TRF3 0002982-11.2013.4.03.6111 00029821120134036111
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. FAIXA DE DOMÍNIO DA
FERROVIA. PATRIMÔNIO DA UNIÃO. DNIT. CONCESSIONÁRIA ALL - AMÉRICA LATINA
LOGÍSTICA MALHA OESTE S/A. LAUDO PERICIAL COMPROVANDO O ESBULHO. RISCO
DE ACIDENTE. OCUPAÇÃO DE BOA-FÉ. PARTE HIPOSSUFICIENTE. INCABÍVEL A
CONDENAÇÃO DA RÉ AO PAGAMENTO DOS CUSTOS DA DEMOLIÇÃO DO IMÓVEL. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A r. sentença julgou procedente a demanda, para restituir a posse do
imóvel à autora ALL e para determinar à ré o desfazimento da construção
por ela erigida no local, sob pena da autora fazê-lo por conta própria,
a expensas da ré, determinando, ao final, a expedição de mandado de
reintegração de posse após o trânsito em julgado da presente demanda.
2. Em suas razões recursais, a ré alega que, em 2011, recebeu autorização
da Prefeitura Municipal de Marília (Termo de Autorização de Uso de Boxe
do Camelódromo - Boxe 164) para explorar sua atividade comercial naquele
local, não se tratando, portanto, de invasão. Sustenta, ainda, que não
possui condições financeiras para arcar com o custo da demolição. Requer,
assim, a reforma integral da r. sentença, determinando-se a manutenção
de sua posse sobre o imóvel em questão - Boxe nº 164, Rua 9 de Julho,
912, centro, Marília/SP.
3. Ao contrário do que alega a apelante, restou consignado pelo i. perito
que a ferrovia e a faixa por ela ocupada são de propriedade da União,
e exploradas pela empresa concessionária ALL - América Latina Logística
Malha Oeste S/A, bem como que a edificação da ré se encontra totalmente
inserida nas faixas de domínio e de segurança da citada ferrovia.
4. Ademais, tanto no Termo de Autorização de Uso de Boxe do Camelódromo -
Boxe 164 quanto no próprio Decreto Municipal nº 10.655/2011, que outorgou
autorizações de uso dos espaços no "Camelódromo", embora a ré figure
como beneficiária, não constam o endereço e as especificações exatas
dos imóveis cedidos para uso comercial, restando assinalado apenas que o
chamado "Camelódromo" está localizado anexo ao Terminal Rodoviário Urbano.
5. Ressalte-se, ainda, que, embora devidamente notificado, o Município de
Marília-SP deixou de se manifestar nos autos. Assim, conforme bem assinalado
pelo DNIT em suas contrarrazões, "não só o Município de Marília-SP
não poderia, obviamente, autorizar o uso de imóvel que não lhe pertence,
como é duvidoso que o ato administrativo abrangesse a área ocupada, como
quer fazer crer a apelante".
6. No mais, o Regulamento de Segurança, Tráfego e Polícia das Estradas
de Ferro (Decreto do Conselho de Ministros nº 2.089/63) dispõe, no §2º
de seu artigo 9º, que "a faixa mínima de terreno necessária a perfeita
segurança do tráfego dos trens, terá seus limites lateralmente fixados
por uma linha distante seis (6) metros do trilho exterior, salvo em casos
excepcionais, a critério do D.N.E.F".
7. No caso, o perito judicial apurou que a edificação da ré, ora apelante,
dista 1,63 m do trilho mais próximo e 0,90 m do alinhamento da plataforma
de embarque da estação, ressaltando, ainda, em resposta ao quesito nº 4,
que "o menor equipamento rodante comum em ferrovias, vagão ou autônomo
utilizado na manutenção de via, em caso de descarrilamento poderia atingir
a Edificação Objeto de Perícia".
8. Desta feita, além da área objeto da presente ação ter natureza
inequivocamente pública, a manutenção da posse da ré configuraria risco
para a sua própria segurança.
9. Cumpre esclarecer, ainda, que, nos termos do artigo 1196 do Código Civil,
considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não,
de algum dos poderes inerentes à propriedade, quais sejam, o poder de usar,
gozar, dispor ou reaver o bem (artigo 1228 do mesmo Código). Ocorre que,
em se tratando de bem público, não há que se falar em posse do ocupante,
mas, sim, em mera detenção, mesmo nos casos em que a ocupação tenha se
dado em decorrência de inércia da Administração Pública.
10. Por essa razão, também não é devida qualquer indenização à
ré por possíveis benfeitorias erigidas, nos termos do artigo 71 do
Decreto-Lei nº 9.760/46, uma vez que tal direito é resguardado apenas ao
possuidor. Precedentes.
11. Irreparável a r. sentença ao determinar a reintegração da autora,
ora apelada, na posse do imóvel descrito na inicial.
12. Entretanto, não se pode ignorar a boa-fé da ocupação da ré, que,
ainda que de forma equivocada, exerceu a posse sobre o local por anos,
entendendo, inclusive, que, a partir de 2011, sua posse estava autorizada
pela própria Prefeitura Municipal de Marília-SP, através dos mencionados
Termo de Autorização de Uso de Boxe do Camelódromo - Boxe 164 e Decreto
Municipal nº 10.655/2011, nos quais constam expressamente o seu nome.
13. Alie-se a isso o fato de se tratar de pessoa de baixa renda, beneficiária
dos benefícios da justiça gratuita, que utiliza o imóvel para fins
profissionais, e que afirma, em suas razões recursais, ter dispendido cerca
de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a construção do espaço físico de
seu comércio, pagos através de financiamento bancário. Desse modo, a sua
condenação ao pagamento dos custos da demolição do imóvel não se coaduna
com os princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.
14. Sendo assim, ante a relevância social do caso e a necessidade de se
resguardar os direitos e garantias fundamentais da ré, mister se faz a
exclusão de sua condenação ao desfazimento da construção ou ao reembolso
da autora, caso esta o faça por seus próprios meios.
15. Apelação a que se dá parcial provimento.
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. FAIXA DE DOMÍNIO DA
FERROVIA. PATRIMÔNIO DA UNIÃO. DNIT. CONCESSIONÁRIA ALL - AMÉRICA LATINA
LOGÍSTICA MALHA OESTE S/A. LAUDO PERICIAL COMPROVANDO O ESBULHO. RISCO
DE ACIDENTE. OCUPAÇÃO DE BOA-FÉ. PARTE HIPOSSUFICIENTE. INCABÍVEL A
CONDENAÇÃO DA RÉ AO PAGAMENTO DOS CUSTOS DA DEMOLIÇÃO DO IMÓVEL. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A r. sentença julgou procedente a demanda, para restituir a posse do
imóvel à autora ALL e para determinar à ré o desfazimento da construção
por ela erigida no local, sob pena da autora fazê-lo por conta própria,
a expensas da ré, determinando, ao final, a expedição de mandado de
reintegração de posse após o trânsito em julgado da presente demanda.
2. Em suas razões recursais, a ré alega que, em 2011, recebeu autorização
da Prefeitura Municipal de Marília (Termo de Autorização de Uso de Boxe
do Camelódromo - Boxe 164) para explorar sua atividade comercial naquele
local, não se tratando, portanto, de invasão. Sustenta, ainda, que não
possui condições financeiras para arcar com o custo da demolição. Requer,
assim, a reforma integral da r. sentença, determinando-se a manutenção
de sua posse sobre o imóvel em questão - Boxe nº 164, Rua 9 de Julho,
912, centro, Marília/SP.
3. Ao contrário do que alega a apelante, restou consignado pelo i. perito
que a ferrovia e a faixa por ela ocupada são de propriedade da União,
e exploradas pela empresa concessionária ALL - América Latina Logística
Malha Oeste S/A, bem como que a edificação da ré se encontra totalmente
inserida nas faixas de domínio e de segurança da citada ferrovia.
4. Ademais, tanto no Termo de Autorização de Uso de Boxe do Camelódromo -
Boxe 164 quanto no próprio Decreto Municipal nº 10.655/2011, que outorgou
autorizações de uso dos espaços no "Camelódromo", embora a ré figure
como beneficiária, não constam o endereço e as especificações exatas
dos imóveis cedidos para uso comercial, restando assinalado apenas que o
chamado "Camelódromo" está localizado anexo ao Terminal Rodoviário Urbano.
5. Ressalte-se, ainda, que, embora devidamente notificado, o Município de
Marília-SP deixou de se manifestar nos autos. Assim, conforme bem assinalado
pelo DNIT em suas contrarrazões, "não só o Município de Marília-SP
não poderia, obviamente, autorizar o uso de imóvel que não lhe pertence,
como é duvidoso que o ato administrativo abrangesse a área ocupada, como
quer fazer crer a apelante".
6. No mais, o Regulamento de Segurança, Tráfego e Polícia das Estradas
de Ferro (Decreto do Conselho de Ministros nº 2.089/63) dispõe, no §2º
de seu artigo 9º, que "a faixa mínima de terreno necessária a perfeita
segurança do tráfego dos trens, terá seus limites lateralmente fixados
por uma linha distante seis (6) metros do trilho exterior, salvo em casos
excepcionais, a critério do D.N.E.F".
7. No caso, o perito judicial apurou que a edificação da ré, ora apelante,
dista 1,63 m do trilho mais próximo e 0,90 m do alinhamento da plataforma
de embarque da estação, ressaltando, ainda, em resposta ao quesito nº 4,
que "o menor equipamento rodante comum em ferrovias, vagão ou autônomo
utilizado na manutenção de via, em caso de descarrilamento poderia atingir
a Edificação Objeto de Perícia".
8. Desta feita, além da área objeto da presente ação ter natureza
inequivocamente pública, a manutenção da posse da ré configuraria risco
para a sua própria segurança.
9. Cumpre esclarecer, ainda, que, nos termos do artigo 1196 do Código Civil,
considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não,
de algum dos poderes inerentes à propriedade, quais sejam, o poder de usar,
gozar, dispor ou reaver o bem (artigo 1228 do mesmo Código). Ocorre que,
em se tratando de bem público, não há que se falar em posse do ocupante,
mas, sim, em mera detenção, mesmo nos casos em que a ocupação tenha se
dado em decorrência de inércia da Administração Pública.
10. Por essa razão, também não é devida qualquer indenização à
ré por possíveis benfeitorias erigidas, nos termos do artigo 71 do
Decreto-Lei nº 9.760/46, uma vez que tal direito é resguardado apenas ao
possuidor. Precedentes.
11. Irreparável a r. sentença ao determinar a reintegração da autora,
ora apelada, na posse do imóvel descrito na inicial.
12. Entretanto, não se pode ignorar a boa-fé da ocupação da ré, que,
ainda que de forma equivocada, exerceu a posse sobre o local por anos,
entendendo, inclusive, que, a partir de 2011, sua posse estava autorizada
pela própria Prefeitura Municipal de Marília-SP, através dos mencionados
Termo de Autorização de Uso de Boxe do Camelódromo - Boxe 164 e Decreto
Municipal nº 10.655/2011, nos quais constam expressamente o seu nome.
13. Alie-se a isso o fato de se tratar de pessoa de baixa renda, beneficiária
dos benefícios da justiça gratuita, que utiliza o imóvel para fins
profissionais, e que afirma, em suas razões recursais, ter dispendido cerca
de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a construção do espaço físico de
seu comércio, pagos através de financiamento bancário. Desse modo, a sua
condenação ao pagamento dos custos da demolição do imóvel não se coaduna
com os princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.
14. Sendo assim, ante a relevância social do caso e a necessidade de se
resguardar os direitos e garantias fundamentais da ré, mister se faz a
exclusão de sua condenação ao desfazimento da construção ou ao reembolso
da autora, caso esta o faça por seus próprios meios.
15. Apelação a que se dá parcial provimento.Decisão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide
a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Data do Julgamento
:
04/12/2018
Data da Publicação
:
17/12/2018
Classe/Assunto
:
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2238311
Órgão Julgador
:
PRIMEIRA TURMA
Relator(a)
:
DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS
Comarca
:
TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO
Tipo
:
Acórdão
Indexação
:
VIDE EMENTA.
Fonte da publicação
:
e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/12/2018
..FONTE_REPUBLICACAO:
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