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Jurisprudência


TRF3 0001514-30.2008.4.03.6000 00015143020084036000

Ementa
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. SÍNDROME DE HUNTER (MUCOPOLISSACARIDOSES). AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO NA ANVISA PARA COMERCIALIZAÇÃO NO BRASIL. NÃO CONSTA DA LISTA DO SUS. CUSTO ELEVADO DO MEDICMENTO. APELAÇÕES NÃO PROVIDAS. REEXAME NECESSÁRIO DESPROVIDO. 1. Trata-se de reexame necessário e recursos de apelação da UNIÃO e do ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL em face da r. sentença de fls. 601/617 que, em autos de ação ordinária c/c o pedido de antecipação da tutela julgou procedente o pedido do auto para condenar os réus, solidariamente, a fornecerem o medicamento "ELAPRASE (Idersulfase)", ficando assim mantida a decisão de concessão da antecipação dos efeitos da tutela. Houve ainda a condenação do Estado do Mato Grosso do Sul e do Município de Campo Grande ao pagamento de honorários advocatícios, que foram fixados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais) para cada um, com fulcro no disposto no art. 20, §4º, do Código de Processo Civil, em favor da DPU. 2. A decisão do STJ no REsp. 1.657.156/RJ sofreu modulação nos seus efeitos, nos termos do art. 927, §3º, do CPC, a fim de determinar que os critérios e requisitos estipulados somente serão exigidos para os processos que forem distribuídos a partir da conclusão do julgamento do Recurso Especial representativo da controvérsia, ou seja, somente para as ações propostas a partir de 04/05/2018. 3. É notório que a Carta de 1988, ao constitucionalizar o direito à saúde como direito fundamental, inovou a ordem jurídica nacional, na medida em que nas Constituições anteriores tal direito se restringia à salvaguarda específica de direitos dos trabalhadores, além de disposições sobre regras de competência que não tinham, todavia, o condão de garantir o acesso universal à saúde. 4. Na busca pela concretude deste direito, que é garantia de toda a sociedade, gerando um dever por parte do poder público de implementar políticas públicas que visem ao bem-estar geral da população o legislador infraconstitucional editou a Lei nº 8.080/90, genitora do Sistema Único de Saúde-SUS, determinando o atendimento integral na seara da saúde, ao incluir no campo de atuação daquele à execução de diversas ações, dentre as quais está expressamente prevista a assistência farmacêutica. 5. Prosseguindo nesse juízo, na medida em que o direito à saúde se consubstancia, também, como direito subjetivo do indivíduo, não me parecem legítimas as afirmações segundo as quais a tutela individual tratar-se-ia de uma inaceitável intervenção do Poder Judiciário sobre o Executivo e as políticas públicas que este leva a cabo. 6. Sabendo-se que, como já afirmado, o direito à saúde, além do aspecto coletivo, constrói-se como direito fundamental subjetivo de cada indivíduo; verificando-se, outrossim, a ausência ou deficiência do poder público em promover as necessárias políticas que garantam ao indivíduo condições de saúde dignas, não é razoável supor se pudesse negar ao indivíduo a tutela jurisdicional, uma vez que é obrigação do Estado zelar pela saúde de todos, mas também pela saúde de cada um dos indivíduos do país. 7. In casu, o autor, Bruno de Jesus Oliveira, então menor impúbere, representado no presente feito por sua genitora Leila de Jesus Oliveira, foi diagnosticado como portador de rara doença denominada Mucopolissacaridose II (MPS II ou Síndrome de Hunter, CID 10 e 76.1), caracterizada pela ausência da enzima ARILSULFATASE B, responsável pela degradação de hidratos de carbono de carbono conhecidos como glicosaminoglicanos (GAG), causando, dentre outros problemas, o aumento do fígado e do baço, conformação anormal dos ossos, face grosseira, artropatia grave, diminuição da mobilidade das articulações, disfunções auditivas, visuais, respiratórias e cardiovasculares, aumento da pressão intracraniana, tronco curto e cabeça grande. 8. Consta do relatório médico de fls. 22/24, assinado pelo Dr. Durval Batista Palhares (CRM/MS nº 662) e pela Dra. Liane de Rosso Giuliani (CRM/MS nº 4783), servidores públicos responsáveis respectivamente, pelo Departamento de Pediatria e do Ambulatório de Genética da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul que: "Primeiro filho do casal não consanguíneo, gestação sem intercorrência, foi percebida alteração quando iniciou os marcos motores antes de 1 ano além de aumento do abdome, aos 4 anos foi fechado diagnostico em São José do Rio Preto/SP. Em 2003/2004 entrou em avaliação, seguimento e tratamento pelo Protocolo de Estudo do Serviço de Genética do Hospital Clínicas da URGS/RS, onde iniciou Terapia de Reposição Enzimática (TER). Em 2006 veio transferido para o Serviço de Pediatria da UFMS, onde permaneceu por 2 anos em TER, dentro do estudo clínico de extensão com uso compacionado da medicação.(...). Atualmente após semana 146 da TER, o paciente apresenta quadro clinico melhor, redução da hepatomegalia, melhora do comportamento, face não está grosseira, deambula bem, aparelho respiratório com melhora significativa e cardiovascular com melhora discreta.(...). O tratamento especifico com enzina recombinante está aprovado pelo FDA e disponível desde julho de 2006 nos Estados Unidos da América, sendo produzida pelo laboratório AShire (Human Genetic Therapies), sob o nome comercial de Elaprase® (idursulfase). Segundo estudos de fase III, a reposição enzimática comprovadamente melhora o quadro osteoarticular, com melhora na distância de caminhada. Não foi estatisticamente comprovada sua melhora da função pulmonar. Embora os estudos clínicos não tenham incluído com end-points as avaliações dos outros sinais e sintomas, deverá, com em outras doenças lisossômicas em que há tratamento de reposição enzimática, melhorar a maioria dos comprometimentos da doença, pois retira os depósitos das diferentes áreas afetadas ou pelo menos, impede a progressão do quadro clínico já desenvolvido. Na ausência de tratamento específico, as alterações apresentadas pelo paciente evoluirão, podendo determinar a morte por alterações cardio-respiratórias. O início do tratamento deve ser realizado o mais breve possível, dado o caráter progressivo da doença. (...). Neste caso de Bruno, a descontinuidade do tratamento implicará na piora do quadro com regressão de todos os ganhos alcançados até o momento." (fls. 22/24). 9. Uma leitura constitucional do caso demonstra que o postulado da dignidade da pessoa humana não permite, em nenhuma hipótese, que seja negada a concessão de fármacos capazes de salvaguardar a vida de portadores de síndromes ou patologias graves, com expressivo risco à vida, somente para que se onere menos o Estado ou obedeça comportamentos burocráticos que, numa análise casuística, se mostra irracional e não razoável. Todos, sem exceção, devem ter acesso a tratamento médico digno e eficaz, mormente quando não possuam recursos para custeá-lo. 10. Ademais, em última análise, cabe a Administração Pública demonstrar, no caso concreto, a efetiva indisponibilidade dos recursos para custeio das ações de dispensação de medicamentos no âmbito do sistema público de saúde, o SUS. 11. Negado provimento ao recurso de apelação da União. 12. Negado provimento ao recurso de apelação do Estado do Mato Grosso do Sul. 13. Reexame necessário não provido.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do voto do Relator, sendo que a Des. Fed. Cecília Marcondes acompanhou pela conclusão.

Data do Julgamento : 18/12/2018
Data da Publicação : 23/01/2019
Classe/Assunto : ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2227668
Órgão Julgador : TERCEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/01/2019 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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