivo). Conquanto o Órgão
Especial desta C. Corte tenha se pronunciado pela constitucionalidade do
preceito sancionador do delito previsto no art. 273 do Código Penal, nos
autos de Arguição de Inconstitucionalidade nº 000793-60.2009.4.03.6124
(e-DJF3 23.08.2013), curvo-me a ao novel entendimento da Corte Superior. A
pena aplicada deve ser justa, manter razoabilidade e proporcionalidade com
o delito cometido, o que não se vislumbra do preceito secundário inserto
no art. 273, § 1º-B, do Código Penal.
- Deve-se utilizar a pena do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, a fim de sanar
a desproporcionalidade apontada.
- Dosimetria da pena. 1ª Fase: A culpabilidade é normal à espécie, não
tendo o condão de exasperar a pena-base. As certidões de antecedentes
criminais acostadas aos autos não apontam a existência de condenação
criminal transitada em julgado. Quanto à personalidade e conduta social
da ré, deixo de valorá-las negativamente, pois ausentes elementos para
sua aferição. O motivo do crime é inerente à espécie. No que tange às
consequências, circunstâncias do crime e comportamento da vítima deixo de
valorá-las negativamente, pois são normais à espécie. Pena-base fixada no
mínimo legal, em 05 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa
(art. 33 da Lei nº 11.343/2006). 2ª Fase - Ausência de agravante. Seria o
caso de incidir as circunstâncias atenuantes previstas no artigo 65, inciso
I e III, alínea d, do Código Penal, pois a ré, com idade superior a 70
anos na data da sentença, confessou a autoria do crime em sede policial e
em juízo. Contudo, em razão da Súmula nº 231 do Superior Tribunal de
Justiça, a pena não pode ser reduzida abaixo do mínimo legal, razão
pela qual permanece em 05 (cinco) anos de reclusão. 3ª Fase - Mostra-se
possível aplicar ao caso concreto a causa de aumento de pena prevista
no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, na fração de 1/6, tendo
em vista a comprovação da transnacionalidade dos fármacos apreendidos,
a redundar em pena intermediária de 05 anos e 10 meses de reclusão. Por
outro lado, tem cabimento incidir na espécie a causa de diminuição de
pena contida no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, tendo em vista
ser a ré primária, ostentar bons antecedentes, não haver notícia de
que se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa,
bem como pela pequena quantidade de fármacos apreendidos, deve ser fixada
a fração redutora em 1/2. Pena definitiva fixada em 02 (dois) anos e 11
(onze) meses de reclusão. Proporcionalmente, a pena de multa resta fixada
em 291(duzentos e noventa e um) dias-multa, no valor unitário de 1/30
(um trinta avos) do salário mínimo à época dos fatos. O quantum da pena
corresponde à fixação do regime inicial ABERTO, nos termos do art. 33,
§ 2º, "c", do Código Penal.
- Penas restritivas de direito. Preenchidos os requisitos e considerando
que a condenação da acusada é de 02 (dois) anos e 11 (onze) meses
de reclusão, a substituição da pena privativa de liberdade por uma
restritiva de direito e outra de multa foi corretamente determinado pelo
juízo a quo. No caso concreto, analisando a reprimenda aplicada à ré,
a pena de prestação pecuniária deve ser reduzida e fixada em 01 (um)
salário mínimo. Substituição da pena privativa de liberdade por duas
penas restritivas de direito, consistentes na prestação pecuniária no
valor de 01 (um) salário mínimo, vigente na data da conduta, a serem pagos
em favor de entidade pública ou privada com destinação social, e multa no
importe de 01 (um) salário mínimo. A forma de pagamento e a possibilidade
de parcelamento deverá ser analisada e definida pelo juízo da execução.
- Execução provisória da pena. Deve prevalecer o entendimento adotado pelo
C. Supremo Tribunal Federal que, ao reinterpretar o princípio da presunção
de inocência (art. 5º, LVII, da CF) e o disposto no art. 283 do CPP,
nos autos do Habeas Corpus nº. 126.292/SP e das Ações Declaratórias de
Constitucionalidade nº. 43 e nº. 44, pronunciou-se no sentido de que não
há óbice ao início do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado,
desde que esgotados os recursos cabíveis perante as instâncias ordinárias.
- Apelação do Ministério Público Federal a que se dá provimento e
Apelação da ré a que se dá parcial provimento.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, DAR PROVIMENTO à Apelação do Ministério Público Federal
para afastar a emendatio libelli, condenando a ré pela prática do delito
previsto no artigo 273, §1º-B, inciso I, do Código Penal, e DAR PARCIAL
PROVIMENTO à Apelação de URSULINA GONÇALVES DE ALMEIDA para reduzir o
valor da prestação pecuniária para 01 (um) salário mínimo mantendo,
ainda, a pena de multa (01 salário mínimo), nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
11/12/2018
Data da Publicação
:
07/01/2019
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 74824
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-273 PAR-1 PAR-1A PAR-1B INC-1 ART-65 INC-1
INC-3 LET-D ART-40 INC-1 ART-33 PAR-2 LET-C PAR-4
LEG-FED LEI-9677 ANO-1998
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-57
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-283
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/01/2019
..FONTE_REPUBLICACAO:
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