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Jurisprudência


TRF3 0002951-58.2012.4.03.6100 00029515820124036100

Ementa
CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO - CONSTRUCARD. DOCUMENTO HÁBIL. CERCEAMENTO DE DEFESA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REVISÃO DO CONTRATO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. TABELA PRICE. MORA. RESTITUIÇÃO. CLÁUSULA DE MANDATO/AUTOTUTELA. CONVENCIONAL, DESPESAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IOF. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Para a propositura da ação monitória é exigido, tão somente, uma prova escrita da obrigação, destituída de força executiva, servindo, assim qualquer instrumento ou documento que traga em si alguma probabilidade de se reconhecer a existência da obrigação a ser cumprida. Vale dizer que o excesso de cobrança não inibe o procedimento monitório, pois tais valores podem ser revistos mediante simples cálculos aritméticos. Em se tratando de Contrato de Abertura de Crédito Rotativo/Cheque Especial/Limite de Crédito para Desconto, o C. Superior Tribunal de Justiça já pacificou, por meio da edição da Súmula nº 247, abaixo transcrita, que o contrato de abertura de crédito acompanhado de demonstrativo do débito é suficiente para respaldar a ação monitória. Quanto ao "Contrato Particular de Abertura de Crédito à Pessoa Física para Financiamento de Materiais de Construção e Outros Pactos", que instrui a presente ação monitória, verifica-se das cláusulas primeira e segunda que o seu é objeto consiste na disponibilização pela CAIXA de um limite de crédito no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a um Custo Efetivo Total (CET) de 26,53% ao ano, atualizado pela Taxa Referencial - TR divulgada pela BACEN, sendo que o valor concedido somente pode ser destinado à aquisição de materiais de construção, a ser utilizado no imóvel residencial situado à RUA FIGUEIREDO DE COIMBRA nº 25-C, na cidade de São Paulo, mediante a utilização do cartão CONSTRUCARD CAIXA junto às lojas conveniadas. Assim, o presente contrato é equiparado aos contratos de concessão de abertura de crédito em conta-corrente, vez que se trata de contrato que prevê a disponibilização ao consumidor de um limite de crédito que pode ser utilizado mediante a utilização de cartão, razão pela qual deve ser aplicado ao caso sub judice o teor da Súmula nº 247 do C. STJ. No caso dos autos, a inicial veio instruída com o contrato de abertura de crédito assinado pelas partes (fls. 09/15) e o demonstrativo do débito (fl. 22), documentos que comprovam a utilização do crédito concedido. Ademais, a CEF ainda juntou os extratos da conta bancária às fls. 18/20. Evidencia-se, portanto, que a ação proposta é o instrumento adequado e necessário para a cobrança da aludida dívida, vez que presentes os requisitos indispensáveis ao mandado injuntivo. 2. O artigo 330 do Código de Processo Civil permite ao magistrado julgar antecipadamente a causa e dispensar a produção de provas, quando a questão for unicamente de direito e os documentos acostados aos autos forem suficientes ao exame do pedido. E o artigo 130 do Código de Processo Civil confere ao juiz a possibilidade de avaliar a necessidade da prova e de indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, de modo que, caso a prova fosse efetivamente necessária a prova pericial contábil para o deslinde da questão, teria o Magistrado ordenado sua realização, independentemente de requerimento. Somente seria necessária a produção de prova contábil para a aferição do quantum debeatur na hipótese em que o devedor indica especificamente equívocos no cálculo do credor e/ou traz seus próprios cálculos. Diferentemente, quando a impugnação limita-se a discutir a legalidade ou não de cláusulas, a controvérsia é exclusivamente de matéria de direito e dispensa a dilação probatória. Ademais, ressalte-se que, no caso dos autos, a parte apelante protesta genericamente pela produção de prova pericial, sem sequer indicar qual seria o seu objeto, isto é, sem esclarecer o que se pretende demonstrar com ela. 3. Não há mais controvérsia acerca da aplicabilidade dos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, conforme posicionamento do Supremo Tribunal Federal na ADIN 2591/DF e disposto no enunciado da súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça. Embora inegável a relação de consumo existente entre os litigantes, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, não significa ignorar por completo as cláusulas contratuais pactuadas, a legislação aplicável à espécie e o entendimento jurisprudencial consolidado. 4. É possível a revisão do contrato de abertura de crédito, desde que a apelante aponte concretamente alguma ilegalidade em suas cláusulas. 5. No que diz respeito à capitalização de juros vale ressaltar que, diante da vedação contida no artigo 4º do Decreto nº 22.626, de 07 de abril de 1.933, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 121. Com a edição Medida Provisória nº 1963-17 de 31.03.00 (reeditada sob o nº 2.170-36, de 23/082001), a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, acompanhando a evolução legislativa, assentou o entendimento no sentido de que "é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada." (REsp 973827/RS, submetido ao rito dos recursos repetitivos (artigo. 543-C do CPC) Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 24/09/2012). Conquanto recentemente o E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.388.972/SC, também sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia, tenha firmado a tese de que: "A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação", persiste a restrição temporal firmada no julgamento do REsp nº 973.827/RS e na Súmula nº 539 do STJ no sentido de somente ser permitida a capitalização de juros nos contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001). A meu ver, a nova tese apenas reforça o entendimento que já existia em relação à necessidade de pactuação expressa. É importante destacar ainda que o E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 973.827, cuja ementa encontra-se supra transcrita, consolidou que a pactuação da capitalização dos juros tem que ser realizada de forma expressa e clara, bem como que basta a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal para que seja lícita a cobrança da capitalização. Neste sentido, confiram-se as súmulas nºs 539 e 541 do Superior Tribunal de Justiça. No caso dos autos, admite-se a capitalização mensal dos juros remuneratórios, desde que expressamente pactuados (ou, nos termos da tese firmada pelo STJ, conste no contrato que a taxa de juros anual seja superior ao duodécuplo da mensal), pois o contrato foi celebrado em 11/05/2011, isto é, em data posterior à edição da aludida medida provisória. Todavia, verifico da leitura do contrato de abertura de crédito de fls. 09/15 que: (i) em relação ao período de adimplemento/normalidade do contrato (período de utilização e período de amortização), incidem juros remuneratórios à taxa efetiva de 1,98% ao mês e correção monetária pela Taxa Referencial - TR, conforme dispõem as cláusulas nona e décima; (ii) em relação ao período de inadimplemento, incidem juros remuneratórios à taxa efetiva de 1,98% ao mês com capitalização mensal, correção monetária pela Taxa Referencial - TR e juros de mora à taxa de 0,03333% por dia de atraso, além da possibilidade de cobrança de cláusula pena/pena convencional à taxa de 2% do valor da dívida, conforme dispõem as cláusulas décima quarta e décima sétima. Pois bem. Como se vê, nenhuma de suas cláusulas previu, expressamente, a capitalização dos juros remuneratórios para o período de normalidade do contrato, tampouco consta no contrato que a taxa de juros anual ultrapassa o duodécuplo da taxa mensal, de modo que não é possível presumir a pactuação da capitalização, nos termos da jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça. Em assim sendo, inexistindo comprovação de que houve pactuação da capitalização mensal dos juros remuneratórios para o período de normalidade do contrato, é ilegal a sua cobrança. Por sua vez, a capitalização mensal dos juros remuneratórios foi expressamente prevista para o período de inadimplemento do contrato, conforme se depreende do parágrafo primeiro da cláusula décima quarta, de modo que não há qualquer ilegalidade na sua cobrança. 6. Inexiste qualquer ilegalidade na utilização do Sistema Francês de Amortização, conhecido como Tabela Price, previsto na cláusula que amortiza a dívida em prestações periódicas, iguais e sucessivas, cujo valor de cada prestação é composto de uma parcela de capital (amortização) e outra de juros. 7. Em se tratando de obrigação com termo certo e determinado, e com vencimento também previamente aprazado, o termo inicial para incidência dos juros de mora, deve ser a data estabelecida para vencimento da obrigação (de cada parcela). Isso porque estamos diante de uma obrigação na qual a mora se opera "ex re", isto é, advém do simples vencimento da prestação sem respectivo adimplemento, dispensando, portanto, a notificação do devedor. 8. Quanto ao pleito de devolução em dobro dos valores indevidamente pagos, com fundamento no artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor c.c artigo 940 do Código de Processo Civil, que correspondia ao artigo 1531 do Código Civil de 1916, observo que a Súmula 159 do E. Supremo Tribunal Federal preconiza: "Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do artigo 1531 do Código Civil." No caso, não restou comprovado que a CEF tenha agido de má-fé na cobrança de qualquer encargo, assim não há que se falar em devolução em dobro dos valores cobrados. 9. Analisada à luz do Código Civil, a denominada "cláusula mandato/autotutela", que, segundo o apelante, autoriza a ré a efetuar o bloqueio de contas, aplicações, ou créditos do autor ou de seus fiadores, para fins de liquidar obrigações contratuais vencidas, não pode ser considerada abusiva ou desproporcional. 10. Quanto à cláusula contratual que prevê a cobrança de multa contratual de 2%, bem como de despesas judiciais e honorários advocatícios, resta prejudicado exame da matéria, pois a CEF, por mera liberalidade, não incluiu estes valores no débito em cobrança, consoante se depreende do demonstrativo de fl. 22. 11. O E. Superior Tribunal de Justiça já apreciou esta questão, no julgamento do Recurso Especial 1255573/RS, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 28/08/2013, DJe 24/10/2013, submetido ao procedimento representativo de controvérsia. Nesta ocasião, consolidou o entendimento de que podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais. Assim, é lícita a cobrança dos valores a título de IOF. 12. Mesmo quando verificadas ilegalidades no contrato, este fato não enseja a nulidade total do contrato. A dívida existe e a parte ré encontra-se em mora, razão pela qual, nestes casos, não é possível determinar à CEF que se abstenha de promover sua cobrança e eventualmente de inscrever o nome da parte ré nos cadastros de inadimplentes, após eventual recálculo conforme os critérios ora estabelecidos. 13. Por todas as razões expostas, a sentença deve ser reformada apenas para afastar a capitalização mensal dos juros remuneratórios no período de adimplemento do contrato. Consigno ainda que eventuais ilegalidades verificadas no contrato não ensejam a nulidade total deste. Impõe-se, em verdade, que a CEF proceda ao recálculo do valor devido de acordo com os critérios ora estabelecidos, abatendo-se dele os valores que a autora tenha pagado a título de encargos ilegais. 14. Por fim, persiste a sucumbência em maior grau da parte ré-embargante, devendo ser mantida a condenação ao pagamento das custas processuais e verba honorária nos termos fixados na sentença. 12. Recurso de apelação da parte ré-embargante parcialmente provido para determinar a exclusão da cobrança de capitalização mensal dos juros remuneratórios no período de adimplemento do contrato.
Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação da parte ré-embargante apenas para afastar a capitalização mensal dos juros remuneratórios no período de adimplemento do contrato, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Data do Julgamento : 19/03/2018
Data da Publicação : 23/03/2018
Classe/Assunto : Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1881469
Órgão Julgador : QUINTA TURMA
Relator(a) : DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES
Comarca : TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo : Acórdão
Indexação : VIDE EMENTA.
Fonte da publicação : e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/03/2018 ..FONTE_REPUBLICACAO:
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