TRF3 0002635-37.2011.4.03.6114 00026353720114036114
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CRÉDITOS
TRIBUTÁRIOS DE IRRF A PARTIR DE PAGAMENTOS A TERCEIRO SEM CAUSA
COMPROVADA. ARTIGO 61, §§ 1º A 3º, LEI 8.981/1995. JULGAMENTO
ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PROVA PERICIAL
IRRELEVANTE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AFASTAMENTO. JURISPRUDÊNCIA ASSENTE
NO SENTIDO DE QUE O ARTIGO 135, III, DO CTN, VEICULA RESPONSABILIZAÇÃO
SOLIDÁRIA. OPERAÇÕES DE MÚTUO ENTRE EXECUTADA E CONTROLADA. BLUE CHIP
SWAPS. SIMULAÇÃO. INVESTIGAÇÕES DE CARÁTER PENAL QUE EVIDENCIARAM
COMPLEXO SISTEMA DE LAVAGEM DE DINHEIRO. MAJORAÇÃO PUNITIVA DE
TRIBUTO. CÁLCULO EXACIONAL "POR DENTRO". INOCORRÊNCIA. JUROS SOBRE
MULTA DE OFÍCIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO DE PERCENTUAL AGRAVADO DE
150%. DESCARACTERIZAÇÃO DE EFEITO CONFISCATÓRIO. HONORÁRIOS AO FISCO
EM SEDE DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. INVIABILIDADE. MATÉRIA PACIFICADA EM
RECURSO REPETITIVO.
1. Inocorrente cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da
lide. Primeiramente, porque a prova que, conforme o alegado, pretendia-se
produzir, revela-se desnecessária, uma vez que o prejuízo à embargante,
moral e material, decorrente da conduta de seus administradores restou
amplamente demonstrado nos autos e sequer foi controvertido. Depois, porque
o entendimento firmado pelo Juízo de origem é de que tais fatos não tem
o condão de modificar o polo passivo da cobrança fiscal, como pretende
o contribuinte - sob este enfoque, despicienda a prova, pois desinfluente,
de toda a forma, para o julgamento, a circunstância a ser demonstrada.
2. Desde os julgamentos que resultaram na edição da Súmula 430, em 2010, o
Superior Tribunal de Justiça tem sinalizado que compreende o artigo 135 do CTN
como revelador de responsabilidade solidária. Por vezes, recentemente, a Corte
Superior expressamente rejeitou o entendimento de que o dispositivo em questão
promoveria a exclusão da responsabilidade do devedor originário. Merecem
menção, neste sentido, o AgInt no AREsp 942.940 e o REsp 1.455.490.
3. Tal entendimento não admite conclusão diversa em razão das
particularidades citadas pela embargante em seu recurso - como, por exemplo,
o fato de que os ilícitos praticados por seus administradores não lhe
trouxeram benefício algum, mas, sim, prejuízo. É que a concepção
veiculada pela jurisprudência é a de que o artigo 135, III, do CTN veicula
norma protetiva do Fisco, enquanto credor, e não da pessoa jurídica, face
a abusos de seus gestores - relação de direito privado que, com efeito,
é estranha, a princípio, ao escopo do Código Tributário Nacional.
4. O acervo documental destes autos registra que a embargante foi utilizada
para uma das maiores operações de lavagem de dinheiro da história do país
encetada por uma única empresa, segundo a denúncia ofertada pelo Ministério
Público à Justiça Federal. A peça - encartada ao feito pela própria
embargante - revela, com clareza, o sistema utilizado para remeter numerário
de origem incerta ou sabidamente ilícita para o exterior, estendendo seus
laços até desvios de verbas públicas no âmbito da SUDAM. Causa verdadeira
espécie, portanto, que o contribuinte siga defendendo a legalidade das
operações que geraram o crédito fiscal em cobro.
5. A tese, veiculada em sede administrativa, de que as remessas efetuadas
ao exterior (base da autuação) decorreram de operações de blue chip
swaps, realizadas para que pudesse honrar dívidas de curto prazo, não se
sustenta. Narrou-se que sua controlada no estrangeiro adquiria, a prazo,
títulos no exterior (AGBs, no caso) e cedia-lhes, mediante mútuo, para
que os ativos fossem revendidos no país; com o produto da venda, obtinha
capital de giro e, posteriormente, remetia pagamento ao exterior, para
que sua controlada quitasse a aquisição inicialmente efetuada. Contudo,
nos termos dos documentos carreados ao processo administrativo de origem,
os recursos da venda dos ativos, no mais das vezes, eram repassados ao
estrangeiro no mesmo dia, ou no subsequente, circunstância que, aliada à
completa ausência de demonstração de quais dívidas de curtíssimo prazo
a autuada quitara a cada operação, amparou a conclusão administrativa de
que tal descrição não era verídica.
6. De fato, observa-se que, a operação relatada pouco sentido guarda com a
motivação ventilada para a sua realização. Se a embargante necessitava
de capital em curto prazo, e esta demanda haveria de ser suportada por sua
controlada no exterior - a qual, via de regra, seria ressarcida mediante
remessa de valores -, parece deveras mais linear, célere, seguro e com
o mesmo proveito, que a controlada lhe fizesse um empréstimo. Aliás, a
transação foge ao próprio objetivo primário da realização de uma blue
chip swap - sem adentrar, aqui, no mérito da possibilidade jurídica de tal
operação -, que é justamente gerar disponibilidade de moeda diversa da
detida (de reais para dólares ou o inverso, por exemplo) sem a necessidade
de uma remessa internacional e, consequentemente, operação de câmbio.
7. Nestes autos, arguiu-se que os mútuos de títulos eram realizados, pelo
contrário, para amparar não a executada, mas os braços internacionais de seu
grupo econômico. Sucede que, para além de manifestamente incompatível com
a primeira versão, esta hipótese é igualmente inverossímil: se o objetivo
é obter liquidez no estrangeiro, não se verifica qualquer plausibilidade
em adquirir um título já no exterior, vende-lo no país (à míngua de
qualquer vantagem negocial específica) e submeter o resultado a uma remessa
cambial - caso seria de, simplesmente, revende-lo no exterior, diretamente.
8. Não suficiente, as autoridades administrativas fizeram prova de que
os Argentine Global Bonds em tese comercializados pela apelante no mercado
inicial jamais existiram e, congruentemente, o contribuinte não apresentou à
fiscalização os contratos de mútuo pelos quais sua controlada no exterior
havia lhe cedido tais ativos.
9. A alegada existência de um suposto "contrato-mãe" de conta-corrente
não convalidaria o vício decorrente da inexistência dos ativos
comercializados. Não só, deixaria de suprir a ausência de instrumentos
contratuais específicos para cada título em tese mutuado. A existência
do negócio jurídico em questão, significaria, apenas, que as partes
acordaram em diferir para um momento futuro o cômputo dos creditamentos
e débitos que realizaram em uma conta comum, durante determinado lapso
temporal, para identificar, ao final, qual parte remanesce credora da
outra. Não há porque concluir-se que, neste contexto, não se exigiria
demonstração e escrituração de cada operação - com identificação
da respectiva causa negocial - que ensejou a movimentação desta conta,
para fins fiscais. Assim fosse, o contrato de conta-corrente se prestaria,
precisamente, à lavagem de dinheiro, já que não caberia perquirir a
origem e a causa da remessa de numerário, contanto que justificado o meio
contratual pelo qual, subsequentemente, instrumentalizado o repasse.
10. Inviável dizer que não havia necessidade de instrumentalização dos
mútuos alegadamente realizados, porque não onerosos. Tal assertiva é
válida no que diz respeito à eficácia do negócio jurídico no direito
privado, apenas. A imperatividade de redução a termo, no caso dos autos,
é de vértice tributário, direito público, enquanto documentação
necessária para o controle fiscal da atividade econômica da empresa. A
situação é de todo análoga à necessidade de registro público prévio
de negócio jurídico que se deseja opor a terceiros.
11. Descabida a alegação de que o Juízo de origem desconsiderou os
negócios jurídicos praticados, em manejo indevido do parágrafo único
do artigo 116 do CTN, ainda não regulamentado. Não se está diante de
negócio jurídico indireto, ou qualquer forma de conjugação de contratos,
individualmente válidos, para atingir-se, ao final, determinado resultado
útil que supera o escopo de cada operação isolada - comumente, elisão
tributária. A espécie, em verdade, evidencia negócios jurídicos inválidos,
por qualquer prisma que se adote; logo, o caso é de evasão tributária: não
se está desconsiderando os mútuos, haja vista que de fato não ocorreram. Tal
conclusão evidentemente não está defesa ao Juízo, e independe de qualquer
discussão da eficácia do parágrafo único artigo 116 do CTN (inclusive
quanto a tratar-se de norma antielisiva ou antievasiva), pois é alcançada
diretamente a partir dos institutos, formas e conceitos do direito privado,
com fulcro no artigo 109 do CTN.
12. A tese de que a controlada no estrangeiro, para quem repassados os
valores, não seria terceira (para fim de aplicação do § 1º do artigo
61 da Lei 8.981/1995), igualmente não vinga. Com efeito, trata-se de ente
dotado de personalidade e capacidade jurídica distintas da executada e
de objeto societário diverso. Esta suscitação do apelo do contribuinte
é, inclusive, contraditória face aos argumentos da embargante: se a
controlada não fosse considerada terceira, então com mais razão haveria
que se concluir pela simulação de mútuo, já que o contribuinte haveria,
então, contratado consigo próprio (sendo que, pela própria definição
de negócio jurídico como encontro de vontades, o autocontrato apenas é
cabível se uma das partes é representada pela outra).
13. A alíquota de imposto a 35% do valor da remessa sem causa (artigo 61 da
Lei 8.981/1995, caput) não se afigura inconstitucional, tampouco de viés
punitivo. É preciso rememorar que, quando da edição da Lei 8.981/1995,
vigia alíquota máxima de IRPF justamente de 35%, nos termos do artigo
2º da Lei 8.848/1994 - revogada apenas quando da promulgação da Lei
9.250/1995. Assim, o legislador ordinário objetivava, primordialmente, com
a norma do artigo 61 da Lei 8.981/1995, reduzir perdas fiscais decorrentes
de movimentações do patrimônio da empresa em relações às quais, por
não possuir o Fisco dados suficientes para controle, não poderia tributar
regularmente. Observe-se que a norma prevê tributação definitiva e obriga
o pagador à retenção do valor devido ao Estado: a riqueza tributada,
portanto, não lhe pertence. Logo, a tese de que o preceito possui viés
punitivo perde força: na hipótese de remessa sem causa demonstrada,
o beneficiário estaria sendo penalizado, e não o pagador, que deixou
de demonstrar o fundamento do pagamento - esta a teorética infração -,
o que se revelaria implausível. A rigor, trata-se de previsão semelhante
ao arbitramento de lucro das pessoas jurídicas: na hipótese de, conhecida
a receita bruta da empresa, faltarem documentos que permitam a aferição
do lucro auferido no período, a Lei 9.249/1995 (artigo 16) determina a
aplicação de acréscimo de 20% a todos os percentuais de apuração da
base de cálculo do IRPJ; nem por isso diz-se haver inconstitucionalidade
de tal regra.
14. Manifestamente desacertada a arguição de que o § 3º do artigo 61 da
Lei 8.981/1995, ao considerar o valor remetido como rendimento líquido e,
por consequência, determinar o reajustamento do rendimento bruto, estaria
promovendo cálculo "por dentro" do imposto de renda. A situação explica-se
pela hipótese exacional: trata-se, como já dito, de retenção de imposto,
ou seja, compete ao retentor apartar o quinhão devido ao Fisco a título de
tributo sobre a renda, e, somente após, repassar ao beneficiário o valor
remanescente já tributado - líquido, portanto. Assim, na espécie, para se
calcular o quantum devido ao Fisco, a base de cálculo não pode ser o valor
repassado ao beneficiário, uma vez que este deveria ser, originalmente
e por definição, o resultado líquido, remanescente da tributação do
montante original. Estar-se-ia calculando o crédito tributário sobre montante
indevidamente reduzido do próprio tributo devido - já que não houve, afinal,
a retenção inicial. O que o Fisco promove, portanto, é a identificação
daquele que deveria ser o valor bruto sobre o qual, efetuada a cobrança do
imposto, resultaria no valor líquido recebido pelo beneficiário.
15. Cálculo "por dentro" haveria se, a esse resultado, fosse somado
o imposto devido, e deste montante derivado o crédito tributário a
ser efetivamente pago. Aliás, observa-se que a pretensão da apelante,
curiosamente, é matematicamente o exato oposto do cálculo "por dentro" do
tributo: pretende-se tirar da base de cálculo o valor devido da exação,
e sobre este resultado calcular qual seria o imposto a ser pago.
16. O § 1º do artigo 113 do CTN coloca a "penalidade pecuniária" como
obrigação principal, que integra o crédito correspondente. Sucede que disto
não é possível inferir tratar-se de referência exclusiva à penalidade
pecuniária decorrente de descumprimento de obrigação acessória (§ 3º),
como presume o raciocínio do apelo, em novo falso silogismo: dizer-se
que a obrigação acessória converte-se em principal quanto à penalidade
pecuniária não significa que toda penalidade pecuniária integrante da
obrigação principal deriva de descumprimento de obrigação acessória,
à míngua de qualquer disposição expressa neste sentido.
17. Por consequência, a leitura promovida do artigo 161 do CTN - no sentido
de que o termo "crédito" não abrangeria a multa moratória, ao qual estaria
oposto, pelos demais termos da norma ("sem prejuízo da imposição das
penalidades cabíveis (...)") - resta indevidamente enviesada. A ressalva
constante do dispositivo é no sentido, apenas, de que a aplicação de
juros de mora não prejudica a incidência e cobrança de outras penalidades
cabíveis - integradas ao crédito a ser corrigido, seja porque desde o
princípio previstas como obrigações principais (artigo 113, § 1º)
ou porque assim convertidas (artigo 113, § 3º). Perfeitamente cabível,
desta maneira, a incidência de juros sobre a multa de ofício.
18. Este Tribunal possui jurisprudência consolidada no sentido de que
as sanções pecuniárias, justamente porque punitivas, não comportam
qualificação como confiscatórias, atributo reservado aos tributos
propriamente ditos. De fato, o cálculo das multas não se prende,
prioritariamente, à capacidade contributiva do particular, mas à
repressão de conduta tida por irregular, segundo sua reprovabilidade -
daí a necessidade de que, efetivamente, seja fixada em quantia que adquira
relevância perante o sujeito passivo. Assim, verificada a ocorrência de
fraude - e a magnitude e gravidade das condutas adotadas pelos administradores
da apelada restam sobejamente demonstradas, nos autos -, não se afigura
despropositada a sanção calculada a 150% do valor principal devido,
com expressa previsão no artigo 44, II, da Lei 9.430/1996. Observe-se,
por oportuno, que o reconhecimento de repercussão geral da matéria pelo
Supremo Tribunal Federal (RE 736.090), por si, não enseja o sobrestamento,
em grau de apelação, dos feitos que versam sobre o tema, à míngua de
determinação expressa do relator, nos termos do artigo 1.035, § 5º,
do CPC/2015.
19. Descabida a fixação de honorários nestes autos: em favor do
contribuinte, porque, a teor do exposto, integralmente desprovidos os
pedidos de mérito iniciais; em prol da Fazenda Nacional, porque o encargo
legal previsto no artigo 1º do Decreto-Lei 1.025/1969, sempre devido nas
execuções fiscais, abrange tal verba, matéria há muito pacificada na
jurisprudência pátria, inclusive em julgamento sob sistemática repetitiva
pela Corte Superior.
20. Apelações parcialmente providas. Remessa oficial provida.
Ementa
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CRÉDITOS
TRIBUTÁRIOS DE IRRF A PARTIR DE PAGAMENTOS A TERCEIRO SEM CAUSA
COMPROVADA. ARTIGO 61, §§ 1º A 3º, LEI 8.981/1995. JULGAMENTO
ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PROVA PERICIAL
IRRELEVANTE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AFASTAMENTO. JURISPRUDÊNCIA ASSENTE
NO SENTIDO DE QUE O ARTIGO 135, III, DO CTN, VEICULA RESPONSABILIZAÇÃO
SOLIDÁRIA. OPERAÇÕES DE MÚTUO ENTRE EXECUTADA E CONTROLADA. BLUE CHIP
SWAPS. SIMULAÇÃO. INVESTIGAÇÕES DE CARÁTER PENAL QUE EVIDENCIARAM
COMPLEXO SISTEMA DE LAVAGEM DE DINHEIRO. MAJORAÇÃO PUNITIVA DE
TRIBUTO. CÁLCULO EXACIONAL "POR DENTRO". INOCORRÊNCIA. JUROS SOBRE
MULTA DE OFÍCIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO DE PERCENTUAL AGRAVADO DE
150%. DESCARACTERIZAÇÃO DE EFEITO CONFISCATÓRIO. HONORÁRIOS AO FISCO
EM SEDE DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. INVIABILIDADE. MATÉRIA PACIFICADA EM
RECURSO REPETITIVO.
1. Inocorrente cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da
lide. Primeiramente, porque a prova que, conforme o alegado, pretendia-se
produzir, revela-se desnecessária, uma vez que o prejuízo à embargante,
moral e material, decorrente da conduta de seus administradores restou
amplamente demonstrado nos autos e sequer foi controvertido. Depois, porque
o entendimento firmado pelo Juízo de origem é de que tais fatos não tem
o condão de modificar o polo passivo da cobrança fiscal, como pretende
o contribuinte - sob este enfoque, despicienda a prova, pois desinfluente,
de toda a forma, para o julgamento, a circunstância a ser demonstrada.
2. Desde os julgamentos que resultaram na edição da Súmula 430, em 2010, o
Superior Tribunal de Justiça tem sinalizado que compreende o artigo 135 do CTN
como revelador de responsabilidade solidária. Por vezes, recentemente, a Corte
Superior expressamente rejeitou o entendimento de que o dispositivo em questão
promoveria a exclusão da responsabilidade do devedor originário. Merecem
menção, neste sentido, o AgInt no AREsp 942.940 e o REsp 1.455.490.
3. Tal entendimento não admite conclusão diversa em razão das
particularidades citadas pela embargante em seu recurso - como, por exemplo,
o fato de que os ilícitos praticados por seus administradores não lhe
trouxeram benefício algum, mas, sim, prejuízo. É que a concepção
veiculada pela jurisprudência é a de que o artigo 135, III, do CTN veicula
norma protetiva do Fisco, enquanto credor, e não da pessoa jurídica, face
a abusos de seus gestores - relação de direito privado que, com efeito,
é estranha, a princípio, ao escopo do Código Tributário Nacional.
4. O acervo documental destes autos registra que a embargante foi utilizada
para uma das maiores operações de lavagem de dinheiro da história do país
encetada por uma única empresa, segundo a denúncia ofertada pelo Ministério
Público à Justiça Federal. A peça - encartada ao feito pela própria
embargante - revela, com clareza, o sistema utilizado para remeter numerário
de origem incerta ou sabidamente ilícita para o exterior, estendendo seus
laços até desvios de verbas públicas no âmbito da SUDAM. Causa verdadeira
espécie, portanto, que o contribuinte siga defendendo a legalidade das
operações que geraram o crédito fiscal em cobro.
5. A tese, veiculada em sede administrativa, de que as remessas efetuadas
ao exterior (base da autuação) decorreram de operações de blue chip
swaps, realizadas para que pudesse honrar dívidas de curto prazo, não se
sustenta. Narrou-se que sua controlada no estrangeiro adquiria, a prazo,
títulos no exterior (AGBs, no caso) e cedia-lhes, mediante mútuo, para
que os ativos fossem revendidos no país; com o produto da venda, obtinha
capital de giro e, posteriormente, remetia pagamento ao exterior, para
que sua controlada quitasse a aquisição inicialmente efetuada. Contudo,
nos termos dos documentos carreados ao processo administrativo de origem,
os recursos da venda dos ativos, no mais das vezes, eram repassados ao
estrangeiro no mesmo dia, ou no subsequente, circunstância que, aliada à
completa ausência de demonstração de quais dívidas de curtíssimo prazo
a autuada quitara a cada operação, amparou a conclusão administrativa de
que tal descrição não era verídica.
6. De fato, observa-se que, a operação relatada pouco sentido guarda com a
motivação ventilada para a sua realização. Se a embargante necessitava
de capital em curto prazo, e esta demanda haveria de ser suportada por sua
controlada no exterior - a qual, via de regra, seria ressarcida mediante
remessa de valores -, parece deveras mais linear, célere, seguro e com
o mesmo proveito, que a controlada lhe fizesse um empréstimo. Aliás, a
transação foge ao próprio objetivo primário da realização de uma blue
chip swap - sem adentrar, aqui, no mérito da possibilidade jurídica de tal
operação -, que é justamente gerar disponibilidade de moeda diversa da
detida (de reais para dólares ou o inverso, por exemplo) sem a necessidade
de uma remessa internacional e, consequentemente, operação de câmbio.
7. Nestes autos, arguiu-se que os mútuos de títulos eram realizados, pelo
contrário, para amparar não a executada, mas os braços internacionais de seu
grupo econômico. Sucede que, para além de manifestamente incompatível com
a primeira versão, esta hipótese é igualmente inverossímil: se o objetivo
é obter liquidez no estrangeiro, não se verifica qualquer plausibilidade
em adquirir um título já no exterior, vende-lo no país (à míngua de
qualquer vantagem negocial específica) e submeter o resultado a uma remessa
cambial - caso seria de, simplesmente, revende-lo no exterior, diretamente.
8. Não suficiente, as autoridades administrativas fizeram prova de que
os Argentine Global Bonds em tese comercializados pela apelante no mercado
inicial jamais existiram e, congruentemente, o contribuinte não apresentou à
fiscalização os contratos de mútuo pelos quais sua controlada no exterior
havia lhe cedido tais ativos.
9. A alegada existência de um suposto "contrato-mãe" de conta-corrente
não convalidaria o vício decorrente da inexistência dos ativos
comercializados. Não só, deixaria de suprir a ausência de instrumentos
contratuais específicos para cada título em tese mutuado. A existência
do negócio jurídico em questão, significaria, apenas, que as partes
acordaram em diferir para um momento futuro o cômputo dos creditamentos
e débitos que realizaram em uma conta comum, durante determinado lapso
temporal, para identificar, ao final, qual parte remanesce credora da
outra. Não há porque concluir-se que, neste contexto, não se exigiria
demonstração e escrituração de cada operação - com identificação
da respectiva causa negocial - que ensejou a movimentação desta conta,
para fins fiscais. Assim fosse, o contrato de conta-corrente se prestaria,
precisamente, à lavagem de dinheiro, já que não caberia perquirir a
origem e a causa da remessa de numerário, contanto que justificado o meio
contratual pelo qual, subsequentemente, instrumentalizado o repasse.
10. Inviável dizer que não havia necessidade de instrumentalização dos
mútuos alegadamente realizados, porque não onerosos. Tal assertiva é
válida no que diz respeito à eficácia do negócio jurídico no direito
privado, apenas. A imperatividade de redução a termo, no caso dos autos,
é de vértice tributário, direito público, enquanto documentação
necessária para o controle fiscal da atividade econômica da empresa. A
situação é de todo análoga à necessidade de registro público prévio
de negócio jurídico que se deseja opor a terceiros.
11. Descabida a alegação de que o Juízo de origem desconsiderou os
negócios jurídicos praticados, em manejo indevido do parágrafo único
do artigo 116 do CTN, ainda não regulamentado. Não se está diante de
negócio jurídico indireto, ou qualquer forma de conjugação de contratos,
individualmente válidos, para atingir-se, ao final, determinado resultado
útil que supera o escopo de cada operação isolada - comumente, elisão
tributária. A espécie, em verdade, evidencia negócios jurídicos inválidos,
por qualquer prisma que se adote; logo, o caso é de evasão tributária: não
se está desconsiderando os mútuos, haja vista que de fato não ocorreram. Tal
conclusão evidentemente não está defesa ao Juízo, e independe de qualquer
discussão da eficácia do parágrafo único artigo 116 do CTN (inclusive
quanto a tratar-se de norma antielisiva ou antievasiva), pois é alcançada
diretamente a partir dos institutos, formas e conceitos do direito privado,
com fulcro no artigo 109 do CTN.
12. A tese de que a controlada no estrangeiro, para quem repassados os
valores, não seria terceira (para fim de aplicação do § 1º do artigo
61 da Lei 8.981/1995), igualmente não vinga. Com efeito, trata-se de ente
dotado de personalidade e capacidade jurídica distintas da executada e
de objeto societário diverso. Esta suscitação do apelo do contribuinte
é, inclusive, contraditória face aos argumentos da embargante: se a
controlada não fosse considerada terceira, então com mais razão haveria
que se concluir pela simulação de mútuo, já que o contribuinte haveria,
então, contratado consigo próprio (sendo que, pela própria definição
de negócio jurídico como encontro de vontades, o autocontrato apenas é
cabível se uma das partes é representada pela outra).
13. A alíquota de imposto a 35% do valor da remessa sem causa (artigo 61 da
Lei 8.981/1995, caput) não se afigura inconstitucional, tampouco de viés
punitivo. É preciso rememorar que, quando da edição da Lei 8.981/1995,
vigia alíquota máxima de IRPF justamente de 35%, nos termos do artigo
2º da Lei 8.848/1994 - revogada apenas quando da promulgação da Lei
9.250/1995. Assim, o legislador ordinário objetivava, primordialmente, com
a norma do artigo 61 da Lei 8.981/1995, reduzir perdas fiscais decorrentes
de movimentações do patrimônio da empresa em relações às quais, por
não possuir o Fisco dados suficientes para controle, não poderia tributar
regularmente. Observe-se que a norma prevê tributação definitiva e obriga
o pagador à retenção do valor devido ao Estado: a riqueza tributada,
portanto, não lhe pertence. Logo, a tese de que o preceito possui viés
punitivo perde força: na hipótese de remessa sem causa demonstrada,
o beneficiário estaria sendo penalizado, e não o pagador, que deixou
de demonstrar o fundamento do pagamento - esta a teorética infração -,
o que se revelaria implausível. A rigor, trata-se de previsão semelhante
ao arbitramento de lucro das pessoas jurídicas: na hipótese de, conhecida
a receita bruta da empresa, faltarem documentos que permitam a aferição
do lucro auferido no período, a Lei 9.249/1995 (artigo 16) determina a
aplicação de acréscimo de 20% a todos os percentuais de apuração da
base de cálculo do IRPJ; nem por isso diz-se haver inconstitucionalidade
de tal regra.
14. Manifestamente desacertada a arguição de que o § 3º do artigo 61 da
Lei 8.981/1995, ao considerar o valor remetido como rendimento líquido e,
por consequência, determinar o reajustamento do rendimento bruto, estaria
promovendo cálculo "por dentro" do imposto de renda. A situação explica-se
pela hipótese exacional: trata-se, como já dito, de retenção de imposto,
ou seja, compete ao retentor apartar o quinhão devido ao Fisco a título de
tributo sobre a renda, e, somente após, repassar ao beneficiário o valor
remanescente já tributado - líquido, portanto. Assim, na espécie, para se
calcular o quantum devido ao Fisco, a base de cálculo não pode ser o valor
repassado ao beneficiário, uma vez que este deveria ser, originalmente
e por definição, o resultado líquido, remanescente da tributação do
montante original. Estar-se-ia calculando o crédito tributário sobre montante
indevidamente reduzido do próprio tributo devido - já que não houve, afinal,
a retenção inicial. O que o Fisco promove, portanto, é a identificação
daquele que deveria ser o valor bruto sobre o qual, efetuada a cobrança do
imposto, resultaria no valor líquido recebido pelo beneficiário.
15. Cálculo "por dentro" haveria se, a esse resultado, fosse somado
o imposto devido, e deste montante derivado o crédito tributário a
ser efetivamente pago. Aliás, observa-se que a pretensão da apelante,
curiosamente, é matematicamente o exato oposto do cálculo "por dentro" do
tributo: pretende-se tirar da base de cálculo o valor devido da exação,
e sobre este resultado calcular qual seria o imposto a ser pago.
16. O § 1º do artigo 113 do CTN coloca a "penalidade pecuniária" como
obrigação principal, que integra o crédito correspondente. Sucede que disto
não é possível inferir tratar-se de referência exclusiva à penalidade
pecuniária decorrente de descumprimento de obrigação acessória (§ 3º),
como presume o raciocínio do apelo, em novo falso silogismo: dizer-se
que a obrigação acessória converte-se em principal quanto à penalidade
pecuniária não significa que toda penalidade pecuniária integrante da
obrigação principal deriva de descumprimento de obrigação acessória,
à míngua de qualquer disposição expressa neste sentido.
17. Por consequência, a leitura promovida do artigo 161 do CTN - no sentido
de que o termo "crédito" não abrangeria a multa moratória, ao qual estaria
oposto, pelos demais termos da norma ("sem prejuízo da imposição das
penalidades cabíveis (...)") - resta indevidamente enviesada. A ressalva
constante do dispositivo é no sentido, apenas, de que a aplicação de
juros de mora não prejudica a incidência e cobrança de outras penalidades
cabíveis - integradas ao crédito a ser corrigido, seja porque desde o
princípio previstas como obrigações principais (artigo 113, § 1º)
ou porque assim convertidas (artigo 113, § 3º). Perfeitamente cabível,
desta maneira, a incidência de juros sobre a multa de ofício.
18. Este Tribunal possui jurisprudência consolidada no sentido de que
as sanções pecuniárias, justamente porque punitivas, não comportam
qualificação como confiscatórias, atributo reservado aos tributos
propriamente ditos. De fato, o cálculo das multas não se prende,
prioritariamente, à capacidade contributiva do particular, mas à
repressão de conduta tida por irregular, segundo sua reprovabilidade -
daí a necessidade de que, efetivamente, seja fixada em quantia que adquira
relevância perante o sujeito passivo. Assim, verificada a ocorrência de
fraude - e a magnitude e gravidade das condutas adotadas pelos administradores
da apelada restam sobejamente demonstradas, nos autos -, não se afigura
despropositada a sanção calculada a 150% do valor principal devido,
com expressa previsão no artigo 44, II, da Lei 9.430/1996. Observe-se,
por oportuno, que o reconhecimento de repercussão geral da matéria pelo
Supremo Tribunal Federal (RE 736.090), por si, não enseja o sobrestamento,
em grau de apelação, dos feitos que versam sobre o tema, à míngua de
determinação expressa do relator, nos termos do artigo 1.035, § 5º,
do CPC/2015.
19. Descabida a fixação de honorários nestes autos: em favor do
contribuinte, porque, a teor do exposto, integralmente desprovidos os
pedidos de mérito iniciais; em prol da Fazenda Nacional, porque o encargo
legal previsto no artigo 1º do Decreto-Lei 1.025/1969, sempre devido nas
execuções fiscais, abrange tal verba, matéria há muito pacificada na
jurisprudência pátria, inclusive em julgamento sob sistemática repetitiva
pela Corte Superior.
20. Apelações parcialmente providas. Remessa oficial provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, dar parcial provimento às apelações e provimento à remessa
oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Data do Julgamento
:
07/02/2018
Data da Publicação
:
16/02/2018
Classe/Assunto
:
ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2258129
Órgão Julgador
:
TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
JUIZA CONVOCADA DENISE AVELAR
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Referência
legislativa
:
LEG-FED LEI-8981 ANO-1995 ART-61 PAR-1 PAR-2 PAR-3
***** CTN-66 CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
LEG-FED LEI-5172 ANO-1966 ART-135 INC-3 ART-116 PAR-ÚNICO ART-109 ART-113
PAR-1 PAR-3 ART-161
***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-430
LEG-FED LEI-8848 ANO-1994 ART-2
LEG-FED LEI-9250 ANO-1995
LEG-FED LEI-9249 ANO-1995 ART-16
LEG-FED LEI-9430 ANO-1996 ART-44 INC-2
***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-1035 PAR-5
LEG-FED DEL-1025 ANO-1969 ART-1
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/02/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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