TRF3 0001315-82.2016.4.03.0000 00013158220164030000
PROCESSUAL PENAL E PENAL: HABEAS CORPUS. MULTA APLICADA À
DEFESA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. JUNTADA DE MÍDIA ELETRÔNICA
PELO PARQUET ESTADUAL. PROVA EMPRESTADA. COMPARTILHAMENTO DE
PROVAS. ADMISSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA
DEFESA. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE DO ÓRGÃO MINISTERIAL ESTADUAL PARA
ATUAR OU SE MANIFESTAR NO PROCESSO PRINCIPAL. NOVO PRAZO PARA ALEGAÇÕES
FINAIS. IMPOSSIBILIDADE.
1. Não conhecimento da impetração relativamente à multa aplicada à defesa
com base no art. 265 do Código de Processo Penal, que deve ser objeto de
impugnação própria pelos impetrantes, pela via adequada, tal como o fez a
defesa de outra ré (no mesmo processo) por meio de mandado de segurança,
já que, pela via escolhida, os impetrantes representam interesses alheios
(pacientes), e não próprios.
2. Não há dúvida de que é possível o compartilhamento de provas, mesmo
que entre processos que tramitam em esferas judiciárias distintas.
3. A prova emprestada é a prova produzida em um determinado processo
para nele gerar efeitos, mas que, por correlação fática, é importada
documentalmente para outro processo.
4. É pacífico o entendimento jurisprudencial de que tal espécie de prova
é permitida, desde que esteja demonstrado o respeito aos princípios do
contraditório e da ampla defesa.
5. As partes tiveram amplo acesso à mídia encartada, já que mencionada
prova ficou sabidamente disponível em secretaria por meses, com acesso
franqueado às partes para manifestação sobre o documento juntado, nos
termos das decisões de fls.159 e 184.
6. A legalidade das provas emprestadas não pode ser meramente presumida. O
artigo 5º, LVI, da CF/88 veda explicitamente a obtenção de provas por
meios ilícitos, a fim de prevenir e combater a arbitrariedade do próprio
Estado, delimitando a atuação deste na sua atividade persecutória.
7. No presente caso, o Ministério Público Estadual juntou a referida mídia
nos autos principais sem haver qualquer autorização judicial prévia da
autoridade que a recebeu.
8. Tratando-se de cópia digital de investigação e processo criminal que
tramita perante a Justiça Estadual em face de alguns dos réus dos autos
principais, a autoridade judiciária, ao recebê-la, deveria ter feito uma
análise prévia, mesmo que superficialmente num primeiro momento, acerca
dos requisitos formais de sua produção, bem como da necessidade de sua
utilização, mormente no caso em que há manifesto protesto da defesa a
respeito de vícios absolutos nela existentes.
9. A autorização judicial se deu em benefício de investigação
específica, e nesse estrito limite inicial. Portanto, para que haja o
uso dessas provas em outro procedimento, ou em outro processo, deve haver
autorização específica da autoridade judiciária competente, ou seja,
aquela que autorizou a medida mediante a qual foram coletados os elementos
a serem compartilhados. Sem isso, a prova terá, perante o segundo processo,
o valor de uma prova coletada sem autorização judicial, porquanto esta é
necessária não apenas para obtenção material dos elementos, mas também,
e reitero ainda uma vez, para que se saibam os limites em seu uso. Assim,
tais limites só podem ser transpostos se a própria autoridade que autorizou,
originariamente nesses lindes, a medida, autorizar que seja expandido o uso das
provas. É ela (a autoridade judicial), pois, verdadeira guardiã do sigilo
da prova e dos limites de seu uso, de maneira a garantir o não trespasse
dos limites jurídicos de aproveitamento de provas obtidas por meio de atos
severos de intervenção estatal no âmbito dos direitos de um indivíduo
10. Ademais, não poderia o Ministério Público Estadual vir aos autos,
já no curso do processo, e trazer diretamente provas, as quais deveriam
ser, isso sim (e sendo elas em tese relevantes para o processo), remetidas
ao órgão competente do Ministério Público Federal. É este último que
atua como "parte" (utilizando tal termo no sentido de polo processual,
sem ingressar na controvérsia de tal termo ante o papel do Ministério
Público no processo penal) no processo, não podendo outros órgãos, com
atribuições e competências distintas, ingressar no feito. Sem isso, não
apenas se prejudica a racionalidade sistêmica do processo e das próprias
divisões constitucionais e legais de competências entre órgãos estatais,
mas também o polo passivo da ação penal, que não teria nem mesmo senso
de estabilidade a respeito de quais órgãos exercem ou podem exercer o polo
oposto na relação processual penal. Práticas desse jaez não se coadunam
com o máximo prestígio do ordenamento ao contraditório, ao devido processo
legal e à ampla defesa, além de causarem tumulto processual.
11. Pelo que consta do presente habeas corpus, a mídia juntada aos autos
principais pelo Ministério Público Estadual não teve impacto em atos
probatórios posteriores. Demais disso, os pacientes apresentaram, ao
fim e ao cabo, alegações finais, de modo que inexiste qualquer motivo
para providência outra que não o desentranhamento da mídia, a qual não
contaminou quaisquer outros atos ou elementos probatórios contidos nos
autos principais.
12. Reconhecendo-se a ilicitude do compartilhamento da maneira como efetivado,
impõe-se o desentranhamento da prova, mantidos os demais atos e elementos
constantes dos autos de origem.
13. Afigura-se razoável o entendimento do Magistrado quanto à demora
dos pacientes em questionarem a licitude da prova nos autos principais,
e vê-se que não houve cerceamento, mas seguidas oportunidades para que
efetivamente apresentassem alegações finais (sendo que poderiam os réus
arguir novamente, nas próprias alegações finais, a nulidade da prova). No
entanto, isso não descaracteriza a invalidade da prova (devido, reitero,
à invalidade na maneira com que compartilhada, além de trazida por parte
ilegítima). Deve esta, por conseguinte, ser desentranhada.
10. Adequado o prazo de alegações finais fixado na decisão impugnada,
vez que, das diversas manifestações e decisões que constam dos autos,
é possível aferir que os impetrantes tiveram sucessivos prazos para se
manifestarem sobre as informações juntadas pelo Ministério Público
Estadual, tanto assim que as impugnaram expressamente, numa demonstração
de que o contraditório foi estritamente observado e a ilicitude da mídia
motivadamente rejeitada pelo juízo de origem.
5. Writ parcialmente conhecido e, na parte conhecida, parcialmente concedida
a ordem apenas para determinar o desentranhamento (nos autos principais)
da prova impugnada, remetendo-se a mídia às autoridades que originariamente
as juntaram aos autos de origem.
Ementa
PROCESSUAL PENAL E PENAL: HABEAS CORPUS. MULTA APLICADA À
DEFESA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. JUNTADA DE MÍDIA ELETRÔNICA
PELO PARQUET ESTADUAL. PROVA EMPRESTADA. COMPARTILHAMENTO DE
PROVAS. ADMISSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA
DEFESA. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE DO ÓRGÃO MINISTERIAL ESTADUAL PARA
ATUAR OU SE MANIFESTAR NO PROCESSO PRINCIPAL. NOVO PRAZO PARA ALEGAÇÕES
FINAIS. IMPOSSIBILIDADE.
1. Não conhecimento da impetração relativamente à multa aplicada à defesa
com base no art. 265 do Código de Processo Penal, que deve ser objeto de
impugnação própria pelos impetrantes, pela via adequada, tal como o fez a
defesa de outra ré (no mesmo processo) por meio de mandado de segurança,
já que, pela via escolhida, os impetrantes representam interesses alheios
(pacientes), e não próprios.
2. Não há dúvida de que é possível o compartilhamento de provas, mesmo
que entre processos que tramitam em esferas judiciárias distintas.
3. A prova emprestada é a prova produzida em um determinado processo
para nele gerar efeitos, mas que, por correlação fática, é importada
documentalmente para outro processo.
4. É pacífico o entendimento jurisprudencial de que tal espécie de prova
é permitida, desde que esteja demonstrado o respeito aos princípios do
contraditório e da ampla defesa.
5. As partes tiveram amplo acesso à mídia encartada, já que mencionada
prova ficou sabidamente disponível em secretaria por meses, com acesso
franqueado às partes para manifestação sobre o documento juntado, nos
termos das decisões de fls.159 e 184.
6. A legalidade das provas emprestadas não pode ser meramente presumida. O
artigo 5º, LVI, da CF/88 veda explicitamente a obtenção de provas por
meios ilícitos, a fim de prevenir e combater a arbitrariedade do próprio
Estado, delimitando a atuação deste na sua atividade persecutória.
7. No presente caso, o Ministério Público Estadual juntou a referida mídia
nos autos principais sem haver qualquer autorização judicial prévia da
autoridade que a recebeu.
8. Tratando-se de cópia digital de investigação e processo criminal que
tramita perante a Justiça Estadual em face de alguns dos réus dos autos
principais, a autoridade judiciária, ao recebê-la, deveria ter feito uma
análise prévia, mesmo que superficialmente num primeiro momento, acerca
dos requisitos formais de sua produção, bem como da necessidade de sua
utilização, mormente no caso em que há manifesto protesto da defesa a
respeito de vícios absolutos nela existentes.
9. A autorização judicial se deu em benefício de investigação
específica, e nesse estrito limite inicial. Portanto, para que haja o
uso dessas provas em outro procedimento, ou em outro processo, deve haver
autorização específica da autoridade judiciária competente, ou seja,
aquela que autorizou a medida mediante a qual foram coletados os elementos
a serem compartilhados. Sem isso, a prova terá, perante o segundo processo,
o valor de uma prova coletada sem autorização judicial, porquanto esta é
necessária não apenas para obtenção material dos elementos, mas também,
e reitero ainda uma vez, para que se saibam os limites em seu uso. Assim,
tais limites só podem ser transpostos se a própria autoridade que autorizou,
originariamente nesses lindes, a medida, autorizar que seja expandido o uso das
provas. É ela (a autoridade judicial), pois, verdadeira guardiã do sigilo
da prova e dos limites de seu uso, de maneira a garantir o não trespasse
dos limites jurídicos de aproveitamento de provas obtidas por meio de atos
severos de intervenção estatal no âmbito dos direitos de um indivíduo
10. Ademais, não poderia o Ministério Público Estadual vir aos autos,
já no curso do processo, e trazer diretamente provas, as quais deveriam
ser, isso sim (e sendo elas em tese relevantes para o processo), remetidas
ao órgão competente do Ministério Público Federal. É este último que
atua como "parte" (utilizando tal termo no sentido de polo processual,
sem ingressar na controvérsia de tal termo ante o papel do Ministério
Público no processo penal) no processo, não podendo outros órgãos, com
atribuições e competências distintas, ingressar no feito. Sem isso, não
apenas se prejudica a racionalidade sistêmica do processo e das próprias
divisões constitucionais e legais de competências entre órgãos estatais,
mas também o polo passivo da ação penal, que não teria nem mesmo senso
de estabilidade a respeito de quais órgãos exercem ou podem exercer o polo
oposto na relação processual penal. Práticas desse jaez não se coadunam
com o máximo prestígio do ordenamento ao contraditório, ao devido processo
legal e à ampla defesa, além de causarem tumulto processual.
11. Pelo que consta do presente habeas corpus, a mídia juntada aos autos
principais pelo Ministério Público Estadual não teve impacto em atos
probatórios posteriores. Demais disso, os pacientes apresentaram, ao
fim e ao cabo, alegações finais, de modo que inexiste qualquer motivo
para providência outra que não o desentranhamento da mídia, a qual não
contaminou quaisquer outros atos ou elementos probatórios contidos nos
autos principais.
12. Reconhecendo-se a ilicitude do compartilhamento da maneira como efetivado,
impõe-se o desentranhamento da prova, mantidos os demais atos e elementos
constantes dos autos de origem.
13. Afigura-se razoável o entendimento do Magistrado quanto à demora
dos pacientes em questionarem a licitude da prova nos autos principais,
e vê-se que não houve cerceamento, mas seguidas oportunidades para que
efetivamente apresentassem alegações finais (sendo que poderiam os réus
arguir novamente, nas próprias alegações finais, a nulidade da prova). No
entanto, isso não descaracteriza a invalidade da prova (devido, reitero,
à invalidade na maneira com que compartilhada, além de trazida por parte
ilegítima). Deve esta, por conseguinte, ser desentranhada.
10. Adequado o prazo de alegações finais fixado na decisão impugnada,
vez que, das diversas manifestações e decisões que constam dos autos,
é possível aferir que os impetrantes tiveram sucessivos prazos para se
manifestarem sobre as informações juntadas pelo Ministério Público
Estadual, tanto assim que as impugnaram expressamente, numa demonstração
de que o contraditório foi estritamente observado e a ilicitude da mídia
motivadamente rejeitada pelo juízo de origem.
5. Writ parcialmente conhecido e, na parte conhecida, parcialmente concedida
a ordem apenas para determinar o desentranhamento (nos autos principais)
da prova impugnada, remetendo-se a mídia às autoridades que originariamente
as juntaram aos autos de origem.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, conhecer parcialmente do habeas corpus e, na parte conhecida,
por maioria, conceder parcialmente a ordem, apenas para determinar o
desentranhamento (nos autos principais) da prova impugnada,remetendo-sea
mídia às autoridades que originariamente as juntaram aos autos de
origem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Data do Julgamento
:
18/10/2016
Data da Publicação
:
28/10/2016
Classe/Assunto
:
HC - HABEAS CORPUS - 65861
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Relator para
acórdão
:
DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO
Referência
legislativa
:
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-265
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-5 INC-56
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/10/2016
..FONTE_REPUBLICACAO:
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