TRF3 0002706-76.2014.4.03.6100 00027067620144036100
ADMINISTRATIVO. REPARAÇÃO CIVIL. DANOS MATERIAIS. DANOS
MORAIS IN RE IPSA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR
OMISSÃO. CULPA. NEGLIGÊNCIA. DEMORA DOS AGENTES PÚBLICOS NA EMISSÃO DO
LAUDO TOXICOLÓGICO DEFINITIVO. ESTRANGEIRO PRESO NO AEROPORTO ACUSADO DE
TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PRISÃO
PREVENTIVA. ULTERIOR ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS
MORATÓRIOS. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. Cuida-se de ação de indenização por danos morais e materiais
c/c inexigibilidade de débito, por prisão e acusação de tráfico de
entorpecentes.
2. Não deve ser conhecido o agravo retido interposto pela União, uma vez
que não foi reiterado em sede de apelação, nos termos do art. 523, § 1º,
do antigo CPC/1973, vigente à época da interposição do referido recurso.
3. A Constituição Federal de 1988 assegura em seu artigo 37, § 6º, que as
pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras
de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa.
4. Para a fixação da responsabilidade civil é necessário estabelecer
os pressupostos da obrigação de indenizar, a saber: ação ou omissão do
agente, culpa, nexo causal e dano.
5. A ação ou omissão do agente, da qual surge o dever de indenizar,
geralmente decorre da infração a um dever, que pode ser legal, contratual ou
mesmo social. A culpa, no caso em testilha, decorre da omissão dos agentes
públicos, restando configurada a negligência. Nexo causal é a relação
de causalidade entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. Finalmente,
dano é a lesão a qualquer bem jurídico.
6. Na hipótese de responsabilidade estatal por omissão aplica-se a teoria
da responsabilidade subjetiva, mediante a aferição de conduta culposa
(por negligência, imprudência ou imperícia) ou dolosa.
7. Cabível, no caso em apreço, a indenização por negligência dos agentes
públicos ante a morosidade para a elaboração do laudo definitivo, que seria
imprescindível para a comprovação da materialidade delitiva, é dizer, para
aferir a existência ou não de droga nas roupas do autor, visto que o cão
farejador, o teste de coloração, e o teste de traços são inconclusivos.
8. De fato, na hipótese dos autos, não houve a apreensão de qualquer pacote
com substância que indicasse ser cocaína. Houve a apreensão de roupas,
que, conforme informado pelo autor à Polícia Federal, teriam sido engomadas
com produto derivado da mandioca, na Nigéria, para maior durabilidade.
9. Verifica-se que o autor necessitou contratar advogados para se defender
na ação penal em que foi absolvido. Assim, o demandante precisou ter
gastos com honorários advocatícios, cabendo à parte ré arcar com este
custo, considerando-se a peculiaridade do presente caso, em que o autor,
estrangeiro, ficou preso no Brasil por quatro meses, por negligência dos
agentes públicos, ante a morosidade na confecção do laudo toxicológico.
10. Consoante inteligência do art. 404 do Código Civil, as perdas e danos
abrangem os honorários de advogado.
11. Descabida a aplicação da multa pela Polícia Federal em razão de o
autor não ter apresentado documento comprobatório de estada legal no país.
12. Impende ressaltar que era impossível ao autor apresentar este documento,
na medida em que o demandante apenas fez escala no Brasil, tendo sido preso em
flagrante no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na data do desembarque. O
autor permaneceu no território brasileiro em virtude da prisão em flagrante
convertida em preventiva, e não voluntariamente, de forma clandestina.
13. Por esse motivo, há que ser reconhecida a nulidade da multa,
condicionando-se a repetição do valor pago à apresentação nos autos do
respectivo comprovante de pagamento do valor pelo autor.
14. O direito à indenização por danos morais foi expressamente reconhecido
na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, V e X), sendo ínsito à dignidade
humana, reconhecida esta como fundamento da República Federativa do Brasil
(art. 1º, III).
15. Ante a regra de experiência há situações em que o dano moral surge
somente em decorrência da prática de um ato (comissivo ou omissivo) com
repercussão na vítima, prescindindo-se da comprovação de abalo a um bem
jurídico extrapatrimonial. Cuida-se do dano moral in re ipsa, que independe
de prova, no qual se deve comprovar apenas o fato que ensejou o sofrimento,
o abalo, a dor. Uma vez comprovado o fato, impõe-se a condenação, pois
nessas hipóteses, o dano moral é presumido.
16. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.492.221/PR, com
acórdão sujeito ao regime previsto no art. 1.036 e seguintes do CPC/2015
(regime dos recursos especiais repetitivos), firmou teses jurídicas sobre
a fixação de correção monetária e juros de mora.
17. Na hipótese dos autos, por se tratar de condenação judicial de natureza
administrativa referente a período posterior à vigência da Lei 11.960/2009,
aplicam-se os juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta
de poupança, de acordo com o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 e a correção
monetária com base no IPCA-E (REsp 1.492.221/PR, DJe 20/03/2018).
18. Conforme a jurisprudência dominante do STJ, a correção monetária e
os juros de mora, por se tratarem de consectários legais da condenação
principal, têm natureza de ordem pública e, por esse motivo, podem ser
analisados até mesmo de ofício.
19. Assim, com o escopo de amoldar a r. sentença aos índices aplicados pelo
E. STJ, quanto aos danos materiais e à repetição do valor da multa aplicada
pela Polícia Federal, os juros de mora são devidos desde o evento danoso
(Súmula 54 do STJ), e a correção monetária deverá incidir a partir
do efetivo prejuízo (Súmula 43 do STJ), por se tratar o caso concreto de
responsabilidade extracontratual do Estado.
20. No tocante à indenização por danos morais, os juros de mora são
devidos desde a citação e a correção monetária incidirá a partir do
arbitramento (Súmula 362 do STJ).
21. Mantido o ônus da sucumbência.
22. Agravo retido não conhecido. Apelação não provida.
Ementa
ADMINISTRATIVO. REPARAÇÃO CIVIL. DANOS MATERIAIS. DANOS
MORAIS IN RE IPSA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR
OMISSÃO. CULPA. NEGLIGÊNCIA. DEMORA DOS AGENTES PÚBLICOS NA EMISSÃO DO
LAUDO TOXICOLÓGICO DEFINITIVO. ESTRANGEIRO PRESO NO AEROPORTO ACUSADO DE
TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PRISÃO
PREVENTIVA. ULTERIOR ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS
MORATÓRIOS. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. Cuida-se de ação de indenização por danos morais e materiais
c/c inexigibilidade de débito, por prisão e acusação de tráfico de
entorpecentes.
2. Não deve ser conhecido o agravo retido interposto pela União, uma vez
que não foi reiterado em sede de apelação, nos termos do art. 523, § 1º,
do antigo CPC/1973, vigente à época da interposição do referido recurso.
3. A Constituição Federal de 1988 assegura em seu artigo 37, § 6º, que as
pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras
de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa.
4. Para a fixação da responsabilidade civil é necessário estabelecer
os pressupostos da obrigação de indenizar, a saber: ação ou omissão do
agente, culpa, nexo causal e dano.
5. A ação ou omissão do agente, da qual surge o dever de indenizar,
geralmente decorre da infração a um dever, que pode ser legal, contratual ou
mesmo social. A culpa, no caso em testilha, decorre da omissão dos agentes
públicos, restando configurada a negligência. Nexo causal é a relação
de causalidade entre o fato ilícito e o dano por ele produzido. Finalmente,
dano é a lesão a qualquer bem jurídico.
6. Na hipótese de responsabilidade estatal por omissão aplica-se a teoria
da responsabilidade subjetiva, mediante a aferição de conduta culposa
(por negligência, imprudência ou imperícia) ou dolosa.
7. Cabível, no caso em apreço, a indenização por negligência dos agentes
públicos ante a morosidade para a elaboração do laudo definitivo, que seria
imprescindível para a comprovação da materialidade delitiva, é dizer, para
aferir a existência ou não de droga nas roupas do autor, visto que o cão
farejador, o teste de coloração, e o teste de traços são inconclusivos.
8. De fato, na hipótese dos autos, não houve a apreensão de qualquer pacote
com substância que indicasse ser cocaína. Houve a apreensão de roupas,
que, conforme informado pelo autor à Polícia Federal, teriam sido engomadas
com produto derivado da mandioca, na Nigéria, para maior durabilidade.
9. Verifica-se que o autor necessitou contratar advogados para se defender
na ação penal em que foi absolvido. Assim, o demandante precisou ter
gastos com honorários advocatícios, cabendo à parte ré arcar com este
custo, considerando-se a peculiaridade do presente caso, em que o autor,
estrangeiro, ficou preso no Brasil por quatro meses, por negligência dos
agentes públicos, ante a morosidade na confecção do laudo toxicológico.
10. Consoante inteligência do art. 404 do Código Civil, as perdas e danos
abrangem os honorários de advogado.
11. Descabida a aplicação da multa pela Polícia Federal em razão de o
autor não ter apresentado documento comprobatório de estada legal no país.
12. Impende ressaltar que era impossível ao autor apresentar este documento,
na medida em que o demandante apenas fez escala no Brasil, tendo sido preso em
flagrante no Aeroporto Internacional de Guarulhos, na data do desembarque. O
autor permaneceu no território brasileiro em virtude da prisão em flagrante
convertida em preventiva, e não voluntariamente, de forma clandestina.
13. Por esse motivo, há que ser reconhecida a nulidade da multa,
condicionando-se a repetição do valor pago à apresentação nos autos do
respectivo comprovante de pagamento do valor pelo autor.
14. O direito à indenização por danos morais foi expressamente reconhecido
na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, V e X), sendo ínsito à dignidade
humana, reconhecida esta como fundamento da República Federativa do Brasil
(art. 1º, III).
15. Ante a regra de experiência há situações em que o dano moral surge
somente em decorrência da prática de um ato (comissivo ou omissivo) com
repercussão na vítima, prescindindo-se da comprovação de abalo a um bem
jurídico extrapatrimonial. Cuida-se do dano moral in re ipsa, que independe
de prova, no qual se deve comprovar apenas o fato que ensejou o sofrimento,
o abalo, a dor. Uma vez comprovado o fato, impõe-se a condenação, pois
nessas hipóteses, o dano moral é presumido.
16. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.492.221/PR, com
acórdão sujeito ao regime previsto no art. 1.036 e seguintes do CPC/2015
(regime dos recursos especiais repetitivos), firmou teses jurídicas sobre
a fixação de correção monetária e juros de mora.
17. Na hipótese dos autos, por se tratar de condenação judicial de natureza
administrativa referente a período posterior à vigência da Lei 11.960/2009,
aplicam-se os juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta
de poupança, de acordo com o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97 e a correção
monetária com base no IPCA-E (REsp 1.492.221/PR, DJe 20/03/2018).
18. Conforme a jurisprudência dominante do STJ, a correção monetária e
os juros de mora, por se tratarem de consectários legais da condenação
principal, têm natureza de ordem pública e, por esse motivo, podem ser
analisados até mesmo de ofício.
19. Assim, com o escopo de amoldar a r. sentença aos índices aplicados pelo
E. STJ, quanto aos danos materiais e à repetição do valor da multa aplicada
pela Polícia Federal, os juros de mora são devidos desde o evento danoso
(Súmula 54 do STJ), e a correção monetária deverá incidir a partir
do efetivo prejuízo (Súmula 43 do STJ), por se tratar o caso concreto de
responsabilidade extracontratual do Estado.
20. No tocante à indenização por danos morais, os juros de mora são
devidos desde a citação e a correção monetária incidirá a partir do
arbitramento (Súmula 362 do STJ).
21. Mantido o ônus da sucumbência.
22. Agravo retido não conhecido. Apelação não provida.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, não conhecer do agravo retido de fls. 294/297 e negar
provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
02/05/2018
Data da Publicação
:
09/05/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2293715
Órgão Julgador
:
TERCEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADORA FEDERAL CECÍLIA MARCONDES
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/05/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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