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Jurisprudência


TRF3 0002104-94.2010.4.03.6110 00021049420104036110

Ementa
DIREITO CIVIL - USUCAPIÃO DE BEM IMÓVEL - SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO - FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. I - O cerne da questão firma-se em responder se bens privados hipotecados pela CEF para implementação de programas habitacionais são ou não suscetíveis de usucapião. II - A sentença aponta que os Apelantes não possuem justo título e que o Compromisso de Compra e Venda firmado não teria o condão de transferir a propriedade, por estar sem registro, conforme art. 1.225, VII, do Código Civil. Contudo, para o pedido de usucapião não se cogita da necessidade de Compromisso de Compra e Venda devidamente registrado, cuja previsão legal mencionada volta-se para outro tipo de demanda - adjudicação compulsória (art. 1.417 CC). Além disso, é conhecido o teor da Súmula 239 do STJ, ao prescrever que "o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis". No mesmo sentido é o Enunciado nº 95 do CEJ-STJ. Entrementes, a matéria em análise volta-se à prescrição aquisitiva do domínio e não à demanda de adjudicação compulsória, cujos requisitos legais são específicos. III - Também não prospera a afirmação de que os Apelantes "não possuem o animus domini por exercerem a posse como compromissários compradores ou cessionários de direitos decorrentes daquele compromisso". Indago o seguinte: se buscaram adquirir o bem imóvel por meio de Compromisso de Compra e Venda, essa vontade de ter como seu o bem em tela não possui qualquer valor jurídico? Qual outra prova de animus domini exigiria o julgador - além de um Contrato de Compra firmado - para externar publicamente esta vontade? Uma declaração feita em Cartório de que pretende se tornar um dia titular daquele bem? Declarações de testemunhas? Comprovado tal requisito legal, resta enfrentar os demais exigidos pelo ordenamento para se concluir pela viabilidade ou não do pedido em tela. IV - Caso dos autos em que os Apelantes exercem a posse sobre o bem imóvel em questão desde Março de 1990, (perfazendo já hoje um total de 27 anos), onde estabeleceram moradia familiar, preenchendo, também, o quesito temporal e o relativo à área de até 250 metros quadrados, conforme art. 1.240 do Código Civil. V - Menciona ainda a sentença que a ação de execução movida pela CEF contra a empresa PG S.A., na data de 16/09/92, em virtude de inadimplemento do financiamento imobiliário - gerando a posterior penhora do imóvel - foi circunstância que atingiu a posse mansa e pacífica dos Apelantes, gerando oposição. Outro equívoco a meu ver, pois a relação jurídica firmada nesta demanda se deu tão somente entre os Apelantes e a empresa PG S.A., como se deduz do Contrato de Compromisso de Venda às fls. 16 - Compromisso de Venda este constante do registro imobiliário de fls. 32 dos presentes autos. Neste particular, incide o teor da Súmula 308 do STJ a regrar que: "a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel". Desta feita, não se pode aventar em oposição da CEF diante de uma relação jurídica negocial da qual não tomou parte. A título de pura argumentação, se esta oposição fosse admitida, ter-se-ia que apurar, ainda, em que data teria ocorrido, pois não geraria qualquer eficácia se já tivesse decorrido o lapso temporal de posse ad usucapionem. VI - Rompida a relação jurídica firmada entre a Apelante e o antigo cedente, tem início a posse jurídica ad usucapionem, a qual, por ser originária, tornará sem efeito qualquer gravame então existente, nos moldes do art. 1.499, III, do Código Civil, versando sobre a extinção da hipoteca pelo perecimento da coisa. VII - De igual forma, não prospera a tese de que bens imóveis financiados pela CEF possuem natureza de bens públicos. Realmente, o fato de esta instituição financeira também prestar serviços de utilidade pública - como se dá, exemplificativamente, no financiamento de casas à população de baixa renda - tal circunstância não gera afetação automática destes imóveis, afastando-se, pois, a incidência dos artigos 98 e 99 do Código Civil, assim como o art. 183, parágrafo 3º, da Constituição Federal. Bens públicos não são aqueles assim presumidos, mas sim os previstos em lei. De fato, se a Carta Política e as leis ordinárias não elencaram as empresas públicas no rol ali indicado, não caberia tal munus ao Judiciário. VIII - Poder-se-ia argumentar, de outro ângulo, que a CEF exploraria serviço público de relevante função social, ao executar a política nacional de habitação (PNH). Entrementes, destaca-se aqui que a verba utilizada sob as regras do SFH é advinda de aplicações financeiras, a qual, por sua vez é emprestada aos mutuários com a incidência de juros reconhecidamente elevados. Trata-se, assim, de atividade financeira que visa efetivamente o lucro da empresa. Portanto, o capital empregado não pode ser configurado como público. Em verdade, a CEF é exploradora de atividade tipicamente econômica, possuindo esta empresa pública natureza jurídica de direito privado, não estando seus bens elencados entre aqueles descritos nos artigos 98 e 99 do Código Civil, ora classificados como genuinamente públicos. IX - A posse ad usucapionem exercida pelos Apelantes tem lastro na própria função social da propriedade (parágrafo § 1º, art. 1,228 do Código Civil), uma vez que há o interesse da coletividade em seu reconhecimento, condizente com o princípio social da moradia, advindo do art. 6ª da Carta Magna. X - Recurso provido. Pedido julgado procedente.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 20/03/2018
Data da Publicação : 26/03/2018
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2033781
Órgão Julgador : SEGUNDA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/03/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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