TRF3 0002771-53.2014.4.03.6106 00027715320144036106
PENAL. PROCESSUAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ARTIGO 395, III, DO CÓDIGO
DE PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ARTIGO 34, CAPUT, DA LEI
9.605/98. PESCA AMADORA EM PERÍODO DE DEFESO, EM LOCAL PROIBIDO, NOS
TERMOS DO 3º, III, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA 25/2009. IRRELEVÂNCIA DA
QUANTIDADE EFETIVAMENTE PESCADA. DELITO FORMAL. NÃO INCIDÊNCIA DE EVENTUAL
DIREITO DE COTA A EXCLUIR A TIPICIDADE DA CONDUTA IMPUTADA NA HIPÓTESE,
NA FORMA DO ARTIGO 8º DA ALUDIDA INSTRUÇÃO NORMATIVA, TENDO EM CONTA OS
INSTRUMENTOS DE PESCA SUBAQUÁTICA, EM TESE, UTILIZADOS PELO ACUSADO (ARBALETE
COM ARPÃO E EQUIPAMENTOS DE MERGULHO), E A EXISTÊNCIA DE ESPÉCIES NATIVAS
ENTRE OS EXEMPLARES APREENDIDOS EM PODER DO DENUNCIADO. INAPLICABILIDADE DO
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CASO CONCRETO. DIREITO AO MEIO AMBIENTE
ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS PENAL E
ADMINISTRATIVA. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO "IN DUBIO PRO SOCIETATE" EM SEDE
DE RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.
1. Denúncia que narra a prática, em tese, do crime previsto no artigo 34,
caput, da Lei 9.605/98.
2. De início, observa-se que, nos termos da denúncia e do artigo 3º,
III, da Instrução Normativa IBAMA n. 25/2009, o Parquet Federal imputou ao
acusado tão somente a conduta típica consistente em pescar em período e
local proibidos, a saber, no período de defeso (data dos fatos em 16/02/2014),
a menos de 1.500 (mil e quinhentos) metros da barragem da Usina Hidrelétrica
de Marimbondo, no Rio Grande, no Município de Icém/SP, o que se subsome,
em tese, ao tipo penal descrito no próprio caput, e não no inciso II do
parágrafo único do artigo 34 da Lei 9.605/98, não obstante o apontado
pelo Juízo de origem.
3. Com efeito, a Instrução Normativa IBAMA n. 25, de 1º de setembro de
2009, que cuida do defeso da reprodução de peixes da bacia hidrográfica do
rio Paraná (de 1º de novembro a 28 de fevereiro), proíbe, expressamente,
a pesca para todas as categorias e modalidades "até um mil e quinhentos
metros (1.500m) a montante e a jusante das barragens de reservatórios
de empreendimento hidrelétrico, e de mecanismos de transposição de
peixes" (artigo 3º, III). Além disso, também veda, de maneira cabal,
a pesca subaquática, assim como o uso de materiais perfurantes, como
arpão e arbalete (artigo 6º, caput e parágrafo único), os quais foram,
alegadamente, apreendidos à fl. 07, em poder do acusado, no momento da
fiscalização pelos policiais militares ambientais, juntamente a 11 (onze)
quilos de pescados variados (incluindo espécies nativas, como piapara e
curimba) e demais equipamentos de mergulho.
4. Ademais, salienta-se que, no tocante à pesca em reservatórios, nas
modalidades embarcada ou desembarcada, eventual direito a cota, para
pescador amador, correspondente a 10 (dez) quilogramas e um exemplar,
restringe-se à atividade pesqueira realizada "com linha de mão ou vara,
linha e anzol, caniço simples, com molinete ou carretilha com uso de iscas
naturais e artificiais" (diversamente da presente hipótese, em que restaram
apreendidos equipamentos de mergulho e arbalete com arpão), e que compreenda
"exclusivamente espécies não nativas (alóctones e exóticas) e híbridos",
na forma do artigo 8º da mesma Instrução Normativa do IBAMA.
5. A partir dos elementos já coligidos aos autos, verifica-se que, ao
menos em princípio, o acusado, enquanto pescador amador, não faz jus ao
aludido direito de cota (a ensejar eventual excludente de tipicidade da
conduta a ele imputada), visto que, em tese, teria utilizado instrumentos
diversos daqueles normativamente admitidos para tanto, ao incorrer em
alegado uso de arbalete com arpão e equipamentos de mergulho diversos,
inclusive, para pesca de espécies nativas, como piapara e curimbas,
consoante o Boletim de Ocorrência Ambiental n. 140141 (fls. 04/05), Auto
de Infração Ambiental n. 296800 (fl. 06), Termos de Apreensão (fl. 07),
Termo de Destinação (fl. 08) e Registro Fotográfico (fl. 09), caindo
por terra a fundamentação desenvolvida pelo Juízo de origem ao deixar de
receber a denúncia oportunamente ofertada pelo Ministério Público Federal.
6. A despeito da posição adotada pelo Juízo Federal a quo, entende-se que
a conduta imputada a "GEAN CARLOS" não admite, no caso concreto, eventual
incidência do princípio da insignificância, uma vez que o bem penal
juridicamente tutelado não se limita à proteção daqueles exemplares
de pescados individualmente considerados, mas do ecossistema como um todo
(ecologicamente equilibrado), enquanto macrobem essencial à sadia qualidade
de vida das presentes e futuras gerações, e particularmente do ecossistema
aquático, no que concerne à conservação e reprodução das espécies da
fauna ictiológica (microbens), colocadas em risco a partir da pesca amadora
predatória, em tese, praticada pelo recorrido, durante o defeso, em local
proibido, não havendo de se cogitar eventual incidência do princípio da
insignificância, cuja aplicação não pode ser banalizada, ainda mais em
crimes ambientais.
7. Trata-se de crime formal que se perfectibiliza com qualquer ato
tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar
espécimes ictiológicos, consumando-se com a simples conduta capaz de
produzir materialmente o resultado danoso. Nesse sentido, os 11 (onze)
quilos efetivamente pescados em local e período proibidos consistem em
mero exaurimento do tipo penal descrito no artigo 34, caput, da Lei Federal
9.605/98.
8. A propósito, é pacífica na doutrina e na jurisprudência a independência
entre a esfera administrativa e a criminal, mormente em matéria ambiental,
nos termos do artigo 225, § 3º, da Constituição Federal.
9. Em sede de recebimento de denúncia, não há de se cogitar eventual
incidência do princípio "in dubio pro reo", visto que, especificamente
nessa fase processual, prevalece, com efeito, o princípio "in dubio pro
societate", em consonância com o entendimento sedimentado nos Tribunais
Superiores e neste E-TRF3.
10. Recurso em sentido estrito provido.
Ementa
PENAL. PROCESSUAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ARTIGO 395, III, DO CÓDIGO
DE PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ARTIGO 34, CAPUT, DA LEI
9.605/98. PESCA AMADORA EM PERÍODO DE DEFESO, EM LOCAL PROIBIDO, NOS
TERMOS DO 3º, III, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA IBAMA 25/2009. IRRELEVÂNCIA DA
QUANTIDADE EFETIVAMENTE PESCADA. DELITO FORMAL. NÃO INCIDÊNCIA DE EVENTUAL
DIREITO DE COTA A EXCLUIR A TIPICIDADE DA CONDUTA IMPUTADA NA HIPÓTESE,
NA FORMA DO ARTIGO 8º DA ALUDIDA INSTRUÇÃO NORMATIVA, TENDO EM CONTA OS
INSTRUMENTOS DE PESCA SUBAQUÁTICA, EM TESE, UTILIZADOS PELO ACUSADO (ARBALETE
COM ARPÃO E EQUIPAMENTOS DE MERGULHO), E A EXISTÊNCIA DE ESPÉCIES NATIVAS
ENTRE OS EXEMPLARES APREENDIDOS EM PODER DO DENUNCIADO. INAPLICABILIDADE DO
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CASO CONCRETO. DIREITO AO MEIO AMBIENTE
ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS PENAL E
ADMINISTRATIVA. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO "IN DUBIO PRO SOCIETATE" EM SEDE
DE RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.
1. Denúncia que narra a prática, em tese, do crime previsto no artigo 34,
caput, da Lei 9.605/98.
2. De início, observa-se que, nos termos da denúncia e do artigo 3º,
III, da Instrução Normativa IBAMA n. 25/2009, o Parquet Federal imputou ao
acusado tão somente a conduta típica consistente em pescar em período e
local proibidos, a saber, no período de defeso (data dos fatos em 16/02/2014),
a menos de 1.500 (mil e quinhentos) metros da barragem da Usina Hidrelétrica
de Marimbondo, no Rio Grande, no Município de Icém/SP, o que se subsome,
em tese, ao tipo penal descrito no próprio caput, e não no inciso II do
parágrafo único do artigo 34 da Lei 9.605/98, não obstante o apontado
pelo Juízo de origem.
3. Com efeito, a Instrução Normativa IBAMA n. 25, de 1º de setembro de
2009, que cuida do defeso da reprodução de peixes da bacia hidrográfica do
rio Paraná (de 1º de novembro a 28 de fevereiro), proíbe, expressamente,
a pesca para todas as categorias e modalidades "até um mil e quinhentos
metros (1.500m) a montante e a jusante das barragens de reservatórios
de empreendimento hidrelétrico, e de mecanismos de transposição de
peixes" (artigo 3º, III). Além disso, também veda, de maneira cabal,
a pesca subaquática, assim como o uso de materiais perfurantes, como
arpão e arbalete (artigo 6º, caput e parágrafo único), os quais foram,
alegadamente, apreendidos à fl. 07, em poder do acusado, no momento da
fiscalização pelos policiais militares ambientais, juntamente a 11 (onze)
quilos de pescados variados (incluindo espécies nativas, como piapara e
curimba) e demais equipamentos de mergulho.
4. Ademais, salienta-se que, no tocante à pesca em reservatórios, nas
modalidades embarcada ou desembarcada, eventual direito a cota, para
pescador amador, correspondente a 10 (dez) quilogramas e um exemplar,
restringe-se à atividade pesqueira realizada "com linha de mão ou vara,
linha e anzol, caniço simples, com molinete ou carretilha com uso de iscas
naturais e artificiais" (diversamente da presente hipótese, em que restaram
apreendidos equipamentos de mergulho e arbalete com arpão), e que compreenda
"exclusivamente espécies não nativas (alóctones e exóticas) e híbridos",
na forma do artigo 8º da mesma Instrução Normativa do IBAMA.
5. A partir dos elementos já coligidos aos autos, verifica-se que, ao
menos em princípio, o acusado, enquanto pescador amador, não faz jus ao
aludido direito de cota (a ensejar eventual excludente de tipicidade da
conduta a ele imputada), visto que, em tese, teria utilizado instrumentos
diversos daqueles normativamente admitidos para tanto, ao incorrer em
alegado uso de arbalete com arpão e equipamentos de mergulho diversos,
inclusive, para pesca de espécies nativas, como piapara e curimbas,
consoante o Boletim de Ocorrência Ambiental n. 140141 (fls. 04/05), Auto
de Infração Ambiental n. 296800 (fl. 06), Termos de Apreensão (fl. 07),
Termo de Destinação (fl. 08) e Registro Fotográfico (fl. 09), caindo
por terra a fundamentação desenvolvida pelo Juízo de origem ao deixar de
receber a denúncia oportunamente ofertada pelo Ministério Público Federal.
6. A despeito da posição adotada pelo Juízo Federal a quo, entende-se que
a conduta imputada a "GEAN CARLOS" não admite, no caso concreto, eventual
incidência do princípio da insignificância, uma vez que o bem penal
juridicamente tutelado não se limita à proteção daqueles exemplares
de pescados individualmente considerados, mas do ecossistema como um todo
(ecologicamente equilibrado), enquanto macrobem essencial à sadia qualidade
de vida das presentes e futuras gerações, e particularmente do ecossistema
aquático, no que concerne à conservação e reprodução das espécies da
fauna ictiológica (microbens), colocadas em risco a partir da pesca amadora
predatória, em tese, praticada pelo recorrido, durante o defeso, em local
proibido, não havendo de se cogitar eventual incidência do princípio da
insignificância, cuja aplicação não pode ser banalizada, ainda mais em
crimes ambientais.
7. Trata-se de crime formal que se perfectibiliza com qualquer ato
tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar
espécimes ictiológicos, consumando-se com a simples conduta capaz de
produzir materialmente o resultado danoso. Nesse sentido, os 11 (onze)
quilos efetivamente pescados em local e período proibidos consistem em
mero exaurimento do tipo penal descrito no artigo 34, caput, da Lei Federal
9.605/98.
8. A propósito, é pacífica na doutrina e na jurisprudência a independência
entre a esfera administrativa e a criminal, mormente em matéria ambiental,
nos termos do artigo 225, § 3º, da Constituição Federal.
9. Em sede de recebimento de denúncia, não há de se cogitar eventual
incidência do princípio "in dubio pro reo", visto que, especificamente
nessa fase processual, prevalece, com efeito, o princípio "in dubio pro
societate", em consonância com o entendimento sedimentado nos Tribunais
Superiores e neste E-TRF3.
10. Recurso em sentido estrito provido.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a
Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região,
por unanimidade, dar provimento ao recurso em sentido estrito interposto
pela acusação para reformar a decisão e receber a denúncia contra GEAN
CARLOS DE ALMEIDA FERREIRA, haja vista a existência de justa causa para o
exercício da presente ação penal, mormente em razão da inaplicabilidade,
na hipótese, do princípio da insignificância, determinando-se o retorno
dos autos à vara de origem, para regular prosseguimento do feito, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
16/02/2016
Data da Publicação
:
25/02/2016
Classe/Assunto
:
RSE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - 7407
Órgão Julgador
:
DÉCIMA PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Referência
legislativa
:
***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-395 INC-3
LEG-FED INT-25 ANO-2009 ART-3 INC-3 ART-6 PAR-ÚNICO ART-8
IBAMA
LEG-FED LEI-9605 ANO-1998 ART-34 PAR-ÚNICO INC-2
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-225 PAR-3
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/02/2016
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