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Jurisprudência


TRF3 0001255-32.2013.4.03.6106 00012553220134036106

Ementa
PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI Nº 8.137/1990. TRANSAÇÃO/SUSPENSÃO DO PROCESSO NOS TERMOS DO ARTIGO 76 E 89 DA LEI N.º 9.099/1995. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA A AFASTAR A TIPICIDADE. IMPOSSIBILIDADE. CONTUMÁCIA DELITIVA. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA BASE. CRIME CONTINUADO. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO NÃO PROVIDA. PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU. - Afastado o pleito de transação/suspensão do processo nos termos dos artigos 76 e 89, da Lei 9.099/95, tendo em vista que as certidões acostadas aos autos noticiam antecedentes criminais do réu, inclusive contra a Ordem Tributária, e impedem a aplicação desse benefício. - O princípio da insignificância (ou da bagatela) demanda ser interpretado à luz dos postulados da mínima intervenção do Direito Penal e da ultima ratio na justa medida em que o Direito Penal não pode ser a primeira opção prevista no ordenamento jurídico como forma de debelar uma situação concreta (daí porque sua necessidade de intervenção mínima e no contexto da última fronteira para restabelecer a paz social). Na falta de solução adequada à lide instaurada na sociedade (não resolvida, portanto, pela atuação dos demais segmentos do Direito), tem cabimento ser chamado à baila o legislador pátrio a fim de que a conduta não pacificada seja tipificada como delito por meio da edição de uma lei penal incriminadora. - A insignificância surge como forma de afastar a aplicação do Direito Penal a fatos de somenos importância (e que, portanto, podem ser debelados com supedâneo nos demais ramos da Ciência Jurídica - fragmentariedade do Direito Penal), afastando a tipicidade da conduta sob o aspecto material ao reconhecer que ela possui um reduzido grau de reprovabilidade e que houve pequena ofensa ao bem jurídico tutelado, remanescendo apenas a tipicidade formal, ou seja, a adequação do fato à lei penal incriminadora. - A jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal tem exigido, para a aplicação do referido postulado, o preenchimento concomitante dos seguintes requisitos: 1) mínima ofensividade da conduta do agente; 2) ausência de periculosidade social da ação; 3) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e 4) relativa inexpressividade da lesão jurídica. - No que tange aos crimes perpetrados contra a ordem tributária, nota-se que o legislador quis proteger, em um primeiro momento, valores que a Fazenda Pública tem direito de perceber (inclusive a credibilidade de sua atuação), bem como a regularidade na obtenção de suas receitas (evitando-se manobras fraudulentas), e, em um segundo plano, a capacidade da máquina estatal de fomentar as políticas públicas que garantem o bem estar de todos os cidadãos (interesse público primário - objetivo de assegurar redistribuição de riqueza por meio de uma política fiscal que obtêm recursos para o atendimento das necessidades sociais), de modo que, a princípio, não poderia ser invocado o princípio da insignificância em sede de crime de sonegação fiscal. - Adentrando ao caso concreto, verifica-se, de acordo com o Auto de Infração, que o acusado suprimiu imposto de renda pessoa jurídica no ano-calendário de 2009 no valor de R$ 17.433,44 (dezessete mil, quatrocentos e trinta e três reais e quarenta e quatro centavos), descontados os juros e multa, montante que configura crime contra a ordem tributária, porém se encontra dentro dos critérios empregáveis para fins de reconhecimento do delito de bagatela na hipótese ora em julgamento. - Todavia, o critério objetivo não é o único requisito para o reconhecimento do crime de bagatela, havendo incompatibilidade do Princípio da Insignificância com a hipótese de contumácia delitiva. - A contumácia criminosa, a escolha do meio de vida criminoso, não pode importar em inexpressividade da lesão jurídica, nem em mínima ofensividade da conduta, ou mesmo ausência de periculosidade social e tampouco reduzido grau de reprovabilidade, mas exatamente o seu oposto, inviabilizando a aplicação do princípio em tela, o qual se restringe a condutas despidas de ofensividade mínima. - Assim, tanto em relação aos crimes tributários federais quanto aos de descaminho, não basta que os valores iludidos no caso concreto sejam inferiores ao paradigma de R$ 20.000,00, para que determinada conduta seja reputada inofensiva. A lesão constante do Fisco por meio de comedidos delitos adquire vulto pelo desvalor da própria ação global do agente, observável pelo conjunto da obra criminosa. - Na hipótese dos autos, verifica-se que o réu foi condenado nos autos do processo 0021416-33.2009.8.26.0576, pela prática de crime contra a Ordem Tributária previsto no artigo 1º, incisos II e III, da Lei n.º 8.137/1990, combinado com o artigo 71, caput, do Código Penal. Referido crime ocorreu em 31.03.2008, antes, portanto, dos fatos tratados nestes autos (abril a dezembro de 2009) e, em que pese o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal naquele feito, resta configurada a contumácia delitiva, o que impede o reconhecimento do princípio da insignificância. - O crime descrito no art. 2º, inciso II, da Lei n.º 8.137/90 possui natureza formal e consuma-se com a omissão no recolhimento oportuno aos cofres públicos do tributo descontado ou cobrado na qualidade de sujeito passivo da obrigação, não sendo necessário efetivo prejuízo aos cofres públicos. Dispensa, portanto, o esgotamento do processo administrativo fiscal e o lançamento definitivo do tributo na esfera administrativa para a propositura da ação penal, não se aplicando ao delito formal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90 a condição prevista na Súmula Vinculante nº 24. - A materialidade está devidamente comprovada por meio das Peças de Informação n.º 1.34.015.000107/2013-88, e os documentos que a acompanham, sobretudo pelo Relatório do auditor fiscal e pelo Auto de Infração, os quais demonstram a efetiva prática do crime no período narrado na denúncia. - A autoria delitiva, igualmente, restou comprovada por meio da Ficha Cadastral Completa da Junta Comercial do Estado de São Paulo, segundo a qual o acusado figura como único titular da empresa autuada. Assim, o réu tinha o dever legal de proceder ao recolhimento aos cofres públicos do Imposto de Renda descontado de pessoas físicas sobre o Trabalho sem vínculo empregatício nos meses de abril a dezembro de 2009, fato que redundou na lavratura do Auto de Infração. - A conduta descrita no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90 não exige o dolo específico, bastando o dolo genérico para sua configuração. - As teses defensivas de que não houve má-fé, de que alguém praticou uma "fraude" contra o réu e, ainda, de que o contador era o responsável pelo preenchimento da documentação, restaram isoladas nos autos, pois nada disso restou comprovado nos autos, não se desincumbindo a defesa de seu ônus probatório. - A sentença merece reparo no que tange às consequências do crime. Em que pese a possibilidade do montante sonegado interferir na dosimetria, é certo que no caso em análise o valor sonegado (R$ 17.433,44) não justifica a majoração da pena, pois não se distancia do esperado em crimes dessa natureza, razão pela qual a pena-base deve ser reduzida para 06 (seis) meses de detenção. - Ausentes agravantes e atenuantes, nada há a ser sopesado nesta fase. - Registre-se que o concurso de crimes não integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência dar-se após o encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo julgador. Sob esta ótica, nesta terceira fase, ante a ausência de causas de diminuição e aumento, fica mantida a pena em 06 (seis) meses de detenção. - No caso em tela verifica-se que a conduta delitiva foi perpetrada de forma reiterada, de abril a dezembro de 2009, e tendo em vista a ocorrência de crimes de mesma espécie, além da semelhança das condições de tempo, lugar e maneira de execução, revela-se imperioso o reconhecimento do crime continuado (artigo 71 do Código Penal). - Acerca do quantum de aumento, em acórdão relatado pelo Desembargador Federal Nelton dos Santos, a Segunda Turma deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região adotou o critério de aumento decorrente da continuidade delitiva, qual seja, de dois meses a um ano de omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto); de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3 (um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento (TRF 3ª Região, Segunda Turma, ACR n.º 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos). - Nesta perspectiva, agiu corretamente o juízo a quo ao fazer incidir o aumento de 1/6 (um sexto), o que resulta na pena de 07 (sete) meses de detenção. - A fixação da pena de multa deve levar em consideração seus limites mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade, da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos da Reforma da Parte Geral do Código Penal). - Não obstante, o magistrado sentenciante não observou o critério acima e fixou a multa em 28 (vinte e oito) dias, o que deve ser reformado. No caso concreto, a pena privativa de liberdade restou estabelecida em 06 (seis) meses de detenção até a terceira fase, o que corresponde à pena de multa no mínimo legal, qual seja, 10 (dez) dias. Acrescida de 1/6 (um sexto) em face da continuidade delitiva, referida reprimenda deve ser fixada em 11 (onze) dias-multa. - Ante a situação financeira do réu relatada nos autos, o valor do dia-multa deve permanecer fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo. - Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade aplicada deve ser substituída por uma pena restritiva de direito (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistente em prestação de serviços à sociedade, pelo mesmo período da pena, cujo local deve ser estabelecido pelo Juízo das Execuções, nos termos dos artigos 43, inciso IV, 44 e 46, todos do Código Penal. - À míngua de recurso acerca do tema e tendo em vista que os critérios utilizados pelo juízo a quo na substituição da reprimenda corporal coadunam-se ao previsto em lei e atentaram à individualização da pena, nada há a ser modificado. - No caso concreto, ao que tudo indica, inexistem indícios que infirmam a hipossuficiência do réu e, portanto, suas declarações de hipossuficiência devem ser suficientes para a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita. - Acerca da possibilidade de execução provisória da pena, deve prevalecer o entendimento adotado pelo C. Supremo Tribunal Federal que, ao reinterpretar o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF) e o disposto no art. 283 do CPP, nos autos do Habeas Corpus nº. 126.292/SP e das Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº. 43 e nº. 44, pronunciou-se no sentido de que não há óbice ao início do cumprimento da pena antes do trânsito em julgado, desde que esgotados os recursos cabíveis perante as instâncias ordinárias. - Assim, exauridos os recursos cabíveis perante esta Corte, mesmo que ainda pendente o julgamento de recursos interpostos perante as Cortes Superiores (Recurso Extraordinário e Recurso Especial), deve ser expedida Carta de Sentença, bem como comunicação ao juízo de origem, a fim de que se inicie, provisoriamente, a execução da pena imposta por meio de acórdão condenatório exarado em sede de Apelação. Em havendo o trânsito em julgado, hipótese em que a execução será definitiva, ou no caso de já ter sido expedida guia provisória de execução, tornam-se desnecessárias tais providências. - Apelação da acusação não provida. - Apelação do réu provida em parte.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela acusação e DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da defesa para reduzir a pena do réu para 07 (sete) meses de detenção, em regime ABERTO, e 11 (onze) dias-multa, bem como para conceder os benefícios da Justiça Gratuita, tudo na forma da fundamentação, mantendo, no mais, a r. sentença recorrida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 05/02/2019
Data da Publicação : 15/02/2019
Classe/Assunto : Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 71320
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : LEG-FED LEI-8137 ANO-1990 ART-2 INC-2 ART-1 INC-2 INC-3 ***** LJE-95 LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS LEG-FED LEI-9099 ANO-1995 ART-76 ART-89 ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-71 ART-44 INC-1 INC-2 INC-3 PAR-2 ART-43 INC-4 ART-46 ***** STFV SÚMULA VINCULANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL LEG-FED SUV-24 ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-283 ***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-57
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/02/2019 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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