TRF3 0001255-32.2013.4.03.6106 00012553220134036106
PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI Nº
8.137/1990. TRANSAÇÃO/SUSPENSÃO DO PROCESSO NOS TERMOS DO ARTIGO 76 E 89 DA
LEI N.º 9.099/1995. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA A AFASTAR A TIPICIDADE. IMPOSSIBILIDADE. CONTUMÁCIA
DELITIVA.
MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA
BASE. CRIME CONTINUADO. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO NÃO PROVIDA. PARCIAL
PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU.
- Afastado o pleito de transação/suspensão do processo nos termos dos
artigos 76 e 89, da Lei 9.099/95, tendo em vista que as certidões acostadas
aos autos noticiam antecedentes criminais do réu, inclusive contra a Ordem
Tributária, e impedem a aplicação desse benefício.
- O princípio da insignificância (ou da bagatela) demanda ser interpretado
à luz dos postulados da mínima intervenção do Direito Penal e da ultima
ratio na justa medida em que o Direito Penal não pode ser a primeira opção
prevista no ordenamento jurídico como forma de debelar uma situação concreta
(daí porque sua necessidade de intervenção mínima e no contexto da última
fronteira para restabelecer a paz social). Na falta de solução adequada à
lide instaurada na sociedade (não resolvida, portanto, pela atuação dos
demais segmentos do Direito), tem cabimento ser chamado à baila o legislador
pátrio a fim de que a conduta não pacificada seja tipificada como delito
por meio da edição de uma lei penal incriminadora.
- A insignificância surge como forma de afastar a aplicação do Direito
Penal a fatos de somenos importância (e que, portanto, podem ser debelados
com supedâneo nos demais ramos da Ciência Jurídica - fragmentariedade do
Direito Penal), afastando a tipicidade da conduta sob o aspecto material ao
reconhecer que ela possui um reduzido grau de reprovabilidade e que houve
pequena ofensa ao bem jurídico tutelado, remanescendo apenas a tipicidade
formal, ou seja, a adequação do fato à lei penal incriminadora.
- A jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal tem exigido, para a
aplicação do referido postulado, o preenchimento concomitante dos seguintes
requisitos: 1) mínima ofensividade da conduta do agente; 2) ausência de
periculosidade social da ação; 3) reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento; e 4) relativa inexpressividade da lesão jurídica.
- No que tange aos crimes perpetrados contra a ordem tributária, nota-se
que o legislador quis proteger, em um primeiro momento, valores que a
Fazenda Pública tem direito de perceber (inclusive a credibilidade de
sua atuação), bem como a regularidade na obtenção de suas receitas
(evitando-se manobras fraudulentas), e, em um segundo plano, a capacidade
da máquina estatal de fomentar as políticas públicas que garantem o bem
estar de todos os cidadãos (interesse público primário - objetivo de
assegurar redistribuição de riqueza por meio de uma política fiscal que
obtêm recursos para o atendimento das necessidades sociais), de modo que,
a princípio, não poderia ser invocado o princípio da insignificância em
sede de crime de sonegação fiscal.
- Adentrando ao caso concreto, verifica-se, de acordo com o Auto de Infração,
que o acusado suprimiu imposto de renda pessoa jurídica no ano-calendário
de 2009 no valor de R$ 17.433,44 (dezessete mil, quatrocentos e trinta e
três reais e quarenta e quatro centavos), descontados os juros e multa,
montante que configura crime contra a ordem tributária, porém se encontra
dentro dos critérios empregáveis para fins de reconhecimento do delito de
bagatela na hipótese ora em julgamento.
- Todavia, o critério objetivo não é o único requisito para o
reconhecimento do crime de bagatela, havendo incompatibilidade do Princípio
da Insignificância com a hipótese de contumácia delitiva.
- A contumácia criminosa, a escolha do meio de vida criminoso, não pode
importar em inexpressividade da lesão jurídica, nem em mínima ofensividade
da conduta, ou mesmo ausência de periculosidade social e tampouco reduzido
grau de reprovabilidade, mas exatamente o seu oposto, inviabilizando a
aplicação do princípio em tela, o qual se restringe a condutas despidas
de ofensividade mínima.
- Assim, tanto em relação aos crimes tributários federais quanto aos
de descaminho, não basta que os valores iludidos no caso concreto sejam
inferiores ao paradigma de R$ 20.000,00, para que determinada conduta seja
reputada inofensiva. A lesão constante do Fisco por meio de comedidos
delitos adquire vulto pelo desvalor da própria ação global do agente,
observável pelo conjunto da obra criminosa.
- Na hipótese dos autos, verifica-se que o réu foi condenado nos autos do
processo 0021416-33.2009.8.26.0576, pela prática de crime contra a Ordem
Tributária previsto no artigo 1º, incisos II e III, da Lei n.º 8.137/1990,
combinado com o artigo 71, caput, do Código Penal. Referido crime ocorreu
em 31.03.2008, antes, portanto, dos fatos tratados nestes autos (abril
a dezembro de 2009) e, em que pese o reconhecimento da prescrição da
pretensão punitiva estatal naquele feito, resta configurada a contumácia
delitiva, o que impede o reconhecimento do princípio da insignificância.
- O crime descrito no art. 2º, inciso II, da Lei n.º 8.137/90 possui
natureza formal e consuma-se com a omissão no recolhimento oportuno aos
cofres públicos do tributo descontado ou cobrado na qualidade de sujeito
passivo da obrigação, não sendo necessário efetivo prejuízo aos cofres
públicos. Dispensa, portanto, o esgotamento do processo administrativo
fiscal e o lançamento definitivo do tributo na esfera administrativa para a
propositura da ação penal, não se aplicando ao delito formal do art. 2º,
II, da Lei nº 8.137/90 a condição prevista na Súmula Vinculante nº 24.
- A materialidade está devidamente comprovada por meio das Peças de
Informação n.º 1.34.015.000107/2013-88, e os documentos que a acompanham,
sobretudo pelo Relatório do auditor fiscal e pelo Auto de Infração, os
quais demonstram a efetiva prática do crime no período narrado na denúncia.
- A autoria delitiva, igualmente, restou comprovada por meio da Ficha Cadastral
Completa da Junta Comercial do Estado de São Paulo, segundo a qual o acusado
figura como único titular da empresa autuada. Assim, o réu tinha o dever
legal de proceder ao recolhimento aos cofres públicos do Imposto de Renda
descontado de pessoas físicas sobre o Trabalho sem vínculo empregatício
nos meses de abril a dezembro de 2009, fato que redundou na lavratura do
Auto de Infração.
- A conduta descrita no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90 não exige
o dolo específico, bastando o dolo genérico para sua configuração.
- As teses defensivas de que não houve má-fé, de que alguém praticou uma
"fraude" contra o réu e, ainda, de que o contador era o responsável pelo
preenchimento da documentação, restaram isoladas nos autos, pois nada
disso restou comprovado nos autos, não se desincumbindo a defesa de seu
ônus probatório.
- A sentença merece reparo no que tange às consequências do crime. Em
que pese a possibilidade do montante sonegado interferir na dosimetria, é
certo que no caso em análise o valor sonegado (R$ 17.433,44) não justifica
a majoração da pena, pois não se distancia do esperado em crimes dessa
natureza, razão pela qual a pena-base deve ser reduzida para 06 (seis)
meses de detenção.
- Ausentes agravantes e atenuantes, nada há a ser sopesado nesta fase.
- Registre-se que o concurso de crimes não integra o sistema trifásico
da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência dar-se após o
encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se
falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo
julgador. Sob esta ótica, nesta terceira fase, ante a ausência de causas de
diminuição e aumento, fica mantida a pena em 06 (seis) meses de detenção.
- No caso em tela verifica-se que a conduta delitiva foi perpetrada de forma
reiterada, de abril a dezembro de 2009, e tendo em vista a ocorrência de
crimes de mesma espécie, além da semelhança das condições de tempo,
lugar e maneira de execução, revela-se imperioso o reconhecimento do crime
continuado (artigo 71 do Código Penal).
- Acerca do quantum de aumento, em acórdão relatado pelo Desembargador
Federal Nelton dos Santos, a Segunda Turma deste E. Tribunal Regional Federal
da 3ª Região adotou o critério de aumento decorrente da continuidade
delitiva, qual seja, de dois meses a um ano de omissão no recolhimento
das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto);
de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três
anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3
(um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de
cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento (TRF 3ª Região,
Segunda Turma, ACR n.º 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos).
- Nesta perspectiva, agiu corretamente o juízo a quo ao fazer incidir
o aumento de 1/6 (um sexto), o que resulta na pena de 07 (sete) meses de
detenção.
- A fixação da pena de multa deve levar em consideração seus limites
mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa
de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade,
da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos
da Reforma da Parte Geral do Código Penal).
- Não obstante, o magistrado sentenciante não observou o critério acima e
fixou a multa em 28 (vinte e oito) dias, o que deve ser reformado. No caso
concreto, a pena privativa de liberdade restou estabelecida em 06 (seis)
meses de detenção até a terceira fase, o que corresponde à pena de multa
no mínimo legal, qual seja, 10 (dez) dias. Acrescida de 1/6 (um sexto)
em face da continuidade delitiva, referida reprimenda deve ser fixada em 11
(onze) dias-multa.
- Ante a situação financeira do réu relatada nos autos, o valor do
dia-multa deve permanecer fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
- Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal
(pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime
praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime
doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal),
a pena privativa de liberdade aplicada deve ser substituída por uma pena
restritiva de direito (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistente
em prestação de serviços à sociedade, pelo mesmo período da pena,
cujo local deve ser estabelecido pelo Juízo das Execuções, nos termos
dos artigos 43, inciso IV, 44 e 46, todos do Código Penal.
- À míngua de recurso acerca do tema e tendo em vista que os critérios
utilizados pelo juízo a quo na substituição da reprimenda corporal
coadunam-se ao previsto em lei e atentaram à individualização da pena,
nada há a ser modificado.
- No caso concreto, ao que tudo indica, inexistem indícios que infirmam a
hipossuficiência do réu e, portanto, suas declarações de hipossuficiência
devem ser suficientes para a concessão do benefício da assistência
judiciária gratuita.
- Acerca da possibilidade de execução provisória da pena, deve prevalecer o
entendimento adotado pelo C. Supremo Tribunal Federal que, ao reinterpretar o
princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF) e o disposto
no art. 283 do CPP, nos autos do Habeas Corpus nº. 126.292/SP e das Ações
Declaratórias de Constitucionalidade nº. 43 e nº. 44, pronunciou-se no
sentido de que não há óbice ao início do cumprimento da pena antes do
trânsito em julgado, desde que esgotados os recursos cabíveis perante as
instâncias ordinárias.
- Assim, exauridos os recursos cabíveis perante esta Corte, mesmo que ainda
pendente o julgamento de recursos interpostos perante as Cortes Superiores
(Recurso Extraordinário e Recurso Especial), deve ser expedida Carta de
Sentença, bem como comunicação ao juízo de origem, a fim de que se
inicie, provisoriamente, a execução da pena imposta por meio de acórdão
condenatório exarado em sede de Apelação. Em havendo o trânsito em
julgado, hipótese em que a execução será definitiva, ou no caso de já
ter sido expedida guia provisória de execução, tornam-se desnecessárias
tais providências.
- Apelação da acusação não provida.
- Apelação do réu provida em parte.
Ementa
PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI Nº
8.137/1990. TRANSAÇÃO/SUSPENSÃO DO PROCESSO NOS TERMOS DO ARTIGO 76 E 89 DA
LEI N.º 9.099/1995. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA A AFASTAR A TIPICIDADE. IMPOSSIBILIDADE. CONTUMÁCIA
DELITIVA.
MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA
BASE. CRIME CONTINUADO. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO NÃO PROVIDA. PARCIAL
PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU.
- Afastado o pleito de transação/suspensão do processo nos termos dos
artigos 76 e 89, da Lei 9.099/95, tendo em vista que as certidões acostadas
aos autos noticiam antecedentes criminais do réu, inclusive contra a Ordem
Tributária, e impedem a aplicação desse benefício.
- O princípio da insignificância (ou da bagatela) demanda ser interpretado
à luz dos postulados da mínima intervenção do Direito Penal e da ultima
ratio na justa medida em que o Direito Penal não pode ser a primeira opção
prevista no ordenamento jurídico como forma de debelar uma situação concreta
(daí porque sua necessidade de intervenção mínima e no contexto da última
fronteira para restabelecer a paz social). Na falta de solução adequada à
lide instaurada na sociedade (não resolvida, portanto, pela atuação dos
demais segmentos do Direito), tem cabimento ser chamado à baila o legislador
pátrio a fim de que a conduta não pacificada seja tipificada como delito
por meio da edição de uma lei penal incriminadora.
- A insignificância surge como forma de afastar a aplicação do Direito
Penal a fatos de somenos importância (e que, portanto, podem ser debelados
com supedâneo nos demais ramos da Ciência Jurídica - fragmentariedade do
Direito Penal), afastando a tipicidade da conduta sob o aspecto material ao
reconhecer que ela possui um reduzido grau de reprovabilidade e que houve
pequena ofensa ao bem jurídico tutelado, remanescendo apenas a tipicidade
formal, ou seja, a adequação do fato à lei penal incriminadora.
- A jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal tem exigido, para a
aplicação do referido postulado, o preenchimento concomitante dos seguintes
requisitos: 1) mínima ofensividade da conduta do agente; 2) ausência de
periculosidade social da ação; 3) reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento; e 4) relativa inexpressividade da lesão jurídica.
- No que tange aos crimes perpetrados contra a ordem tributária, nota-se
que o legislador quis proteger, em um primeiro momento, valores que a
Fazenda Pública tem direito de perceber (inclusive a credibilidade de
sua atuação), bem como a regularidade na obtenção de suas receitas
(evitando-se manobras fraudulentas), e, em um segundo plano, a capacidade
da máquina estatal de fomentar as políticas públicas que garantem o bem
estar de todos os cidadãos (interesse público primário - objetivo de
assegurar redistribuição de riqueza por meio de uma política fiscal que
obtêm recursos para o atendimento das necessidades sociais), de modo que,
a princípio, não poderia ser invocado o princípio da insignificância em
sede de crime de sonegação fiscal.
- Adentrando ao caso concreto, verifica-se, de acordo com o Auto de Infração,
que o acusado suprimiu imposto de renda pessoa jurídica no ano-calendário
de 2009 no valor de R$ 17.433,44 (dezessete mil, quatrocentos e trinta e
três reais e quarenta e quatro centavos), descontados os juros e multa,
montante que configura crime contra a ordem tributária, porém se encontra
dentro dos critérios empregáveis para fins de reconhecimento do delito de
bagatela na hipótese ora em julgamento.
- Todavia, o critério objetivo não é o único requisito para o
reconhecimento do crime de bagatela, havendo incompatibilidade do Princípio
da Insignificância com a hipótese de contumácia delitiva.
- A contumácia criminosa, a escolha do meio de vida criminoso, não pode
importar em inexpressividade da lesão jurídica, nem em mínima ofensividade
da conduta, ou mesmo ausência de periculosidade social e tampouco reduzido
grau de reprovabilidade, mas exatamente o seu oposto, inviabilizando a
aplicação do princípio em tela, o qual se restringe a condutas despidas
de ofensividade mínima.
- Assim, tanto em relação aos crimes tributários federais quanto aos
de descaminho, não basta que os valores iludidos no caso concreto sejam
inferiores ao paradigma de R$ 20.000,00, para que determinada conduta seja
reputada inofensiva. A lesão constante do Fisco por meio de comedidos
delitos adquire vulto pelo desvalor da própria ação global do agente,
observável pelo conjunto da obra criminosa.
- Na hipótese dos autos, verifica-se que o réu foi condenado nos autos do
processo 0021416-33.2009.8.26.0576, pela prática de crime contra a Ordem
Tributária previsto no artigo 1º, incisos II e III, da Lei n.º 8.137/1990,
combinado com o artigo 71, caput, do Código Penal. Referido crime ocorreu
em 31.03.2008, antes, portanto, dos fatos tratados nestes autos (abril
a dezembro de 2009) e, em que pese o reconhecimento da prescrição da
pretensão punitiva estatal naquele feito, resta configurada a contumácia
delitiva, o que impede o reconhecimento do princípio da insignificância.
- O crime descrito no art. 2º, inciso II, da Lei n.º 8.137/90 possui
natureza formal e consuma-se com a omissão no recolhimento oportuno aos
cofres públicos do tributo descontado ou cobrado na qualidade de sujeito
passivo da obrigação, não sendo necessário efetivo prejuízo aos cofres
públicos. Dispensa, portanto, o esgotamento do processo administrativo
fiscal e o lançamento definitivo do tributo na esfera administrativa para a
propositura da ação penal, não se aplicando ao delito formal do art. 2º,
II, da Lei nº 8.137/90 a condição prevista na Súmula Vinculante nº 24.
- A materialidade está devidamente comprovada por meio das Peças de
Informação n.º 1.34.015.000107/2013-88, e os documentos que a acompanham,
sobretudo pelo Relatório do auditor fiscal e pelo Auto de Infração, os
quais demonstram a efetiva prática do crime no período narrado na denúncia.
- A autoria delitiva, igualmente, restou comprovada por meio da Ficha Cadastral
Completa da Junta Comercial do Estado de São Paulo, segundo a qual o acusado
figura como único titular da empresa autuada. Assim, o réu tinha o dever
legal de proceder ao recolhimento aos cofres públicos do Imposto de Renda
descontado de pessoas físicas sobre o Trabalho sem vínculo empregatício
nos meses de abril a dezembro de 2009, fato que redundou na lavratura do
Auto de Infração.
- A conduta descrita no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90 não exige
o dolo específico, bastando o dolo genérico para sua configuração.
- As teses defensivas de que não houve má-fé, de que alguém praticou uma
"fraude" contra o réu e, ainda, de que o contador era o responsável pelo
preenchimento da documentação, restaram isoladas nos autos, pois nada
disso restou comprovado nos autos, não se desincumbindo a defesa de seu
ônus probatório.
- A sentença merece reparo no que tange às consequências do crime. Em
que pese a possibilidade do montante sonegado interferir na dosimetria, é
certo que no caso em análise o valor sonegado (R$ 17.433,44) não justifica
a majoração da pena, pois não se distancia do esperado em crimes dessa
natureza, razão pela qual a pena-base deve ser reduzida para 06 (seis)
meses de detenção.
- Ausentes agravantes e atenuantes, nada há a ser sopesado nesta fase.
- Registre-se que o concurso de crimes não integra o sistema trifásico
da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência dar-se após o
encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se
falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo
julgador. Sob esta ótica, nesta terceira fase, ante a ausência de causas de
diminuição e aumento, fica mantida a pena em 06 (seis) meses de detenção.
- No caso em tela verifica-se que a conduta delitiva foi perpetrada de forma
reiterada, de abril a dezembro de 2009, e tendo em vista a ocorrência de
crimes de mesma espécie, além da semelhança das condições de tempo,
lugar e maneira de execução, revela-se imperioso o reconhecimento do crime
continuado (artigo 71 do Código Penal).
- Acerca do quantum de aumento, em acórdão relatado pelo Desembargador
Federal Nelton dos Santos, a Segunda Turma deste E. Tribunal Regional Federal
da 3ª Região adotou o critério de aumento decorrente da continuidade
delitiva, qual seja, de dois meses a um ano de omissão no recolhimento
das contribuições previdenciárias, o acréscimo é de 1/6 (um sexto);
de um a dois anos de omissão, aumenta-se 1/5 (um quinto); de dois a três
anos de omissão, ¼ (um quarto); de três a quatro anos de omissão, 1/3
(um terço); de quatro a cinco anos de omissão, ½ (um meio); e acima de
cinco anos de omissão, 2/3 (dois terços) de aumento (TRF 3ª Região,
Segunda Turma, ACR n.º 11780, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos).
- Nesta perspectiva, agiu corretamente o juízo a quo ao fazer incidir
o aumento de 1/6 (um sexto), o que resulta na pena de 07 (sete) meses de
detenção.
- A fixação da pena de multa deve levar em consideração seus limites
mínimo e máximo com adoção de proporcionalidade em face da pena privativa
de liberdade, atendendo, pois, aos preceitos constitucionais (da legalidade,
da proporcionalidade e da individualidade) e legais (Exposição de Motivos
da Reforma da Parte Geral do Código Penal).
- Não obstante, o magistrado sentenciante não observou o critério acima e
fixou a multa em 28 (vinte e oito) dias, o que deve ser reformado. No caso
concreto, a pena privativa de liberdade restou estabelecida em 06 (seis)
meses de detenção até a terceira fase, o que corresponde à pena de multa
no mínimo legal, qual seja, 10 (dez) dias. Acrescida de 1/6 (um sexto)
em face da continuidade delitiva, referida reprimenda deve ser fixada em 11
(onze) dias-multa.
- Ante a situação financeira do réu relatada nos autos, o valor do
dia-multa deve permanecer fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
- Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal
(pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime
praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime
doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal),
a pena privativa de liberdade aplicada deve ser substituída por uma pena
restritiva de direito (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistente
em prestação de serviços à sociedade, pelo mesmo período da pena,
cujo local deve ser estabelecido pelo Juízo das Execuções, nos termos
dos artigos 43, inciso IV, 44 e 46, todos do Código Penal.
- À míngua de recurso acerca do tema e tendo em vista que os critérios
utilizados pelo juízo a quo na substituição da reprimenda corporal
coadunam-se ao previsto em lei e atentaram à individualização da pena,
nada há a ser modificado.
- No caso concreto, ao que tudo indica, inexistem indícios que infirmam a
hipossuficiência do réu e, portanto, suas declarações de hipossuficiência
devem ser suficientes para a concessão do benefício da assistência
judiciária gratuita.
- Acerca da possibilidade de execução provisória da pena, deve prevalecer o
entendimento adotado pelo C. Supremo Tribunal Federal que, ao reinterpretar o
princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF) e o disposto
no art. 283 do CPP, nos autos do Habeas Corpus nº. 126.292/SP e das Ações
Declaratórias de Constitucionalidade nº. 43 e nº. 44, pronunciou-se no
sentido de que não há óbice ao início do cumprimento da pena antes do
trânsito em julgado, desde que esgotados os recursos cabíveis perante as
instâncias ordinárias.
- Assim, exauridos os recursos cabíveis perante esta Corte, mesmo que ainda
pendente o julgamento de recursos interpostos perante as Cortes Superiores
(Recurso Extraordinário e Recurso Especial), deve ser expedida Carta de
Sentença, bem como comunicação ao juízo de origem, a fim de que se
inicie, provisoriamente, a execução da pena imposta por meio de acórdão
condenatório exarado em sede de Apelação. Em havendo o trânsito em
julgado, hipótese em que a execução será definitiva, ou no caso de já
ter sido expedida guia provisória de execução, tornam-se desnecessárias
tais providências.
- Apelação da acusação não provida.
- Apelação do réu provida em parte.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela acusação e DAR
PARCIAL PROVIMENTO à Apelação da defesa para reduzir a pena do réu para
07 (sete) meses de detenção, em regime ABERTO, e 11 (onze) dias-multa,
bem como para conceder os benefícios da Justiça Gratuita, tudo na forma
da fundamentação, mantendo, no mais, a r. sentença recorrida, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
05/02/2019
Data da Publicação
:
15/02/2019
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 71320
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
LEG-FED LEI-8137 ANO-1990 ART-2 INC-2 ART-1 INC-2 INC-3
***** LJE-95 LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E CRIMINAIS
LEG-FED LEI-9099 ANO-1995 ART-76 ART-89
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-71 ART-44 INC-1 INC-2 INC-3 PAR-2 ART-43
INC-4 ART-46
***** STFV SÚMULA VINCULANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
LEG-FED SUV-24
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-283
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-57
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/02/2019
..FONTE_REPUBLICACAO:
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