TRF3 0002630-62.2009.4.03.6121 00026306220094036121
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - USUCAPIÃO
- CONVERSÃO DA DETENÇÃO EM POSSE - POSSIBILIDADE - PROVA - SUCESSÃO DA
POSSE AD USUCAPIONEM - PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO CARÁTER DA POSSE -
AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO - FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE - RECURSO PROVIDO -
PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.
I - Inocorrência de cerceamento de defesa, pois, pelas citações das
pessoas indicadas, é possível concluir que ou não foram encontradas ou
já não mais existiam à época.
II - A sentença, com base na manifestação do MPF, menciona a existência de
oposição à posse dos autores, reportando-se, para tanto, a Notificações
ou Ações de Reintegração de Posse intentadas pela então proprietária
do imóvel. Contudo, o juízo de origem não atentou que a ação de
reintegração de posse da ré foi ajuizada meses depois da propositura
da ação de usucapião pelos autores. Considerando a data do ajuizamento
desta demanda - posterior à de usucapião - é possível concluir que não
influenciou no tempo de posse anterior, afastando-se, pois, eventual oposição
àquela, uma vez que já sedimentada no tempo. Além de a requerida nunca
ter tido a posse fática do bem imóvel - confirmada pela decisão judicial -
acabou por intentar uma medida judicial equivocada (reintegração sem posse
anterior), considerada processualmente inepta, no simples propósito de
forjar uma hipotética oposição à posse dos autores. Entrementes, só se
considera oposição aquele ato praticado no curso na posse dos autores, ou
seja, durante o exercício fático da posse, a ponto de impedir eficazmente o
decurso de tempo necessário para a prescrição aquisitiva. Da mesma forma,
não interrompe a prescrição e também não se constitui como oposição
a contestação feita na ação de usucapião.
III - Nosso ordenamento civil-constitucional admite a modificação da natureza
da posse com o passar dos tempos, a depender de circunstâncias específicas
a serem analisadas. Assim, em se tratando de detenção, não se verificando
mais a existência de laços jurídicos entre o proprietário e o detentor -
seja por morte daquele, por efetivo abandono ou outra causa justificável -
o que era simples relação de detenção pode sim ser convolada em posse
jurídica, que é a posse sem vícios.
IV - A figura do detentor está descrita no art. 1.198 do Código Civil,
sendo aquela pessoa que mantém um vínculo de dependência para com
o proprietário, denominado também como fâmulo da posse. Entretanto,
o parágrafo único do dispositivo citado aduz que "aquele que começou a
comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à
outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário". Melhor
dizendo, rompendo-se por alguma razão a relação jurídica presumida de
detenção, e prolongando-se o exercício fático de ocupação, o ato se
configura em posse. Consequentemente, havendo comprovação de uma relação
jurídica inicial de detenção transmudada em posse, não haverá obstáculo
à pretensão de aquisição pela prescrição aquisitiva. Precedentes.
V - A posse dos ora apelantes se protraiu no tempo ao longo de 35 anos
contínuos, iniciada por atos do falecido Isaias Juvenal dos Santos, juntamente
com sua família. Após seu falecimento, a posse teve sua continuidade por
meio seu filho Ignácio dos Santos, até que este também veio a falecer
em 1996, sendo que todos os herdeiros dos primeiros acabaram por intentar a
presente ação de usucapião no ano de 1999. A posse/detenção iniciada por
Isaías Juvenal não sofreu interrupção, eis que seus herdeiros a sucederam,
na forma admitida pelo art. 1.206 do Código Civil - posto que a posse seja
transmissível aos herdeiros com os mesmos caracteres anteriores, ou seja,
sem os vícios de violência, clandestinidade ou precariedade. Assim, os
sucessores prosseguiram de direito na mesma posse do antecessor, a título
universal, nos moldes do art. 1.207 do mesmo Código, o que permite concluir
no sentido de que os Apelantes/Autores vêm exercendo a posse ad usucapionem
com animus domini, de forma mansa e pacífica, afastada que ficou a hipótese
de ocorrência de oposição.
VI - Não há nos autos qualquer outro elemento de oposição à posse dos
Apelantes, afora aqueles fatos já narrados acima, o que torna esta posse -
oriunda de uma original detenção convolada - mansa e pacífica. Por outro
prisma, não há qualquer elemento que demonstre uma relação de dependência
ou de subordinação entre a proprietária atual, filha do antigo titular, e
os ora Apelantes. Tudo mostra nos autos que, após ter recebido o imóvel por
doação dos pais em 01.10.1993, não realizou qualquer ato que demonstrasse
o interesse na obtenção de sua posse, nem mesmo praticou atos típicos
de manutenção de uma relação de permissão/detenção em relação aos
ora Apelantes. Pela escritura juntada aos autos constata-se que a doação
foi realizada para Sônia Minervina e seu irmão, Fernando Minervino, sendo
certo que ambos permaneceram inertes em relação à posse então existente
dos Apelantes.
VII - Neste cenário, os Apelantes prosseguiram na posse do antecessor e
cuidaram do bem imóvel rural, criando animais e realizando a agricultura de
subsistência. A posse e a propriedade têm hoje proteção constitucional
no que respeita à sua função social, onde o título de domínio, por si
só, é mitigado quando confrontado com o exercício de uma posse que possua
características mais relevantes aos interesses sociais, assim prescrito no
parágrafo 2º, do art. 1.228, do Código Civil.
VIII - Unindo-se a todas estas observações acima desponta o fato de que em
nenhum momento a posse dos autores foi negada - mesmo que classificada pela
requerida como simples detenção - e o laudo de constatação elaborado em
Juízo firmou tal circunstância fática, sendo que as testemunhas presentes
no processo também confirmaram os atos possessórios dos ora Apelantes.
IX - Recurso de apelação provido para reconhecer a posse ad usucapionem em
relação ao bem descrito na inicial, declarando o domínio dos autores sobre
este, a fim de que seja procedido o registro imobiliário, restando excluída
a existência de eventual faixa de domínio em relação a bens da União.
Ementa
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - USUCAPIÃO
- CONVERSÃO DA DETENÇÃO EM POSSE - POSSIBILIDADE - PROVA - SUCESSÃO DA
POSSE AD USUCAPIONEM - PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DO CARÁTER DA POSSE -
AUSÊNCIA DE OPOSIÇÃO - FUNÇÃO SOCIAL DA POSSE - RECURSO PROVIDO -
PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.
I - Inocorrência de cerceamento de defesa, pois, pelas citações das
pessoas indicadas, é possível concluir que ou não foram encontradas ou
já não mais existiam à época.
II - A sentença, com base na manifestação do MPF, menciona a existência de
oposição à posse dos autores, reportando-se, para tanto, a Notificações
ou Ações de Reintegração de Posse intentadas pela então proprietária
do imóvel. Contudo, o juízo de origem não atentou que a ação de
reintegração de posse da ré foi ajuizada meses depois da propositura
da ação de usucapião pelos autores. Considerando a data do ajuizamento
desta demanda - posterior à de usucapião - é possível concluir que não
influenciou no tempo de posse anterior, afastando-se, pois, eventual oposição
àquela, uma vez que já sedimentada no tempo. Além de a requerida nunca
ter tido a posse fática do bem imóvel - confirmada pela decisão judicial -
acabou por intentar uma medida judicial equivocada (reintegração sem posse
anterior), considerada processualmente inepta, no simples propósito de
forjar uma hipotética oposição à posse dos autores. Entrementes, só se
considera oposição aquele ato praticado no curso na posse dos autores, ou
seja, durante o exercício fático da posse, a ponto de impedir eficazmente o
decurso de tempo necessário para a prescrição aquisitiva. Da mesma forma,
não interrompe a prescrição e também não se constitui como oposição
a contestação feita na ação de usucapião.
III - Nosso ordenamento civil-constitucional admite a modificação da natureza
da posse com o passar dos tempos, a depender de circunstâncias específicas
a serem analisadas. Assim, em se tratando de detenção, não se verificando
mais a existência de laços jurídicos entre o proprietário e o detentor -
seja por morte daquele, por efetivo abandono ou outra causa justificável -
o que era simples relação de detenção pode sim ser convolada em posse
jurídica, que é a posse sem vícios.
IV - A figura do detentor está descrita no art. 1.198 do Código Civil,
sendo aquela pessoa que mantém um vínculo de dependência para com
o proprietário, denominado também como fâmulo da posse. Entretanto,
o parágrafo único do dispositivo citado aduz que "aquele que começou a
comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à
outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário". Melhor
dizendo, rompendo-se por alguma razão a relação jurídica presumida de
detenção, e prolongando-se o exercício fático de ocupação, o ato se
configura em posse. Consequentemente, havendo comprovação de uma relação
jurídica inicial de detenção transmudada em posse, não haverá obstáculo
à pretensão de aquisição pela prescrição aquisitiva. Precedentes.
V - A posse dos ora apelantes se protraiu no tempo ao longo de 35 anos
contínuos, iniciada por atos do falecido Isaias Juvenal dos Santos, juntamente
com sua família. Após seu falecimento, a posse teve sua continuidade por
meio seu filho Ignácio dos Santos, até que este também veio a falecer
em 1996, sendo que todos os herdeiros dos primeiros acabaram por intentar a
presente ação de usucapião no ano de 1999. A posse/detenção iniciada por
Isaías Juvenal não sofreu interrupção, eis que seus herdeiros a sucederam,
na forma admitida pelo art. 1.206 do Código Civil - posto que a posse seja
transmissível aos herdeiros com os mesmos caracteres anteriores, ou seja,
sem os vícios de violência, clandestinidade ou precariedade. Assim, os
sucessores prosseguiram de direito na mesma posse do antecessor, a título
universal, nos moldes do art. 1.207 do mesmo Código, o que permite concluir
no sentido de que os Apelantes/Autores vêm exercendo a posse ad usucapionem
com animus domini, de forma mansa e pacífica, afastada que ficou a hipótese
de ocorrência de oposição.
VI - Não há nos autos qualquer outro elemento de oposição à posse dos
Apelantes, afora aqueles fatos já narrados acima, o que torna esta posse -
oriunda de uma original detenção convolada - mansa e pacífica. Por outro
prisma, não há qualquer elemento que demonstre uma relação de dependência
ou de subordinação entre a proprietária atual, filha do antigo titular, e
os ora Apelantes. Tudo mostra nos autos que, após ter recebido o imóvel por
doação dos pais em 01.10.1993, não realizou qualquer ato que demonstrasse
o interesse na obtenção de sua posse, nem mesmo praticou atos típicos
de manutenção de uma relação de permissão/detenção em relação aos
ora Apelantes. Pela escritura juntada aos autos constata-se que a doação
foi realizada para Sônia Minervina e seu irmão, Fernando Minervino, sendo
certo que ambos permaneceram inertes em relação à posse então existente
dos Apelantes.
VII - Neste cenário, os Apelantes prosseguiram na posse do antecessor e
cuidaram do bem imóvel rural, criando animais e realizando a agricultura de
subsistência. A posse e a propriedade têm hoje proteção constitucional
no que respeita à sua função social, onde o título de domínio, por si
só, é mitigado quando confrontado com o exercício de uma posse que possua
características mais relevantes aos interesses sociais, assim prescrito no
parágrafo 2º, do art. 1.228, do Código Civil.
VIII - Unindo-se a todas estas observações acima desponta o fato de que em
nenhum momento a posse dos autores foi negada - mesmo que classificada pela
requerida como simples detenção - e o laudo de constatação elaborado em
Juízo firmou tal circunstância fática, sendo que as testemunhas presentes
no processo também confirmaram os atos possessórios dos ora Apelantes.
IX - Recurso de apelação provido para reconhecer a posse ad usucapionem em
relação ao bem descrito na inicial, declarando o domínio dos autores sobre
este, a fim de que seja procedido o registro imobiliário, restando excluída
a existência de eventual faixa de domínio em relação a bens da União.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
29/08/2017
Data da Publicação
:
05/09/2017
Classe/Assunto
:
AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1829493
Órgão Julgador
:
SEGUNDA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CC-02 CÓDIGO CIVIL DE 2002
LEG-FED LEI-10406 ANO-2002 ART-1198 ART-1206 ART-1207 ART-1228 PAR-2
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/09/2017
..FONTE_REPUBLICACAO:
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