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Jurisprudência


TRF3 0001926-92.2012.4.03.6105 00019269220124036105

Ementa
CIVIL E PROCESSO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO ORDINÁRIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO COM OUTRAS GARANTIAS. NÃO OCORRE EXTINÇÃO COM O FALECIMENTO DO CONSIGNANTE. COBRANÇA. DANOS MORAIS. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Com relação às pretensões de declaração de inexigibilidade das prestações do empréstimo consignado após o falecimento do consignante e ressarcimento desses valores pagos pela parte apelante, viúva do consignante, cumpre esclarecer os seguintes pontos. 2. O art. 16 da Lei nº 1.046/1950 dispõe que: Art. 16. Ocorrido o falecimento do consignante, ficará extinta a dívida do empréstimo feito mediante simples garantia da consignação em fôlha. 3. Essa lei não foi expressamente revogada pela Lei nº 10.820/2003. E a Lei nº 10.820/2003, que dispôs sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento de empregados regidos pela CLT e titulares de benefícios de aposentadoria e pensão, apesar de não ter repetido a disposição do art. 16 da Lei anterior, também não tratou das consequências do falecimento do consignante de modo diverso. Por esta razão, entendo que não é possível pressupor que o art. 16 da Lei nº 1.046/1950 tenha sido revogado pela Lei nº 10.820/2003. 4. É verdade que em se tratando de servidores públicos civis da União, há precedentes no sentido de que o art. 16 da Lei nº 1.046/1950 teria sido revogado pelo art. 253 da Lei 8.112/90. Contudo, tratando-se de consignação em folha de pagamento de empregados regidos pela CLT e titulares de benefícios de aposentadoria e pensão, é pacífico que o art. 16 da Lei nº 1.046/1950 encontra-se em vigor. 5. E, por se tratar de previsão especial, a regra do art. 16 da Lei nº 1.046/1950 prevalece sobre a regra geral do art. 1.997 do Código Civil (os herdeiros respondem pelo pagamento das dívidas do falecido, no limite da herança e na proporção de seus quinhões). Isso decorre, inclusive, da própria natureza da garantia em consignação em folha de pagamento. A garantia de consignação em folha subsiste enquanto subsistir a "folha de pagamento" - seja a aposentaria, a pensão ou a remuneração de empregado celetista - e, quando esta se extinguir, a garantia também será extinta. Tanto é assim que o art. 16 da Lei nº 1.046/1950 determina que a extinção somente da dívida decorrente de empréstimo feito mediante simples garantia da consignação em folha de pagamento, isto é, se houver outras garantias além da consignação a dívida não pode ser extinta automaticamente com a morte do consignante. 6. No caso dos autos, depreende-se que o Sr. Job Jacinto do Prado firmou o empréstimo consignado nº 25.0676.110.0003126-36 junto à ré, em 03/07/2006, no valor de R$ 7.330,00, com descontos de 36 parcelas no valor de R$ 317,10 diretamente em sua aposentadoria paga pelo INSS (fls. 15/26). Na mesma oportunidade, foi emitida a "Nota Promissória Pró-Solvendo" no valor do contrato de empréstimo e com vencimento em 05/09/2009 (fls. 20/21). Todavia, o consignante veio a falecer em 13/05/2008 (fl. 11) e a parte autora, Sra. Irene Alves do Prado, passou a receber pensão por morte a partir de 13/05/2008 (fls. 13/14). A parte autora, então, passou a efetuar o pagamento das parcelas restantes, nº 24 a 36, e dos encargos, a partir de agosto de 2008 (fls. 35/50). Em 18/10/2008 e 21/10/2008, a autora recebeu cartas enviadas pela SERASA e SPC, respectivamente, informando que a instituição credora (CEF) havia encaminhado os dados do Sr. Job Jacinto do Prado e contrato nº 25.0676.110.0003126-36 para inclusão nos cadastros de inadimplentes, o que seria feito dez dias após o recebimento dos comunicados caso não houvesse pagamento da divida (fls. 27/28). Também foram enviados avisos de cobrança em 29/09/2008, 17/09/2008, 16/09/2008, 19/09/2008, 13/10/2008 e 29/10/2008 (fls. 29/34). 7. Ressalte-se, de início, que o MM. Juiz a quo não negou vigência ao art. 16 da Lei nº 1.046/1950, tampouco afastou sua aplicação em razão do art. 1.997 do Código Civil. Ao contrário, foi reconhecido que o art. 16 da Lei nº 1.046/1950 encontra-se em vigor e que este prevalece sobre as disposições do Código Civil quando se tratar de empréstimo realizado com simples garantia da consignação em folha, todavia considerou o magistrado que esse não é o caso dos autos, tendo em conta que o empréstimo também foi garantido com a emissão de nota promissória no valor do empréstimo e encargos. Logo, o principal fundamento da sentença, quanto a este tópico, consiste na inaplicabilidade do art. 16 da Lei nº 1.046/1950 quando houver outra garantia para o empréstimo, além da consignação em folha. Conforme se depreende das razões de apelação, a parte apelante sequer tentou impugnar tal fundamento, deixando de elaborar quaisquer argumentos em sentido oposto. E ainda que assim não fosse, assiste razão ao MM. Magistrado a quo: a existência de garantia do empréstimo por meio da emissão de nota promissória afasta a aplicação do art. 16 da Lei nº 1.046/1950, na medida em que a ratio legis da extinção prevista no art. 16 consiste no fato de a consignação em pagamento estar necessariamente vinculada a uma "folha de pagamento" - seja a aposentaria, a pensão ou a remuneração de empregado celetista - a qual, com o falecimento do consignante, passa a não mais existir. 8. Assim, havendo também uma nota promissória, que contenha a obrigação de devolução dos valores objeto do contrato de empréstimo, por não ser ela vinculada a uma "folha de pagamento", não há como entender que esta também seja extinta pelo falecimento do consignante e extinção da "folha de pagamento". 9. Por esta razão, aplica-se ao caso sub judice a regra geral do art. 1.997 do Código Civil, segundo a qual os herdeiros respondem pelo pagamento das dívidas do falecido, no limite da herança e na proporção de seus quinhões. 10. Em assim sendo, entendo que a priori não se trata de dívida exigível, porquanto ela não foi automaticamente extinta com o falecimento do consignante, e poderia ser legitimamente cobrada do espólio do consignante. É verdade, entretanto, que poderia a parte autora demonstrar a inexigibilidade da dívida por exceder os limites da herança, todavia essa prova não foi por ela produzida, sequer alegada. Ademais, conforme bem destacado pelo MM. Juiz a quo, considerando que a autora espontaneamente pagou integralmente a dívida que seria de responsabilidade de todos os herdeiros, tem direito de cobrar dos demais herdeiros em regresso. 10. As instituições financeiras estão sujeitas ao regime de proteção ao consumidor, cujo plexo normativo está organizado segundo a Lei Federal 8.078, de 1990. Esse é o teor do enunciado da Súmula n.º 297 do Superior Tribunal de Justiça. Nesse contexto, a responsabilidade contratual da instituição bancária é objetiva, porquanto, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, responde o fornecedor pelo defeito na prestação do serviço, independentemente da existência de culpa, ou seja, mesmo que a instituição financeira não tenha colaborado diretamente para a ocorrência do evento danoso, responderá pelo dano daí advindo, a não ser que comprove a culpa exclusiva do consumidor (artigo 14, §3º, inciso II do CDC). 11. No tocante à pretensão de condenação do fornecedor, por danos morais, em decorrência de cobranças indevidas e ameaças de encaminhar o nome do consumidor para cadastros de inadimplentes, o C. superior Tribunal de Justiça já assentou que, não existindo anotação irregular nos órgãos de proteção ao crédito, a mera cobrança indevida de serviços ao consumidor não gera danos morais presumidos. Assim, a configuração do dano moral dependerá da consideração de peculiaridades do caso concreto, a serem alegadas e comprovadas nos autos. Com efeito, a jurisprudência tem entendido caracterizado dano moral quando evidenciado abuso na forma de cobrança, por exemplo com publicidade negativa de dados do consumidor, reiteração da cobrança indevida, inscrição em cadastros de inadimplentes, protesto, ameaças descabidas, descrédito, coação, constrangimento, ou interferência na sua vida social. A par disso, faz-se necessária a análise das circunstâncias fáticas para, a partir daí, verificar se efetivamente houve a alegada situação vexatória suscetível de reparação. 12. No caso dos autos, a despeito da maioria das cobranças enviadas à autora (parcelas com vencimento em 09/2008 e 10/2008) terem sido legítimas, eis que foram promovidas antes de serem pagas pela autora - o que ocorreu somente em 11/2008 e 12/2008 -, verifico que especificamente as cobranças relacionadas à parcela nº 23 foram abusivas. Isso porque tanto o comunicado enviado pelo SERASA como os avisos de cobrança de fls. 30, 31 e 32, que se referem à parcela de nº 23, informam que esta possuía vencimento em 07/06/2008. Todavia, conforme se depreende do histórico constante nos boletes enviados pela própria ré esta parcela fora paga em 06/06/2008, isto é, antes da data de vencimento, bem como que fora pago o seu valor integral, R$ 317,10. Tanto é verdade que a parcela nº 23 não era devida que, dentre os comprovantes de fls. 35/50, não consta novo pagamento dessa parcela, e, por sua vez, a ré reconhece na sua contestação que o contrato encontra-se quitado. Por esta razão, a situação a que foram submetida a autora ultrapassa o limite dos meros aborrecimentos e dissabores inerentes à vida em sociedade, justificando a caracterização dos danos morais. 13. Com relação ao quantum indenizatório, a indenização em dano moral define-se pela incidência dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade da sanção em relação à extensão do dano ou do ilícito, evitando-se assim condenações extremas: RESP 664856/PR, desta relatoria, DJ de 02.05.2006; RESP 507574/MG, Relator Ministro Teori Zavascki, DJ de 08.05.2006; RESP 513.576/MG, Relator p/ acórdão Ministro Teori Zavascki, DJ de 06.03.2006; RESP 291.747, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ de 18/03/2002; RESP 300.184/SP, Relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 03.11. Vale dizer que o valor da condenação imposta à ré deve cumprir esse dúplice escopo, ou seja, ressarcir a vítima do dano moral sofrido e desestimular práticas correlatas; afastando a comissão de condutas análogas; não podendo, pois, tornar baixos os custos e riscos sociais da infração: RESP_200301321707 - STJ - Ministra ELIANA CALMON - DJ DATA:21/06/2004 - PG:00204 RNDJ VOL.:00057 PG:00123 - Decisão: 27/04/2004. 14. Por tais razões, diante das circunstâncias fáticas que nortearam o presente caso, sobretudo o baixo valor cobrado e a ausência de inscrição em cadastros de inadimplentes, mostra-se razoável e suficiente fixar a condenação no patamar de R$ 2.000,00 (dois mil reais), eis que tal importância não proporcionará enriquecimento indevido e exagerado da parte autora e, ainda, é capaz de impor punição a parte ré, mormente na direção de evitar atuação reincidente, além de ser compatível com os parâmetros adotados por esta E. Quinta Turma. 15. Quanto ao ônus sucumbencial, tratando-se de sucumbência recíproca, devem as partes ratear as custas processuais e arcar com o pagamento dos honorários advocatícios de seus patronos, respeitando-se os benefícios da assistência judiciária gratuita concedidos. 16. Recurso de apelação da parte autora parcialmente provido, apenas para condenar a ré ao pagamento de indenização, a título de danos morais, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do voto.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação da parte autora, apenas para condenar a ré ao pagamento de indenização, a título de danos morais, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 08/05/2017
Data da Publicação : 17/05/2017
Classe/Assunto : AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1851456
Órgão Julgador : QUINTA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/05/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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