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Jurisprudência


TRF3 0002005-07.2013.4.03.6115 00020050720134036115

Ementa
PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSUMIDOR. DANOS ORIUNDOS DE VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL. PROGRAMA DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. I - A ratio legis da norma contida no art. 618 do CC pressupõe que o dono da obra é quem dela desfrutaria, e por essas razões mereceria a proteção de um prazo de garantia da obra oponível ao empreiteiro. Na hipótese de imediata alienação do imóvel, no entanto, não há nenhuma razão que permita entender que o adquirente não estaria abarcado por proteção semelhante. II - O prazo do art. 445 do CC, relativo à pretensão oponível pelo adquirente contra o alienante, não guarda nenhuma relação com a construção do imóvel, razão pela qual a ação edilícia pode ser oposta independentemente da data de conclusão da obra. Pelo mesmo motivo, tampouco exclui a garantia do art. 618 do CC, notadamente quando o adquirente postula contra o empreiteiro e contra o alienante. II - Na vigência do Código Civil de 1916, o STJ editou a Súmula 194 assentando que prescrevia em vinte anos a ação para obter do construtor indenização por defeitos da obra. O prazo prescricional em questão representa aplicação da norma geral para ações pessoais contida no artigo 177 daquele códex. O prazo vintenário em questão tinha início quando os defeitos da obra, independentemente de culpa do empreiteiro, tornavam-se aparentes, desde que não transcorridos cinco anos de sua entrega, em alusão ao prazo do art. 1.245 do CC/1916. III - Com a edição do novo Código Civil, o prazo de cinco anos de garantia previsto no art. 1.245 do CC/1916 foi mantido pelo já aludido art. 618 do CC, com a ressalva de que seu § 1º estabeleceu prazo de decadência de cento e oitenta dias para que o dono da obra apresente ação contra o empreiteiro contados do aparecimento do vício ou defeito quando o fato se dá naquele interregno. A mudança trazida pelo novo código prestigia o dever imposto ao dono da obra de informação imediata ao empreiteiro, evitando o abuso de direito. IV - Paralelamente à hipótese de responsabilidade presumida do empreiteiro, o dono da obra poderá exercer pretensão contra aquele com fulcro no art. 389 do CC, contanto que comprove sua culpa pelo não cumprimento da obrigação. Nesta hipótese, a jurisprudência do STJ considera que incide o prazo prescricional de dez anos previsto no art. 205 do CC, sendo possível cogitar, ainda, a aplicação do prazo trienal para reparação civil estabelecido no art. 206, § 3º, V do CC. V - O CDC assenta que os fornecedores respondem por vícios aparentes no serviço ou no produto durável pelo prazo decadencial de noventa dias a partir da entrega do produto ou do término do serviço (art. 26, II, § 1º do CDC). Na hipótese de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se apenas no momento em que ficar evidenciado o vício (art. 26, § 3º do CDC). A legislação consumerista não prevê qualquer prazo após a entrega do produto ou o término do serviço para limitar a responsabilidade dos fornecedores antes que os vícios ocultos tornem-se aparentes. A doutrina e a jurisprudência, nesta hipótese, apontam o critério da vida útil do produto como aquele que deve ser adotado para definir a extensão da responsabilidade dos fornecedores. VI - Dão causa à suspensão do prazo decadencial tanto a reclamação formulada pelo consumidor perante o fornecedor até a resposta negativa correspondente, quanto a instauração de inquérito civil até seu encerramento (art. 26, § 2º, I e III do CDC). Por fim, a jurisprudência do STJ não é pacífica em apontar se o prazo decadencial em questão excluiria a aplicação do prazo prescricional do art. 27 do CDC, que, a rigor, trata apenas de danos oriundos de fato do produto e do serviço, ou ainda os já mencionados prazo geral para as obrigações pessoais e o prazo prescricional para a reparação civil previstos no CC. VII - Caso em que o prazo de garantia não protege apenas a CEF enquanto dona da obra. A pretensão defendida pelo Ministério Público Federal não se restringe à responsabilidade objetiva do dono da obra, alegando o parquet a existência de culpa da parte Ré para fundamentar o pleito. Não suficiente, houve a instauração de inquérito civil para melhor avaliar a situação dos imóveis. VIII - Sob qualquer ótica, o exíguo prazo do art. 445 do CC não seria aplicável nem mesmo à CEF na presente ação. A natureza jurídica do contrato de arrendamento residencial com opção de compra, na forma prevista pelos art. 1º e 6º da Lei 10.188/01, não se confunde com o contrato de compra e venda, não havendo propriamente alienação do imóvel antes do exercício daquela opção. IX - Não se afasta a responsabilidade civil da CEF por vícios ou defeitos em imóvel ofertado no âmbito de programas habitacionais quando esta atua não apenas como uma típica instituição financeira, mas como verdadeiro braço estatal e agente executor de políticas públicas, provendo moradia popular. Quando a CEF atua como órgão da administração pública, cogita-se sua responsabilidade objetiva por danos no imóvel mesmo quando sequer atuou em sua construção. X - O desenho de uma política pública de habitação calcada em arrendamento residencial facilita a rescisão do contrato e a reintegração da propriedade. Na hipótese de inadimplemento no arrendamento, o arrendatário será notificado pessoalmente a pagar os encargos atrasados, não havendo previsão legal que determine que a notificação seja feita por cartório de notas. Se o prazo transcorre sem a purgação da mora, fica configurado a posse injusta ou o esbulho possessório que autoriza o arrendador a propor a competente ação de reintegração de posse (art. 9º da Lei 10.188/01), que independe de posse anterior por parte do arrendador. XI - Tal desenho institucional que mantém a CEF na propriedade do imóvel, tratando a compra não como a finalidade precípua, mas apenas como uma faculdade a ser exercida pelo arrendatário no fim do contrato, aumenta a responsabilidade da CEF por danos que atingem os imóveis em questão. Esta mesma razão justifica a existência de cláusulas que impedem os arrendatários de promover modificações nos imóveis sem autorização da CEF, além de isentá-la da obrigação de indenizar os arrendatários pela realização de benfeitorias que, não raro, podem até mesmo comprometer a funcionalidade do imóvel e de seu projeto original. XII - A responsabilidade da CEF nestas hipóteses é objetiva, sendo seu dever garantir que os imóveis oferecidos no âmbito do Programa de Arrendamento Residencial sejam adequados para habitação, correspondendo a legítimas expectativas quanto à qualidade de sua construção, à sua durabilidade, à segurança oferecida para seus moradores, bem como em relação a seu funcionamento ou desempenho, entendido aqui como mínimas condições de conforto. XIII - O fato de um programa habitacional ser destinado a uma população de baixa renda, ou mesmo o imperativo de eficiência na alocação de recursos públicos, pelo qual a oferta de imóveis mais simples ou baratos aumentaria o número de pessoas beneficiadas pelo mesmo, são fatores que não justificam a subversão dos critérios apontados, tampouco eximem o arrendante de responsabilidade por danos sofridos pelos arrendatários se decorrentes de suas escolhas gerenciais. XIV - Conquanto subsistam controvérsias em relação à aplicação das normas do CDC à CEF quando esta não atua nos estreitos limites das atividades típicas de uma instituição financeira, é de rigor destacar que o CDC também faz menção a serviços e órgãos públicos, art. 4º, VII e art. 22 da Lei 8.078/90, sendo de todo questionável que a presença de objetivos outros para além da mera persecução de lucro seja suficiente para descaracterizar a CEF como fornecedora nestas condições ou para afastar a configuração da relação de consumo em prejuízo dos destinatários finais de programas habitacionais. XV - A elaboração de políticas públicas com os mais distintos objetivos tem sido realizada por intermédio de políticas de crédito e, portanto, por meio de relações de consumo. A controvérsia apresentada nos autos ilustra bem o diagnóstico de que os direitos sociais ou direitos de cidadania apresentam-se cada vez com mais frequência como direitos do consumidor. A opção da administração pública por esse desenho institucional pode representar, de um lado, a intenção de garantir um maior equilíbrio econômico e financeiro para tais políticas. Por outro lado, não haveria porque isentar a administração das responsabilidades impostas aos fornecedores quando opta pela estratégia que implica na configuração de relações de consumo. XVI - Por todas estas razões, na hipótese dos autos, é justificável, no mínimo, a aplicação analógica de dispositivos da legislação consumerista que protegem o consumidor em função de vícios ou defeitos do produto oferecido ou do serviço prestado, tais como o art. 4º, II, VII, "d", VII, art. 6º, I, III, VI, VIII, X, art. 8º, art. 9º, art. 10, art. 12, art. 14, art. 18, art. 20, art. 22, todos do CDC. XVII - Percepção se reforça ao se considerar que a CEF é uma empresa pública, e como tal, compõe a administração indireta quando atua na gestão de políticas públicas. No âmbito do direito administrativo, também prevalece a responsabilidade objetiva dos órgãos da administração. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito ou causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito e fica obrigado a repará-lo, o que pode ocorrer independentemente de culpa nos casos especificados em lei (art. 186 e 927, caput e parágrafo único do CC). XVIII - A responsabilidade pela existência de danos em um imóvel pode recair sobre o proprietário quando ele mesmo deu causa ao dano ao conduzir a construção do imóvel, ou quando constatado que, apesar de não ter participado de sua construção, a danificação do imóvel decorreu de sua má conservação. O proprietário também não poderá atribuir responsabilidade a terceiros se, ao realizar modificações no imóvel, acaba por comprometer a funcionalidade do projeto original danificando seu patrimônio por negligência, imperícia ou imprudência. XIX - O Ministério Público Federal pretende obter a revisão de tantas cláusulas do contrato que, se atendidas, implicariam em verdadeira descaracterização do contrato e da própria política pública tal qual institucionalizada pelo legislador e pela administração pública. Não subsistem razões para afastar a aplicação do princípio pacta sunt servanda, não havendo qualquer ilicitude nas cláusulas contratadas. XX - A jurisprudência vem considerando regulares as cláusulas que estabelecem a resolução contratual na hipótese de transferência ou cessão de direitos decorrentes do contrato de arrendamento residencial no âmbito do PAR sem a anuência do arrendador. A ocupação do imóvel por terceiros seguida da sua não devolução, também configura esbulho possessório que justifica a interposição da ação de reintegração de posse para a retomada do bem. XXI - Em relação aos danos oriundos de vícios de construção apontados pela perícia, excluindo aqueles decorrentes das modificações realizadas pelos arrendatários nas áreas comuns que comprometeram a funcionalidade do projeto original, é de rigor condenar a CEF e a Riwenda Negócios Imobiliários Ltda, nos termos requeridos pelo Ministério Público Federal. XXII - Apelação do Ministério Público Federal parcialmente provida para condenar a Caixa Econômica Federal e Riwenda Negócios Imobiliários Ltda a realizar a adequação nos imóveis objetos da lide.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para condenar a Caixa Econômica Federal e Riwenda Negócios Imobiliários Ltda a realizar a adequação nos imóveis objetos da lide, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 30/10/2018
Data da Publicação : 08/11/2018
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2302556
Órgão Julgador : PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002 LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-445 ART-618 PAR-1 ART-389 ART-205 ART-206 PAR-3 INC-5 ART-186 ART-927 PAR-ÚNICO ***** CC-16 CÓDIGO CIVIL DE 1916 LEG-FED LEI-3071 ANO-1916 ART-177 ART-1245 ***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA LEG-FED SUM-194 ***** CDC-90 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR LEG-FED LEI-8078 ANO-1990 ART-26 INC-2 PAR-1 PAR-2 INC-1 INC-2 PAR-3 ART-27 ART-4 INC-2 INC-7 LET-D ART-6 INC-1 INC-3 INC-6 INC-8 INC-10 ART-8 ART-9 ART-10 ART-12 ART-14 ART-18 ART-20 ART-22 LEG-FED LEI-10188 ANO-2001 ART-1 ART-6 ART-9 ART-4 INC-7 ART-22
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/11/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO: