TRF3 0002487-58.2008.4.03.6105 00024875820084036105
PROCESSUAL CIVIL. QUESTÃO DE ORDEM. NOVO JULGAMENTO. CIVIL. SFH. REVISÃO
CONTRATUAL. CERCEAMENTO DE DEFESA: INOCORRÊNCIA. LIVRE CONVENCIMENTO
MOTIVADO. INDEVIDA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. AMORTIZAÇÃO NEGATIVA:
OCORRÊNCIA. COBRANÇA DO CES: ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE EXPRESSA
PREVISÃO CONTRATUAL. INVERSÃO DA ORDEM DE AMORTIZAÇÃO DA DÍVIDA:
IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA TR COMO ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO DO
SALDO DEVEDOR: LEGALIDADE. NORMAS DO CDC: INAPLICABILIDADE. CONTRATO COM
PREVISÃO DE COBERTURA DO SALDO DEVEDOR PELO FCVS. IMPOSIÇÃO DE SEGURO
HABITACIONAL. CARACTERIZAÇÃO DE "VENDA CASADA". HONORÁRIOS RECURSAIS:
NÃO CABIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Proposta questão de ordem de vez que constatado o impedimento do
Exmo. Des. Fed. Valdeci dos Santos para julgar o presente feito, tendo
em vista ser o prolator da sentença, impondo-se, assim, a anulação do
acórdão de fls. 836/837 e verso, submetendo a apelação a novo julgamento.
2. A prova pericial requerida pelos apelantes foi produzida e sobre o laudo
foi concedida oportunidade de manifestação. Não obstante, a perícia não
vincula o Juízo, que pode formar sua convicção a partir de outros elementos
presentes nos autos, de acordo com o princípio do livre convencimento
motivado. Precedente.
3. A amortização negativa é fenômeno ocorre nos casos em que há
discrepância entre o critério de correção monetária do saldo devedor e a
atualização das prestações mensais, de acordo com a variação salarial
da categoria profissional do mutuário, definidos no Plano de Equivalência
Salarial - PES.
4. Se as prestações são corrigidas por índices inferiores àqueles
utilizados para a atualização do saldo devedor, há uma tendência, com
o passar do tempo, de que o valor pago mensalmente não seja suficiente
sequer para cobrir a parcela referente aos juros, o que, por consequência,
também não amortiza o principal, ocorrendo o que se convencionou denominar
amortização negativa.
5. Para se evitar tal situação, que onera por demais o mutuário, adotou-se
a prática de se determinar a realização de conta em separado quando da
ocorrência de amortização negativa, incidindo sobre estes valores somente
correção monetária e sua posterior capitalização anual.
6. Não há dúvidas quanto à legitimidade dessa conduta, considerando-se que
a cobrança de juros sobre juros é vedada nos contratos de financiamento
regulados pelo Sistema Financeiro de Habitação, mesmo que livremente
pactuada entre as partes contratantes, conforme dispõe a Súmula 121 do
Supremo Tribunal Federal: "É vedada a capitalização de juros, ainda que
expressamente convencionada". Precedente.
7. No caso dos autos, o laudo pericial contábil, embora reconheça que a
aplicação da Tabela Price, por si só, não implica a capitalização de
juros, identifica a ocorrência de amortização negativa na evolução do
saldo devedor do contrato.
8. É legítima a cobrança do CES, se há previsão no contrato
firmado. Precedente.
9. No caso em exame, o contrato firmado não conta com expressa previsão
para a cobrança do CES.
10. A correção do saldo devedor deve ocorrer antes da amortização
das prestações, a fim de que seja mantido o valor real do dinheiro
emprestado. Precedente obrigatório.
11. O Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ADIn nº 493/DF, para
declarar a inconstitucionalidade dos artigos 18, caput e parágrafos 1º
e 4º; 20; 21 e parágrafo único; 23 e parágrafos; e 24 e parágrafos,
todos da Lei nº 8.177, de 01 de maio de 1991. Assim , não houve proibição
de ser utilizada a TR como índice de correção, mas apenas impedimento à
aplicação da TR no lugar de índices de correção monetária estipulados
em contratos antes da Lei nº 8.177/1991. Precedente.
12. Sendo estabelecido em contrato o índice aplicável às cadernetas de
poupança, é legítima a utilização da TR como índice de correção
monetária do saldo devedor, mesmo naqueles firmados anteriormente à
vigência da Lei nº 8.177/1991. Precedente obrigatório.
13. Aos contratos vinculados ao SFH que contem com previsão de cobertura
do saldo devedor residual pelo FCVS não se aplicam as normas do Código de
Defesa do Consumidor. Precedente.
14. A norma prevista no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor não
se aplica aos contratos de mútuo habitacional vinculados ao SFH, em face
da existência de legislação específica sobre o assunto. Desse modo, o
ressarcimento de valores eventualmente pagos a maior, no âmbito dos contratos
vinculados ao SFH, dá-se por meio da compensação com prestações vincendas
ou da restituição do saldo remanescente, quando existente, nos termos do
artigo 23 da Lei nº 8.004/1990.
15. Embora seja necessária a contratação do seguro habitacional, o
mutuário não está obrigado a fazê-lo com o próprio agente financeiro ou
seguradora por este indicada, sob pena de se caracterizar a "venda casada",
prática vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. Precedente obrigatório.
16. A apólice anteriormente contratada gerou efeitos jurídicos, não sendo
possível anulá-los, pois a cobertura é obrigatória e o mutuário dela
usufruiu. Assim, a partir do trânsito em julgado, deve ser facultado aos
mutuários substituir a cobertura, mediante contratação de seguradora de
sua escolha, preservando-se os efeitos jurídicos da apólice anterior até
a data da efetiva substituição securitária.
17. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos
termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de
Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito
intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada
anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários
sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
18. Questão de ordem acolhida para anular o julgamento anterior. Preliminar
rejeitada. Apelação a que se dá parcial provimento para alterar a
atualização do débito.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. QUESTÃO DE ORDEM. NOVO JULGAMENTO. CIVIL. SFH. REVISÃO
CONTRATUAL. CERCEAMENTO DE DEFESA: INOCORRÊNCIA. LIVRE CONVENCIMENTO
MOTIVADO. INDEVIDA CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. AMORTIZAÇÃO NEGATIVA:
OCORRÊNCIA. COBRANÇA DO CES: ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE EXPRESSA
PREVISÃO CONTRATUAL. INVERSÃO DA ORDEM DE AMORTIZAÇÃO DA DÍVIDA:
IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA TR COMO ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO DO
SALDO DEVEDOR: LEGALIDADE. NORMAS DO CDC: INAPLICABILIDADE. CONTRATO COM
PREVISÃO DE COBERTURA DO SALDO DEVEDOR PELO FCVS. IMPOSIÇÃO DE SEGURO
HABITACIONAL. CARACTERIZAÇÃO DE "VENDA CASADA". HONORÁRIOS RECURSAIS:
NÃO CABIMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Proposta questão de ordem de vez que constatado o impedimento do
Exmo. Des. Fed. Valdeci dos Santos para julgar o presente feito, tendo
em vista ser o prolator da sentença, impondo-se, assim, a anulação do
acórdão de fls. 836/837 e verso, submetendo a apelação a novo julgamento.
2. A prova pericial requerida pelos apelantes foi produzida e sobre o laudo
foi concedida oportunidade de manifestação. Não obstante, a perícia não
vincula o Juízo, que pode formar sua convicção a partir de outros elementos
presentes nos autos, de acordo com o princípio do livre convencimento
motivado. Precedente.
3. A amortização negativa é fenômeno ocorre nos casos em que há
discrepância entre o critério de correção monetária do saldo devedor e a
atualização das prestações mensais, de acordo com a variação salarial
da categoria profissional do mutuário, definidos no Plano de Equivalência
Salarial - PES.
4. Se as prestações são corrigidas por índices inferiores àqueles
utilizados para a atualização do saldo devedor, há uma tendência, com
o passar do tempo, de que o valor pago mensalmente não seja suficiente
sequer para cobrir a parcela referente aos juros, o que, por consequência,
também não amortiza o principal, ocorrendo o que se convencionou denominar
amortização negativa.
5. Para se evitar tal situação, que onera por demais o mutuário, adotou-se
a prática de se determinar a realização de conta em separado quando da
ocorrência de amortização negativa, incidindo sobre estes valores somente
correção monetária e sua posterior capitalização anual.
6. Não há dúvidas quanto à legitimidade dessa conduta, considerando-se que
a cobrança de juros sobre juros é vedada nos contratos de financiamento
regulados pelo Sistema Financeiro de Habitação, mesmo que livremente
pactuada entre as partes contratantes, conforme dispõe a Súmula 121 do
Supremo Tribunal Federal: "É vedada a capitalização de juros, ainda que
expressamente convencionada". Precedente.
7. No caso dos autos, o laudo pericial contábil, embora reconheça que a
aplicação da Tabela Price, por si só, não implica a capitalização de
juros, identifica a ocorrência de amortização negativa na evolução do
saldo devedor do contrato.
8. É legítima a cobrança do CES, se há previsão no contrato
firmado. Precedente.
9. No caso em exame, o contrato firmado não conta com expressa previsão
para a cobrança do CES.
10. A correção do saldo devedor deve ocorrer antes da amortização
das prestações, a fim de que seja mantido o valor real do dinheiro
emprestado. Precedente obrigatório.
11. O Supremo Tribunal Federal julgou procedente a ADIn nº 493/DF, para
declarar a inconstitucionalidade dos artigos 18, caput e parágrafos 1º
e 4º; 20; 21 e parágrafo único; 23 e parágrafos; e 24 e parágrafos,
todos da Lei nº 8.177, de 01 de maio de 1991. Assim , não houve proibição
de ser utilizada a TR como índice de correção, mas apenas impedimento à
aplicação da TR no lugar de índices de correção monetária estipulados
em contratos antes da Lei nº 8.177/1991. Precedente.
12. Sendo estabelecido em contrato o índice aplicável às cadernetas de
poupança, é legítima a utilização da TR como índice de correção
monetária do saldo devedor, mesmo naqueles firmados anteriormente à
vigência da Lei nº 8.177/1991. Precedente obrigatório.
13. Aos contratos vinculados ao SFH que contem com previsão de cobertura
do saldo devedor residual pelo FCVS não se aplicam as normas do Código de
Defesa do Consumidor. Precedente.
14. A norma prevista no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor não
se aplica aos contratos de mútuo habitacional vinculados ao SFH, em face
da existência de legislação específica sobre o assunto. Desse modo, o
ressarcimento de valores eventualmente pagos a maior, no âmbito dos contratos
vinculados ao SFH, dá-se por meio da compensação com prestações vincendas
ou da restituição do saldo remanescente, quando existente, nos termos do
artigo 23 da Lei nº 8.004/1990.
15. Embora seja necessária a contratação do seguro habitacional, o
mutuário não está obrigado a fazê-lo com o próprio agente financeiro ou
seguradora por este indicada, sob pena de se caracterizar a "venda casada",
prática vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. Precedente obrigatório.
16. A apólice anteriormente contratada gerou efeitos jurídicos, não sendo
possível anulá-los, pois a cobertura é obrigatória e o mutuário dela
usufruiu. Assim, a partir do trânsito em julgado, deve ser facultado aos
mutuários substituir a cobertura, mediante contratação de seguradora de
sua escolha, preservando-se os efeitos jurídicos da apólice anterior até
a data da efetiva substituição securitária.
17. Considerando que o recurso foi interposto sob a égide do CPC/1973 e, nos
termos do Enunciado Administrativo nº 7, elaborado pelo Superior Tribunal de
Justiça para orientar a comunidade jurídica acerca da questão do direito
intertemporal, tratando-se de recurso interposto contra decisão publicada
anteriormente a 18/03/2016, não é possível o arbitramento de honorários
sucumbenciais recursais, na forma do artigo 85, § 11, do CPC/2015.
18. Questão de ordem acolhida para anular o julgamento anterior. Preliminar
rejeitada. Apelação a que se dá parcial provimento para alterar a
atualização do débito.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, acolher a questão de ordem para anular o acórdão
de fls. 836/837 e, em novo julgamento, afastar a preliminar arguida e dar
parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
11/07/2017
Data da Publicação
:
19/07/2017
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1845277
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/07/2017
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