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Jurisprudência


TRF3 0002204-36.2016.4.03.0000 00022043620164030000

Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. CONTROVÉRSIA ENTRE AS PARTES. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL SOBRE O FATO. VIOLAÇÃO LITERAL À DISPOSITIVO DE LEI. DECISÃO FLAGRANTEMENTE DISSOCIADA DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL. VINCULAÇÃO À PROVA DOS AUTOS. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORATIVA. DOENÇA PREEXISTENTE. NÃO ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES PERICIAIS. INCOMPATIBILIDADE COM A SITUAÇÃO FÁTICA. IUDICIUM RESCINDENS. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO RESCISÓRIA. IUDICIUM RESCISORIUM. PARCIAL PROCEDÊNCIA DA AÇÃO SUBJACENTE. VERBA HONORÁRIA. CONDENAÇÃO. 1. Para que seja reconhecido erro de fato, hábil à rescisão da coisa julgada, pressupõe-se que, sem que tenha havido controvérsia ou pronunciamento judicial sobre o fato, o julgado tenha admitido um fato inexistente ou considerado inexistente um fato efetivamente ocorrido, que tenha influído de forma definitiva para a conclusão do decidido. 2. O erro de fato, necessariamente decorrente de atos ou documentos da causa, deve ser aferível pelo exame do quanto constante dos autos da ação subjacente, sendo inadmissível a produção de provas na demanda rescisória a fim de demonstrá-lo. 3. É patente a inexistência de erro de fato no julgado, seja em decorrência da controvérsia entre as partes, seja porque houve pronunciamento judicial expresso e pormenorizado sobre o fato, reconhecendo-se situação de doença incapacitante preexistente à refiliação da autora ao RGPS. De forma fundamentada, o julgador originário entendeu se tratar de situação de doença incapacitante preexistente à refiliação da autora ao RGPS, considerando a conclusão do perito médico sobre a existência de quadro de incapacidade laborativa desde 1989, quando a autora já não mais contava com a qualidade de segurada, inclusive por força das informações prestadas pela própria acompanhante da autora, no sentido de que o vínculo de empregada doméstica registrado em 2000, na verdade, tratava-se de um comparecimento irregular, realizado "quando podia", recebendo apenas pelo serviço eventualmente prestado. 4. Embora não reconhecida a ocorrência de erro de fato no julgado, entende-se ser devida, também, a apreciação da hipótese rescindenda prevista no artigo 485, V, do CPC/1973, aplicando-se os princípios da mihi factum, dabo tibi ius e iura novit curia. Ainda que não apontada expressamente a referida hipótese rescindenda, há indicação sobre a existência de violação direta à lei na causa de pedir. Não se reconhece qualquer prejuízo à autarquia, a qual em exercício de contraditório e ampla defesa, defendeu-se quanto aos fatos apontados pela autora, sustentando entendimento sobre a não comprovação dos requisitos para concessão do benefício previdenciário. 5. A viabilidade da ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei pressupõe violação frontal e direta da literalidade da norma jurídica, não se admitindo a mera ofensa reflexa ou indireta (confira-se: STJ, S1, AR 4264, relator Ministro Humberto Martins, DJe 02.05.2016). Ressalte-se que, em 13.12.1963, o e. Supremo Tribunal Federal fixou entendimento, objeto do enunciado de Súmula n.º 343, no sentido de que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais". 6. Para que seja possível a rescisão do julgado por violação literal de lei decorrente de valoração da prova, esta deve ter sido de tal modo desconexa que resulte em pungente ofensa à norma vigente ou em absoluto descompasso com os princípios do contraditório ou da ampla defesa. 7. O julgado rescindendo, adotando a conclusão pericial sobre a data de início da incapacidade laborativa (em 1989), concluiu que a autora apresentava moléstia incapacitante previamente a seu reingresso ao RGPS, ocorrido em 01.09.2000, na qualidade de empregada doméstica. Existe fato inegável e intransponível de que a autora, ainda que portadora de moléstia que poderia lhe afastar de suas atividades laborativas, o que, de acordo com o manifestado por sua acompanhante, acarretava certo prejuízo ao exercício de suas atribuições, permaneceu em atividade, tendo exercido a função de empregada doméstica por longos dez anos, até a data de seu afastamento em razão do agravamento de seu estado de saúde (em agosto de 2010). Registra-se que durante os dez anos de seu vínculo empregatício, foram tempestivamente recolhidas as contribuições previdenciárias devidas. 8. Não há como, simplesmente, desprezar sete anos de labor, com a devida contribuição ao Regime Geral de Previdência Social, sob o entendimento de que a autora estava total e permanentemente incapacitada para qualquer atividade laborativa desde 1989. Há um contrassenso fático insuperável, pois a autora laborou por sete anos, desde o ano 2000, de sorte que, inexoravelmente, não poderia ser considerada total e permanentemente incapaz para sua atividade laborativa durante uma década, ainda que se reconheça que já era portadora das doenças que a levaram ao afastamento de suas atividades (em 2010). E se, bem ou mal, recuperou sua capacidade laborativa após 1989, tendo exercido, efetivamente, atividade laborativa por, repisa-se, dez anos, com a devida contribuição ao RGPS, não há como sustentar, com embasamento fático-jurídico, que seu reingresso ao regime se deu na qualidade de pessoa já total e permanentemente incapacitada para o trabalho. Houve, sim, um agravamento no seu estado de saúde, após dez anos de labor como empregada doméstica, que levou a seu afastamento. Não se está a simplesmente reapreciar o quadro fático-probatório, revalorando o acervo probante em sentido diverso daquele motivadamente adotado no julgado originário, mas, sim, distinguindo, na situação concreta, a ocorrência de decisum flagrantemente dissociado do conjunto probatório. Não há que se confundir o princípio da persuasão racional, que vincula o magistrado às provas constantes dos autos, com ausência de motivação. 9. A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal. 10. A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, preconiza que o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para exercício da atividade que lhe garanta a subsistência. O benefício também é garantido aos segurados especiais, no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprovem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido (artigo 39 da LBPS). 11. Independe de carência a concessão dos benefícios nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no artigo 151 da Lei n.º 8.213/91. Cumpre salientar que a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o deferimento dos benefícios se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da moléstia. 12. Da mesma forma que o juízo não está adstrito ao laudo pericial, ante o princípio do livre convencimento motivado e o disposto nos artigos 436 do CPC/1973 e 479 do CPC/2015, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juízo o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame (Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010). 13. No caso concreto, irrefutável a qualidade de segurada da autora, a qual manteve vínculo de empregada doméstica desde 01.09.2000 até o afastamento de suas atividades laborativas, em agosto de 2010. Foram vertidas, tempestivamente, as contribuições para o RGPS entre 09/2000 e 08/2010, restando comprovado o cumprimento da carência. 14. O perito judicial afirmou que autora é portadora de moléstias que caracterizam situação de incapacidade laborativa total e permanente. Embora tenha fixado a data de início da incapacidade em 1989, é inconcebível que a autora estivesse desde então incapacitada de forma total e permanente para o exercício de atividades laborativas, diante do fato de que, efetivamente, trabalhou como empregada doméstica entre 01.09.2000 até 30.08.2010, razão pela qual fixa-se a data de início de sua incapacidade laborativa, por força do agravamento de seu estado de saúde, na data de seu afastamento do trabalho, em 01.09.2010. 15. Reconhecido o direito da autora ao recebimento de aposentadoria por invalidez, com renda mensal inicial a ser calculada na forma do artigo 35 da Lei n.º 8.213/91. 16. Fixada a data de início do benefício na data em que estabelecido o início da incapacidade laborativa, em 01.09.2010. 17. A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada, desde a data de cada vencimento, de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da elaboração da conta, com aplicação do IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), com efeitos prospectivos. 18. Os juros de mora, incidentes mês a mês a partir da data de início do benefício até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Cálculos e Procedimentos aplicável à Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante. 19. Verba honorária fixada em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, consideradas as parcelas vencidas até a data deste julgamento. 20. Rejeitada a preliminar. Em juízo rescindendo, julgada procedente a ação rescisória, para desconstituir o julgado na ação subjacente com fundamento nos artigos 485, V, do CPC/1973 e 966, V, do CPC/2015. Em juízo rescisório, julgada parcialmente procedente a ação subjacente, nos termos dos artigos 269, I, do CPC/1973 e 487, I, do CPC/2015, para condenar a autarquia na implantação em favor da autora de aposentadoria por invalidez e no pagamento das prestações vencidas.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar suscitada; em juízo rescindendo, julgar procedente a presente ação rescisória para desconstituir o julgado na ação subjacente; e, em juízo rescisório, julgar parcialmente procedente o pleito formulado na ação subjacente para condenar a autarquia na implantação em favor da autora de aposentadoria por invalidez, com data de início em 01.09.2010 e renda mensal inicial a ser calculada na forma do artigo 35 da Lei n.º 8.213/91; no pagamento das prestações vencidas devidamente acrescidas de juros de mora mensais, desde a data de início do benefício até a expedição do ofício requisitório, e de correção monetária, desde a data de cada vencimento, calculados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da elaboração da conta, aplicando-se o IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), com efeitos prospectivos; e, no pagamento de honorários advocatícios no montante de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, consideradas as parcelas vencidas até a data deste julgamento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 28/02/2019
Data da Publicação : 14/03/2019
Classe/Assunto : AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 10965
Órgão Julgador : TERCEIRA SEÇÃO
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/03/2019 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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