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Jurisprudência


TRF3 0002775-04.2016.4.03.6112 00027750420164036112

Ementa
PENAL. PROCESSO PENAL. TESTEMUNHA. CONSULTA A APONTAMENTOS. CPP, ART. 204, PARÁGRAFO ÚNICO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. CIGARROS. CONTRABANDO. CONFIGURAÇÃO. INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. ART. 70 DA LEI N. 4.117/62. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA REVISADA. SÚMULA N. 444 DO STJ. 1. O parágrafo único do art. 204 do Código de Processo Penal permite que a testemunha realize breve consulta a apontamentos até mesmo durante a audiência, não havendo que se falar em nulidade da oitiva em razão de prévia consulta a seu próprio apontamento ou depoimento da fase policial (STJ, HC n. 145474, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 06.04.17; TRF da 3ª Região, ACR n. 0009817-43.2006.4.03.6181, Rel. Des. Fed. José Lunardelli, j. 08.11.16). 2. A jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte revela que, sob a vigência do art. 334 do Código Penal em sua redação anterior à Lei n. 13.008/14, nas hipóteses em que o agente importou, exportou, transportou, manteve em depósito, vendeu, expôs à venda ou adquiriu, recebeu, ocultou ou utilizou em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial, cigarros de origem estrangeira, produto de importação restrita, resta configurado o crime de contrabando por terem sido atingidos bens jurídicos de natureza diversa (erário, saúde pública, higiene, ordem econômica etc.), afastando-se, em regra, a incidência do princípio da insignificância. 3. Isso porque as condutas tipificadas pelas alíneas do § 1º do art. 334 do Código Penal, ao se referirem a "fatos assimilados, em lei especial, a contrabando ou descaminho" (alínea b), a "introdução clandestina" e "importação fraudulenta" (alínea c), e a "mercadoria desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos" (alínea d), podem configurar tanto o crime de contrabando como o de descaminho, a depender do objeto material e da forma como praticado o delito: se mercadorias de internalização permitida ou proibida e se acompanhadas de documentos falsos ou não acompanhadas de qualquer documentação legal, seja porque inadmitido em absoluto sua introdução no país, seja porque exigido, para ingresso, o cumprimento de requisitos legais perante as autoridades, fazendária ou sanitária, não observados pelo agente. 4. Trata-se de decorrência lógica tanto da redação do § 1º, que se referia ao caput de maneira genérica ("incorre na mesma pena quem"), quanto do significado e da própria origem dos vocábulos (do latim clandestinus, que se faz às escondidas, em segredo, e do latim fraus - fraudis, engano malicioso, ação astuciosa, promovidos de má fé para ocultação da verdade ou fuga ao cumprimento do dever). Tanto é assim que a nova redação do art. 334-A do Código Penal, que trata inequivocamente do delito de contrabando, incluiu no inciso II do § 1º a conduta de importar "clandestinamente" mercadorias. 5. Especificamente no caso de cigarros de origem estrangeira, a ANVISA apresenta as listas das marcas de cigarros, charutos e outros produtos cadastrados na Resolução RDC nº 90/2007, cujo art. 3º estabelece que "é obrigatório o registro dos dados cadastrais de todas as marcas de produtos fumígenos derivados do tabaco fabricadas no território nacional, importadas ou exportadas". As marcas que não constam nas referidas listas divulgadas pela ANVISA ou que tiveram seus pedidos de cadastro indeferidos não podem ser comercializadas no Brasil. Os maços de cigarros estrangeiros não tiveram sua qualidade e conformação a normas sanitárias verificadas pelas autoridades competentes, afora serem desprovidos de selo de controle de arrecadação e apresentarem inscrições em idiomas diversos do português, não possuindo os textos legais exigidos pela legislação vigente como requisito para circulação e comercialização no mercado nacional, em desconformidade com requisitos obrigatórios (Resolução ANVISA - RDC nº 335/2003 e suas alterações). 6. Por tal motivo, eventual referência na denúncia à "ausência de documentos comprobatórios de regular importação" tem justamente a finalidade de apontar a não comprovação da submissão dos produtos aos controles nacionais e a realização de cálculo de "tributos iludidos" por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil não faz presumir que estaria caracterizado o crime de descaminho. Referida avaliação tem fins estatísticos, como apontado nas próprias manifestações daquela Secretaria nos autos referentes ao crime envolvendo cigarros no sentido de que são "valores estimados que incidiriam em uma importação regular, para fins meramente estatísticos para a Secretaria da Receita Federal" (cf., a título de exemplo, fls. 99/101 dos autos da ACr n. 2009.61.08.009428-8, Rel. Des. Fed. Maurício Kato, j. 06.02.17), mesmo porque não se concebe a incidência de tributos na internalização de mercadorias objeto de contrabando, tanto quanto na internalização de drogas no crime de tráfico transnacional de entorpecentes. Não há, assim, cálculo dos tributos iludidos stricto sensu, mas aferição do "valor de mercado" dos cigarros e do impacto financeiro advindo da conduta criminosa à economia nacional em decorrência da introdução irregular de cigarros estrangeiros, indicando-se, ainda, o valor de tributos que seriam incidentes sobre a eventual importação regular de cigarros que fossem de internalização permitida. 7. Assim, como os arts. 2º e 3º do Decreto n. 399/68 equiparavam ao crime do art. 334 do Código Penal as condutas de adquirir, transportar, vender, expor à venda, ter em depósito e possuir cigarros de procedência estrangeira, a jurisprudência admite sua tipificação como contrabando com fundamento no art. 334, § 1º, b, do Código Penal (STJ, AgRg no Ag em REsp n. 697456, Rel Min. Nefi Cordeiro, j. 11.10.16; TRF da 3ª Região, ACR n. 00014644420124036006, Rel. Des Fed. André Nekatschalow, j. 06.02.17; ACR n. 0007988-64.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, j. 25.10.16; ACr n. 0004330-32.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Peixoto Júnior, j. 20.09.16; ACr n. 00000804120154036006, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 22.08.16; ACr n. 00000446720134036006, Rel. Des. Fed. Cecília Mello, j. 16.02.16; ACr n. 00031384620104036000, Rel. Des. Fed. Maurício Kato, j. 01.02.16; TRF da 4ª Região, ACr n. 0001823.63.2006.404.7109, Rel. Des. Fed. Leandro Paulsen, j. 17.07.15). No caso de cigarros de origem estrangeira introduzidos clandestinamente e importados fraudulentamente, resta também caracterizado o contrabando, nos termos da alínea c do art. 334 do Código Penal (TRF da 3ª Região, ACr n. 0000663-30.2014.4.03.6113, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 23.01.17; ACR n. 00002595320084036124, Des. Fed. Cecília Mello, j. 28.09.16; ACR n. 00003476020144036131, Des. Fed. José Lunardelli, j. 01.09.16; ACR n. 0006003-12.2010.4.03.6107, Rel. Des. Fed. Souza Ribeiro, j. 08.11.16). Por fim, na hipótese de cigarros de origem estrangeira desacompanhados de documentação legal ou acompanhados de documentos falsos, conforme a alínea d do art. 334 do Código Penal, configura-se igualmente o contrabando (STJ, AgRg no HC n. 129382, Rel. Min. Luiz Fux, j. 23.08.16; TRF da 3ª Região, ACr n. 0004330-32.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Peixoto Júnior, j. 20.09.16; ACR n. 0007988-64.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, j. 25.10.16; ACr n. 0007603-59.2010.4.03.6110, Rel. Des. Fed. Wilson Zauhy, j. 13.09.16). 8. Revejo meu entendimento para reconhecer a inaplicabilidade, em regra, do princípio da insignificância ao delito de contrabando envolvendo cigarros, consoante a jurisprudência desta Corte e dos Tribunais Superiores (STF, HC n. 118359, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma, j. 05.11.13; HC n. 118858, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 03.12.13; STJ, AgRg no REsp n. 1399327, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 27.03.14; AgRg no AREsp n. 471863, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 18.03.14; TRF da 3ª Região, 5ª Turma, RSE n. 0002523-24.2013.4.03.6106, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, j. 30.06.14; 5ª Turma, RSE n. 0002163-04.2013.4.03.6102, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 30.06.14; 2ª Turma, ACR n. 0012022-40.2009.4.03.6181, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 08.10.13). 9. Não é aplicável o princípio da insignificância ao crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62, pois, independentemente de grave lesão ou dolo, trata-se de crime de perigo, com emissão de sinais no espaço eletromagnético à revelia dos sistemas de segurança estabelecidos pelo Poder Público. O simples funcionamento de aparelho de telecomunicação sem autorização legal, independentemente de ser em baixa ou alta potência, coloca em risco o bem comum e a paz social. 10. Materialidade e autoria comprovadas. Manutenção das condenações. Revisão da dosimetria das penas. Incidência da Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação de Marcio Rogerio David e, de ofício, reduzir a pena a 2 (dois) anos de reclusão pela prática do crime do art. 334-A do Código Penal, em razão da incidência da Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça; dar parcial provimento à apelação de Elcio de Lima Silva para reduzir as penas e, de ofício, retificar seu cálculo, fixando-as definitivamente em 2 (dois) anos de reclusão pela prática do crime do art. 334-A do Código Penal e 1 (um) ano de detenção pela prática do crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62, regime inicial aberto, substituídas as penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo e prestação de serviços à comunidade, observado o tempo das penas privativas de liberdade; negar provimento à apelação de Hermes Rodrigues Bocci e, de ofício, retificar o cálculo das penas que têm natureza distinta, restando estabelecidas em 2 (dois) anos de reclusão pela prática do crime do art. 334-A do Código Penal e 1 (um) ano de detenção pela prática do crime do art. 70 da Lei n. 4.117/62; no mais, manter a sentença e, por maioria, determinar a execução provisória tão logo esgotadas as vias ordinárias, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 19/03/2018
Data da Publicação : 12/04/2018
Classe/Assunto : Ap. - APELAÇÃO CRIMINAL - 72451
Órgão Julgador : QUINTA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Referência legislativa : ***** CPP-41 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL LEG-FED DEL-3689 ANO-1941 ART-204 PAR-ÚNICO ***** CBT-62 CÓDIGO BRASILEIRO DE TELECOMUNICAÇÕES LEG-FED LEI-4117 ANO-1962 ART-70 ***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA LEG-FED SUM-444 LEG-FED LEI-13008 ANO-2014 ***** CP-40 CÓDIGO PENAL DE 1940 LEG-FED DEL-2848 ANO-1940 ART-334 PAR-1 LET-B INC-2 LET-D ART-334A LEG-FED RES-90 ANO-2007 ANVISA-RDC LEG-FED DEC-399 ANO-1968 ART-2 ART-3
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/04/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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