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Jurisprudência


TRF3 0002155-04.2011.4.03.6100 00021550420114036100

Ementa
CIVIL, CONSUMIDOR E PROCESSO CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. DANOS MATERIAIS. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. HONORÁRIOS. SENTENÇA MANTIDA. 1. Não há litisconsórcio passivo necessário entre a CEF e as empresas Soberana de Carmo Distribuidora de Bebidas Ltda. e Barra Mar M Confecções Ltda - ME, pois não se trata de caso em que, por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes. E, conquanto fosse admissível a denunciação da lide, considerando que em caso de condenação da CEF por responsabilidade objetiva por fato do serviço (conforme pretensão exposta pela parte autora) seria possível a condenação das empresas Soberana de Carmo Distribuidora de Bebidas Ltda. e Barra Mar M Confecções Ltda - ME ao ressarcimento dos prejuízos da CEF, se demonstrada culpa ou dolo na fraude (responsabilidade subjetiva), entendo que a denunciação da lide não era obrigatória e o MM. Magistrado a quo poderia ter indeferido o pedido a fim de evitar demora excessiva ou de evitar tornar a causa mais complexa em prejuízo do consumidor, sobretudo porque tal decisão não impedirá a CEF de buscar o ressarcimento em ação própria. Assim, conheço os agravos retidos de fls. 241/244 e 258/259, mas rejeito-os. 2. No tocante à preliminar de cerceamento de defesa, a CEF defendeu ser imprescindível o depoimento pessoal da autora, a oitiva dos empregados da agência em questão e a realização de prova pericial. Ocorre que a prova testemunhal e a expedição de ofícios às demais instituições bancárias, nos termos em que fundamentadas pela apelante, destinam-se à apuração da culpa de terceiro, seja a empresa de entregas, seja dos bancos emitentes dos boletos bancários, fatos que somente são relevantes na demanda da CEF contra os causadores do dano, além de já estarem sendo apurados na esfera criminal. Já a prova pericial é desnecessária, pois a própria CEF já analisou a autenticação mecânica e confirmou que ela não é compatível com as suas autenticações. 3. As instituições financeiras estão sujeitas ao regime de proteção ao consumidor, cujo plexo normativo está organizado segundo a Lei Federal 8.078, de 1990. Esse é o teor do enunciado da Súmula n.º 297 do STJ. Nesse contexto, a responsabilidade contratual da instituição bancária é objetiva, porquanto, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, responde o fornecedor pelo defeito na prestação do serviço, independentemente da existência de culpa, ou seja, mesmo que a instituição financeira não tenha colaborado diretamente para a ocorrência do evento danoso, responderá pelo dano daí advindo, a não ser que comprove a culpa exclusiva do consumidor (artigo 14, §3º, inciso II do CDC). Este entendimento resultou na edição da Súmula nº 479 do STJ, segundo a qual "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". E o serviço é defeituoso, conforme parágrafo primeiro do dispositivo indicado, quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar. 4. No caso dos autos, narra a parte autora que é titular da conta corrente nº 0284-0 junto à agência nº 4125 da CEF e a utiliza para realizar pagamentos de depósitos judiciais, sempre se valendo do mesmo procedimento, mediante borderôs firmados pelos representantes legais da autora. Uma vez assinado o borderô, a autora encaminha o documento à CEF, mediante portador, acompanhando a carta de encaminhamento e do respectivo Documento para Depósitos Judiciais ou Extrajudiciais à Ordem e à Disposição da Autoridade Judicial ou Administrativa Competente ("Guia DJE"). Os documentos são deixados na agência, onde os pagamentos ordenados pelo borderô são processados pelos funcionários da Ré. Após algumas horas, as Guias DJE, contendo as chancelas mecânicas que comprovam sua quitação, são retirados por um portador da autora. No dia 23/07/2010, a autora emitiu um borderô endereçado à agência para o pagamento de Guia DJE no valor de R$ 951.085,06, em cumprimento à ordem judicial expedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assinado pela Sra. Ângela Aparecida Seixas e pelo Sr. Maurício Lotufo Maldonne. O borderô e a Guia DJE, acompanhados de uma carta de encaminhamento, foram colocados no malote e encaminhados à agência e, posteriormente, devolvidos ao Setor da autora. Ao serem devolvidos, a autora constatou que fora debitado da conta corrente da autora para pagamento do DJE, conforme 2ª via do Aviso de Débito emitido pela CEF e a 4ª via do DJE. Porém, no dia 26/08/2010, a autora foi informada pelos advogados responsáveis pelo processo judicial que o pagamento efetuado em 23/07/2010 não havia sido creditado. Em contato com a CEF, foi informada em 29/11/2010 que o débito de R$ 951.085,06 na conta corrente da autora referia-se ao pagamento de onze boletos bancários. De acordo com a CEF, o malote entregue pelo portador à CEF não conteria a Guia DJE, mas sim 11 boletos bancários, sendo que 7 deles favoreciam a empresa Soberana de Carmo Distribuidora de Bebidas Ltda. e 4 a empresa Barra Mar M Confecções Ltda - ME. Ainda teria afirmado que a assinatura aposta no documento (Guia DJE, supostamente pago) não seria de nenhum empregado da agência. Em 10/01/2011, a CEF informou que até a autenticação mecânica constante da Guia DJE seria falsificada e que não era possível fornecer cópia das gravações do circuito interno da agência. Conclui que foi vítima de fraude e que o mais provável é que o malote de documentos enviados pela autora foi trocado pelos boletos bancários emitidos em nome de empresas de fachada. Afirma que, embora a CEF alegue que tal troca teria ocorrido antes da instituição bancária receber os documentos, este fato não restou comprovado, pois não há recibo da CEF indicando quais documentos teriam sido efetivamente recebidos, tampouco forneceu a CEF qualquer documento que comprove que a autenticação mecânica falsificada não tenha ocorrido em suas dependências. Defende que, independentemente do momento em que ocorreu a troca, a fraude somente se consumou em decorrência da falha da CEF no processamento do borderô, porquanto este indicava apenas um pagamento em favor da CEF, e não diversos pagamentos em favor de outras empresas, de modo que a CEF deveria ter processado apenas o pagamento discriminado no borderô. Afirma que não houve erro escusável da CEF, pois para que fossem realizados os pagamentos dos boletos era necessário que o borderô indicasse as empresas Barra Mar e Soberana como beneficiárias. Além disso, afirma que a autora utilizava a conta com frequência e exclusivamente para realização de depósitos judiciais e quitação de tributos federais e contribuições previdenciárias, e não para quitação de boletos. Por fim, afirma que, mesmo que restasse comprovado que a fraude ocorreu fora da agência bancária, persistiria a responsabilidade da CEF, pois ela não seguiu as instruções da autora no processamento do borderô. Por sua vez, a CEF contestou, afirmando que não houve qualquer negligência ou falha na prestação de serviço, pois a CEF efetuou o pagamento daquilo que constava dentro do malote recebido e o borderô recebido não continha a finalidade dos pagamentos, tratando-se de borderô genérico - alega que cabia à autora por cautela discriminar o depósito que queria efetuar. Afirma que o malote já chegou à agência bancária com os boletos em seu interior e que a somatória dos boletos corresponde exatamente ao valor do borderô. Afirma que a autenticação mecânica da Guia DJE não confere com os padrões da autenticação da CEF e que a assinatura aposta na Guia DJE também não corresponde à assinatura de nenhum dos empregados da CEF. Conclui que a autora deve cobrar os prejuízos sofridas da empresa de motoboy que levou o malote até a agência. Também sustenta que a conta corrente aberta em nome da autora não possuía finalidade específica, de modo que os valores depositados podiam se destinar a quaisquer fins. Afirma ainda que, se houve fraude, a CEF também foi vítima e não pode ser responsabilizada por ela, por se tratar de caso de excludente de responsabilidade por fato de terceiro, nos termos do art. 14, §3º, do CDC, e de culpa concorrente da autora. Por fim, defende a inaplicabilidade do CDC, por não se tratar de relação de consumo. Anoto que a CEF defendeu a existência de litisconsórcio passivo necessário com as empresas Soberana de Carmo Distribuidora de Bebidas Ltda. e Barra Mar M Confecções Ltda - ME e/ou requereu a denunciação da lide. Os pedidos foram indeferidos, dando ensejo à propositura dos agravos retidos de fls. 241/244 e 262/266. Também houve interposição do agravo de instrumento nº 2011.03.00.019326-0 contra a decisão que indeferiu a realização de prova testemunhal e a expedição de ofício às instituições financeiras em que os destinatários da fraude possuem conta, ao qual foi indeferido o efeito suspensivo e, posteriormente, foi reconhecida a perda de objeto em razão da prolação de sentença nestes autos. Às fls. 282/304, a CEF juntou outros borderôs que a autora encaminhou à CEF. Às fls. 321/378 e 412/540, constam cópias do inquérito policial nº 040/2011 perante a 2ª Delegacia Seccional de Polícia - Sul, do 96º Distrito Policial - Booklin. 5. A autora não tem como comprovar que o malote que chegou à agência continha a GUIA DJE, eis que foi a empresa de motoboy que levou o malote à agência. O máximo que a empresa pode comprovar é que entregou o malote contendo a GUIA DJE à empresa de entregas - e o fez, pois à fl. 44 consta a GUIA DJE encaminhada à CEF, assim como o Aviso de Débito e a via da GUIA DJE com autenticação mecânica, às fls. 46/47. Por outro lado, é verdade que a CEF também não pode comprovar que a GUIA DJE não chegou à agência no malote enviado, por se tratar de prova negativa. Porém, note que tal empecilho seria facilmente evitado por meio da adoção de procedimento de emissão de recibo indicando quais documentos teriam sido efetivamente recebidos. Ademais, a apresentação das gravações internas da agência também poderia ajudar na elucidação dos fatos, vez que poderiam demonstrar, ao menos, que os documentos constantes do interior do malote não foram alterados dentro da agência bancária - mas também poderiam evidenciar que o malote já chegou violado à agência. Porém, a CEF também afirmou não mais possuir tais gravações. Ocorre que não há dúvidas que as instituições bancárias devem manter tais gravações a fim de minimizar o risco de fraudes e delitos em suas agências, já que, pela natureza da atividade desenvolvida, são alvos de tais práticas com frequência. Além disso, verifica-se dos borderôs juntados que todos indicam a CEF como favorecida, e não as empresas Soberana de Carmo Distribuidora de Bebidas Ltda. e Barra Mar M Confecções Ltda - ME. E, ressalto que a própria CEF juntou inúmeros borderôs idênticos às fls. 282/304, evidenciando que o procedimento descrito pela autora, realmente, era adotado com frequência e, assim, conhecido pela ré. Desse modo, parece-me que a CEF tinha condições de, diante das circunstâncias do caso, ter suspeitado da operação atípica. 6. Porém, ainda que se considerasse que não houve falha da CEF diretamente no processamento dos documentos e que os documentos já chegaram adulterados à agência, tratar-se-ia de fortuito interno, pois a fraude realizada relaciona-se diretamente com os riscos da própria atividade econômica dos bancos. Note que os fraudadores utilizaram documentos com timbre da CEF (fls. 46) e autenticação mecânica, a olho nu, similar à das instituições bancárias (fls. 46 e 47). É exatamente o caso tratado na Súmula nº 479 do STJ, segundo a qual "as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias". 7. Assim sendo, seja por um ou por outro fundamento, restou evidenciada a deficiência na prestação do serviço, porquanto a instituição bancária deve zelar pela segurança nos serviços bancários, de modo a proteger o consumidor da fraude perpetrada em suas operações. 8. Por fim, apenas para que não se alegue omissão, consigno que não se trata de caso de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, pois, conforme fundamentação supra, restou evidenciada existência de falha na prestação de serviço e de fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. 9. A par disso, deve ser mantida a condenação da CEF ao ressarcimento à parte autora da importância de R$ R$ 951.085,06 (novecentos e cinquenta e um mil e oitenta e cinco reais e seis centavos), a título de danos materiais. 10. Com relação ao apelo da parte autora, verifico o MM. Magistrado a quo arbitrou os honorários advocatícios, por equidade, em R$ 3.000,00, o que se mostra adequado ao caso considerando o valor elevado da condenação e a desproporção em relação ao grau de trabalho exigido dos advogados, sobretudo porque a instrução foi breve e não ouve incidentes de maior complexidade. 11. Recursos de apelação da CEF e da parte autora desprovidos.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos de apelação da CEF e da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 18/02/2019
Data da Publicação : 25/02/2019
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1879323
Órgão Julgador : QUINTA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/02/2019 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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