TRF3 0001769-96.2015.4.03.6111 00017699620154036111
DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE
MEDICAMENTO. APELAÇÃO. UNIÃO. ESTADO DE SÃO PAULO. LEGITIMIDADE. EPILEPSIA
REFRATÁRIA. HEMP OIL (RSHO) CANNABIDIOL (CNB). MEDICAMENTO NÃO
DISPONIBILIZADO PELO SUS. AUSÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA. IMPOSSIBILIDADE DE
IMPORTAÇÃO PELOS ENTES FEDERATIVOS. INEXISTÊNCIA. RECURSOS DE APELAÇÃO
NÃO PROVIDOS.
1. Trata-se de recursos de apelação interpostos pela FAZENDA PÚBLICA DO
ESTADO DE SÃO PAULO e pela UNIÃO em face da r. sentença de fls. 309/328 que,
em autos de ação de obrigação de fazer c/c antecipação de tutela, julgou
procedente, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, o pedido formulado pelo
autor, Rafael Massahiro Kimoto, para, confirmando a tutela antecipada deferida,
condenando a União Federal e a Fazenda do Estado de São Paulo a fornecer
o medicamento HEMP OIL (RSHO) cannabidiol (CNB) ao autor, em conformidade
com a dosagem prescrita pela médica assistente. Sem reexame necessário.
2. A decisão do STJ no REsp. 1.657.156/RJ sofreu modulação nos seus
efeitos, nos termos do art. 927, §3º, do CPC, a fim de determinar que
os critérios e requisitos estipulados somente serão exigidos para os
processos que forem distribuídos a partir da conclusão do julgamento do
Recurso Especial representativo da controvérsia, ou seja, somente para as
ações propostas a partir de 04/05/2018.
3. Preliminarmente, sobre a ilegitimidade ad causam arguida pela União,
tal não procede, visto que a Constituição Federal de 1988 determina,
em seu art. 196, que o direito fundamental à saúde é dever de todos os
entes federativos, respondendo eles de forma solidária pela prestação
de tal serviço público. Ou seja, a divisão de tarefas entre os entes
federados na promoção, proteção e gestão do sistema de saúde visa
tão somete otimizar o serviço, não podendo ser oposta como excludente de
responsabilidade do ente, seja ele a União, o Estado ou o Município.
4. É notório que a Carta de 1988, ao constitucionalizar o direito à saúde
como direito fundamental, inovou a ordem jurídica nacional, na medida em
que nas Constituições anteriores tal direito se restringia à salvaguarda
específica de direitos dos trabalhadores, além de disposições sobre
regras de competência que não tinham, todavia, o condão de garantir o
acesso universal à saúde.
5. Na busca pela concretude deste direito, que é garantia de toda a
sociedade, gerando um dever por parte do poder público de implementar
políticas públicas que visem ao bem-estar geral da população, o legislador
infraconstitucional editou a Lei nº 8.080/90, genitora do Sistema Único
de Saúde-SUS, determinando o atendimento integral na seara da saúde, ao
incluir no campo de atuação daquele à execução de diversas ações,
dentre as quais está expressamente prevista a assistência farmacêutica.
6. Prosseguindo nesse juízo, na medida em que o direito à saúde se
consubstancia, também, como direito subjetivo do indivíduo, não me parecem
legítimas as afirmações segundo as quais a tutela individual tratar-se-ia
de uma inaceitável intervenção do Poder Judiciário sobre o Executivo e
as políticas públicas que este leva a cabo.
6. In casu, o apelante tem diagnóstico de encefalopatia epilética
(CID G82/G40) e autismo (CID F84), doenças neurológicas que atingem o
desenvolvimento neuropsicomotor, funcional e da sociabilidade. Fez uso de uma
sorte de medicamentos em associação sem, no entanto, obter o efeito esperado,
motivo pelo qual lhe foi prescrito o uso do medicamento HEMP OIL (Canabidiol).
7. O médico neurologista que acompanha o caso do autor, Prof. Dr. Osmi
Hamamoto, em relatório médico de fl. 39 declarou que "o paciente RAFAEL
MASSAHIRO KIMOTO está em seguimento neurológico desde 20/01/2009 por quadro
clínico de autismo e epilepsia de difícil controle que iniciaram-se com 2
anos de idade. Atualmente está em uso de medicações, com controle parcial
da sintomatologia, sendo que apresenta crises generalizadas com frequência
de 4 x por semana e crises parciais cerca de 2-3x/dia.".
8. Determinada a realização de perícia técnica (fls. 281/286), o médico
perito (Dr. João Afonso Tanuri - CRM/SP nº 17643, neurologista) apontou
que há segurança absoluta para a utilização dos medicamentos pretendidos
pelo autor, "pois países como a Holanda, Canadá, Israel, Inglaterra fazem
uso cotidiano desta medicação" (quesito nº 5 da Procuradoria do Estado,
fl. 285). Em conclusão, o perito médico entendeu que "pela ANVISA, pelas
regras do Conselho Federal de Medicina e Código de Ética Médica, é
permitido o autor solicitar e é dever ser atendido para usar o medicamento
por ele requerido." (fl. 286)
9. É com base na excepcionalidade do quadro clínicos dos pacientes com
epilepsia refratária que a jurisprudência tem entendido a possibilidade
de autorização de importação, pelos entes públicos, de medicamento não
registrado na ANVISA, pois a retirada do Canabidiol da lista de substâncias
proibidas no Brasil, pela ANVISA, combinada com a autorização do uso
compassivo do canabidiol para o uso no tratamento das epilepsias afasta
qualquer alegação de ofensa à legalidade.
10. A alegação das Fazendas Pública Federal e Estadual de óbice
à concessão do tratamento ao autor em razão da ausência de registro
na ANVISA, sob pena de violação à legalidade, não prospera, pois esta
vedação pode ser superada frente uma situação excepcional. Isso, inclusive,
restou claro no julgamento da STA 175.
11. Assim, uma leitura constitucional do caso demonstra que o postulado
da dignidade da pessoa humana não permite, em nenhuma hipótese, que seja
negada a concessão de fármacos capazes de salvaguardar a vida de portadores
de síndromes ou patologias graves, com expressivo risco à vida, somente
para que se onere menos o Estado ou atenda comportamentos burocráticos que,
numa análise casuística, mostra-se irracional e não razoável. Todos,
sem exceção, devem ter acesso a tratamento médico digno e eficaz, mormente
quando não possuem recursos para custeá-lo.
11. Apelações não providas.
Ementa
DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE
MEDICAMENTO. APELAÇÃO. UNIÃO. ESTADO DE SÃO PAULO. LEGITIMIDADE. EPILEPSIA
REFRATÁRIA. HEMP OIL (RSHO) CANNABIDIOL (CNB). MEDICAMENTO NÃO
DISPONIBILIZADO PELO SUS. AUSÊNCIA DE REGISTRO NA ANVISA. IMPOSSIBILIDADE DE
IMPORTAÇÃO PELOS ENTES FEDERATIVOS. INEXISTÊNCIA. RECURSOS DE APELAÇÃO
NÃO PROVIDOS.
1. Trata-se de recursos de apelação interpostos pela FAZENDA PÚBLICA DO
ESTADO DE SÃO PAULO e pela UNIÃO em face da r. sentença de fls. 309/328 que,
em autos de ação de obrigação de fazer c/c antecipação de tutela, julgou
procedente, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC, o pedido formulado pelo
autor, Rafael Massahiro Kimoto, para, confirmando a tutela antecipada deferida,
condenando a União Federal e a Fazenda do Estado de São Paulo a fornecer
o medicamento HEMP OIL (RSHO) cannabidiol (CNB) ao autor, em conformidade
com a dosagem prescrita pela médica assistente. Sem reexame necessário.
2. A decisão do STJ no REsp. 1.657.156/RJ sofreu modulação nos seus
efeitos, nos termos do art. 927, §3º, do CPC, a fim de determinar que
os critérios e requisitos estipulados somente serão exigidos para os
processos que forem distribuídos a partir da conclusão do julgamento do
Recurso Especial representativo da controvérsia, ou seja, somente para as
ações propostas a partir de 04/05/2018.
3. Preliminarmente, sobre a ilegitimidade ad causam arguida pela União,
tal não procede, visto que a Constituição Federal de 1988 determina,
em seu art. 196, que o direito fundamental à saúde é dever de todos os
entes federativos, respondendo eles de forma solidária pela prestação
de tal serviço público. Ou seja, a divisão de tarefas entre os entes
federados na promoção, proteção e gestão do sistema de saúde visa
tão somete otimizar o serviço, não podendo ser oposta como excludente de
responsabilidade do ente, seja ele a União, o Estado ou o Município.
4. É notório que a Carta de 1988, ao constitucionalizar o direito à saúde
como direito fundamental, inovou a ordem jurídica nacional, na medida em
que nas Constituições anteriores tal direito se restringia à salvaguarda
específica de direitos dos trabalhadores, além de disposições sobre
regras de competência que não tinham, todavia, o condão de garantir o
acesso universal à saúde.
5. Na busca pela concretude deste direito, que é garantia de toda a
sociedade, gerando um dever por parte do poder público de implementar
políticas públicas que visem ao bem-estar geral da população, o legislador
infraconstitucional editou a Lei nº 8.080/90, genitora do Sistema Único
de Saúde-SUS, determinando o atendimento integral na seara da saúde, ao
incluir no campo de atuação daquele à execução de diversas ações,
dentre as quais está expressamente prevista a assistência farmacêutica.
6. Prosseguindo nesse juízo, na medida em que o direito à saúde se
consubstancia, também, como direito subjetivo do indivíduo, não me parecem
legítimas as afirmações segundo as quais a tutela individual tratar-se-ia
de uma inaceitável intervenção do Poder Judiciário sobre o Executivo e
as políticas públicas que este leva a cabo.
6. In casu, o apelante tem diagnóstico de encefalopatia epilética
(CID G82/G40) e autismo (CID F84), doenças neurológicas que atingem o
desenvolvimento neuropsicomotor, funcional e da sociabilidade. Fez uso de uma
sorte de medicamentos em associação sem, no entanto, obter o efeito esperado,
motivo pelo qual lhe foi prescrito o uso do medicamento HEMP OIL (Canabidiol).
7. O médico neurologista que acompanha o caso do autor, Prof. Dr. Osmi
Hamamoto, em relatório médico de fl. 39 declarou que "o paciente RAFAEL
MASSAHIRO KIMOTO está em seguimento neurológico desde 20/01/2009 por quadro
clínico de autismo e epilepsia de difícil controle que iniciaram-se com 2
anos de idade. Atualmente está em uso de medicações, com controle parcial
da sintomatologia, sendo que apresenta crises generalizadas com frequência
de 4 x por semana e crises parciais cerca de 2-3x/dia.".
8. Determinada a realização de perícia técnica (fls. 281/286), o médico
perito (Dr. João Afonso Tanuri - CRM/SP nº 17643, neurologista) apontou
que há segurança absoluta para a utilização dos medicamentos pretendidos
pelo autor, "pois países como a Holanda, Canadá, Israel, Inglaterra fazem
uso cotidiano desta medicação" (quesito nº 5 da Procuradoria do Estado,
fl. 285). Em conclusão, o perito médico entendeu que "pela ANVISA, pelas
regras do Conselho Federal de Medicina e Código de Ética Médica, é
permitido o autor solicitar e é dever ser atendido para usar o medicamento
por ele requerido." (fl. 286)
9. É com base na excepcionalidade do quadro clínicos dos pacientes com
epilepsia refratária que a jurisprudência tem entendido a possibilidade
de autorização de importação, pelos entes públicos, de medicamento não
registrado na ANVISA, pois a retirada do Canabidiol da lista de substâncias
proibidas no Brasil, pela ANVISA, combinada com a autorização do uso
compassivo do canabidiol para o uso no tratamento das epilepsias afasta
qualquer alegação de ofensa à legalidade.
10. A alegação das Fazendas Pública Federal e Estadual de óbice
à concessão do tratamento ao autor em razão da ausência de registro
na ANVISA, sob pena de violação à legalidade, não prospera, pois esta
vedação pode ser superada frente uma situação excepcional. Isso, inclusive,
restou claro no julgamento da STA 175.
11. Assim, uma leitura constitucional do caso demonstra que o postulado
da dignidade da pessoa humana não permite, em nenhuma hipótese, que seja
negada a concessão de fármacos capazes de salvaguardar a vida de portadores
de síndromes ou patologias graves, com expressivo risco à vida, somente
para que se onere menos o Estado ou atenda comportamentos burocráticos que,
numa análise casuística, mostra-se irracional e não razoável. Todos,
sem exceção, devem ter acesso a tratamento médico digno e eficaz, mormente
quando não possuem recursos para custeá-lo.
11. Apelações não providas.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento aos recursos de apelação da União Federal
e da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
05/12/2018
Data da Publicação
:
12/12/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2273074
Órgão Julgador
:
TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/12/2018
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