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Jurisprudência


TRF3 0002085-85.2015.4.03.6119 00020858520154036119

Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. TRANSNACIONALIDADE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. ESTADO DE NECESSIDADE. CO-CULPABILIDADE. COAÇÃO MORAL. DOSIMETRIA DA PENA. REDUZIDO O PERCENTUAL DE MAJORAÇÃO DA PENA-BASE. NATUREZA E QUANTIDADE DA SUBSTÂNCIA. APLICADA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. ALTERADO O REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA PARA O SEMIABERTO. APELAÇÃO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Verifica-se que foram rechaçadas na sentença apelada todas as teses defensivas, com indicação das razões pelas quais não restou reconhecida a inexistência de qualquer causa legal que pudesse afastar a antijuridicidade ou a culpabilidade do crime praticado pela ré. 2. A comprovação da tese defensiva incumbe a quem a alega. Não há ilegalidade na distribuição dos ônus da prova já que efetivamente compete à defesa comprovar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão acusatória, nos termos do artigo 156 do Código de Processo Penal. Precedentes. 3. A Lei já prevê regras processuais diferenciadas para a Defensoria Pública, assim como à dativa, com o objetivo de manter a paridade de armas entre os sujeitos processuais. 4. A materialidade e autoria do delito se encontram amplamente demonstradas nos autos. 5. Para fazer jus à escusa do estado de necessidade, é imprescindível que o agente se encontre diante de uma "situação de perigo atual", que tenha gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva". E no presente caso, além de tais requisitos não estarem comprovados, é certo que existem inúmeros caminhos lícitos de suprir ou amenizar problemas financeiros, sem necessitar partir para a criminalidade. Contudo, a ré optou pela saída cômoda, preferindo auferir proventos de maneira fácil, adentrando no repugnante mundo do crime, cometendo tráfico internacional de entorpecentes. 6. O "estado de necessidade exculpante", defendido pela teoria diferenciadora e de divergente aceitação doutrinária e jurisprudencial, é fundamentado na inexigibilidade de conduta diversa, requisito sem o qual inexiste culpabilidade. Seus adeptos pregam que se for sacrificado um bem de valor maior ao preservado, deve ser analisado o perfil subjetivo do agente e perquirido se diante de seus atributos pessoais era possível ou não lhe exigir conduta diversa da perpetrada. Em caso negativo, exclui-se a culpabilidade com base no estado de necessidade exculpante. 7. Se, no entanto, era de se lhe exigir outro comportamento, subsiste a punição do crime, podendo o magistrado reduzir a pena. Contudo, nosso ordenamento jurídico adotou a teoria unitária, e assim, ou se trata de causa excludente da ilicitude ou de causa de diminuição de pena. E ainda que assim não fosse, melhor sorte não restaria à defesa, tendo em vista que a prática de tráfico internacional de entorpecentes não era a única alternativa de sobrevivência da ré. 8. A teoria da coculpabilidade atribui ao Estado parcela da responsabilidade pelos delitos praticados por determinados agentes em razão de problemas e desigualdades sociais, mas não encontra amparo no ordenamento jurídico pátrio, sendo sistematicamente afastada pelos Tribunais Superiores. 9. Mesmo que o Estado deixe de prestar a devida assistência aos seus cidadãos (e, em especial, à determinada parcela da sociedade), isso, por si só, não justificativa ou autoriza a prática delitiva, na medida em tal carência é insuficiente para afastar a consciência da ilicitude e a capacidade de autodeterminação do indivíduo, cujo móvel pode ser questionado, mas não eliminado da equação da análise da culpabilidade. 10. A despeito dos argumentos da ré, verifico que a versão de que transportou a droga mediante terror físico e psicológico não vem acompanhada de qualquer outra prova nesse sentido. A simples alegação, sem qualquer comprovação nos autos, por óbvio, não pode caracterizar a alegada coação. 11. Não há, portanto, que se falar na absolvição da apelante, nos termos do artigo 386, VI, do Código de Processo Penal. 12. Primeira fase da dosimetria: A quantidade e a natureza da droga apreendida devem ser consideradas, com preponderância, para a fixação da pena-base, com fundamento no art. 42 da Lei de Drogas. O fato de o grau de pureza da droga não ter sido aferido, pelo laudo pericial, não afasta a possibilidade de majoração da pena-base, com fundamento na natureza da droga apreendida, pois se trata de cocaína que, independentemente do real grau de pureza, é sempre diluída para revenda e continua causando malefícios indescritíveis a seus usuários. 13. Trata-se de ré primária, que não ostenta maus antecedentes, bem como as demais circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não lhe são desfavoráveis e considerando a quantidade da droga apreendida 1.395,3 - inferior ao normalmente registrado nesse tipo de crime, a pena merece ser majorada, mas para patamar inferior ao elevado, de forma que a elevo em 1/6, fixando-a em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa. 14. Segunda fase da dosimetria: deve ser reconhecida, no patamar de 1/6, a atenuante da confissão da acusada (art. 65, inciso III, "d", CP), porque espontânea, ou seja, sem a intervenção de fatores externos, inclusive porque foi utilizada como um dos fundamentos da condenação, sendo irrelevante que o agente tenha sido preso em flagrante. Precedentes. Pena fixada em 05 (cinco) anos e 500 (quinhentos) dias-multa, observada a Súmula 231 do STJ. 15. Terceira fase da dosimetria. Mantida a majoração da pena em decorrência da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06 (transnacionalidade do delito), no percentual mínimo de 1/6 (um sexto). 16. Aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, pois trata-se de apelante primária, que não ostenta maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedica a atividades criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa, apesar de encarregada do transporte da droga. Certamente, estava a serviço de bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele. Portanto, faz jus à aplicação da referida causa de diminuição, entretanto, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), pois se associou, de maneira eventual e esporádica, a uma organização criminosa de tráfico internacional de drogas. 17. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n.º 111840, em 27 de junho de 2012, deferiu, por maioria, a ordem e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, motivo pelo qual o regime inicial de cumprimento de pena deve ser fixado nos termos do art. 33, § 2º, "b", e § 3º do Código Penal. 18. Trata-se de ré primária, que não ostenta maus antecedentes, bem como não existem circunstâncias judiciais desfavoráveis, nos termos do art. 59 do Código Penal. A pena-base foi majorada apenas em razão da quantidade e natureza da droga apreendida, nos termos do art. 42 da Lei de Drogas, o que não impede seja fixado o regime inicial semiaberto, em razão da quantidade da pena, com fundamento no art. 33, § 2º, "b" e § 3º, do Código Penal. 19. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, tendo em vista que a pena definitiva aplicada supera quatro anos de reclusão, não se encontrando preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal. 20. Pena definitiva fixada em 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, e pagamento de 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente na data dos fatos. 21. Preliminar rejeitada. Apelação da defesa parcialmente provida.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, em rejeitar a preliminar suscitada pela defesa e dar parcial provimento à sua apelação, para reduzir a pena-base, aplicar a causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.342/2006 em seu percentual mínimo e alterar o regime inicial de cumprimento da pena para o semiaberto, tornando a pena definitivamente fixada 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, e pagamento de 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente na data dos fatos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 10/05/2016
Data da Publicação : 17/05/2016
Classe/Assunto : ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 66163
Órgão Julgador : DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Observações : OBJETO MATERIAL DO CRIME: 1,3953 KG DE COCAÍNA.
Referência legislativa : ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-33 PAR-2 LET-B PAR-3 ART-44 ART-59 ART-65 INC-3 LET-D ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-156 ART-386 INC-6 ***** LCH-90 LEI DOS CRIMES HEDIONDOS LEG-FED LEI-8072 ANO-1990 ART-2 PAR-1 ***** LDR-06 LEI DE DROGAS LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-33 PAR-4 ART-40 INC-1 ART-42 LEG-FED LEI-11464 ANO-2007 ***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA LEG-FED SUM-231
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/05/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO: