TRF3 0002005-07.2013.4.03.6115 00020050720134036115
PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. DANOS ORIUNDOS DE VÍCIOS DE
CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
I - A ratio legis da norma contida no art. 618 do CC pressupõe que o dono da
obra é quem dela desfrutaria, e por essas razões mereceria a proteção de um
prazo de garantia da obra oponível ao empreiteiro. Na hipótese de imediata
alienação do imóvel, no entanto, não há nenhuma razão que permita
entender que o adquirente não estaria abarcado por proteção semelhante.
II - O prazo do art. 445 do CC, relativo à pretensão oponível pelo
adquirente contra o alienante, não guarda nenhuma relação com a
construção do imóvel, razão pela qual a ação edilícia pode ser oposta
independentemente da data de conclusão da obra. Pelo mesmo motivo, tampouco
exclui a garantia do art. 618 do CC, notadamente quando o adquirente postula
contra o empreiteiro e contra o alienante.
II - Na vigência do Código Civil de 1916, o STJ editou a Súmula 194
assentando que prescrevia em vinte anos a ação para obter do construtor
indenização por defeitos da obra. O prazo prescricional em questão
representa aplicação da norma geral para ações pessoais contida no artigo
177 daquele códex. O prazo vintenário em questão tinha início quando
os defeitos da obra, independentemente de culpa do empreiteiro, tornavam-se
aparentes, desde que não transcorridos cinco anos de sua entrega, em alusão
ao prazo do art. 1.245 do CC/1916.
III - Com a edição do novo Código Civil, o prazo de cinco anos de garantia
previsto no art. 1.245 do CC/1916 foi mantido pelo já aludido art. 618 do CC,
com a ressalva de que seu § 1º estabeleceu prazo de decadência de cento e
oitenta dias para que o dono da obra apresente ação contra o empreiteiro
contados do aparecimento do vício ou defeito quando o fato se dá naquele
interregno. A mudança trazida pelo novo código prestigia o dever imposto
ao dono da obra de informação imediata ao empreiteiro, evitando o abuso
de direito.
IV - Paralelamente à hipótese de responsabilidade presumida do empreiteiro,
o dono da obra poderá exercer pretensão contra aquele com fulcro no
art. 389 do CC, contanto que comprove sua culpa pelo não cumprimento
da obrigação. Nesta hipótese, a jurisprudência do STJ considera que
incide o prazo prescricional de dez anos previsto no art. 205 do CC, sendo
possível cogitar, ainda, a aplicação do prazo trienal para reparação
civil estabelecido no art. 206, § 3º, V do CC.
V - O CDC assenta que os fornecedores respondem por vícios aparentes no
serviço ou no produto durável pelo prazo decadencial de noventa dias a
partir da entrega do produto ou do término do serviço (art. 26, II, §
1º do CDC). Na hipótese de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se
apenas no momento em que ficar evidenciado o vício (art. 26, § 3º do
CDC). A legislação consumerista não prevê qualquer prazo após a entrega
do produto ou o término do serviço para limitar a responsabilidade dos
fornecedores antes que os vícios ocultos tornem-se aparentes. A doutrina
e a jurisprudência, nesta hipótese, apontam o critério da vida útil
do produto como aquele que deve ser adotado para definir a extensão da
responsabilidade dos fornecedores.
VI - Dão causa à suspensão do prazo decadencial tanto a reclamação
formulada pelo consumidor perante o fornecedor até a resposta negativa
correspondente, quanto a instauração de inquérito civil até seu
encerramento (art. 26, § 2º, I e III do CDC). Por fim, a jurisprudência
do STJ não é pacífica em apontar se o prazo decadencial em questão
excluiria a aplicação do prazo prescricional do art. 27 do CDC, que,
a rigor, trata apenas de danos oriundos de fato do produto e do serviço,
ou ainda os já mencionados prazo geral para as obrigações pessoais e o
prazo prescricional para a reparação civil previstos no CC.
VII - Caso em que o prazo de garantia não protege apenas a CEF enquanto dona
da obra. A pretensão defendida pelo Ministério Público Federal não se
restringe à responsabilidade objetiva do dono da obra, alegando o parquet a
existência de culpa da parte Ré para fundamentar o pleito. Não suficiente,
houve a instauração de inquérito civil para melhor avaliar a situação
dos imóveis.
VIII - Sob qualquer ótica, o exíguo prazo do art. 445 do CC não seria
aplicável nem mesmo à CEF na presente ação. A natureza jurídica do
contrato de arrendamento residencial com opção de compra, na forma prevista
pelos art. 1º e 6º da Lei 10.188/01, não se confunde com o contrato de
compra e venda, não havendo propriamente alienação do imóvel antes do
exercício daquela opção.
IX - Não se afasta a responsabilidade civil da CEF por vícios ou defeitos
em imóvel ofertado no âmbito de programas habitacionais quando esta atua
não apenas como uma típica instituição financeira, mas como verdadeiro
braço estatal e agente executor de políticas públicas, provendo moradia
popular. Quando a CEF atua como órgão da administração pública, cogita-se
sua responsabilidade objetiva por danos no imóvel mesmo quando sequer atuou
em sua construção.
X - O desenho de uma política pública de habitação calcada em arrendamento
residencial facilita a rescisão do contrato e a reintegração da
propriedade. Na hipótese de inadimplemento no arrendamento, o arrendatário
será notificado pessoalmente a pagar os encargos atrasados, não havendo
previsão legal que determine que a notificação seja feita por cartório
de notas. Se o prazo transcorre sem a purgação da mora, fica configurado
a posse injusta ou o esbulho possessório que autoriza o arrendador a propor
a competente ação de reintegração de posse (art. 9º da Lei 10.188/01),
que independe de posse anterior por parte do arrendador.
XI - Tal desenho institucional que mantém a CEF na propriedade do
imóvel, tratando a compra não como a finalidade precípua, mas apenas
como uma faculdade a ser exercida pelo arrendatário no fim do contrato,
aumenta a responsabilidade da CEF por danos que atingem os imóveis em
questão. Esta mesma razão justifica a existência de cláusulas que impedem
os arrendatários de promover modificações nos imóveis sem autorização da
CEF, além de isentá-la da obrigação de indenizar os arrendatários pela
realização de benfeitorias que, não raro, podem até mesmo comprometer
a funcionalidade do imóvel e de seu projeto original.
XII - A responsabilidade da CEF nestas hipóteses é objetiva, sendo seu dever
garantir que os imóveis oferecidos no âmbito do Programa de Arrendamento
Residencial sejam adequados para habitação, correspondendo a legítimas
expectativas quanto à qualidade de sua construção, à sua durabilidade,
à segurança oferecida para seus moradores, bem como em relação a seu
funcionamento ou desempenho, entendido aqui como mínimas condições de
conforto.
XIII - O fato de um programa habitacional ser destinado a uma população
de baixa renda, ou mesmo o imperativo de eficiência na alocação de
recursos públicos, pelo qual a oferta de imóveis mais simples ou baratos
aumentaria o número de pessoas beneficiadas pelo mesmo, são fatores que
não justificam a subversão dos critérios apontados, tampouco eximem o
arrendante de responsabilidade por danos sofridos pelos arrendatários se
decorrentes de suas escolhas gerenciais.
XIV - Conquanto subsistam controvérsias em relação à aplicação
das normas do CDC à CEF quando esta não atua nos estreitos limites das
atividades típicas de uma instituição financeira, é de rigor destacar
que o CDC também faz menção a serviços e órgãos públicos, art. 4º,
VII e art. 22 da Lei 8.078/90, sendo de todo questionável que a presença de
objetivos outros para além da mera persecução de lucro seja suficiente para
descaracterizar a CEF como fornecedora nestas condições ou para afastar
a configuração da relação de consumo em prejuízo dos destinatários
finais de programas habitacionais.
XV - A elaboração de políticas públicas com os mais distintos objetivos tem
sido realizada por intermédio de políticas de crédito e, portanto, por meio
de relações de consumo. A controvérsia apresentada nos autos ilustra bem o
diagnóstico de que os direitos sociais ou direitos de cidadania apresentam-se
cada vez com mais frequência como direitos do consumidor. A opção da
administração pública por esse desenho institucional pode representar,
de um lado, a intenção de garantir um maior equilíbrio econômico e
financeiro para tais políticas. Por outro lado, não haveria porque isentar
a administração das responsabilidades impostas aos fornecedores quando
opta pela estratégia que implica na configuração de relações de consumo.
XVI - Por todas estas razões, na hipótese dos autos, é justificável,
no mínimo, a aplicação analógica de dispositivos da legislação
consumerista que protegem o consumidor em função de vícios ou defeitos
do produto oferecido ou do serviço prestado, tais como o art. 4º, II, VII,
"d", VII, art. 6º, I, III, VI, VIII, X, art. 8º, art. 9º, art. 10, art. 12,
art. 14, art. 18, art. 20, art. 22, todos do CDC.
XVII - Percepção se reforça ao se considerar que a CEF é uma empresa
pública, e como tal, compõe a administração indireta quando atua na
gestão de políticas públicas. No âmbito do direito administrativo, também
prevalece a responsabilidade objetiva dos órgãos da administração. Aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola
direito ou causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito e fica obrigado a repará-lo, o que pode ocorrer independentemente
de culpa nos casos especificados em lei (art. 186 e 927, caput e parágrafo
único do CC).
XVIII - A responsabilidade pela existência de danos em um imóvel pode
recair sobre o proprietário quando ele mesmo deu causa ao dano ao conduzir
a construção do imóvel, ou quando constatado que, apesar de não ter
participado de sua construção, a danificação do imóvel decorreu
de sua má conservação. O proprietário também não poderá atribuir
responsabilidade a terceiros se, ao realizar modificações no imóvel,
acaba por comprometer a funcionalidade do projeto original danificando seu
patrimônio por negligência, imperícia ou imprudência.
XIX - O Ministério Público Federal pretende obter a revisão de tantas
cláusulas do contrato que, se atendidas, implicariam em verdadeira
descaracterização do contrato e da própria política pública tal qual
institucionalizada pelo legislador e pela administração pública. Não
subsistem razões para afastar a aplicação do princípio pacta sunt servanda,
não havendo qualquer ilicitude nas cláusulas contratadas.
XX - A jurisprudência vem considerando regulares as cláusulas que estabelecem
a resolução contratual na hipótese de transferência ou cessão de direitos
decorrentes do contrato de arrendamento residencial no âmbito do PAR sem
a anuência do arrendador. A ocupação do imóvel por terceiros seguida da
sua não devolução, também configura esbulho possessório que justifica
a interposição da ação de reintegração de posse para a retomada do bem.
XXI - Em relação aos danos oriundos de vícios de construção apontados
pela perícia, excluindo aqueles decorrentes das modificações realizadas
pelos arrendatários nas áreas comuns que comprometeram a funcionalidade
do projeto original, é de rigor condenar a CEF e a Riwenda Negócios
Imobiliários Ltda, nos termos requeridos pelo Ministério Público Federal.
XXII - Apelação do Ministério Público Federal parcialmente provida para
condenar a Caixa Econômica Federal e Riwenda Negócios Imobiliários Ltda
a realizar a adequação nos imóveis objetos da lide.
Ementa
PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. DANOS ORIUNDOS DE VÍCIOS DE
CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
I - A ratio legis da norma contida no art. 618 do CC pressupõe que o dono da
obra é quem dela desfrutaria, e por essas razões mereceria a proteção de um
prazo de garantia da obra oponível ao empreiteiro. Na hipótese de imediata
alienação do imóvel, no entanto, não há nenhuma razão que permita
entender que o adquirente não estaria abarcado por proteção semelhante.
II - O prazo do art. 445 do CC, relativo à pretensão oponível pelo
adquirente contra o alienante, não guarda nenhuma relação com a
construção do imóvel, razão pela qual a ação edilícia pode ser oposta
independentemente da data de conclusão da obra. Pelo mesmo motivo, tampouco
exclui a garantia do art. 618 do CC, notadamente quando o adquirente postula
contra o empreiteiro e contra o alienante.
II - Na vigência do Código Civil de 1916, o STJ editou a Súmula 194
assentando que prescrevia em vinte anos a ação para obter do construtor
indenização por defeitos da obra. O prazo prescricional em questão
representa aplicação da norma geral para ações pessoais contida no artigo
177 daquele códex. O prazo vintenário em questão tinha início quando
os defeitos da obra, independentemente de culpa do empreiteiro, tornavam-se
aparentes, desde que não transcorridos cinco anos de sua entrega, em alusão
ao prazo do art. 1.245 do CC/1916.
III - Com a edição do novo Código Civil, o prazo de cinco anos de garantia
previsto no art. 1.245 do CC/1916 foi mantido pelo já aludido art. 618 do CC,
com a ressalva de que seu § 1º estabeleceu prazo de decadência de cento e
oitenta dias para que o dono da obra apresente ação contra o empreiteiro
contados do aparecimento do vício ou defeito quando o fato se dá naquele
interregno. A mudança trazida pelo novo código prestigia o dever imposto
ao dono da obra de informação imediata ao empreiteiro, evitando o abuso
de direito.
IV - Paralelamente à hipótese de responsabilidade presumida do empreiteiro,
o dono da obra poderá exercer pretensão contra aquele com fulcro no
art. 389 do CC, contanto que comprove sua culpa pelo não cumprimento
da obrigação. Nesta hipótese, a jurisprudência do STJ considera que
incide o prazo prescricional de dez anos previsto no art. 205 do CC, sendo
possível cogitar, ainda, a aplicação do prazo trienal para reparação
civil estabelecido no art. 206, § 3º, V do CC.
V - O CDC assenta que os fornecedores respondem por vícios aparentes no
serviço ou no produto durável pelo prazo decadencial de noventa dias a
partir da entrega do produto ou do término do serviço (art. 26, II, §
1º do CDC). Na hipótese de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se
apenas no momento em que ficar evidenciado o vício (art. 26, § 3º do
CDC). A legislação consumerista não prevê qualquer prazo após a entrega
do produto ou o término do serviço para limitar a responsabilidade dos
fornecedores antes que os vícios ocultos tornem-se aparentes. A doutrina
e a jurisprudência, nesta hipótese, apontam o critério da vida útil
do produto como aquele que deve ser adotado para definir a extensão da
responsabilidade dos fornecedores.
VI - Dão causa à suspensão do prazo decadencial tanto a reclamação
formulada pelo consumidor perante o fornecedor até a resposta negativa
correspondente, quanto a instauração de inquérito civil até seu
encerramento (art. 26, § 2º, I e III do CDC). Por fim, a jurisprudência
do STJ não é pacífica em apontar se o prazo decadencial em questão
excluiria a aplicação do prazo prescricional do art. 27 do CDC, que,
a rigor, trata apenas de danos oriundos de fato do produto e do serviço,
ou ainda os já mencionados prazo geral para as obrigações pessoais e o
prazo prescricional para a reparação civil previstos no CC.
VII - Caso em que o prazo de garantia não protege apenas a CEF enquanto dona
da obra. A pretensão defendida pelo Ministério Público Federal não se
restringe à responsabilidade objetiva do dono da obra, alegando o parquet a
existência de culpa da parte Ré para fundamentar o pleito. Não suficiente,
houve a instauração de inquérito civil para melhor avaliar a situação
dos imóveis.
VIII - Sob qualquer ótica, o exíguo prazo do art. 445 do CC não seria
aplicável nem mesmo à CEF na presente ação. A natureza jurídica do
contrato de arrendamento residencial com opção de compra, na forma prevista
pelos art. 1º e 6º da Lei 10.188/01, não se confunde com o contrato de
compra e venda, não havendo propriamente alienação do imóvel antes do
exercício daquela opção.
IX - Não se afasta a responsabilidade civil da CEF por vícios ou defeitos
em imóvel ofertado no âmbito de programas habitacionais quando esta atua
não apenas como uma típica instituição financeira, mas como verdadeiro
braço estatal e agente executor de políticas públicas, provendo moradia
popular. Quando a CEF atua como órgão da administração pública, cogita-se
sua responsabilidade objetiva por danos no imóvel mesmo quando sequer atuou
em sua construção.
X - O desenho de uma política pública de habitação calcada em arrendamento
residencial facilita a rescisão do contrato e a reintegração da
propriedade. Na hipótese de inadimplemento no arrendamento, o arrendatário
será notificado pessoalmente a pagar os encargos atrasados, não havendo
previsão legal que determine que a notificação seja feita por cartório
de notas. Se o prazo transcorre sem a purgação da mora, fica configurado
a posse injusta ou o esbulho possessório que autoriza o arrendador a propor
a competente ação de reintegração de posse (art. 9º da Lei 10.188/01),
que independe de posse anterior por parte do arrendador.
XI - Tal desenho institucional que mantém a CEF na propriedade do
imóvel, tratando a compra não como a finalidade precípua, mas apenas
como uma faculdade a ser exercida pelo arrendatário no fim do contrato,
aumenta a responsabilidade da CEF por danos que atingem os imóveis em
questão. Esta mesma razão justifica a existência de cláusulas que impedem
os arrendatários de promover modificações nos imóveis sem autorização da
CEF, além de isentá-la da obrigação de indenizar os arrendatários pela
realização de benfeitorias que, não raro, podem até mesmo comprometer
a funcionalidade do imóvel e de seu projeto original.
XII - A responsabilidade da CEF nestas hipóteses é objetiva, sendo seu dever
garantir que os imóveis oferecidos no âmbito do Programa de Arrendamento
Residencial sejam adequados para habitação, correspondendo a legítimas
expectativas quanto à qualidade de sua construção, à sua durabilidade,
à segurança oferecida para seus moradores, bem como em relação a seu
funcionamento ou desempenho, entendido aqui como mínimas condições de
conforto.
XIII - O fato de um programa habitacional ser destinado a uma população
de baixa renda, ou mesmo o imperativo de eficiência na alocação de
recursos públicos, pelo qual a oferta de imóveis mais simples ou baratos
aumentaria o número de pessoas beneficiadas pelo mesmo, são fatores que
não justificam a subversão dos critérios apontados, tampouco eximem o
arrendante de responsabilidade por danos sofridos pelos arrendatários se
decorrentes de suas escolhas gerenciais.
XIV - Conquanto subsistam controvérsias em relação à aplicação
das normas do CDC à CEF quando esta não atua nos estreitos limites das
atividades típicas de uma instituição financeira, é de rigor destacar
que o CDC também faz menção a serviços e órgãos públicos, art. 4º,
VII e art. 22 da Lei 8.078/90, sendo de todo questionável que a presença de
objetivos outros para além da mera persecução de lucro seja suficiente para
descaracterizar a CEF como fornecedora nestas condições ou para afastar
a configuração da relação de consumo em prejuízo dos destinatários
finais de programas habitacionais.
XV - A elaboração de políticas públicas com os mais distintos objetivos tem
sido realizada por intermédio de políticas de crédito e, portanto, por meio
de relações de consumo. A controvérsia apresentada nos autos ilustra bem o
diagnóstico de que os direitos sociais ou direitos de cidadania apresentam-se
cada vez com mais frequência como direitos do consumidor. A opção da
administração pública por esse desenho institucional pode representar,
de um lado, a intenção de garantir um maior equilíbrio econômico e
financeiro para tais políticas. Por outro lado, não haveria porque isentar
a administração das responsabilidades impostas aos fornecedores quando
opta pela estratégia que implica na configuração de relações de consumo.
XVI - Por todas estas razões, na hipótese dos autos, é justificável,
no mínimo, a aplicação analógica de dispositivos da legislação
consumerista que protegem o consumidor em função de vícios ou defeitos
do produto oferecido ou do serviço prestado, tais como o art. 4º, II, VII,
"d", VII, art. 6º, I, III, VI, VIII, X, art. 8º, art. 9º, art. 10, art. 12,
art. 14, art. 18, art. 20, art. 22, todos do CDC.
XVII - Percepção se reforça ao se considerar que a CEF é uma empresa
pública, e como tal, compõe a administração indireta quando atua na
gestão de políticas públicas. No âmbito do direito administrativo, também
prevalece a responsabilidade objetiva dos órgãos da administração. Aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola
direito ou causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito e fica obrigado a repará-lo, o que pode ocorrer independentemente
de culpa nos casos especificados em lei (art. 186 e 927, caput e parágrafo
único do CC).
XVIII - A responsabilidade pela existência de danos em um imóvel pode
recair sobre o proprietário quando ele mesmo deu causa ao dano ao conduzir
a construção do imóvel, ou quando constatado que, apesar de não ter
participado de sua construção, a danificação do imóvel decorreu
de sua má conservação. O proprietário também não poderá atribuir
responsabilidade a terceiros se, ao realizar modificações no imóvel,
acaba por comprometer a funcionalidade do projeto original danificando seu
patrimônio por negligência, imperícia ou imprudência.
XIX - O Ministério Público Federal pretende obter a revisão de tantas
cláusulas do contrato que, se atendidas, implicariam em verdadeira
descaracterização do contrato e da própria política pública tal qual
institucionalizada pelo legislador e pela administração pública. Não
subsistem razões para afastar a aplicação do princípio pacta sunt servanda,
não havendo qualquer ilicitude nas cláusulas contratadas.
XX - A jurisprudência vem considerando regulares as cláusulas que estabelecem
a resolução contratual na hipótese de transferência ou cessão de direitos
decorrentes do contrato de arrendamento residencial no âmbito do PAR sem
a anuência do arrendador. A ocupação do imóvel por terceiros seguida da
sua não devolução, também configura esbulho possessório que justifica
a interposição da ação de reintegração de posse para a retomada do bem.
XXI - Em relação aos danos oriundos de vícios de construção apontados
pela perícia, excluindo aqueles decorrentes das modificações realizadas
pelos arrendatários nas áreas comuns que comprometeram a funcionalidade
do projeto original, é de rigor condenar a CEF e a Riwenda Negócios
Imobiliários Ltda, nos termos requeridos pelo Ministério Público Federal.
XXII - Apelação do Ministério Público Federal parcialmente provida para
condenar a Caixa Econômica Federal e Riwenda Negócios Imobiliários Ltda
a realizar a adequação nos imóveis objetos da lide.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público
Federal para condenar a Caixa Econômica Federal e Riwenda Negócios
Imobiliários Ltda a realizar a adequação nos imóveis objetos da lide,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Data do Julgamento
:
30/10/2018
Data da Publicação
:
08/11/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2302556
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002
LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-445 ART-618 PAR-1 ART-389 ART-205 ART-206
PAR-3 INC-5 ART-186 ART-927 PAR-ÚNICO
***** CC-16 CÓDIGO CIVIL DE 1916
LEG-FED LEI-3071 ANO-1916 ART-177 ART-1245
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-194
***** CDC-90 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-26 INC-2 PAR-1 PAR-2 INC-1 INC-2 PAR-3
ART-27 ART-4 INC-2 INC-7 LET-D ART-6 INC-1 INC-3 INC-6 INC-8 INC-10 ART-8
ART-9 ART-10 ART-12 ART-14 ART-18 ART-20 ART-22
LEG-FED LEI-10188 ANO-2001 ART-1 ART-6 ART-9 ART-4 INC-7 ART-22
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/11/2018
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