TRF3 0002155-04.2011.4.03.6100 00021550420114036100
CIVIL, CONSUMIDOR E PROCESSO CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. DANOS MATERIAIS. FALHA
NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. HONORÁRIOS. SENTENÇA MANTIDA.
1. Não há litisconsórcio passivo necessário entre a CEF e as empresas
Soberana de Carmo Distribuidora de Bebidas Ltda. e Barra Mar M Confecções
Ltda - ME, pois não se trata de caso em que, por disposição de lei ou
quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da
sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes. E,
conquanto fosse admissível a denunciação da lide, considerando que
em caso de condenação da CEF por responsabilidade objetiva por fato do
serviço (conforme pretensão exposta pela parte autora) seria possível a
condenação das empresas Soberana de Carmo Distribuidora de Bebidas Ltda. e
Barra Mar M Confecções Ltda - ME ao ressarcimento dos prejuízos da CEF, se
demonstrada culpa ou dolo na fraude (responsabilidade subjetiva), entendo que
a denunciação da lide não era obrigatória e o MM. Magistrado a quo poderia
ter indeferido o pedido a fim de evitar demora excessiva ou de evitar tornar a
causa mais complexa em prejuízo do consumidor, sobretudo porque tal decisão
não impedirá a CEF de buscar o ressarcimento em ação própria. Assim,
conheço os agravos retidos de fls. 241/244 e 258/259, mas rejeito-os.
2. No tocante à preliminar de cerceamento de defesa, a CEF defendeu ser
imprescindível o depoimento pessoal da autora, a oitiva dos empregados da
agência em questão e a realização de prova pericial. Ocorre que a prova
testemunhal e a expedição de ofícios às demais instituições bancárias,
nos termos em que fundamentadas pela apelante, destinam-se à apuração
da culpa de terceiro, seja a empresa de entregas, seja dos bancos emitentes
dos boletos bancários, fatos que somente são relevantes na demanda da CEF
contra os causadores do dano, além de já estarem sendo apurados na esfera
criminal. Já a prova pericial é desnecessária, pois a própria CEF já
analisou a autenticação mecânica e confirmou que ela não é compatível
com as suas autenticações.
3. As instituições financeiras estão sujeitas ao regime de proteção
ao consumidor, cujo plexo normativo está organizado segundo a Lei Federal
8.078, de 1990. Esse é o teor do enunciado da Súmula n.º 297 do STJ. Nesse
contexto, a responsabilidade contratual da instituição bancária é objetiva,
porquanto, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, responde
o fornecedor pelo defeito na prestação do serviço, independentemente da
existência de culpa, ou seja, mesmo que a instituição financeira não tenha
colaborado diretamente para a ocorrência do evento danoso, responderá pelo
dano daí advindo, a não ser que comprove a culpa exclusiva do consumidor
(artigo 14, §3º, inciso II do CDC). Este entendimento resultou na edição da
Súmula nº 479 do STJ, segundo a qual "as instituições financeiras respondem
objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e
delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". E o
serviço é defeituoso, conforme parágrafo primeiro do dispositivo indicado,
quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar.
4. No caso dos autos, narra a parte autora que é titular da conta corrente
nº 0284-0 junto à agência nº 4125 da CEF e a utiliza para realizar
pagamentos de depósitos judiciais, sempre se valendo do mesmo procedimento,
mediante borderôs firmados pelos representantes legais da autora. Uma
vez assinado o borderô, a autora encaminha o documento à CEF, mediante
portador, acompanhando a carta de encaminhamento e do respectivo Documento
para Depósitos Judiciais ou Extrajudiciais à Ordem e à Disposição
da Autoridade Judicial ou Administrativa Competente ("Guia DJE"). Os
documentos são deixados na agência, onde os pagamentos ordenados pelo
borderô são processados pelos funcionários da Ré. Após algumas horas,
as Guias DJE, contendo as chancelas mecânicas que comprovam sua quitação,
são retirados por um portador da autora. No dia 23/07/2010, a autora emitiu
um borderô endereçado à agência para o pagamento de Guia DJE no valor
de R$ 951.085,06, em cumprimento à ordem judicial expedida pelo Tribunal
Regional Federal da 1ª Região, assinado pela Sra. Ângela Aparecida Seixas
e pelo Sr. Maurício Lotufo Maldonne. O borderô e a Guia DJE, acompanhados
de uma carta de encaminhamento, foram colocados no malote e encaminhados
à agência e, posteriormente, devolvidos ao Setor da autora. Ao serem
devolvidos, a autora constatou que fora debitado da conta corrente da autora
para pagamento do DJE, conforme 2ª via do Aviso de Débito emitido pela CEF
e a 4ª via do DJE. Porém, no dia 26/08/2010, a autora foi informada pelos
advogados responsáveis pelo processo judicial que o pagamento efetuado em
23/07/2010 não havia sido creditado. Em contato com a CEF, foi informada
em 29/11/2010 que o débito de R$ 951.085,06 na conta corrente da autora
referia-se ao pagamento de onze boletos bancários. De acordo com a CEF,
o malote entregue pelo portador à CEF não conteria a Guia DJE, mas sim
11 boletos bancários, sendo que 7 deles favoreciam a empresa Soberana de
Carmo Distribuidora de Bebidas Ltda. e 4 a empresa Barra Mar M Confecções
Ltda - ME. Ainda teria afirmado que a assinatura aposta no documento (Guia
DJE, supostamente pago) não seria de nenhum empregado da agência. Em
10/01/2011, a CEF informou que até a autenticação mecânica constante
da Guia DJE seria falsificada e que não era possível fornecer cópia das
gravações do circuito interno da agência. Conclui que foi vítima de
fraude e que o mais provável é que o malote de documentos enviados pela
autora foi trocado pelos boletos bancários emitidos em nome de empresas de
fachada. Afirma que, embora a CEF alegue que tal troca teria ocorrido antes
da instituição bancária receber os documentos, este fato não restou
comprovado, pois não há recibo da CEF indicando quais documentos teriam
sido efetivamente recebidos, tampouco forneceu a CEF qualquer documento que
comprove que a autenticação mecânica falsificada não tenha ocorrido em
suas dependências. Defende que, independentemente do momento em que ocorreu
a troca, a fraude somente se consumou em decorrência da falha da CEF no
processamento do borderô, porquanto este indicava apenas um pagamento
em favor da CEF, e não diversos pagamentos em favor de outras empresas,
de modo que a CEF deveria ter processado apenas o pagamento discriminado
no borderô. Afirma que não houve erro escusável da CEF, pois para que
fossem realizados os pagamentos dos boletos era necessário que o borderô
indicasse as empresas Barra Mar e Soberana como beneficiárias. Além disso,
afirma que a autora utilizava a conta com frequência e exclusivamente para
realização de depósitos judiciais e quitação de tributos federais e
contribuições previdenciárias, e não para quitação de boletos. Por
fim, afirma que, mesmo que restasse comprovado que a fraude ocorreu fora
da agência bancária, persistiria a responsabilidade da CEF, pois ela não
seguiu as instruções da autora no processamento do borderô. Por sua vez,
a CEF contestou, afirmando que não houve qualquer negligência ou falha na
prestação de serviço, pois a CEF efetuou o pagamento daquilo que constava
dentro do malote recebido e o borderô recebido não continha a finalidade
dos pagamentos, tratando-se de borderô genérico - alega que cabia à autora
por cautela discriminar o depósito que queria efetuar. Afirma que o malote
já chegou à agência bancária com os boletos em seu interior e que a
somatória dos boletos corresponde exatamente ao valor do borderô. Afirma
que a autenticação mecânica da Guia DJE não confere com os padrões da
autenticação da CEF e que a assinatura aposta na Guia DJE também não
corresponde à assinatura de nenhum dos empregados da CEF. Conclui que a
autora deve cobrar os prejuízos sofridas da empresa de motoboy que levou
o malote até a agência. Também sustenta que a conta corrente aberta em
nome da autora não possuía finalidade específica, de modo que os valores
depositados podiam se destinar a quaisquer fins. Afirma ainda que, se houve
fraude, a CEF também foi vítima e não pode ser responsabilizada por ela,
por se tratar de caso de excludente de responsabilidade por fato de terceiro,
nos termos do art. 14, §3º, do CDC, e de culpa concorrente da autora. Por
fim, defende a inaplicabilidade do CDC, por não se tratar de relação de
consumo. Anoto que a CEF defendeu a existência de litisconsórcio passivo
necessário com as empresas Soberana de Carmo Distribuidora de Bebidas Ltda. e
Barra Mar M Confecções Ltda - ME e/ou requereu a denunciação da lide. Os
pedidos foram indeferidos, dando ensejo à propositura dos agravos retidos de
fls. 241/244 e 262/266. Também houve interposição do agravo de instrumento
nº 2011.03.00.019326-0 contra a decisão que indeferiu a realização de
prova testemunhal e a expedição de ofício às instituições financeiras
em que os destinatários da fraude possuem conta, ao qual foi indeferido
o efeito suspensivo e, posteriormente, foi reconhecida a perda de objeto
em razão da prolação de sentença nestes autos. Às fls. 282/304, a CEF
juntou outros borderôs que a autora encaminhou à CEF. Às fls. 321/378 e
412/540, constam cópias do inquérito policial nº 040/2011 perante a 2ª
Delegacia Seccional de Polícia - Sul, do 96º Distrito Policial - Booklin.
5. A autora não tem como comprovar que o malote que chegou à agência
continha a GUIA DJE, eis que foi a empresa de motoboy que levou o malote à
agência. O máximo que a empresa pode comprovar é que entregou o malote
contendo a GUIA DJE à empresa de entregas - e o fez, pois à fl. 44 consta
a GUIA DJE encaminhada à CEF, assim como o Aviso de Débito e a via da
GUIA DJE com autenticação mecânica, às fls. 46/47. Por outro lado, é
verdade que a CEF também não pode comprovar que a GUIA DJE não chegou
à agência no malote enviado, por se tratar de prova negativa. Porém,
note que tal empecilho seria facilmente evitado por meio da adoção de
procedimento de emissão de recibo indicando quais documentos teriam sido
efetivamente recebidos. Ademais, a apresentação das gravações internas
da agência também poderia ajudar na elucidação dos fatos, vez que
poderiam demonstrar, ao menos, que os documentos constantes do interior
do malote não foram alterados dentro da agência bancária - mas também
poderiam evidenciar que o malote já chegou violado à agência. Porém,
a CEF também afirmou não mais possuir tais gravações. Ocorre que não
há dúvidas que as instituições bancárias devem manter tais gravações
a fim de minimizar o risco de fraudes e delitos em suas agências, já que,
pela natureza da atividade desenvolvida, são alvos de tais práticas com
frequência. Além disso, verifica-se dos borderôs juntados que todos indicam
a CEF como favorecida, e não as empresas Soberana de Carmo Distribuidora de
Bebidas Ltda. e Barra Mar M Confecções Ltda - ME. E, ressalto que a própria
CEF juntou inúmeros borderôs idênticos às fls. 282/304, evidenciando que o
procedimento descrito pela autora, realmente, era adotado com frequência e,
assim, conhecido pela ré. Desse modo, parece-me que a CEF tinha condições
de, diante das circunstâncias do caso, ter suspeitado da operação atípica.
6. Porém, ainda que se considerasse que não houve falha da CEF diretamente
no processamento dos documentos e que os documentos já chegaram adulterados
à agência, tratar-se-ia de fortuito interno, pois a fraude realizada
relaciona-se diretamente com os riscos da própria atividade econômica
dos bancos. Note que os fraudadores utilizaram documentos com timbre da CEF
(fls. 46) e autenticação mecânica, a olho nu, similar à das instituições
bancárias (fls. 46 e 47). É exatamente o caso tratado na Súmula nº 479 do
STJ, segundo a qual "as instituições financeiras respondem objetivamente
pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos
praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".
7. Assim sendo, seja por um ou por outro fundamento, restou evidenciada a
deficiência na prestação do serviço, porquanto a instituição bancária
deve zelar pela segurança nos serviços bancários, de modo a proteger o
consumidor da fraude perpetrada em suas operações.
8. Por fim, apenas para que não se alegue omissão, consigno que não se
trata de caso de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, pois, conforme
fundamentação supra, restou evidenciada existência de falha na prestação
de serviço e de fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados
por terceiros no âmbito de operações bancárias.
9. A par disso, deve ser mantida a condenação da CEF ao ressarcimento à
parte autora da importância de R$ R$ 951.085,06 (novecentos e cinquenta e
um mil e oitenta e cinco reais e seis centavos), a título de danos materiais.
10. Com relação ao apelo da parte autora, verifico o MM. Magistrado a quo
arbitrou os honorários advocatícios, por equidade, em R$ 3.000,00, o que
se mostra adequado ao caso considerando o valor elevado da condenação e
a desproporção em relação ao grau de trabalho exigido dos advogados,
sobretudo porque a instrução foi breve e não ouve incidentes de maior
complexidade.
11. Recursos de apelação da CEF e da parte autora desprovidos.
Ementa
CIVIL, CONSUMIDOR E PROCESSO CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. DANOS MATERIAIS. FALHA
NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. HONORÁRIOS. SENTENÇA MANTIDA.
1. Não há litisconsórcio passivo necessário entre a CEF e as empresas
Soberana de Carmo Distribuidora de Bebidas Ltda. e Barra Mar M Confecções
Ltda - ME, pois não se trata de caso em que, por disposição de lei ou
quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da
sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes. E,
conquanto fosse admissível a denunciação da lide, considerando que
em caso de condenação da CEF por responsabilidade objetiva por fato do
serviço (conforme pretensão exposta pela parte autora) seria possível a
condenação das empresas Soberana de Carmo Distribuidora de Bebidas Ltda. e
Barra Mar M Confecções Ltda - ME ao ressarcimento dos prejuízos da CEF, se
demonstrada culpa ou dolo na fraude (responsabilidade subjetiva), entendo que
a denunciação da lide não era obrigatória e o MM. Magistrado a quo poderia
ter indeferido o pedido a fim de evitar demora excessiva ou de evitar tornar a
causa mais complexa em prejuízo do consumidor, sobretudo porque tal decisão
não impedirá a CEF de buscar o ressarcimento em ação própria. Assim,
conheço os agravos retidos de fls. 241/244 e 258/259, mas rejeito-os.
2. No tocante à preliminar de cerceamento de defesa, a CEF defendeu ser
imprescindível o depoimento pessoal da autora, a oitiva dos empregados da
agência em questão e a realização de prova pericial. Ocorre que a prova
testemunhal e a expedição de ofícios às demais instituições bancárias,
nos termos em que fundamentadas pela apelante, destinam-se à apuração
da culpa de terceiro, seja a empresa de entregas, seja dos bancos emitentes
dos boletos bancários, fatos que somente são relevantes na demanda da CEF
contra os causadores do dano, além de já estarem sendo apurados na esfera
criminal. Já a prova pericial é desnecessária, pois a própria CEF já
analisou a autenticação mecânica e confirmou que ela não é compatível
com as suas autenticações.
3. As instituições financeiras estão sujeitas ao regime de proteção
ao consumidor, cujo plexo normativo está organizado segundo a Lei Federal
8.078, de 1990. Esse é o teor do enunciado da Súmula n.º 297 do STJ. Nesse
contexto, a responsabilidade contratual da instituição bancária é objetiva,
porquanto, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, responde
o fornecedor pelo defeito na prestação do serviço, independentemente da
existência de culpa, ou seja, mesmo que a instituição financeira não tenha
colaborado diretamente para a ocorrência do evento danoso, responderá pelo
dano daí advindo, a não ser que comprove a culpa exclusiva do consumidor
(artigo 14, §3º, inciso II do CDC). Este entendimento resultou na edição da
Súmula nº 479 do STJ, segundo a qual "as instituições financeiras respondem
objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e
delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". E o
serviço é defeituoso, conforme parágrafo primeiro do dispositivo indicado,
quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar.
4. No caso dos autos, narra a parte autora que é titular da conta corrente
nº 0284-0 junto à agência nº 4125 da CEF e a utiliza para realizar
pagamentos de depósitos judiciais, sempre se valendo do mesmo procedimento,
mediante borderôs firmados pelos representantes legais da autora. Uma
vez assinado o borderô, a autora encaminha o documento à CEF, mediante
portador, acompanhando a carta de encaminhamento e do respectivo Documento
para Depósitos Judiciais ou Extrajudiciais à Ordem e à Disposição
da Autoridade Judicial ou Administrativa Competente ("Guia DJE"). Os
documentos são deixados na agência, onde os pagamentos ordenados pelo
borderô são processados pelos funcionários da Ré. Após algumas horas,
as Guias DJE, contendo as chancelas mecânicas que comprovam sua quitação,
são retirados por um portador da autora. No dia 23/07/2010, a autora emitiu
um borderô endereçado à agência para o pagamento de Guia DJE no valor
de R$ 951.085,06, em cumprimento à ordem judicial expedida pelo Tribunal
Regional Federal da 1ª Região, assinado pela Sra. Ângela Aparecida Seixas
e pelo Sr. Maurício Lotufo Maldonne. O borderô e a Guia DJE, acompanhados
de uma carta de encaminhamento, foram colocados no malote e encaminhados
à agência e, posteriormente, devolvidos ao Setor da autora. Ao serem
devolvidos, a autora constatou que fora debitado da conta corrente da autora
para pagamento do DJE, conforme 2ª via do Aviso de Débito emitido pela CEF
e a 4ª via do DJE. Porém, no dia 26/08/2010, a autora foi informada pelos
advogados responsáveis pelo processo judicial que o pagamento efetuado em
23/07/2010 não havia sido creditado. Em contato com a CEF, foi informada
em 29/11/2010 que o débito de R$ 951.085,06 na conta corrente da autora
referia-se ao pagamento de onze boletos bancários. De acordo com a CEF,
o malote entregue pelo portador à CEF não conteria a Guia DJE, mas sim
11 boletos bancários, sendo que 7 deles favoreciam a empresa Soberana de
Carmo Distribuidora de Bebidas Ltda. e 4 a empresa Barra Mar M Confecções
Ltda - ME. Ainda teria afirmado que a assinatura aposta no documento (Guia
DJE, supostamente pago) não seria de nenhum empregado da agência. Em
10/01/2011, a CEF informou que até a autenticação mecânica constante
da Guia DJE seria falsificada e que não era possível fornecer cópia das
gravações do circuito interno da agência. Conclui que foi vítima de
fraude e que o mais provável é que o malote de documentos enviados pela
autora foi trocado pelos boletos bancários emitidos em nome de empresas de
fachada. Afirma que, embora a CEF alegue que tal troca teria ocorrido antes
da instituição bancária receber os documentos, este fato não restou
comprovado, pois não há recibo da CEF indicando quais documentos teriam
sido efetivamente recebidos, tampouco forneceu a CEF qualquer documento que
comprove que a autenticação mecânica falsificada não tenha ocorrido em
suas dependências. Defende que, independentemente do momento em que ocorreu
a troca, a fraude somente se consumou em decorrência da falha da CEF no
processamento do borderô, porquanto este indicava apenas um pagamento
em favor da CEF, e não diversos pagamentos em favor de outras empresas,
de modo que a CEF deveria ter processado apenas o pagamento discriminado
no borderô. Afirma que não houve erro escusável da CEF, pois para que
fossem realizados os pagamentos dos boletos era necessário que o borderô
indicasse as empresas Barra Mar e Soberana como beneficiárias. Além disso,
afirma que a autora utilizava a conta com frequência e exclusivamente para
realização de depósitos judiciais e quitação de tributos federais e
contribuições previdenciárias, e não para quitação de boletos. Por
fim, afirma que, mesmo que restasse comprovado que a fraude ocorreu fora
da agência bancária, persistiria a responsabilidade da CEF, pois ela não
seguiu as instruções da autora no processamento do borderô. Por sua vez,
a CEF contestou, afirmando que não houve qualquer negligência ou falha na
prestação de serviço, pois a CEF efetuou o pagamento daquilo que constava
dentro do malote recebido e o borderô recebido não continha a finalidade
dos pagamentos, tratando-se de borderô genérico - alega que cabia à autora
por cautela discriminar o depósito que queria efetuar. Afirma que o malote
já chegou à agência bancária com os boletos em seu interior e que a
somatória dos boletos corresponde exatamente ao valor do borderô. Afirma
que a autenticação mecânica da Guia DJE não confere com os padrões da
autenticação da CEF e que a assinatura aposta na Guia DJE também não
corresponde à assinatura de nenhum dos empregados da CEF. Conclui que a
autora deve cobrar os prejuízos sofridas da empresa de motoboy que levou
o malote até a agência. Também sustenta que a conta corrente aberta em
nome da autora não possuía finalidade específica, de modo que os valores
depositados podiam se destinar a quaisquer fins. Afirma ainda que, se houve
fraude, a CEF também foi vítima e não pode ser responsabilizada por ela,
por se tratar de caso de excludente de responsabilidade por fato de terceiro,
nos termos do art. 14, §3º, do CDC, e de culpa concorrente da autora. Por
fim, defende a inaplicabilidade do CDC, por não se tratar de relação de
consumo. Anoto que a CEF defendeu a existência de litisconsórcio passivo
necessário com as empresas Soberana de Carmo Distribuidora de Bebidas Ltda. e
Barra Mar M Confecções Ltda - ME e/ou requereu a denunciação da lide. Os
pedidos foram indeferidos, dando ensejo à propositura dos agravos retidos de
fls. 241/244 e 262/266. Também houve interposição do agravo de instrumento
nº 2011.03.00.019326-0 contra a decisão que indeferiu a realização de
prova testemunhal e a expedição de ofício às instituições financeiras
em que os destinatários da fraude possuem conta, ao qual foi indeferido
o efeito suspensivo e, posteriormente, foi reconhecida a perda de objeto
em razão da prolação de sentença nestes autos. Às fls. 282/304, a CEF
juntou outros borderôs que a autora encaminhou à CEF. Às fls. 321/378 e
412/540, constam cópias do inquérito policial nº 040/2011 perante a 2ª
Delegacia Seccional de Polícia - Sul, do 96º Distrito Policial - Booklin.
5. A autora não tem como comprovar que o malote que chegou à agência
continha a GUIA DJE, eis que foi a empresa de motoboy que levou o malote à
agência. O máximo que a empresa pode comprovar é que entregou o malote
contendo a GUIA DJE à empresa de entregas - e o fez, pois à fl. 44 consta
a GUIA DJE encaminhada à CEF, assim como o Aviso de Débito e a via da
GUIA DJE com autenticação mecânica, às fls. 46/47. Por outro lado, é
verdade que a CEF também não pode comprovar que a GUIA DJE não chegou
à agência no malote enviado, por se tratar de prova negativa. Porém,
note que tal empecilho seria facilmente evitado por meio da adoção de
procedimento de emissão de recibo indicando quais documentos teriam sido
efetivamente recebidos. Ademais, a apresentação das gravações internas
da agência também poderia ajudar na elucidação dos fatos, vez que
poderiam demonstrar, ao menos, que os documentos constantes do interior
do malote não foram alterados dentro da agência bancária - mas também
poderiam evidenciar que o malote já chegou violado à agência. Porém,
a CEF também afirmou não mais possuir tais gravações. Ocorre que não
há dúvidas que as instituições bancárias devem manter tais gravações
a fim de minimizar o risco de fraudes e delitos em suas agências, já que,
pela natureza da atividade desenvolvida, são alvos de tais práticas com
frequência. Além disso, verifica-se dos borderôs juntados que todos indicam
a CEF como favorecida, e não as empresas Soberana de Carmo Distribuidora de
Bebidas Ltda. e Barra Mar M Confecções Ltda - ME. E, ressalto que a própria
CEF juntou inúmeros borderôs idênticos às fls. 282/304, evidenciando que o
procedimento descrito pela autora, realmente, era adotado com frequência e,
assim, conhecido pela ré. Desse modo, parece-me que a CEF tinha condições
de, diante das circunstâncias do caso, ter suspeitado da operação atípica.
6. Porém, ainda que se considerasse que não houve falha da CEF diretamente
no processamento dos documentos e que os documentos já chegaram adulterados
à agência, tratar-se-ia de fortuito interno, pois a fraude realizada
relaciona-se diretamente com os riscos da própria atividade econômica
dos bancos. Note que os fraudadores utilizaram documentos com timbre da CEF
(fls. 46) e autenticação mecânica, a olho nu, similar à das instituições
bancárias (fls. 46 e 47). É exatamente o caso tratado na Súmula nº 479 do
STJ, segundo a qual "as instituições financeiras respondem objetivamente
pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos
praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".
7. Assim sendo, seja por um ou por outro fundamento, restou evidenciada a
deficiência na prestação do serviço, porquanto a instituição bancária
deve zelar pela segurança nos serviços bancários, de modo a proteger o
consumidor da fraude perpetrada em suas operações.
8. Por fim, apenas para que não se alegue omissão, consigno que não se
trata de caso de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, pois, conforme
fundamentação supra, restou evidenciada existência de falha na prestação
de serviço e de fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados
por terceiros no âmbito de operações bancárias.
9. A par disso, deve ser mantida a condenação da CEF ao ressarcimento à
parte autora da importância de R$ R$ 951.085,06 (novecentos e cinquenta e
um mil e oitenta e cinco reais e seis centavos), a título de danos materiais.
10. Com relação ao apelo da parte autora, verifico o MM. Magistrado a quo
arbitrou os honorários advocatícios, por equidade, em R$ 3.000,00, o que
se mostra adequado ao caso considerando o valor elevado da condenação e
a desproporção em relação ao grau de trabalho exigido dos advogados,
sobretudo porque a instrução foi breve e não ouve incidentes de maior
complexidade.
11. Recursos de apelação da CEF e da parte autora desprovidos.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, negar provimento aos recursos de apelação da CEF e da parte
autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Data do Julgamento
:
18/02/2019
Data da Publicação
:
25/02/2019
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1879323
Órgão Julgador
:
QUINTA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/02/2019
..FONTE_REPUBLICACAO:
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