TRF3 0001800-42.2007.4.03.6000 00018004220074036000
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. VÍCIOS
DE CONSTRUÇÃO. AGRAVO RETIDO IMPROVIDO. INÉPCIA DA INICIAL NÃO
RECONHECIDA. INOCORRÊNCIA DE JULGAMENTO ULTRA PETITA. PRELIMINARES
REJEITADAS. AFASTADA A ALEGAÇÃO DE DECADÊNCIA. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
ATUANDO COMO AGENTE EXECUTOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS. RESIDENCIAL CONSTRUÍDO
COM RECURSOS DO PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - PAR. CONFIGURADA
A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL E DA CONSTRUTORA
PROGEMIX. MANTIDAS AS DIRETRIZES ESTABELECIDAS NA SENTENÇA PARA A REALIZAÇÃO
DOS REPAROS. RECURSOS IMPROVIDOS.
1. De acordo com os princípios "pas de nullité sans grief" e
da instrumentalidade das formas, os atos processuais somente serão
considerados nulos se houver prova de efetivo prejuízo às partes. Com
efeito, a existência de vício, por si só, não enseja a nulidade de ato
processual, devendo-se apurar se a sua finalidade foi atingida, sem causar
dano à defesa das partes. Precedentes.
2. No presente caso, conforme bem assinalado nas contrarrazões do Ministério
Público Federal, a CAIXA juntou, após a apresentação do laudo da perícia
judicial, extenso parecer técnico elaborado por seus assistentes periciais,
abordando toda a matéria técnica de engenharia, de modo a evidenciar
"pleno conhecimento e domínio por parte dos assistentes sobre o conteúdo
e problemas enfrentados pelos moradores do residencial (por evidente, a
CAIXA é a dona do empreendimento e detentora de toda a documentação)",
juntou documentos e apresentou um amplo rol de quesitos complementares,
devidamente esclarecidos pelo perito judicial.
3. Desta feita, não se vislumbra a ocorrência de qualquer prejuízo na
defesa da apelante, que pudesse ensejar a nulidade da r. sentença, razão
pela qual deve ser negado provimento ao agravo retido.
4. Da mesma forma, não prospera a preliminar de parcial nulidade da
r. sentença, aventada pela CEF, sob o argumento de esta ser ultra petita,
já que "a condenação imposta nos itens 2, 3, 4, 5 e 6 não guardam qualquer
pertinência ou relação com os pedidos formulados", ressaltando que "tais
providências foram meras sugestões do perito, mas, por não terem sido
pleiteadas inicialmente, não podem ser deferidas".
5. Isso porque, ao contrário do que alega a apelante, os danos estruturais só
puderam ser efetivamente identificados e especificados após a realização da
perícia judicial, momento em que restou demonstrado pelo i. perito que tais
danos foram causados pelas modificações substanciais efetuadas no projeto
inicial pela construtora PROGEMIX, de tal modo que as referidas obrigações
impostas às rés foram consideradas como reparos de "dano estrutural",
estando, portanto, englobadas no pedido "3.1.2" da inicial da presente ação.
6. Noutro giro, compulsando os presentes autos, verifica-se que a inicial
se encontra em consonância com os requisitos do artigo 282 do Código de
Processo Civil/1973, constando a qualificação das partes, os fatos e os
fundamentos jurídicos do pedido, o pedido com suas especificações, o valor
da causa, as provas a serem produzidas, e o requerimento da citação das
rés. Ademais, a fim de demonstrar os alegados prejuízos, foram acostados
junto à inicial depoimentos dos moradores, bem como requerida a realização
de perícia técnica judicial.
7. Ressalte-se, ainda, que, após a apresentação do laudo do perito
judicial, todas as partes tiveram ciência de seu conteúdo, sendo-lhes
permitida a apresentação de quesitos complementares ao perito, de laudo
de seus assistentes técnicos e de documentos que entenderam necessários,
de modo que houve o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa,
razão pela qual não prospera a preliminar de inépcia da inicial arguida
pela PROGEMIX.
8. Cumpre asseverar que o prazo de cinco anos previsto no caput do artigo
618 do Código Civil se refere ao prazo de garantia legal e o de cento
e oitenta dias, disposto no parágrafo único do mesmo artigo, ao prazo
decadencial. Desse modo, aparecendo o defeito durante o prazo de garantia,
o dono da obra terá cento e oitenta dias para propor a ação constitutiva
ou desconstitutiva.
9. Todavia, em se tratando de ação condenatória, que busca a reparação
civil de danos causados por vícios de construção, o prazo a ser aplicado
é aquele de três anos previsto no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil,
de natureza prescricional e não decadencial.
10. O Código de Defesa do Consumidor dispõe, em seus artigos 26 e 27,
sobre os prazos de prescrição e de decadência do direito de reclamar
pelos vícios do produto ou de serviço.
11. Os danos decorrentes de vício da construção se alongam no tempo e,
por essa razão, não se tem uma data precisa para o início da contagem do
prazo prescricional/decadencial, razão pela qual se considera irrompida a
pretensão de reparação civil apenas no momento em que, comunicado o fato
à ré, esta cabalmente se recusa a sanar os vícios.
12. No caso dos autos, consta que as reclamações dos arrendatários se
iniciaram logo após a entrega dos imóveis, que se deu em março/2002,
e a presente ação civil pública foi ajuizada em março/2007. Consta,
ainda, que, em 2003, a construtora PROGEMIX iniciou reformas no referido
Residencial, a fim de solucionar os vícios de construção apontados pelos
moradores, sendo realizados sucessivos serviços de recuperação até 2006,
que, no entanto, não foram suficientes para reparar os danos.
13. Desta feita, considerando que a constatação da existência de vícios
ocultos na construção se prolongou no tempo, tendo as rés, ora apelantes,
inclusive prestado serviços de reparação até o ano de 2006, bem como que
a presente ação foi ajuizada em 2007, não há que se falar em decadência
ou prescrição.
14. A CEF tem legitimidade para figurar no polo passivo da presente ação,
tendo em vista que esta atua como gestora do Fundo de Arrendamento Residencial
(FAR) e arrendante nos contratos do Programa de Arrendamento Residencial
(PAR). Com efeito, não se afasta a responsabilidade civil da CEF por
vícios ou defeitos em imóvel ofertado no âmbito de programas habitacionais
quando esta atua não apenas como uma típica instituição financeira, mas,
como verdadeiro braço estatal e agente executor de políticas públicas,
provendo moradia popular. Quando atua desta forma, cogita-se, inclusive,
sua responsabilidade por danos no imóvel mesmo quando sequer atuou em sua
construção.
15. Isso porque, no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial (PAR),
a CEF adquire a propriedade do imóvel antes da celebração do contrato
de arrendamento, situação que não se altera na vigência do mesmo, o que
reforça a extensão da responsabilidade apontada. Precedentes.
16. É de se destacar que a responsabilidade da CEF nestas hipóteses
é objetiva, sendo seu dever garantir que os imóveis oferecidos no
âmbito do Programa de Arrendamento Residencial - PAR são adequados para
habitação, correspondendo a legítimas expectativas quanto à qualidade
de sua construção, à sua durabilidade, à segurança oferecida para
seus moradores, bem como em relação a seu funcionamento ou desempenho,
entendido aqui como mínimas condições de conforto.
17. O fato de um programa habitacional ser destinado a uma população
de baixa renda, ou mesmo o imperativo de eficiência na alocação de
recursos públicos, pelo qual a oferta de imóveis mais simples ou baratos
aumentaria o número de pessoas beneficiadas pelo mesmo, são fatores que
não justificam a subversão dos critérios apontados, tampouco eximem o
arrendante de responsabilidade por danos sofridos pelos arrendatários se
decorrentes de suas escolhas gerenciais.
18. Conquanto subsistam controvérsias em relação à aplicação das normas
do CDC à CEF quando esta não atua nos estreitos limites das atividades
típicas de uma instituição financeira, é de rigor destacar que o CDC
também faz menção a serviços e órgãos públicos (artigo 4º, VII, e
artigo 22 da Lei 8.078/90), sendo de todo questionável que a presença de
objetivos outros para além da mera persecução de lucro seja suficiente para
descaracterizar a CEF como fornecedora nestas condições ou para afastar a
configuração da relação de consumo em prejuízo dos destinatários finais
de programas habitacionais. Por todas estas razões, na hipótese dos autos,
é justificável, no mínimo, a aplicação analógica de dispositivos da
legislação consumerista que protegem o consumidor em função de vícios ou
defeitos do produto oferecido ou do serviço prestado, tais como o art. 4º,
II, VII, "d", VII, art. 6º, I, III, VI, VIII, X, art. 8º, art. 9º, art. 10,
art. 12, art. 14, art. 18, art. 20, art. 22, todos do CDC.
19. Ainda, o Código Civil determina, em seus artigos 186 e 927, caput
e parágrafo único, que comete ato ilícito aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito ou causa
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, ficando obrigado a repará-lo,
o que pode ocorrer independentemente de culpa, nos casos especificados em lei.
20. A responsabilidade civil do Estado também segue a lógica em questão,
de modo que, sendo a CEF uma empresa pública que compõe a administração
indireta, sua responsabilidade civil pode surgir a partir da atuação
de seus agentes ou de omissão decorrente do mau funcionamento do serviço
(faute du service), se restar configurado o ato ilícito. Em outras palavras,
a omissão gera responsabilidade se configurar ofensa a dever legal que
impediria a ocorrência do dano.
21. Pela ótica da teoria subjetiva é de rigor verificar se há relação
de causalidade entre omissão do Estado e a configuração do dano. Nesse
sentir, no caso dos autos, o laudo pericial apurou a ocorrência de inúmeras
modificações do projeto inicial do Residencial Carimã, durante a execução
da obra, das quais decorreram os vícios de construção enfrentados pelos
moradores.
22. Em relação ao processo de construção, restou demonstrado pelo i. perito
que, no projeto inicial, havia a previsão de utilização de concreto
estrutural armado, sendo usada, todavia, alvenaria estrutural, de custo mais
barato. Outrossim, o laudo pericial apontou que houve a redução da altura
do peitoril dos blocos de apartamentos, fazendo com que as inclinações
das telhas ficassem abaixo daquelas constantes no projeto, bem como do
índice mínimo recomendado pelo fabricante; o assentamento incorreto das
esquadrias, impossibilitando a abertura total das duas folhas das janelas
e, consequentemente, a utilização das chamadas carrancas para prender as
folhas junto à parede externa; defeitos no revestimento das paredes e nas
pinturas; o reaproveitamento de telhas, de modo que o transpasse entre as
telhas não atendeu o mínimo de 25 cm especificado pelo fabricante; e a não
instalação das duas caixas de captação de águas pluviais constantes no
projeto, bem como de boa parte da tubulação para o escoamento dessas águas.
23. Dessa forma, os vícios de construção reconhecidos pela r. sentença
foram fartamente demonstrados pelo i. perito.
24. Nessa senda, a apelante PROGEMIX, na qualidade de construtora do
residencial, responde independentemente de culpa pela solidez e segurança da
obra, nos termos do artigo 618 do Código Civil, e a apelante CEF responde pela
omissão na fiscalização, tendo em vista que tal omissão foi determinante
para a ocorrência dos danos, bem como pela culpa in eligendo, já que, nos
termos do parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 10.188/2001, a escolha
da empresa construtora prescinde de procedimento licitatório. Precedente.
25. Destaca-se, por fim, que a responsabilidade existente é solidária,
de modo que o valor total a ser dispendido nos reparos da construção deve
ser dividido igualitariamente entre as apelantes.
26. As diretrizes para a reparação dos vícios foram estabelecidas pelo
MM. Juiz a quo com base na indicação do próprio perito sobre a forma como
deveriam ser cumpridas as obrigações pelas apelantes, de modo a melhor
atender aos interesses dos arrendatários.
27. Ademais, conforme bem assinalado no parecer do Ministério Público
Federal, "as empresas-rés demonstraram má-fé e tentativa de diminuição de
gastos quando da alteração dos projetos e materiais ao longo da construção
do Residencial Carimã, e, desta forma, apesar de alguns vícios nas obras
terem sido sanados, na há certeza de que a forma de execução e os materiais
utilizados por elas garantam a resolução definitiva dos problemas, ou que
apenas 'taparam o sol com a peneira' durante o deslindo processual".
28. Desta feita, na impossibilidade de se apurar, nessa fase processual,
em que condições foram efetuados os reparos pelas apelantes e, levando-se
em consideração o fato de que os reparos anteriormente realizados não
sanaram os problemas, razão assiste ao MM. Juiz a quo ao determinar que
"a adequabilidade e a suficiência das providências tomadas pelas rés,
por conta da decisão antecipatória dos efeitos da tutela, deverão ser
aferidas em sede de execução".
29. Irreparável, portanto, a r. sentença nesse ponto, devendo ser mantidas
as diretrizes estabelecidas para a realização dos reparos.
30. Agravo Retido e Apelação da CEF desprovidos. Apelação da PROGEMIX
a que se nega provimento.
Ementa
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. VÍCIOS
DE CONSTRUÇÃO. AGRAVO RETIDO IMPROVIDO. INÉPCIA DA INICIAL NÃO
RECONHECIDA. INOCORRÊNCIA DE JULGAMENTO ULTRA PETITA. PRELIMINARES
REJEITADAS. AFASTADA A ALEGAÇÃO DE DECADÊNCIA. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
ATUANDO COMO AGENTE EXECUTOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS. RESIDENCIAL CONSTRUÍDO
COM RECURSOS DO PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - PAR. CONFIGURADA
A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL E DA CONSTRUTORA
PROGEMIX. MANTIDAS AS DIRETRIZES ESTABELECIDAS NA SENTENÇA PARA A REALIZAÇÃO
DOS REPAROS. RECURSOS IMPROVIDOS.
1. De acordo com os princípios "pas de nullité sans grief" e
da instrumentalidade das formas, os atos processuais somente serão
considerados nulos se houver prova de efetivo prejuízo às partes. Com
efeito, a existência de vício, por si só, não enseja a nulidade de ato
processual, devendo-se apurar se a sua finalidade foi atingida, sem causar
dano à defesa das partes. Precedentes.
2. No presente caso, conforme bem assinalado nas contrarrazões do Ministério
Público Federal, a CAIXA juntou, após a apresentação do laudo da perícia
judicial, extenso parecer técnico elaborado por seus assistentes periciais,
abordando toda a matéria técnica de engenharia, de modo a evidenciar
"pleno conhecimento e domínio por parte dos assistentes sobre o conteúdo
e problemas enfrentados pelos moradores do residencial (por evidente, a
CAIXA é a dona do empreendimento e detentora de toda a documentação)",
juntou documentos e apresentou um amplo rol de quesitos complementares,
devidamente esclarecidos pelo perito judicial.
3. Desta feita, não se vislumbra a ocorrência de qualquer prejuízo na
defesa da apelante, que pudesse ensejar a nulidade da r. sentença, razão
pela qual deve ser negado provimento ao agravo retido.
4. Da mesma forma, não prospera a preliminar de parcial nulidade da
r. sentença, aventada pela CEF, sob o argumento de esta ser ultra petita,
já que "a condenação imposta nos itens 2, 3, 4, 5 e 6 não guardam qualquer
pertinência ou relação com os pedidos formulados", ressaltando que "tais
providências foram meras sugestões do perito, mas, por não terem sido
pleiteadas inicialmente, não podem ser deferidas".
5. Isso porque, ao contrário do que alega a apelante, os danos estruturais só
puderam ser efetivamente identificados e especificados após a realização da
perícia judicial, momento em que restou demonstrado pelo i. perito que tais
danos foram causados pelas modificações substanciais efetuadas no projeto
inicial pela construtora PROGEMIX, de tal modo que as referidas obrigações
impostas às rés foram consideradas como reparos de "dano estrutural",
estando, portanto, englobadas no pedido "3.1.2" da inicial da presente ação.
6. Noutro giro, compulsando os presentes autos, verifica-se que a inicial
se encontra em consonância com os requisitos do artigo 282 do Código de
Processo Civil/1973, constando a qualificação das partes, os fatos e os
fundamentos jurídicos do pedido, o pedido com suas especificações, o valor
da causa, as provas a serem produzidas, e o requerimento da citação das
rés. Ademais, a fim de demonstrar os alegados prejuízos, foram acostados
junto à inicial depoimentos dos moradores, bem como requerida a realização
de perícia técnica judicial.
7. Ressalte-se, ainda, que, após a apresentação do laudo do perito
judicial, todas as partes tiveram ciência de seu conteúdo, sendo-lhes
permitida a apresentação de quesitos complementares ao perito, de laudo
de seus assistentes técnicos e de documentos que entenderam necessários,
de modo que houve o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa,
razão pela qual não prospera a preliminar de inépcia da inicial arguida
pela PROGEMIX.
8. Cumpre asseverar que o prazo de cinco anos previsto no caput do artigo
618 do Código Civil se refere ao prazo de garantia legal e o de cento
e oitenta dias, disposto no parágrafo único do mesmo artigo, ao prazo
decadencial. Desse modo, aparecendo o defeito durante o prazo de garantia,
o dono da obra terá cento e oitenta dias para propor a ação constitutiva
ou desconstitutiva.
9. Todavia, em se tratando de ação condenatória, que busca a reparação
civil de danos causados por vícios de construção, o prazo a ser aplicado
é aquele de três anos previsto no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil,
de natureza prescricional e não decadencial.
10. O Código de Defesa do Consumidor dispõe, em seus artigos 26 e 27,
sobre os prazos de prescrição e de decadência do direito de reclamar
pelos vícios do produto ou de serviço.
11. Os danos decorrentes de vício da construção se alongam no tempo e,
por essa razão, não se tem uma data precisa para o início da contagem do
prazo prescricional/decadencial, razão pela qual se considera irrompida a
pretensão de reparação civil apenas no momento em que, comunicado o fato
à ré, esta cabalmente se recusa a sanar os vícios.
12. No caso dos autos, consta que as reclamações dos arrendatários se
iniciaram logo após a entrega dos imóveis, que se deu em março/2002,
e a presente ação civil pública foi ajuizada em março/2007. Consta,
ainda, que, em 2003, a construtora PROGEMIX iniciou reformas no referido
Residencial, a fim de solucionar os vícios de construção apontados pelos
moradores, sendo realizados sucessivos serviços de recuperação até 2006,
que, no entanto, não foram suficientes para reparar os danos.
13. Desta feita, considerando que a constatação da existência de vícios
ocultos na construção se prolongou no tempo, tendo as rés, ora apelantes,
inclusive prestado serviços de reparação até o ano de 2006, bem como que
a presente ação foi ajuizada em 2007, não há que se falar em decadência
ou prescrição.
14. A CEF tem legitimidade para figurar no polo passivo da presente ação,
tendo em vista que esta atua como gestora do Fundo de Arrendamento Residencial
(FAR) e arrendante nos contratos do Programa de Arrendamento Residencial
(PAR). Com efeito, não se afasta a responsabilidade civil da CEF por
vícios ou defeitos em imóvel ofertado no âmbito de programas habitacionais
quando esta atua não apenas como uma típica instituição financeira, mas,
como verdadeiro braço estatal e agente executor de políticas públicas,
provendo moradia popular. Quando atua desta forma, cogita-se, inclusive,
sua responsabilidade por danos no imóvel mesmo quando sequer atuou em sua
construção.
15. Isso porque, no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial (PAR),
a CEF adquire a propriedade do imóvel antes da celebração do contrato
de arrendamento, situação que não se altera na vigência do mesmo, o que
reforça a extensão da responsabilidade apontada. Precedentes.
16. É de se destacar que a responsabilidade da CEF nestas hipóteses
é objetiva, sendo seu dever garantir que os imóveis oferecidos no
âmbito do Programa de Arrendamento Residencial - PAR são adequados para
habitação, correspondendo a legítimas expectativas quanto à qualidade
de sua construção, à sua durabilidade, à segurança oferecida para
seus moradores, bem como em relação a seu funcionamento ou desempenho,
entendido aqui como mínimas condições de conforto.
17. O fato de um programa habitacional ser destinado a uma população
de baixa renda, ou mesmo o imperativo de eficiência na alocação de
recursos públicos, pelo qual a oferta de imóveis mais simples ou baratos
aumentaria o número de pessoas beneficiadas pelo mesmo, são fatores que
não justificam a subversão dos critérios apontados, tampouco eximem o
arrendante de responsabilidade por danos sofridos pelos arrendatários se
decorrentes de suas escolhas gerenciais.
18. Conquanto subsistam controvérsias em relação à aplicação das normas
do CDC à CEF quando esta não atua nos estreitos limites das atividades
típicas de uma instituição financeira, é de rigor destacar que o CDC
também faz menção a serviços e órgãos públicos (artigo 4º, VII, e
artigo 22 da Lei 8.078/90), sendo de todo questionável que a presença de
objetivos outros para além da mera persecução de lucro seja suficiente para
descaracterizar a CEF como fornecedora nestas condições ou para afastar a
configuração da relação de consumo em prejuízo dos destinatários finais
de programas habitacionais. Por todas estas razões, na hipótese dos autos,
é justificável, no mínimo, a aplicação analógica de dispositivos da
legislação consumerista que protegem o consumidor em função de vícios ou
defeitos do produto oferecido ou do serviço prestado, tais como o art. 4º,
II, VII, "d", VII, art. 6º, I, III, VI, VIII, X, art. 8º, art. 9º, art. 10,
art. 12, art. 14, art. 18, art. 20, art. 22, todos do CDC.
19. Ainda, o Código Civil determina, em seus artigos 186 e 927, caput
e parágrafo único, que comete ato ilícito aquele que, por ação ou
omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito ou causa
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, ficando obrigado a repará-lo,
o que pode ocorrer independentemente de culpa, nos casos especificados em lei.
20. A responsabilidade civil do Estado também segue a lógica em questão,
de modo que, sendo a CEF uma empresa pública que compõe a administração
indireta, sua responsabilidade civil pode surgir a partir da atuação
de seus agentes ou de omissão decorrente do mau funcionamento do serviço
(faute du service), se restar configurado o ato ilícito. Em outras palavras,
a omissão gera responsabilidade se configurar ofensa a dever legal que
impediria a ocorrência do dano.
21. Pela ótica da teoria subjetiva é de rigor verificar se há relação
de causalidade entre omissão do Estado e a configuração do dano. Nesse
sentir, no caso dos autos, o laudo pericial apurou a ocorrência de inúmeras
modificações do projeto inicial do Residencial Carimã, durante a execução
da obra, das quais decorreram os vícios de construção enfrentados pelos
moradores.
22. Em relação ao processo de construção, restou demonstrado pelo i. perito
que, no projeto inicial, havia a previsão de utilização de concreto
estrutural armado, sendo usada, todavia, alvenaria estrutural, de custo mais
barato. Outrossim, o laudo pericial apontou que houve a redução da altura
do peitoril dos blocos de apartamentos, fazendo com que as inclinações
das telhas ficassem abaixo daquelas constantes no projeto, bem como do
índice mínimo recomendado pelo fabricante; o assentamento incorreto das
esquadrias, impossibilitando a abertura total das duas folhas das janelas
e, consequentemente, a utilização das chamadas carrancas para prender as
folhas junto à parede externa; defeitos no revestimento das paredes e nas
pinturas; o reaproveitamento de telhas, de modo que o transpasse entre as
telhas não atendeu o mínimo de 25 cm especificado pelo fabricante; e a não
instalação das duas caixas de captação de águas pluviais constantes no
projeto, bem como de boa parte da tubulação para o escoamento dessas águas.
23. Dessa forma, os vícios de construção reconhecidos pela r. sentença
foram fartamente demonstrados pelo i. perito.
24. Nessa senda, a apelante PROGEMIX, na qualidade de construtora do
residencial, responde independentemente de culpa pela solidez e segurança da
obra, nos termos do artigo 618 do Código Civil, e a apelante CEF responde pela
omissão na fiscalização, tendo em vista que tal omissão foi determinante
para a ocorrência dos danos, bem como pela culpa in eligendo, já que, nos
termos do parágrafo único do artigo 4º da Lei nº 10.188/2001, a escolha
da empresa construtora prescinde de procedimento licitatório. Precedente.
25. Destaca-se, por fim, que a responsabilidade existente é solidária,
de modo que o valor total a ser dispendido nos reparos da construção deve
ser dividido igualitariamente entre as apelantes.
26. As diretrizes para a reparação dos vícios foram estabelecidas pelo
MM. Juiz a quo com base na indicação do próprio perito sobre a forma como
deveriam ser cumpridas as obrigações pelas apelantes, de modo a melhor
atender aos interesses dos arrendatários.
27. Ademais, conforme bem assinalado no parecer do Ministério Público
Federal, "as empresas-rés demonstraram má-fé e tentativa de diminuição de
gastos quando da alteração dos projetos e materiais ao longo da construção
do Residencial Carimã, e, desta forma, apesar de alguns vícios nas obras
terem sido sanados, na há certeza de que a forma de execução e os materiais
utilizados por elas garantam a resolução definitiva dos problemas, ou que
apenas 'taparam o sol com a peneira' durante o deslindo processual".
28. Desta feita, na impossibilidade de se apurar, nessa fase processual,
em que condições foram efetuados os reparos pelas apelantes e, levando-se
em consideração o fato de que os reparos anteriormente realizados não
sanaram os problemas, razão assiste ao MM. Juiz a quo ao determinar que
"a adequabilidade e a suficiência das providências tomadas pelas rés,
por conta da decisão antecipatória dos efeitos da tutela, deverão ser
aferidas em sede de execução".
29. Irreparável, portanto, a r. sentença nesse ponto, devendo ser mantidas
as diretrizes estabelecidas para a realização dos reparos.
30. Agravo Retido e Apelação da CEF desprovidos. Apelação da PROGEMIX
a que se nega provimento.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento ao agravo retido e ao recurso de apelação
interpostos pela Caixa Econômica Federal, e negar provimento ao recurso
de apelação interposto pela Progemix, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
24/07/2018
Data da Publicação
:
07/08/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2198286
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-282
***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002
LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-206 PAR-3 INC-5 ART-618 PAR-ÚNICO ART-186
ART-927 PAR-ÚNICO
***** CDC-90 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-6 INC-1 INC-3 INC-6 INC-8 INC-10 ART-8 ART-9
ART-10 ART-12 ART-14 ART-18 ART-20 ART-22 ART-26 ART-27 ART-4 INC-2 LET-D
INC-7
LEG-FED LEI-10188 ANO-2001 ART-4 PAR-ÚNICO
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/08/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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