TRF3 0002506-41.2016.4.03.6119 00025064120164036119
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO
INTERNACIONAL DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NE BIS IN IDEM
INTERNACIONAL. TRANSNACIONALIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA E
DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA
DROGA. AGRAVANTE DE PROMOÇÃO/ORGANIZAÇÃO DO CRIME PREVISTA NO ARTIGO 62,
I DO CP. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE PREVISTA NO ART. 40,
I DA LEI Nº 11.343/06. CONCURSO MATERIAL. REFORMATIO IN PEJUS.
1. A homologação de sentenças estrangeiras tem finalidade tão somente de
produzir efeitos civis e não criminais. O artigo 9° do Código Penal, ao
qual se reporta o artigo 787 do CPP (o artigo traz referência ao art. 7º do
CP, entretanto houve renumeração pela Lei n° 7.209/84, sendo o atual 9° o
antigo 7º do CP), prevê que a sentença estrangeira, quando a aplicação
da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode ser
homologada no Brasil para obrigar o condenado à reparação do dano, a
restituições e a outros efeitos civis e sujeitá-lo a medida de segurança.
2. A Convenção Única sobre Entorpecentes, promulgada pelo Decreto n°
54.216, de 27 de agosto de 1964 (Convenção de Nova Iorque), dispõe em
seu art. 36, nº 2, letra "a", I, que cada uma das condutas previstas no
tipo penal de ação múltipla, quando praticada em diferentes países,
será considerada um delito distinto. No entanto, como destacado no texto, a
própria Convenção de Nova Iorque excepciona a sua aplicabilidade ao dispor
que devem ser observadas as restrições estabelecidas pelas respectivas
constituições, sistema legal e legislação nacional de cada Parte. A
mesma disposição foi repetida na Convenção contra o Tráfico Ilícito
de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena, 1988)
- Decreto n° 154, de 26/06/1991.
3. Os tratados internacionais que têm como objeto os Direitos Humanos e
que não sejam aprovados com força de emenda constitucional por quórum
qualificado para tanto (art. 5º, 3º da CF), são introduzidos no ordenamento
brasileiro com força de norma supralegal, ou seja, acima das leis ordinárias
e abaixo da Constituição, como decidido pelo STF no RE 466.343-1/SP.
4. O ne bis idem está positivado no ordenamento jurídico brasileiro, por
meio do art. 14, §7º, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,
em vigor para o Brasil (Decreto 592/1992), o qual estabelece que "7. Ninguém
poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido
ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e
os procedimentos penais de cada país". A Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), do qual o Brasil é signatário,
promulgada aqui pelo Decreto 678/1992, assim estipula em seu artigo 8º,
§4: "O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser
submetido a novo processo pelos mesmos fatos". O art. 7º da Convenção
Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior -
Convenção de Manágua de 1993 (Decreto 5.919/2006) também afirma o
princípio non bis in idem ao estatuir que: "a pessoa sentenciada que for
transferida conforme previsto nesta Convenção não poderá ser detida,
processada ou condenada novamente no Estado receptor pelo mesmo delito que
motivou a sentença imposta pelo Estado sentenciador". O princípio igualmente
vem estampado no art. 9º da Convenção Interamericana sobre Assistência
Mútua em Matéria Penal - Convenção de Nassau de 1992 (Decreto 6.340/2008):
"O Estado requerido poderá recusar a assistência quando, em sua opinião:
a) o pedido de assistência for usado com o objetivo de julgar uma pessoa
por um delito pelo qual essa pessoa já tiver sido previamente condenada ou
absolvida num processo no Estado requerente ou requerido."
5. Há normas supralegais que obstaculizam a aplicação do art. 36, nº 2,
letra "a", I, da Convenção Única sobre Entorpecentes promulgada pelo
Decreto n° 54.216, de 27 de agosto de 1964 (Convenção de Nova Iorque).
6. O artigo 8° do Código Penal se aplica tão somente aos casos de
extraterritorialidade incondicionada prevista no artigo 7°, I, do CP,
quando a nossa lei alcança os crimes praticados no estrangeiro sem que seja
observada qualquer condição, pouco importando se o criminoso foi condenado,
absolvido ou processado no estrangeiro.
7. O artigo 8° do CP não evita dois processos ou duas condenações. Há
dois julgamentos em dois países distintos, portanto é um caso excepcional
em que se tolera o bis in idem.
9. Na hipótese, é patente que não foram preenchidos todos os requisitos
exigidos pelo artigo 7°, II do CP.
10. Conforme é possível verificar à fl. 467 da sentença proferida na
Espanha, acostada traduzida aos autos, os réus foram denunciados por um delito
contra a saúde pública previsto no artigo 368 parágrafo primeiro e 369, 1,
5° do Código Penal Espanhol. Portanto, deve ser acolhida a preliminar da
defesa de "bis in idem", que, todavia, se limita apenas quanto ao tráfico
transnacional de entorpecentes, relativamente à prisão em flagrante da
"mula" SIMONE, com 2.280g (dois mil duzentos e oitenta gramas - massa bruta)
de cocaína e do próprio réu, ambas ocorridas no aeroporto de Barajas,
em Madrid.
11. A defesa não se insurgiu quanto à autoria ou a materialidade do delito
previsto nos arts. 33, caput , c. c. art. 40, I, da Lei n° 11.343, pelo que
restam incontroversas. Ademais, não se verifica a existência de qualquer
ilegalidade a ser corrigida de ofício por este Tribunal.
12. Autoria e materialidade comprovadas quanto ao delito autônomo previsto
no artigo 35, da Lei 11.343/06.
13. Dosimetria do crime de associação para o tráfico.
14. O crime previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/06 é um crime formal e
se perfaz sem a necessidade da efetiva circulação de drogas, bastando uma
associação, estável e permanente, com o intuito de traficar drogas. Caso
ocorra a efetiva comercialização do entorpecente pela associação criminosa,
como é o caso, há um maior aviltamento do bem jurídico tutelado, pois a
circulação das drogas coloca em xeque a paz e saúde públicas diante do
efeito disruptivo e desagregador do comércio do entorpecente.
15. Trata-se de réu primário, que não ostenta maus antecedentes, as
demais circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não lhe são
desfavoráveis e sopesando o fato de ter sido acolhida a preliminar de
"bis in idem" quanto a um dos tráficos transnacionais de entorpecentes e
que a quantidade total de drogas apreendidas foi considerada na fixação da
pena-base, é forçoso reduzir o "quantum" arbitrado pelo magistrado "a quo",
de forma que a pena-base deve ser reduzida do patamar fixado pela sentença
apelada, mas majorada na fração de 1/5 em relação ao mínimo legal e
fixada em 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de reclusão e 840
(oitocentos e quarenta) dias-multa.
16. De toda a instrução processual, restou claro que o réu responsável
pela associação criminosa. Ausentes atenuantes e considerando a agravante
do artigo 62, I do CP, na fração de 1/6 (um sexto), a pena do réu
S.O.D.S. resta fixada em 4 (quatro) anos, 2 (dois) meses e 12 (doze) dias
de reclusão e 980 (novecentos e oitenta) dias-multa.
17. Aplicada com acerto a causa de aumento da internacionalidade, prevista no
art. 40, inciso I, da Lei 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto),
pois presente uma única causa de aumento do referido dispositivo.
18. Resta fixada a pena para o crime previsto no artigo 35, da Lei n°
11.343/2006, em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 24 (vinte e quatro) dias de
reclusão. Nesse ponto, a multa proporcional à pena de reclusão deveria ter
sido fixada em 1143 (um mil cento e quarenta e três) dias-multa. Todavia, o
magistrado "a quo" a fixou em 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa,
abaixo até do mínimo legal. Contudo, a apelo da acusação não abarca
tal questão, de forma que deve ser mantida nesse patamar.
19. Dosimetria da pena do crime de tráfico internacional de entorpecentes.
20. Trata-se de réu primário, que não ostenta maus antecedentes, bem como
as demais circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não lhes
são desfavoráveis e sopesando a quantidade da droga apreendida, (2.019
gramas de cocaína - massa líquida), a pena-base deve ser majorada em 1/6
(um sexto), restando estabelecida em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de
reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
21. O tráfico transnacional de entorpecentes e a associação para o tráfico
são delitos autônomos, que pressupõem dolos e condutas distintas, podendo
um ocorrer independentemente do outro, não há, portanto, que sequer se
cogitar em bis in idem, este um dos princípios fundamentais do direito penal
nacional e internacional, que veda a dupla incriminação. Tal princípio
proíbe que uma pessoa seja processada, julgada e condenada mais de uma
vez pela mesma conduta. Irretocável, portanto, a sentença neste ponto e,
portanto, deve incidir a agravante prevista no artigo 62, I do CP. Assim,
considerando a agravante na fração de 1/6 (um sexto), a pena na fase
intermediária resta fixada em 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte)
dias de reclusão, e 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa.
22. Mantida a majoração da pena em decorrência da causa de aumento prevista
no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06 ( transnacionalidade do delito),
em 1/6.
23. O acusado também respondem, nestes autos, pela prática do crime previsto
no art. 35 c/c art.40, I, da Lei nº 11.343/06. É pacífica a jurisprudência
quanto à impossibilidade de se aplicar a referida causa de diminuição quando
também se imputa ao Réu a prática do crime previsto no art. 35 da Lei de
Drogas, eis que patente que se dedica às atividades criminosas. Portanto,
não como aplicar a causa de diminuição do art.33, §4º, da Lei de Drogas.
24. Assim, resta fixada a pena definitiva em 7 (sete) anos, 11 (onze) meses
e 8 (oito) dias de reclusão e 793 (setecentos e noventa e três) dias-multa.
25. Reconhecido o concurso material entre os delitos de associação para
o tráfico e tráfico de entorpecentes, a pena imposta totaliza 12 (doze)
anos, 10 (dez) meses e 02 (dois) dias de reclusão e 1376 (um mil, trezentos
e setenta e seis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo)
do salário mínimo, vigente na data dos fatos.
26. A sentença proferida pelo Juízo "a quo" julgou procedente o pedido
formulado na denúncia para condenar o réu S.O.D.S. pela prática do crime
previsto no art. 33, caput, (por duas vezes) e art. 35, ambos c/c art. 40,
I, todos da Lei 11.343/2006, à pena privativa de liberdade de 15 (quinze)
anos, 04 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial
fechado, observando-se a necessidade da dedução da pena efetivamente
cumprida em território espanhol (cf. sentença de fls. 216/226), bem como
ao pagamento de 1.535 (um mil quinhentos e trinta e cinco) dias-multa,
ao valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos
fatos. Ocorre que a referida sentença proferida pela Justiça Espanhola
prevê que a punição do réu naquele país seria de 06 (seis) anos e 01
(um) dia de prisão. Em que pese, como retro mencionado, a ausência de
uma confirmação do trânsito em julgado da referida sentença, foi esta
a pena estabelecida na sentença espanhola e, descontada daquela constante
da sentença apelada, resta um lapso temporal de 09 (nove) anos, 04 (quatro)
meses e 09 (nove) dias. Em consequência, ao acolher o pedido de "bis in idem"
suscitado em preliminar pela defesa do réu, o resultado prático ofende o
artigo 617 do Código de Processo Penal, que assim estabelece: "O tribunal,
câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383,
386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena,
quando somente o réu houver apelado da sentença".
27. Como a acusação não apelou quanto ao ponto, restringindo seu recurso
quanto ao pleito de que seja afastado o reconhecimento da continuidade
delitiva em relação aos crimes de tráfico internacional de entorpecentes,
aplicando-se o concurso material, reitera-se que não é possível agravar
a pena do réu em recurso exclusivo de defesa, pelo que a pena definitiva
do réu deve ser fixada em 09 (nove) anos, 04 (quatro) meses e 09 (nove)
dias de reclusão e 1376 (um mil, trezentos e setenta e seis) dias-multa,
no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente na
data dos fatos.
28. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos, na medida em que a pena definitiva supera quatro
anos de reclusão e, portanto, não preenche os requisitos do art. 44 do
Código Penal.
29. A sentença fixou o regime inicial fechado, o qual deve ser mantido,
nos termos do art. 33, § 2º, "a", do Código Penal.
30. Concedida a isenção de custas processuais.
Ementa
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO
INTERNACIONAL DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NE BIS IN IDEM
INTERNACIONAL. TRANSNACIONALIDADE. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA E
DOLO DEMONSTRADOS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA
DROGA. AGRAVANTE DE PROMOÇÃO/ORGANIZAÇÃO DO CRIME PREVISTA NO ARTIGO 62,
I DO CP. CAUSA DE AUMENTO DECORRENTE DA TRANSNACIONALIDADE PREVISTA NO ART. 40,
I DA LEI Nº 11.343/06. CONCURSO MATERIAL. REFORMATIO IN PEJUS.
1. A homologação de sentenças estrangeiras tem finalidade tão somente de
produzir efeitos civis e não criminais. O artigo 9° do Código Penal, ao
qual se reporta o artigo 787 do CPP (o artigo traz referência ao art. 7º do
CP, entretanto houve renumeração pela Lei n° 7.209/84, sendo o atual 9° o
antigo 7º do CP), prevê que a sentença estrangeira, quando a aplicação
da lei brasileira produz na espécie as mesmas consequências, pode ser
homologada no Brasil para obrigar o condenado à reparação do dano, a
restituições e a outros efeitos civis e sujeitá-lo a medida de segurança.
2. A Convenção Única sobre Entorpecentes, promulgada pelo Decreto n°
54.216, de 27 de agosto de 1964 (Convenção de Nova Iorque), dispõe em
seu art. 36, nº 2, letra "a", I, que cada uma das condutas previstas no
tipo penal de ação múltipla, quando praticada em diferentes países,
será considerada um delito distinto. No entanto, como destacado no texto, a
própria Convenção de Nova Iorque excepciona a sua aplicabilidade ao dispor
que devem ser observadas as restrições estabelecidas pelas respectivas
constituições, sistema legal e legislação nacional de cada Parte. A
mesma disposição foi repetida na Convenção contra o Tráfico Ilícito
de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena, 1988)
- Decreto n° 154, de 26/06/1991.
3. Os tratados internacionais que têm como objeto os Direitos Humanos e
que não sejam aprovados com força de emenda constitucional por quórum
qualificado para tanto (art. 5º, 3º da CF), são introduzidos no ordenamento
brasileiro com força de norma supralegal, ou seja, acima das leis ordinárias
e abaixo da Constituição, como decidido pelo STF no RE 466.343-1/SP.
4. O ne bis idem está positivado no ordenamento jurídico brasileiro, por
meio do art. 14, §7º, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,
em vigor para o Brasil (Decreto 592/1992), o qual estabelece que "7. Ninguém
poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido
ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e
os procedimentos penais de cada país". A Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), do qual o Brasil é signatário,
promulgada aqui pelo Decreto 678/1992, assim estipula em seu artigo 8º,
§4: "O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser
submetido a novo processo pelos mesmos fatos". O art. 7º da Convenção
Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior -
Convenção de Manágua de 1993 (Decreto 5.919/2006) também afirma o
princípio non bis in idem ao estatuir que: "a pessoa sentenciada que for
transferida conforme previsto nesta Convenção não poderá ser detida,
processada ou condenada novamente no Estado receptor pelo mesmo delito que
motivou a sentença imposta pelo Estado sentenciador". O princípio igualmente
vem estampado no art. 9º da Convenção Interamericana sobre Assistência
Mútua em Matéria Penal - Convenção de Nassau de 1992 (Decreto 6.340/2008):
"O Estado requerido poderá recusar a assistência quando, em sua opinião:
a) o pedido de assistência for usado com o objetivo de julgar uma pessoa
por um delito pelo qual essa pessoa já tiver sido previamente condenada ou
absolvida num processo no Estado requerente ou requerido."
5. Há normas supralegais que obstaculizam a aplicação do art. 36, nº 2,
letra "a", I, da Convenção Única sobre Entorpecentes promulgada pelo
Decreto n° 54.216, de 27 de agosto de 1964 (Convenção de Nova Iorque).
6. O artigo 8° do Código Penal se aplica tão somente aos casos de
extraterritorialidade incondicionada prevista no artigo 7°, I, do CP,
quando a nossa lei alcança os crimes praticados no estrangeiro sem que seja
observada qualquer condição, pouco importando se o criminoso foi condenado,
absolvido ou processado no estrangeiro.
7. O artigo 8° do CP não evita dois processos ou duas condenações. Há
dois julgamentos em dois países distintos, portanto é um caso excepcional
em que se tolera o bis in idem.
9. Na hipótese, é patente que não foram preenchidos todos os requisitos
exigidos pelo artigo 7°, II do CP.
10. Conforme é possível verificar à fl. 467 da sentença proferida na
Espanha, acostada traduzida aos autos, os réus foram denunciados por um delito
contra a saúde pública previsto no artigo 368 parágrafo primeiro e 369, 1,
5° do Código Penal Espanhol. Portanto, deve ser acolhida a preliminar da
defesa de "bis in idem", que, todavia, se limita apenas quanto ao tráfico
transnacional de entorpecentes, relativamente à prisão em flagrante da
"mula" SIMONE, com 2.280g (dois mil duzentos e oitenta gramas - massa bruta)
de cocaína e do próprio réu, ambas ocorridas no aeroporto de Barajas,
em Madrid.
11. A defesa não se insurgiu quanto à autoria ou a materialidade do delito
previsto nos arts. 33, caput , c. c. art. 40, I, da Lei n° 11.343, pelo que
restam incontroversas. Ademais, não se verifica a existência de qualquer
ilegalidade a ser corrigida de ofício por este Tribunal.
12. Autoria e materialidade comprovadas quanto ao delito autônomo previsto
no artigo 35, da Lei 11.343/06.
13. Dosimetria do crime de associação para o tráfico.
14. O crime previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/06 é um crime formal e
se perfaz sem a necessidade da efetiva circulação de drogas, bastando uma
associação, estável e permanente, com o intuito de traficar drogas. Caso
ocorra a efetiva comercialização do entorpecente pela associação criminosa,
como é o caso, há um maior aviltamento do bem jurídico tutelado, pois a
circulação das drogas coloca em xeque a paz e saúde públicas diante do
efeito disruptivo e desagregador do comércio do entorpecente.
15. Trata-se de réu primário, que não ostenta maus antecedentes, as
demais circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não lhe são
desfavoráveis e sopesando o fato de ter sido acolhida a preliminar de
"bis in idem" quanto a um dos tráficos transnacionais de entorpecentes e
que a quantidade total de drogas apreendidas foi considerada na fixação da
pena-base, é forçoso reduzir o "quantum" arbitrado pelo magistrado "a quo",
de forma que a pena-base deve ser reduzida do patamar fixado pela sentença
apelada, mas majorada na fração de 1/5 em relação ao mínimo legal e
fixada em 3 (três) anos, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de reclusão e 840
(oitocentos e quarenta) dias-multa.
16. De toda a instrução processual, restou claro que o réu responsável
pela associação criminosa. Ausentes atenuantes e considerando a agravante
do artigo 62, I do CP, na fração de 1/6 (um sexto), a pena do réu
S.O.D.S. resta fixada em 4 (quatro) anos, 2 (dois) meses e 12 (doze) dias
de reclusão e 980 (novecentos e oitenta) dias-multa.
17. Aplicada com acerto a causa de aumento da internacionalidade, prevista no
art. 40, inciso I, da Lei 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto),
pois presente uma única causa de aumento do referido dispositivo.
18. Resta fixada a pena para o crime previsto no artigo 35, da Lei n°
11.343/2006, em 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 24 (vinte e quatro) dias de
reclusão. Nesse ponto, a multa proporcional à pena de reclusão deveria ter
sido fixada em 1143 (um mil cento e quarenta e três) dias-multa. Todavia, o
magistrado "a quo" a fixou em 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa,
abaixo até do mínimo legal. Contudo, a apelo da acusação não abarca
tal questão, de forma que deve ser mantida nesse patamar.
19. Dosimetria da pena do crime de tráfico internacional de entorpecentes.
20. Trata-se de réu primário, que não ostenta maus antecedentes, bem como
as demais circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não lhes
são desfavoráveis e sopesando a quantidade da droga apreendida, (2.019
gramas de cocaína - massa líquida), a pena-base deve ser majorada em 1/6
(um sexto), restando estabelecida em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de
reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
21. O tráfico transnacional de entorpecentes e a associação para o tráfico
são delitos autônomos, que pressupõem dolos e condutas distintas, podendo
um ocorrer independentemente do outro, não há, portanto, que sequer se
cogitar em bis in idem, este um dos princípios fundamentais do direito penal
nacional e internacional, que veda a dupla incriminação. Tal princípio
proíbe que uma pessoa seja processada, julgada e condenada mais de uma
vez pela mesma conduta. Irretocável, portanto, a sentença neste ponto e,
portanto, deve incidir a agravante prevista no artigo 62, I do CP. Assim,
considerando a agravante na fração de 1/6 (um sexto), a pena na fase
intermediária resta fixada em 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte)
dias de reclusão, e 680 (seiscentos e oitenta) dias-multa.
22. Mantida a majoração da pena em decorrência da causa de aumento prevista
no art. 40, inciso I, da Lei n.º 11.343/06 ( transnacionalidade do delito),
em 1/6.
23. O acusado também respondem, nestes autos, pela prática do crime previsto
no art. 35 c/c art.40, I, da Lei nº 11.343/06. É pacífica a jurisprudência
quanto à impossibilidade de se aplicar a referida causa de diminuição quando
também se imputa ao Réu a prática do crime previsto no art. 35 da Lei de
Drogas, eis que patente que se dedica às atividades criminosas. Portanto,
não como aplicar a causa de diminuição do art.33, §4º, da Lei de Drogas.
24. Assim, resta fixada a pena definitiva em 7 (sete) anos, 11 (onze) meses
e 8 (oito) dias de reclusão e 793 (setecentos e noventa e três) dias-multa.
25. Reconhecido o concurso material entre os delitos de associação para
o tráfico e tráfico de entorpecentes, a pena imposta totaliza 12 (doze)
anos, 10 (dez) meses e 02 (dois) dias de reclusão e 1376 (um mil, trezentos
e setenta e seis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo)
do salário mínimo, vigente na data dos fatos.
26. A sentença proferida pelo Juízo "a quo" julgou procedente o pedido
formulado na denúncia para condenar o réu S.O.D.S. pela prática do crime
previsto no art. 33, caput, (por duas vezes) e art. 35, ambos c/c art. 40,
I, todos da Lei 11.343/2006, à pena privativa de liberdade de 15 (quinze)
anos, 04 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial
fechado, observando-se a necessidade da dedução da pena efetivamente
cumprida em território espanhol (cf. sentença de fls. 216/226), bem como
ao pagamento de 1.535 (um mil quinhentos e trinta e cinco) dias-multa,
ao valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos
fatos. Ocorre que a referida sentença proferida pela Justiça Espanhola
prevê que a punição do réu naquele país seria de 06 (seis) anos e 01
(um) dia de prisão. Em que pese, como retro mencionado, a ausência de
uma confirmação do trânsito em julgado da referida sentença, foi esta
a pena estabelecida na sentença espanhola e, descontada daquela constante
da sentença apelada, resta um lapso temporal de 09 (nove) anos, 04 (quatro)
meses e 09 (nove) dias. Em consequência, ao acolher o pedido de "bis in idem"
suscitado em preliminar pela defesa do réu, o resultado prático ofende o
artigo 617 do Código de Processo Penal, que assim estabelece: "O tribunal,
câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383,
386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena,
quando somente o réu houver apelado da sentença".
27. Como a acusação não apelou quanto ao ponto, restringindo seu recurso
quanto ao pleito de que seja afastado o reconhecimento da continuidade
delitiva em relação aos crimes de tráfico internacional de entorpecentes,
aplicando-se o concurso material, reitera-se que não é possível agravar
a pena do réu em recurso exclusivo de defesa, pelo que a pena definitiva
do réu deve ser fixada em 09 (nove) anos, 04 (quatro) meses e 09 (nove)
dias de reclusão e 1376 (um mil, trezentos e setenta e seis) dias-multa,
no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, vigente na
data dos fatos.
28. Não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos, na medida em que a pena definitiva supera quatro
anos de reclusão e, portanto, não preenche os requisitos do art. 44 do
Código Penal.
29. A sentença fixou o regime inicial fechado, o qual deve ser mantido,
nos termos do art. 33, § 2º, "a", do Código Penal.
30. Concedida a isenção de custas processuais.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, em acolher parcialmente a preliminar de "ne bis in idem"
internacional em apelação da defesa de S.O.D.S., e dar parcial provimento
ao seu apelo, apenas para reduzir a pena-base e, para não incorrer em
"reformatio in pejus", limitar a pena do réu a 09 (nove) anos, 04 (quatro)
meses e 09 (nove) dias de reclusão, no regime inicial fechado e 1376 (um
mil, trezentos e setenta e seis) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um
trigésimo) do salário mínimo, vigente na data dos fatos, pela prática dos
crimes previstos nos artigos 33 e 35, ambos c/c 40, I da Lei n° 11.343/2006;
prejudicada a apelação da acusação, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
07/08/2018
Data da Publicação
:
14/08/2018
Classe/Assunto
:
Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 74290
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
JUIZ CONVOCADO FERREIRA DA ROCHA
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940
LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-62 INC-1 ART-9 ART-7 INC-1 INC-2 ART-8 ART-59
ART-44 ART-33 PAR-2 LET-A
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-787 ART-617 ART-383 ART-386 ART-387
LEG-FED LEI-7209 ANO-1984
LEG-FED DEC-54216 ANO-1964 ART-36 NUM-2 LET-A INC-1
LEG-FED DEC-154 ANO-1991
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-5 ART-3
***** PIDCP-66 PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS
LEG-FED ANO-1966 ART-14 PAR-7
LEG-FED DEC-592 ANO-1992
***** CADH-69 CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS
LEG-FED ANO-1969
LEG-FED DEC-678 ANO-1992 ART-8 PAR-4
LEG-FED DEC-5919 ANO-2006
LEG-FED DEC-6340 ANO-2008
***** LDR-06 LEI DE DROGAS
LEG-FED LEI-11343 ANO-2006 ART-40 INC-1 ART-33 PAR-4 ART-35
Observações
:
CONVENÇÃO INTERAMERICANA SOBRE CUMPRIMENTO DE SENTENÇAS PENAIS NO
EXTERIOR - CONVENÇÃO DE MANÁGUA - ART. 7.
CONVENÇÃO DE NASSAU/ 1992.
ART 368 E 369, 1 DO CÓDIGO PENAL ESPANHOL
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/08/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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