main-banner

Jurisprudência


TRF3 0001800-42.2007.4.03.6000 00018004220074036000

Ementa
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. AGRAVO RETIDO IMPROVIDO. INÉPCIA DA INICIAL NÃO RECONHECIDA. INOCORRÊNCIA DE JULGAMENTO ULTRA PETITA. PRELIMINARES REJEITADAS. AFASTADA A ALEGAÇÃO DE DECADÊNCIA. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL ATUANDO COMO AGENTE EXECUTOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS. RESIDENCIAL CONSTRUÍDO COM RECURSOS DO PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - PAR. CONFIGURADA A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL E DA CONSTRUTORA PROGEMIX. MANTIDAS AS DIRETRIZES ESTABELECIDAS NA SENTENÇA PARA A REALIZAÇÃO DOS REPAROS. RECURSOS IMPROVIDOS. 1. De acordo com os princípios "pas de nullité sans grief" e da instrumentalidade das formas, os atos processuais somente serão considerados nulos se houver prova de efetivo prejuízo às partes. Com efeito, a existência de vício, por si só, não enseja a nulidade de ato processual, devendo-se apurar se a sua finalidade foi atingida, sem causar dano à defesa das partes. Precedentes. 2. No presente caso, conforme bem assinalado nas contrarrazões do Ministério Público Federal, a CAIXA juntou, após a apresentação do laudo da perícia judicial, extenso parecer técnico elaborado por seus assistentes periciais, abordando toda a matéria técnica de engenharia, de modo a evidenciar "pleno conhecimento e domínio por parte dos assistentes sobre o conteúdo e problemas enfrentados pelos moradores do residencial (por evidente, a CAIXA é a dona do empreendimento e detentora de toda a documentação)", juntou documentos e apresentou um amplo rol de quesitos complementares, devidamente esclarecidos pelo perito judicial. 3. Desta feita, não se vislumbra a ocorrência de qualquer prejuízo na defesa da apelante, que pudesse ensejar a nulidade da r. sentença, razão pela qual deve ser negado provimento ao agravo retido. 4. Da mesma forma, não prospera a preliminar de parcial nulidade da r. sentença, aventada pela CEF, sob o argumento de esta ser ultra petita, já que "a condenação imposta nos itens 2, 3, 4, 5 e 6 não guardam qualquer pertinência ou relação com os pedidos formulados", ressaltando que "tais providências foram meras sugestões do perito, mas, por não terem sido pleiteadas inicialmente, não podem ser deferidas". 5. Isso porque, ao contrário do que alega a apelante, os danos estruturais só puderam ser efetivamente identificados e especificados após a realização da perícia judicial, momento em que restou demonstrado pelo i. perito que tais danos foram causados pelas modificações substanciais efetuadas no projeto inicial pela construtora PROGEMIX, de tal modo que as referidas obrigações impostas às rés foram consideradas como reparos de "dano estrutural", estando, portanto, englobadas no pedido "3.1.2" da inicial da presente ação. 6. Noutro giro, compulsando os presentes autos, verifica-se que a inicial se encontra em consonância com os requisitos do artigo 282 do Código de Processo Civil/1973, constando a qualificação das partes, os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, o pedido com suas especificações, o valor da causa, as provas a serem produzidas, e o requerimento da citação das rés. Ademais, a fim de demonstrar os alegados prejuízos, foram acostados junto à inicial depoimentos dos moradores, bem como requerida a realização de perícia técnica judicial. 7. Ressalte-se, ainda, que, após a apresentação do laudo do perito judicial, todas as partes tiveram ciência de seu conteúdo, sendo-lhes permitida a apresentação de quesitos complementares ao perito, de laudo de seus assistentes técnicos e de documentos que entenderam necessários, de modo que houve o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, razão pela qual não prospera a preliminar de inépcia da inicial arguida pela PROGEMIX. 8. Cumpre asseverar que o prazo de cinco anos previsto no caput do artigo 618 do Código Civil se refere ao prazo de garantia legal e o de cento e oitenta dias, disposto no parágrafo único do mesmo artigo, ao prazo decadencial. Desse modo, aparecendo o defeito durante o prazo de garantia, o dono da obra terá cento e oitenta dias para propor a ação constitutiva ou desconstitutiva. 9. Todavia, em se tratando de ação condenatória, que busca a reparação civil de danos causados por vícios de construção, o prazo a ser aplicado é aquele de três anos previsto no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil, de natureza prescricional e não decadencial. 10. O Código de Defesa do Consumidor dispõe, em seus artigos 26 e 27, sobre os prazos de prescrição e de decadência do direito de reclamar pelos vícios do produto ou de serviço. 11. Os danos decorrentes de vício da construção se alongam no tempo e, por essa razão, não se tem uma data precisa para o início da contagem do prazo prescricional/decadencial, razão pela qual se considera irrompida a pretensão de reparação civil apenas no momento em que, comunicado o fato à ré, esta cabalmente se recusa a sanar os vícios. 12. No caso dos autos, consta que as reclamações dos arrendatários se iniciaram logo após a entrega dos imóveis, que se deu em março/2002, e a presente ação civil pública foi ajuizada em março/2007. Consta, ainda, que, em 2003, a construtora PROGEMIX iniciou reformas no referido Residencial, a fim de solucionar os vícios de construção apontados pelos moradores, sendo realizados sucessivos serviços de recuperação até 2006, que, no entanto, não foram suficientes para reparar os danos. 13. Desta feita, considerando que a constatação da existência de vícios ocultos na construção se prolongou no tempo, tendo as rés, ora apelantes, inclusive prestado serviços de reparação até o ano de 2006, bem como que a presente ação foi ajuizada em 2007, não há que se falar em decadência ou prescrição. 14. A CEF tem legitimidade para figurar no polo passivo da presente ação, tendo em vista que esta atua como gestora do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) e arrendante nos contratos do Programa de Arrendamento Residencial (PAR). Com efeito, não se afasta a responsabilidade civil da CEF por vícios ou defeitos em imóvel ofertado no âmbito de programas habitacionais quando esta atua não apenas como uma típica instituição financeira, mas, como verdadeiro braço estatal e agente executor de políticas públicas, provendo moradia popular. Quando atua desta forma, cogita-se, inclusive, sua responsabilidade por danos no imóvel mesmo quando sequer atuou em sua construção. 15. Isso porque, no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial (PAR), a CEF adquire a propriedade do imóvel antes da celebração do contrato de arrendamento, situação que não se altera na vigência do mesmo, o que reforça a extensão da responsabilidade apontada. Precedentes. 16. É de se destacar que a responsabilidade da CEF nestas hipóteses é objetiva, sendo seu dever garantir que os imóveis oferecidos no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial - PAR são adequados para habitação, correspondendo a legítimas expectativas quanto à qualidade de sua construção, à sua durabilidade, à segurança oferecida para seus moradores, bem como em relação a seu funcionamento ou desempenho, entendido aqui como mínimas condições de conforto. 17. O fato de um programa habitacional ser destinado a uma população de baixa renda, ou mesmo o imperativo de eficiência na alocação de recursos públicos, pelo qual a oferta de imóveis mais simples ou baratos aumentaria o número de pessoas beneficiadas pelo mesmo, são fatores que não justificam a subversão dos critérios apontados, tampouco eximem o arrendante de responsabilidade por danos sofridos pelos arrendatários se decorrentes de suas escolhas gerenciais. 18. Conquanto subsistam controvérsias em relação à aplicação das normas do CDC à CEF quando esta não atua nos estreitos limites das atividades típicas de uma instituição financeira, é de rigor destacar que o CDC também faz menção a serviços e órgãos públicos (artigo 4º, VII, e artigo 22 da Lei 8.078/90), sendo de todo questionável que a presença de objetivos outros para além da mera persecução de lucro seja suficiente para descaracterizar a CEF como fornecedora nestas condições ou para afastar a configuração da relação de consumo em prejuízo dos destinatários finais de programas habitacionais. Por todas estas razões, na hipótese dos autos, é justificável, no mínimo, a aplicação analógica de dispositivos da legislação consumerista que protegem o consumidor em função de vícios ou defeitos do produto oferecido ou do serviço prestado, tais como o art. 4º, II, VII, "d", VII, art. 6º, I, III, VI, VIII, X, art. 8º, art. 9º, art. 10, art. 12, art. 14, art. 18, art. 20, art. 22, todos do CDC. 19. Ainda, o Código Civil determina, em seus artigos 186 e 927, caput e parágrafo único, que comete ato ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito ou causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, ficando obrigado a repará-lo, o que pode ocorrer independentemente de culpa, nos casos especificados em lei. 20. A responsabilidade civil do Estado também segue a lógica em questão, de modo que, sendo a CEF uma empresa pública que compõe a administração indireta, sua responsabilidade civil pode surgir a partir da atuação de seus agentes ou de omissão decorrente do mau funcionamento do serviço (faute du service), se restar configurado o ato ilícito. Em outras palavras, a omissão gera responsabilidade se configurar ofensa a dever legal que impediria a ocorrência do dano. 21. Pela ótica da teoria subjetiva é de rigor verificar se há relação de causalidade entre omissão do Estado e a configuração do dano. Nesse sentir, no caso dos autos, o laudo pericial apurou a ocorrência de inúmeras modificações do projeto inicial do Residencial Carimã, durante a execução da obra, das quais decorreram os vícios de construção enfrentados pelos moradores. 22. Em relação ao processo de construção, restou demonstrado pelo i. perito que, no projeto inicial, havia a previsão de utilização de concreto estrutural armado, sendo usada, todavia, alvenaria estrutural, de custo mais barato. Outrossim, o laudo pericial apontou que houve a redução da altura do peitoril dos blocos de apartamentos, fazendo com que as inclinações das telhas ficassem abaixo daquelas constantes no projeto, bem como do índice mínimo recomendado pelo fabricante; o assentamento incorreto das esquadrias, impossibilitando a abertura total das duas folhas das janelas e, consequentemente, a utilização das chamadas carrancas para prender as folhas junto à parede externa; defeitos no revestimento das paredes e nas pinturas; o reaproveitamento de telhas, de modo que o transpasse entre as telhas não atendeu o mínimo de 25 cm especificado pelo fabricante; e a não instalação das duas caixas de captação de águas pluviais constantes no projeto, bem como de boa parte da tubulação para o escoamento dessas águas. 23. Dessa forma, os vícios de construção reconhecidos pela r. sentença foram fartamente demonstrados pelo i. perito. 24. Nessa senda, a apelante PROGEMIX, na qualidade de construtora do residencial, responde independentemente de culpa pela solidez e segurança da obra, nos termos do artigo 618 do Código Civil, e a apelante CEF responde pela omissão na fiscalização, tendo em vista que tal omissão foi determinante para a ocorrência dos danos, bem como pela culpa in eligendo, já que, nos termos do parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 10.188/2001, a escolha da empresa construtora prescinde de procedimento licitatório. Precedente. 25. Destaca-se, por fim, que a responsabilidade existente é solidária, de modo que o valor total a ser dispendido nos reparos da construção deve ser dividido igualitariamente entre as apelantes. 26. As diretrizes para a reparação dos vícios foram estabelecidas pelo MM. Juiz a quo com base na indicação do próprio perito sobre a forma como deveriam ser cumpridas as obrigações pelas apelantes, de modo a melhor atender aos interesses dos arrendatários. 27. Ademais, conforme bem assinalado no parecer do Ministério Público Federal, "as empresas-rés demonstraram má-fé e tentativa de diminuição de gastos quando da alteração dos projetos e materiais ao longo da construção do Residencial Carimã, e, desta forma, apesar de alguns vícios nas obras terem sido sanados, na há certeza de que a forma de execução e os materiais utilizados por elas garantam a resolução definitiva dos problemas, ou que apenas 'taparam o sol com a peneira' durante o deslindo processual". 28. Desta feita, na impossibilidade de se apurar, nessa fase processual, em que condições foram efetuados os reparos pelas apelantes e, levando-se em consideração o fato de que os reparos anteriormente realizados não sanaram os problemas, razão assiste ao MM. Juiz a quo ao determinar que "a adequabilidade e a suficiência das providências tomadas pelas rés, por conta da decisão antecipatória dos efeitos da tutela, deverão ser aferidas em sede de execução". 29. Irreparável, portanto, a r. sentença nesse ponto, devendo ser mantidas as diretrizes estabelecidas para a realização dos reparos. 30. Agravo Retido e Apelação da CEF desprovidos. Apelação da PROGEMIX a que se nega provimento.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e ao recurso de apelação interpostos pela Caixa Econômica Federal, e negar provimento ao recurso de apelação interposto pela Progemix, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 24/07/2018
Data da Publicação : 07/08/2018
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2198286
Órgão Julgador : PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973 LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-282 ***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002 LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-206 PAR-3 INC-5 ART-618 PAR-ÚNICO ART-186 ART-927 PAR-ÚNICO ***** CDC-90 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-6 INC-1 INC-3 INC-6 INC-8 INC-10 ART-8 ART-9 ART-10 ART-12 ART-14 ART-18 ART-20 ART-22 ART-26 ART-27 ART-4 INC-2 LET-D INC-7 LEG-FED LEI-10188 ANO-2001 ART-4 PAR-ÚNICO
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/08/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
Mostrar discussão