TRF3 0002199-75.2005.4.03.6183 00021997520054036183
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR
TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONTEÚDO PROBATÓRIO
EFICAZ. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. ATIVIDADE
ESPECIAL. MOTORISTA. ENQUADRAMENTO. RUIDO. RECONHECIMENTO. CONJUNTO
PROBATÓRIO SUFICIENTE. TEMPO ESPECIAL. CONVERSÃO EM COMUM. BENEFÍCIO
CONCEDIDO. APOSENTADORIA COM PROVENTOS INTEGRAIS. TERMO INICIAL. DATA
DA IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE
MORA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DO INSS
DESPROVIDAS. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.
1 - Pretende a parte autora a concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição, mediante o reconhecimento de labor rural, no período de
01/06/1968 a 10/07/1974. Além disso, pretende ver reconhecida a especialidade
do trabalho desempenhado nos períodos de 20/08/1974 a 09/07/1975, 08/12/1975
a 09/03/1976, 16/07/1976 a 01/08/1977, 15/03/1983 a 03/06/1983, 01/01/1984
a 10/05/1984, 10/05/1984 a 02/10/1985, 08/11/1985 a 04/04/1989, 08/05/1989
a 05/12/1989, 15/11/1989 a 04/08/1990, 05/03/1991 a 09/09/1991, 25/09/1991
a 21/03/1993, 04/06/1993 a 04/09/1997, 01/10/1997 a 30/11/1997, 01/10/1997
a 12/02/2002 e 13/02/2002 a 08/08/2003.
2 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação
do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de
prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Súmula
nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
3 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos
os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim,
a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com
potencial para estender a aplicabilidade daquela. Precedentes da 7ª Turma
desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais documentos devem
ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
4 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP
nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de
Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento
de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado
no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
5 - É pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento
das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário,
desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei
nº 8.213/91.
6 - Para a comprovação do labor rural, a parte autora apresentou apenas: a)
Declaração de Exercício de Atividade Rural, do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Itajuipe/BA, relativa ao período de 01/06/1968 a 10/07/1974; b)
Declaração firmada por Terezinha de Araújo, indicando que o autor, na
condição de trabalhador rural, prestou serviços na Fazenda São José; c)
Notas fiscais e declarações referentes a venda de produtos agrícolas, todas
em nome de Terezinha de Araújo; d) Declarações para Cadastro de Imóvel
Rural, Declarações de Rendimentos e Comprovantes de pagamento do Imposto
sobre a Propriedade Territorial Rural, também em nome de Terezinha Araújo.
7 - Em relação a tais documentos, cumpre notar que nenhum deles constitui
hábil início de prova material de labor rurícola, visto que: a) a
Declaração de Exercício de Atividade Rural não atende os ditames da lei
de regência, que exige a homologação do INSS para fins de comprovação
do labor campesino (Lei nº 8.213/91, art. 106, III); b) a declaração de
atividade rural constitui mero depoimento reduzido a termo, sem o crivo do
contraditório; c) as Notas Fiscais, Declarações para Cadastro de Imóvel
Rural, Declarações de Rendimentos e Comprovantes de pagamento do Imposto
sobre a Propriedade Territorial Rural, em nome de terceiros, por sua vez,
nada provam quanto ao exercício de labor rural por parte do requerente.
8 - Demais disso, nenhuma outra prova material foi acostada aos autos,
pretendendo o autor que os depoimentos testemunhais supram a comprovação
de supostos seis anos de exercício de labor rural, o que não se afigura
legítimo.
9 - Desta forma, diante da ausência de prova documental idônea que comprove
que a parte autora laborou no campo, impossível seu reconhecimento.
10 - Em razão do entendimento fixado pela Corte Especial do C. Superior
Tribunal de Justiça no julgamento do REsp n.º 1.352.721/SP, na forma do
artigo 543-C do CPC/1973, e diante da ausência de conteúdo probatório
eficaz, deverá o feito ser extinto, sem resolução de mérito, por carência
de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo,
de sorte a possibilitar à parte autora o ajuizamento de novo pedido,
administrativo ou judicial, caso reúna os elementos necessários à tal
iniciativa.
11 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e
em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço
sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à
contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na
forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha
a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
12 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria
especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram
concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação
inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos
I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo
técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído
e calor.
13 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da
Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir
a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos,
químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo
suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade
do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional
considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do
tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
14 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade
laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a
agente nocivo, por qualquer modalidade de prova; (b) a partir de 29/04/1995,
é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação profissional,
sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c)
a partir de 10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe
a existência de laudo técnico de condições ambientais, elaborado por
profissional apto ou por perfil profissiográfico previdenciário (PPP),
preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação dos
profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração
biológica, que constitui instrumento hábil para a avaliação das condições
laborais.
15 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente
nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo
de condições ambientais.
16 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB,
até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003;
e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
17 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei
nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao
responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos,
o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em
condições especiais.
18 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo
ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF
3º Região.
19 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova
da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos
e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo
diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF
excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda
que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
20 - Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de
laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da
especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto,
se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores
ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores,
referido nível era superior.
21 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente
da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação
das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
22 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70
do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior
Tribunal de Justiça.
23 - Quanto ao período de 20/08/1974 a 09/07/1975, o autor instruiu a
presente demanda com o formulário DSS - 8030 e com o Laudo Técnico, os
quais apontam a submissão ao agente agressivo ruído, na intensidade de
81dB(A), ao desempenhar a função de "Montador de Reator" junto à empresa
"Philips do Brasil Ltda".
24 - No que diz respeito ao período de 08/12/1975 a 09/03/1976, laborado na
empresa "Bicicletas Monark S/A", o formulário DSS - 8030 e o Laudo Técnico
Pericial indicam que o autor, no exercício da função de "Ajudante",
esteve exposto a nível de pressão sonora da ordem de 86 dB(A).
25 - Para comprovar que suas atividades, nos períodos de 16/07/1976 a
01/08/1977, 15/03/1983 a 03/06/1983, 01/01/1984 a 10/05/1984, 10/05/1984 a
02/10/1985, 08/11/1985 a 04/04/1989, 08/05/1989 a 05/12/1989, 15/11/1989 a
04/08/1990, 05/03/1991 a 09/09/1991, 25/09/1991 a 21/03/1993 foram exercidas
em condições especiais, o autor coligiu aos autos os formulários e
Laudos Técnicos constantes de fls. 67/70, 76/90, 93/94, os quais revelam
ter laborado na condição de "Motorista" para as seguintes empresas:
"Cia Viação Sul Baiano", "Expresso Santa Cruz Ltda", "Viação e Turismo
N. Sra. de Fátima Ltda", "Viação Itapemirim S/A", "Viação Águia Branca
S/A", "Cia. São Geraldo de Viação", "Empresa de Ônibus Pássaro Marrom
S/A" e "Viação Cometa".
26 - A documentação apresentada evidencia o trabalho como motorista de
ônibus nos períodos descritos, cabendo ressaltar que a ocupação do
requerente encontra subsunção no Código 2.4.4 do Quadro Anexo do Decreto
53.831/64 e no Código 2.4.2 do Anexo II do Decreto 83.080/79, sendo passível
de reconhecimento como atividade especial pelo mero enquadramento da categoria
profissional.
27 - No tocante ao período de 04/06/1993 a 04/09/1997, laborado junto à
"Breda Transportes e Turismo Ltda", o formulário DSS - 8030 e o Laudo Técnico
Pericial revelam que o autor, no exercício da função de "Motorista", esteve
exposto a ruído de 90 dB(A), o que autoriza o reconhecimento da especialidade
do trabalho até 05/03/1997, eis que desempenhado com sujeição a nível
de pressão sonora superior ao limite de tolerância vigente à época.
28 - Ressalte-se que apesar do laudo técnico individual mencionar a
exposição a ruído de forma intermitente, possível o reconhecimento
da especialidade, isto porque os requisitos de "habitualidade" e
"permanência" devem ser interpretados com granus salis. Exigir-se do
trabalhador a exposição ininterrupta aos agentes agressivos, por toda a
sua jornada de trabalho, ficaria restrita somente àqueles que tivessem
sua saúde esmigalhada. Habitualidade pressupõe frequência, que, por
sua vez, é atingida com o exercício cotidiano de determinado trabalho ou
função. Portanto, o conceito de moderado ou, até mesmo, alternado não
são auto-excludentes da ideia de habitualidade. A questão da permanência
deve ser encarada da mesma forma. A ideia é de que a exposição seja
duradoura, capaz de prejudicar a saúde do trabalhador. Mas não se exige
seja ininterrupta, pois, a seguir esse raciocínio, somente faria jus à
aposentadoria especial o trabalhador doente. Por esta razão, é que a
situação de intermitência não afasta a especialidade do labor, desde
que a exposição se dê rotineiramente, de maneira duradoura.
29 - Já no que concerne aos períodos de 01/10/1997 a 30/11/1997, 01/10/1997
a 12/02/2002 e 13/02/2002 a 08/08/2003, verifica-se que a documentação
juntada (formulários e Laudos Técnicos) atesta a submissão a ruído de
90 dB(A), ao desempenhar a função também de "Motorista" para as empresas
"Rápido São Paulo Ltda", "Breda Transportes e Turismo Ltda" e "Rápido
São Paulo Transportes e Serviços Ltda", restando inviável o reconhecimento
pretendido, uma vez que o nível de pressão sonora não ultrapassa o limite
de tolerância então vigente.
30 - Enquadrados como especiais os períodos de 20/08/1974 a 09/07/1975,
08/12/1975 a 09/03/1976, 16/07/1976 a 01/08/1977, 15/03/1983 a 03/06/1983,
01/01/1984 a 10/05/1984, 10/05/1984 a 02/10/1985, 08/11/1985 a 04/04/1989,
08/05/1989 a 05/12/1989, 15/11/1989 a 04/08/1990, 05/03/1991 a 09/09/1991,
25/09/1991 a 21/03/1993 e 04/06/1993 a 05/03/1997.
31 - Procedendo ao cômputo do labor especial reconhecido nesta demanda
acrescido dos períodos constantes do Certificado de Reservista de 1ª
Categoria (16/05/1973 a 17/06/1974), do "resumo de documentos para cálculo
de tempo de contribuição" e do CNIS, verifica-se que, na data de 23/02/2008,
o autor alcançou 35 anos de serviço, o que lhe assegura, a partir de então,
o direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição, não havendo
que se falar em aplicação do requisito etário, nos termos do art. 201,
§ 7º, inciso I, da Constituição Federal.
32 - O termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data de 23/02/2008,
uma vez que o preenchimento da totalidade dos requisitos para a obtenção
da benesse deu-se somente naquela ocasião (art. 462, CPC/73 e 493, CPC/2015).
33 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal
até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada,
conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão
geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do
IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
34 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório,
fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a
jurisprudência dominante.
35 - Sagrou-se vencedora a parte autora ao ver reconhecido parcialmente o
período especial vindicado. Por outro lado, foi afastada outra parte da
especialidade pretendida e a aposentadoria foi concedida somente a partir
da data do implemento dos requisitos, em momento posterior ao ajuizamento
da demanda. Honorários advocatícios compensados entre as partes, ante a
sucumbência recíproca (art. 21 do CPC/73).
36 - Remessa necessária provida para extinguir o processo sem resolução de
mérito, quanto ao pedido de reconhecimento do labor rural. No que sobeja,
remessa necessária e apelação do INSS desprovidas e apelação da parte
provida.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR
TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA
MATERIAL. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONTEÚDO PROBATÓRIO
EFICAZ. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. ATIVIDADE
ESPECIAL. MOTORISTA. ENQUADRAMENTO. RUIDO. RECONHECIMENTO. CONJUNTO
PROBATÓRIO SUFICIENTE. TEMPO ESPECIAL. CONVERSÃO EM COMUM. BENEFÍCIO
CONCEDIDO. APOSENTADORIA COM PROVENTOS INTEGRAIS. TERMO INICIAL. DATA
DA IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE
MORA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DO INSS
DESPROVIDAS. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.
1 - Pretende a parte autora a concessão de aposentadoria por tempo de
contribuição, mediante o reconhecimento de labor rural, no período de
01/06/1968 a 10/07/1974. Além disso, pretende ver reconhecida a especialidade
do trabalho desempenhado nos períodos de 20/08/1974 a 09/07/1975, 08/12/1975
a 09/03/1976, 16/07/1976 a 01/08/1977, 15/03/1983 a 03/06/1983, 01/01/1984
a 10/05/1984, 10/05/1984 a 02/10/1985, 08/11/1985 a 04/04/1989, 08/05/1989
a 05/12/1989, 15/11/1989 a 04/08/1990, 05/03/1991 a 09/09/1991, 25/09/1991
a 21/03/1993, 04/06/1993 a 04/09/1997, 01/10/1997 a 30/11/1997, 01/10/1997
a 12/02/2002 e 13/02/2002 a 08/08/2003.
2 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação
do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de
prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Súmula
nº 149, do C. Superior Tribunal de Justiça.
3 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos
os anos do período que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim,
a prova documental deve ser corroborada por prova testemunhal idônea, com
potencial para estender a aplicabilidade daquela. Precedentes da 7ª Turma
desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça. Tais documentos devem
ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido de
que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
4 - O C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do RESP
nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de
Processo Civil, assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento
de tempo de serviço rural exercido em momento anterior àquele retratado
no documento mais antigo juntado aos autos como início de prova material,
desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal idônea.
5 - É pacifico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento
das contribuições para fins de obtenção de benefício previdenciário,
desde que a atividade rural tenha se desenvolvido antes da vigência da Lei
nº 8.213/91.
6 - Para a comprovação do labor rural, a parte autora apresentou apenas: a)
Declaração de Exercício de Atividade Rural, do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Itajuipe/BA, relativa ao período de 01/06/1968 a 10/07/1974; b)
Declaração firmada por Terezinha de Araújo, indicando que o autor, na
condição de trabalhador rural, prestou serviços na Fazenda São José; c)
Notas fiscais e declarações referentes a venda de produtos agrícolas, todas
em nome de Terezinha de Araújo; d) Declarações para Cadastro de Imóvel
Rural, Declarações de Rendimentos e Comprovantes de pagamento do Imposto
sobre a Propriedade Territorial Rural, também em nome de Terezinha Araújo.
7 - Em relação a tais documentos, cumpre notar que nenhum deles constitui
hábil início de prova material de labor rurícola, visto que: a) a
Declaração de Exercício de Atividade Rural não atende os ditames da lei
de regência, que exige a homologação do INSS para fins de comprovação
do labor campesino (Lei nº 8.213/91, art. 106, III); b) a declaração de
atividade rural constitui mero depoimento reduzido a termo, sem o crivo do
contraditório; c) as Notas Fiscais, Declarações para Cadastro de Imóvel
Rural, Declarações de Rendimentos e Comprovantes de pagamento do Imposto
sobre a Propriedade Territorial Rural, em nome de terceiros, por sua vez,
nada provam quanto ao exercício de labor rural por parte do requerente.
8 - Demais disso, nenhuma outra prova material foi acostada aos autos,
pretendendo o autor que os depoimentos testemunhais supram a comprovação
de supostos seis anos de exercício de labor rural, o que não se afigura
legítimo.
9 - Desta forma, diante da ausência de prova documental idônea que comprove
que a parte autora laborou no campo, impossível seu reconhecimento.
10 - Em razão do entendimento fixado pela Corte Especial do C. Superior
Tribunal de Justiça no julgamento do REsp n.º 1.352.721/SP, na forma do
artigo 543-C do CPC/1973, e diante da ausência de conteúdo probatório
eficaz, deverá o feito ser extinto, sem resolução de mérito, por carência
de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo,
de sorte a possibilitar à parte autora o ajuizamento de novo pedido,
administrativo ou judicial, caso reúna os elementos necessários à tal
iniciativa.
11 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e
em obediência ao aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço
sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à
contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na
forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que venha
a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
12 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria
especial e a conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram
concedidas em virtude da categoria profissional, conforme a classificação
inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, e nos Anexos
I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo
técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído
e calor.
13 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da
Lei de Benefícios, alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir
a demonstração da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos,
químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e permanente, sendo
suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade
do mero enquadramento da atividade do segurado em categoria profissional
considerada especial, mantendo, contudo, a possibilidade de conversão do
tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
14 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade
laboral pela categoria profissional ou pela comprovação da exposição a
agente nocivo, por qualquer modalidade de prova; (b) a partir de 29/04/1995,
é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação profissional,
sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c)
a partir de 10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe
a existência de laudo técnico de condições ambientais, elaborado por
profissional apto ou por perfil profissiográfico previdenciário (PPP),
preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação dos
profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração
biológica, que constitui instrumento hábil para a avaliação das condições
laborais.
15 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente
nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo
de condições ambientais.
16 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB,
até 05/03/1997; acima de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003;
e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
17 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei
nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao
responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos,
o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em
condições especiais.
18 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo
ao período em que exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF
3º Região.
19 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova
da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos
e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo
diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF
excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda
que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
20 - Saliente-se que, conforme declinado alhures, a apresentação de
laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da
especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto,
se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores
ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores,
referido nível era superior.
21 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente
da data do exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação
das regras dos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
22 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70
do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior
Tribunal de Justiça.
23 - Quanto ao período de 20/08/1974 a 09/07/1975, o autor instruiu a
presente demanda com o formulário DSS - 8030 e com o Laudo Técnico, os
quais apontam a submissão ao agente agressivo ruído, na intensidade de
81dB(A), ao desempenhar a função de "Montador de Reator" junto à empresa
"Philips do Brasil Ltda".
24 - No que diz respeito ao período de 08/12/1975 a 09/03/1976, laborado na
empresa "Bicicletas Monark S/A", o formulário DSS - 8030 e o Laudo Técnico
Pericial indicam que o autor, no exercício da função de "Ajudante",
esteve exposto a nível de pressão sonora da ordem de 86 dB(A).
25 - Para comprovar que suas atividades, nos períodos de 16/07/1976 a
01/08/1977, 15/03/1983 a 03/06/1983, 01/01/1984 a 10/05/1984, 10/05/1984 a
02/10/1985, 08/11/1985 a 04/04/1989, 08/05/1989 a 05/12/1989, 15/11/1989 a
04/08/1990, 05/03/1991 a 09/09/1991, 25/09/1991 a 21/03/1993 foram exercidas
em condições especiais, o autor coligiu aos autos os formulários e
Laudos Técnicos constantes de fls. 67/70, 76/90, 93/94, os quais revelam
ter laborado na condição de "Motorista" para as seguintes empresas:
"Cia Viação Sul Baiano", "Expresso Santa Cruz Ltda", "Viação e Turismo
N. Sra. de Fátima Ltda", "Viação Itapemirim S/A", "Viação Águia Branca
S/A", "Cia. São Geraldo de Viação", "Empresa de Ônibus Pássaro Marrom
S/A" e "Viação Cometa".
26 - A documentação apresentada evidencia o trabalho como motorista de
ônibus nos períodos descritos, cabendo ressaltar que a ocupação do
requerente encontra subsunção no Código 2.4.4 do Quadro Anexo do Decreto
53.831/64 e no Código 2.4.2 do Anexo II do Decreto 83.080/79, sendo passível
de reconhecimento como atividade especial pelo mero enquadramento da categoria
profissional.
27 - No tocante ao período de 04/06/1993 a 04/09/1997, laborado junto à
"Breda Transportes e Turismo Ltda", o formulário DSS - 8030 e o Laudo Técnico
Pericial revelam que o autor, no exercício da função de "Motorista", esteve
exposto a ruído de 90 dB(A), o que autoriza o reconhecimento da especialidade
do trabalho até 05/03/1997, eis que desempenhado com sujeição a nível
de pressão sonora superior ao limite de tolerância vigente à época.
28 - Ressalte-se que apesar do laudo técnico individual mencionar a
exposição a ruído de forma intermitente, possível o reconhecimento
da especialidade, isto porque os requisitos de "habitualidade" e
"permanência" devem ser interpretados com granus salis. Exigir-se do
trabalhador a exposição ininterrupta aos agentes agressivos, por toda a
sua jornada de trabalho, ficaria restrita somente àqueles que tivessem
sua saúde esmigalhada. Habitualidade pressupõe frequência, que, por
sua vez, é atingida com o exercício cotidiano de determinado trabalho ou
função. Portanto, o conceito de moderado ou, até mesmo, alternado não
são auto-excludentes da ideia de habitualidade. A questão da permanência
deve ser encarada da mesma forma. A ideia é de que a exposição seja
duradoura, capaz de prejudicar a saúde do trabalhador. Mas não se exige
seja ininterrupta, pois, a seguir esse raciocínio, somente faria jus à
aposentadoria especial o trabalhador doente. Por esta razão, é que a
situação de intermitência não afasta a especialidade do labor, desde
que a exposição se dê rotineiramente, de maneira duradoura.
29 - Já no que concerne aos períodos de 01/10/1997 a 30/11/1997, 01/10/1997
a 12/02/2002 e 13/02/2002 a 08/08/2003, verifica-se que a documentação
juntada (formulários e Laudos Técnicos) atesta a submissão a ruído de
90 dB(A), ao desempenhar a função também de "Motorista" para as empresas
"Rápido São Paulo Ltda", "Breda Transportes e Turismo Ltda" e "Rápido
São Paulo Transportes e Serviços Ltda", restando inviável o reconhecimento
pretendido, uma vez que o nível de pressão sonora não ultrapassa o limite
de tolerância então vigente.
30 - Enquadrados como especiais os períodos de 20/08/1974 a 09/07/1975,
08/12/1975 a 09/03/1976, 16/07/1976 a 01/08/1977, 15/03/1983 a 03/06/1983,
01/01/1984 a 10/05/1984, 10/05/1984 a 02/10/1985, 08/11/1985 a 04/04/1989,
08/05/1989 a 05/12/1989, 15/11/1989 a 04/08/1990, 05/03/1991 a 09/09/1991,
25/09/1991 a 21/03/1993 e 04/06/1993 a 05/03/1997.
31 - Procedendo ao cômputo do labor especial reconhecido nesta demanda
acrescido dos períodos constantes do Certificado de Reservista de 1ª
Categoria (16/05/1973 a 17/06/1974), do "resumo de documentos para cálculo
de tempo de contribuição" e do CNIS, verifica-se que, na data de 23/02/2008,
o autor alcançou 35 anos de serviço, o que lhe assegura, a partir de então,
o direito à aposentadoria integral por tempo de contribuição, não havendo
que se falar em aplicação do requisito etário, nos termos do art. 201,
§ 7º, inciso I, da Constituição Federal.
32 - O termo inicial do benefício deve ser estabelecido na data de 23/02/2008,
uma vez que o preenchimento da totalidade dos requisitos para a obtenção
da benesse deu-se somente naquela ocasião (art. 462, CPC/73 e 493, CPC/2015).
33 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal
até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada,
conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão
geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do
IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
34 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório,
fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a
jurisprudência dominante.
35 - Sagrou-se vencedora a parte autora ao ver reconhecido parcialmente o
período especial vindicado. Por outro lado, foi afastada outra parte da
especialidade pretendida e a aposentadoria foi concedida somente a partir
da data do implemento dos requisitos, em momento posterior ao ajuizamento
da demanda. Honorários advocatícios compensados entre as partes, ante a
sucumbência recíproca (art. 21 do CPC/73).
36 - Remessa necessária provida para extinguir o processo sem resolução de
mérito, quanto ao pedido de reconhecimento do labor rural. No que sobeja,
remessa necessária e apelação do INSS desprovidas e apelação da parte
provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, no que tange ao pedido de reconhecimento do labor rural,
dar provimento à remessa necessária, para extinguir o processo, sem
resolução de mérito, nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo
Civil/1973 e artigo 485, IV, do Código de Processo Civil/2015, e, no que
sobeja, negar provimento à remessa necessária e ao apelo do INSS, e dar
provimento à apelação da parte autora, para reconhecer a especialidade
do labor nos períodos de 20/08/1974 a 09/07/1975, 08/12/1975 a 09/03/1976,
16/07/1976 a 01/08/1977, 15/03/1983 a 03/06/1983, 01/01/1984 a 10/05/1984,
10/05/1984 a 02/10/1985, 08/11/1985 a 04/04/1989, 08/05/1989 a 05/12/1989,
15/11/1989 a 04/08/1990, 05/03/1991 a 09/09/1991, 25/09/1991 a 21/03/1993 e
04/06/1993 a 05/03/1997, para condenar o INSS na implantação e pagamento da
aposentadoria integral por tempo de contribuição, a partir de 23/02/2008,
sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de
acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na
Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de
quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora
até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual,
e para fixar, por fim, a sucumbência recíproca, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
07/05/2018
Data da Publicação
:
16/05/2018
Classe/Assunto
:
ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1521754
Órgão Julgador
:
SÉTIMA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/05/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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